Israel Souza[1]
Ainda há alguns dias, o governo da Frente Popular do Acre (FPA)[2]
fez aprovar, na Assembleia Legislativa do Acre (ALEAC), um pedido de
empréstimos cujo montante, segundo informações veiculadas na imprensa
local, supera 1 bilhão.
Os
deputados que foram favoráveis ao pedido de empréstimo argumentavam, em
seu favor, que isso representava “benefícios para o povo do Acre”. Os
que foram contra afirmavam que era “um grande risco”.
Ciente
da importância do tema da dívida pública para entender a conjuntura de
nossos dias e a recente história do Acre, o presente texto o toma por
objeto de reflexão. Dentre outras coisas, através do modelo de
“desenvolvimento sustentável”, o texto chama a atenção para a relação
entre os processos de endividamento crescente do Estado e de
comprometimento - também crescente - de nosso território e riquezas
naturais.
A
tese central aqui defendida é: através de endividamento, o atual
governo implantou um modelo de desenvolvimento que se mostrou um
fracasso multifacetado. E agora, a fim de atenuar ou encobrir as mazelas
geradas pelo modelo adotado, se lança numa desesperada busca por novos
empréstimos.
Pretende
com isso ganhar mais um fôlego político-eleitoral neste difícil momento
em que sua legitimidade declina. As coisas parecem indicar que o
governo entrou numa espécie de “círculo vicioso da dívida”, com graves
implicações já em curso e outras ainda por vir.
A matriz do “desenvolvimento sustentável”
Como
é amplamente sabido, a história do “desenvolvimento sustentável” no
Acre tem seu fundamento na relação do governo da FPA com o Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (BM).
“Hemos
dicho que la única manera de que la administración forestal sea viable
es crear infraestructura de transporte confiable” (La Amazonía del mañana),
disse um dos representantes do governo estadual ao solicitar empréstimo
do BID, logo ao início dos 13 anos que a coalizão está à frente do
poder estatal.
Ao
pedido, o banco respondeu “con la aprobación de un préstamo por 64,8
millones de dólares para el proyecto de pavimentación”. Então, foi
assinado o Contrato de Empréstimo BID 1399/OC-BR para implantação do Programa de Desenvolvimento Sustentável do Acre (PDSA). O valor foi de 108 milhões de dólares, dos quais 64,8 milhões do BID e 43,2 milhões de contrapartida local.
O
objetivo do Programa era “mejorar la calidad de vida de la población y
preservar el patrimônio natural del Estado de Acre em el largo plazo.”
Seu plano era constituído de três componentes: 1) manejo sustentável e
conservação dos recursos naturais; 2) apoio e fomento do desenvolvimento produtivo sustentável e do emprego; e 3) infra-estrutura pública do desenvolvimento.
Um dos resultados mais notáveis do PDSA foi a reconfiguração territorial
de grande magnitude que ele ensejou, pois, ainda que referenciado na
BR-364, suas implicações abrangem todo o território do estado.
Derivaram-se
daí “normas de protección de la selva lindante con la carretera por
medio de medidas entre las que se cuenta la creación de parques
estatales” e a implementação de “un conjunto de proyectos para conservar
y administrar los recursos naturales, desarrollar industrias que
aporten valor a estos recursos, y pavimentar un segmento de 70
kilómetros de la BR-364”.
A aprovação da Lei 1.426/2001, que instituiu o Sistema Estadual de Áreas Naturais Protegidas e a Concessão Florestal
no estado, logo mostrou que a mercadificação e a privatização da
floresta seriam a tônica do Programa. O próprio governo reconhece, em
tom ufanista, que aproximadamente “seis milhões de hectares (de
floresta) apresentam aptidão e acessibilidade para a produção florestal
sustentada e contínua” (Programa de Desenvolvimento Sustentável do Acre), isto é, para a exploração madeireira.
Sob a tutela do BID, o governo forjou assim um instrumento legal que possibilita a exploração privada da floresta e de seus bens. O paradoxo desse feito é que as florestas (habitadas e não habitadas) são públicas no nome e privadas em sua exploração e apropriação.
Comprometimento crescente: hipotecando terras e territórios
Em
certo sentido, é lícito dizer que, pelos acordos com o BID e o BM, o
governo pôs em marcha um processo em que o território do estado é,
crescentemente, hipotecado. A contrapartida local, portanto, envolve bem
mais que alguns milhões. O mapa a seguir mostra as dimensões disso, com
as áreas verdes (claro e escuro) destinadas ao “uso sustentável” e à
“conservação permanente”.
Configuração territorial do Acre
Fonte: Base de dados geográficos do ZEE/AC, Fase II, 2006
Aprofundando este processo, no final de 2008, o Estado do Acre, através do Programa Integrado de Desenvolvimento Sustentável do Acre (ProAcre), firmou contrato de 150 milhões com o BM. 120 milhões do banco e 30 milhões de contrapartida local.
Com previsão de duração de seis anos, o Programa tem como foco de ação as margens das BRs 364 e 317 (tratadas, agora, como Zonas Especiais de Desenvolvimento - ZEDs) e se propõe melhorar
a qualidade de vida das comunidades mais distantes dos centros urbanos,
levando-lhes saúde, educação e produção - coisa necessária louvável.
Mas,
não casualmente, o programa pretende também promover o “ordenamento ou
adequação para o desenvolvimento sustentável, especialmente dentro de
Unidades de Conservação, Terras Indígenas e projetos de assentamento” -
coisa discutível e perigosa.
Por
certo, em parte, o acordo trouxe investimentos para a educação e a
saúde. Interessa, no entanto, observar não apenas o que o governo recebe
- sem o quê seria difícil justificar minimamente o Programa -, mas
como, através desse tipo de acordo, ele segue comprometendo
crescentemente nosso território e bens naturais.
Infraestrutura
Outros
mapas governamentais tornam ainda mais claro esse “comprometimento
crescente” de nosso território. Ver-se-á que as “áreas de manejo
florestal” e as “Zonas Especiais de Desenvolvimento” seguem, quase sem
surpresas, os traçados das BRs 364 e 317.
Pode-se
dizer que os acordos do governo com os bancos aqui em foco tinham por
finalidade o “desenvolvimento sustentável”. Este, por sua vez, tem por
finalidade, sobretudo, a exploração madeireira ou, como dizem, o “manejo
florestal sustentável”.
A
infraestrutura, um dos componentes do PDSA, ganha significado neste
quadro. Os empréstimos e os acordos abriram caminho jurídico ao capital,
redesenhando o território e redefinindo seu uso, mercantilizando e
privatizando a floresta. Após o terreno assim preparado, as estradas
abrem o caminho físico, facilitando ao capital o acesso às riquezas
naturais.
Entre o abandono, a repressão e o assistencialismo
Claro
que comprometer nessa magnitude o território, redesenhando-o e
redefinindo seu uso, tem grandes implicações para os homens e mulheres
que nele habitam e dele tiram seu sustento. Antes e de maneira mais
direta que os que estão na cidade, eles sentiram os efeitos perversos
dessas políticas, sofrendo pelo abandono ou pela repressão.
Muitos
são os que reclamam da falta de incentivo técnico e financeiro para a
pequena produção, da falta de ramais por onde escoarem o que produzem. A
esta dificuldade, soma-se a imposição do “fogo zero”.
Sem
que o governo ofereça alternativas, a restrição indiscriminada do uso
do fogo na preparação do roçado tem levado à fome e ao desespero muitas
famílias. Agora seu ancestral modo de preparar a terra para o plantio
virou crime, enquanto os madeireiros são tratados como responsáveis pela
preservação da floresta.
Outros
fatores têm acentuado ainda mais o problema. Resultando em
desmatamento, a exploração madeireira tem levado igarapés a secarem
(diminuindo a oferta de peixes, algo fundamental na alimentação dessa
população) e a caça a fugir para áreas onde a movimentação e o barulho
sejam menores.
Concorre
para o mesmo sentido a atuação de alguns servidores do IBAMA e do
ICMBIO. Em uma audiência pública realizada 31/05/2012, no Cine Teatro
Recreio, moradores das Resex (Reservas Extrativistas) relatavam abusos
de autoridade - sobretudo da parte do ICMBIO -, a representantes da
Secretaria dos Direitos Humanos.
Além
das intimidações, constrangimentos e humilhações, os moradores das
Resex reclamavam das multas impagáveis que estão sendo aplicadas -
coisas que faz tempo Osmarino Amâncio denuncia. Também presente na
audiência pública, uma liderança indígena dizia ter recebido uma multa
de um agente do ICMBIO cujo valor ficava na casa das dezenas de milhares
de reais.
Por
essas razões, muitos têm visto no “Bolsa Verde” uma forma de aliviar
suas dificuldades. Todavia, até para isso a mentira e a coerção têm
cumprido um papel fundamental.
Lançado em 2011, o “Bolsa Verde” é um programa assistencialista do governo federal, parte do Programa Brasil Sem Miséria Região Norte.
Aceitando participar do Programa, as famílias (residentes em florestas
nacionais, reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável, em
projetos de assentamento florestal, de desenvolvimento sustentável e de
assentamentos extrativistas do Incra) passariam a receber 100 (cem)
reais mensais.
Em
conversa com pequenos produtores de Brasiléia, Sena Madureira Capixaba e
Boca do Acre, percebemos que pessoas estão sendo induzidas a assinar o
termo de compromisso para participar do Programa sem saber ao certo o
que estão fazendo.
Os
agentes do governo dizem a uns que eles “têm que assinar”, dando a
entender que participar do Programa é uma obrigação. A outros dizem que é
“complementação do Bolsa Família”. Nada dizem sobre o fato de que
assinar o termo de compromisso restringirá, em escala colossal, seus já
restringidos direitos de uso de seus territórios.
Em
suma, o acordo do governo com os bancos levou ao comprometimento do
território. Este comprometimento, por sua vez, tem resultado na
restrição dos direitos de muitos homens e mulheres dos campos e
florestas. Em razão disso, eles têm passado privações. Na busca de
aliviá-las - tocados pela mentira e pela coação -, têm aderido ao “Bolsa
Verde” cujo valor, convém salientar, é irrisório.
Tudo
isso tem ajudado o governo a reservar a floresta para o capital, seja
pela via dos manejos madeireiros, seja através da proposição de
políticas de REDD e Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). A tendência
daí resultante é que mais parcelas do território sejam incluídas no
processo de comprometimento, mais florestas mercantilizadas e
privatizadas, mais dificuldades para a população dos campos e florestas.
As várias faces de um mesmo fracasso[3]
Em
algumas coisas o PDSA foi exitoso, como na promoção da exploração
madeireira. Tal exploração passou de 300 mil m3/ano para mais de um
milhão m3/ano. Como não podia deixar de ser, o desmatamento também
aumentou. Passou de 5.300 Km2 entre 1988-98, para 7.301,2 Km2 na década
seguinte.
Como
a exploração madeireira, também a pecuária extensiva de corte triplicou
nos últimos anos. Segundo o professor Elder Andrade de Paula, o rebanho
bovino passou de 800 mil cabeças para três milhões.
A
condição social da maioria dos acreanos não teve a mesma sorte. De
acordo com o Censo Demográfico de 2010, Paula ressalta que 66,2% dos
domicílios acreanos recebem até um salário mínimo mensal. O autor
destaca ainda que o estado do Acre, segundo pesquisa do Ipea, apresentou
a maior desigualdade da região amazônica e a segunda maior do Brasil,
atrás apenas do Distrito Federal.
O
Acre está, portanto, muito longe de ser “o melhor lugar para se viver
na Amazônia”, coisa que o ex-governador Binho disse levá-lo a ser. Quase
metade da população (algo em torno de 60 mil famílias) recebe o “Bolsa
Família” como uma maneira de aliviar a pobreza. Destes empobrecidos, 121.290 compõem a população em extrema pobreza no estado.
Esses dados mostram que esse modelo de desenvolvimento é um fracasso ambiental, social, econômico e político.
“Funcionalização da pobreza”
Coisas
assim são claros sinais da incapacidade de o Estado local se sustentar.
A suspensão dos programas assistencialistas do governo federal geraria
um verdadeiro caos nestas terras, minando ainda mais a pouca
legitimidade de que hoje o governo goza.
Os impactos políticos seriam enormemente negativos para o governo já que, segundo fontes oficiais, “das 58.707 famílias beneficiárias do Bolsa Família, 89,5% têm renda per capita mensal de até R$ 70” (Tião Viana participa de lançamento do Bolsa Verde em Manaus).
Com o Bolsa Verde, a estas famílias se somariam outras 15,8 mil.
Seriam, então, mais de 74 mil famílias dependendo, de algum modo, do
governo federal para garantir um mínimo de dignidade negado pelo modelo
de desenvolvimento adotado localmente.
Como se não bastasse essa degradante condição, tais sujeitos são submetidos a
uma espécie de “funcionalização da pobreza”. Embora não sem
contradições e limites, essa é uma forma de reproduzir ampliadamente a
pobreza gerada pelo modelo e fazê-la funcional a ele.
Desse
modo, através dos programas assistencialistas do governo federal, o
governo estadual evita o caos, domestica os empobrecidos - em parte,
obviamente - e os arregimenta politicamente a fim conferir alguma
aparência de legitimidade a seus projetos.
Vale
ressaltar que não apenas na questão social o governo acreano depende do
federal. Os principais projetos em construção contam com a ajuda da
União: Cidade do povo e Ruas do Povo.
O inferno de uns sustenta o paraíso de outros
O
elevado número de pessoas dependentes da ajuda governamental diz muito
sobre as debilidades da economia local e, portanto, do mercado de
trabalho.
Mesmo
permitindo dar certa estrutura ao estado, com o que a governo da FPA
ganhou robusta popularidade em seus primeiros anos, os empréstimos
tomados não deram vida a uma economia dinâmica.
Na verdade, parte significativa da infraestrutura aqui deitada com dinheiro dos empréstimos ou tem caráter meramente cosmético[4]
ou está voltada para dar acesso aos bens naturais. Não admira que as
áreas de manejo sigam amplamente o traçado das BRs 364 e 317.
No
entanto, a relação comercial calcada na exploração de bens primários
apenas irrisoriamente favorece a pessoas comuns do lugar, privilegiando
sobremaneira grupos forâneos e elites locais a eles ligadas de modo
subordinado.
Por tal quadro, o Estado continua determinante para o mundo do trabalho. Todavia até neste ponto o governo acreano segue, servilmente, os cânones neoliberalizantes do BM.
É notável
o número de trabalhadores temporários em todas as esferas da
administração pública, saúde, educação, segurança etc. São trabalhadores
precarizados. Ganham pouco, trabalham muito, não têm segurança no
trabalho e, não raro, seu salário atrasa - neste momento, há professores
reclamando de salários atrasados a três meses.
Tais
condições deixam os trabalhadores super-expostos à exploração econômica
como às chantagens políticas do governo. Sim. Não poucos foram e são
intimados a participar de comícios ou reuniões com candidatos
governistas. A eleição de 2010 não foi a primeira vez em que
trabalhadores foram submetidos a isso[5]. Também
não foi a última. Já ouvimos relatos dizendo que as coisas vêm se
repetindo agora nesta eleição (2012) e, a permanecer do jeito que está,
se repetirão ainda em outras.
Como
sempre, os patrões e os “donos de cooperativas” aproveitam a
oportunidade para estreitar relações com o governo. E os sindicatos,
pelegos, fazem vista grossa. Quando intimados, saem em defesa de “seu
governo”. Lembremos que, para defendê-lo, tanto o patronato quanto os
sindicatos lançaram cartas contra a revista Istoé e contra a Carta do Acre[6].
Por
limitar os concursos, como já vem ocorrendo, isso contribuiu para a
valorização política e econômica dos cargos comissionados. Esse é um dos
motivos pelos quais temos, numa ponta, trabalhadores sub-remunerados e
super-explorados e, noutra, privilegiados, formando “ilhas de
bem-aventuranças”. O inferno de uns sustenta o paraíso de outros. Entre
os bem-aventurados estão aqueles abençoados pelo sangue, os acolhidos no
serviço público pela via do nepotismo.
No
quadro de um modelo de desenvolvimento fracassado, em que a pobreza
impera e o Estado é espaço-chave para afirmação e ascensão social, não é
sem razão que os cargos comissionados desempenham papel tão importante
nas negociações antes, durante e depois das eleições.
Há
que se esperar ainda que o peso da dívida contraída pelo atual governo
recaia sobre o salário do funcionalismo público, achatando-o, criando
limites até para a simples reposição do que a inflação corroer.
De
outro lado, convém não descuidar de cortes nos gastos sociais que, já
hoje, sustentam serviços de péssima qualidade. Tião Viana já foi, mais
de uma vez, alertado pelo Tribunal de Contas do Estado por não respeitar
o mínimo que a lei prescreve para o gasto com a educação.
“Círculo vicioso da dívida”
Como
vimos alhures, endividando-se com o BID e o BM, o governo da FPA
implantou um modelo de desenvolvimento que se mostrou um fracasso
multifacetado, isto é, um fracasso na área ambiental, social, política e
econômica.
Em
razão desse fracasso, agora o governo se lança numa desesperada busca
por novos empréstimos, a fim de atenuar ou encobrir as mazelas geradas
pelo modelo. Pretende com isso ganhar mais um fôlego político-eleitoral
neste difícil momento em que sua legitimidade declina.
As
coisas parecem indicar que o governo entrou numa espécie de “círculo
vicioso da dívida”, com graves implicações já em curso e outras ainda
por vir.
Por certo, o endividamento do Estado não começa com a FPA. Mas sob esse governo ele ganha grande impulso. Numa
perspectiva histórica, vê-se que não se trata de um empréstimo e sim de
um processo de endividamento crescente por parte do Estado, em que
empréstimo sucede empréstimo. É exatamente esse processo que a expressão
“círculo vicioso da dívida” pretende designar. Até parece que a América Latina dos anos 1970-90 e a Europa dos dias de hoje nada têm a ensinar sobre o perigo da dívida!
Este
empréstimo de mais de 1 bilhão que recentemente o governo fez aprovar
na ALEAC não foi, portanto, o primeiro. Talvez nem seja o último. Na
mesma ocasião, o governo também solicitou à ALEAC “a prerrogativa de solicitar créditos adicionais - ao BNDES e ao Banco Mundial - sem comunicar ao Poder Legislativo”.
O
empréstimo e a “prerrogativa” acima referidos mostram que são graúdas
as necessidades e as intenções do governo. Mostram também que, mesmo
diante de tantos problemas, ele opta por seguir aprofundando o modelo de
desenvolvimento, ampliando o comprometimento de nosso território e
ignorando os limites financeiros do Estado.
O
governo sempre se nega a tratar abertamente dos empréstimos. Não
repassa informações ou documentos sobre eles. Ainda no último pedido
encaminhado à ALEAC, não apresentou as minutas dos contratos, com a especificação de pagamento e investimentos dos recursos.
Para o presidente da Unale (União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais), deputado estadual Luis Tchê (PDT),
ao votarem favoravelmente a permissão de empréstimos, os deputados
estavam “operando no escuro e assinando um cheque em branco para o
governo gastar como quiser” (Sebastião Viana “manda” e deputados aprovam cinco empréstimos que superam R$ 1 bilhão).
O
valor da dívida do Estado é uma incógnita. Sabe-se, porém, que é
grande. De acordo com o presidente da Unale, ela estaria na casa dos 5
bilhões, o que faria do Acre um dos 11 estados mais endividados do
Brasil.
Cabe
então indagar: será que chegamos naquela suicida situação, naquele
círculo vicioso da dívida em que se recorre a novos empréstimos para
pagar velhos empréstimos ou simplesmente os juros de velhos empréstimos?
Tudo
indica que, se lá não chegamos, de lá não estamos longe. A postura do
governo, de negar informações e pedir dispensa da obrigação de comunicar
à ALEAC novos empréstimos tomados ao BNDES e ao BM, aponta nessa
direção.
Instituições maculadas
Importa
sublinhar que, pelo feito, no ano de seu cinquentenário, o poder
Legislativo acreano comprovou ser não mais que um apêndice do Executivo,
se negando a cumprir, ainda que formalmente, sua função de
fiscalizador. Em que pese o desrespeito aos ritos e à observância ao que
prescreve a lei, a solicitação do governo foi aprovada, com 16 votos a
favor e 7 contra.
Um
dos deputados favoráveis ao pedido do governo, Walter Prado, disse não
poder “votar contra os benefícios para o povo do Acre”. Com essa
justificativa, desrespeitou a orientação do líder de seu partido, deputado Luis Tchê, e agora, junto com outros consortes, faz parte do PEN (Partido Ecológico Nacional).
A
verdade é que os motivos de Walter Prado eram bem outros. Em 2010 ele
foi acusado de crime eleitoral (compra de votos). Mas agora em 2012, a
assembleia requereu a “sustação da ação” que corresponde à “suspensão do
andamento da ação penal”. Seria exagero dizer que a fidelidade de Prado
ao governo contou em seu favor no julgamento?
Recentemente,
a Procuradoria Regional Eleitoral (PRE) pediu ao Tribunal Regional
Eleitoral do Acre (TRE/AC) a continuidade, “até a condenação, dos
processos criminais ajuizados contra os deputados estaduais Walter Prado
e Elson Santiago” (Presidente da ALEAC e, gora também, membro do PEN).
Também
por esses dias, a Procuradoria Geral Eleitoral (PGE) pediu, através de
parecer, a cassação do senador Jorge Viana (PT), do governador Tião
Viana (PT), do vice-governador César Messias (PP) e dos suplentes Nilson
Mourão e Gabriel Maia. O documento ressalta que a vitória da coalizão
na última eleição foi obtida de maneira “ilegítima e ilegalmente, com
violações flagrantes que levaram ao desequilíbrio da disputa eleitoral
no Estado do Acre” (Pedido de cassação de Jorge e Tião).
Os casos acima não maculam seriamente a imagem do TRE/AC? Não levantam dúvidas quanto à competência e à isenção do órgão?
“Depois de mim, o dilúvio”[7]
Na Rio+20, o governo promoveu o dia do Acre. Um dos momentos deste evento tinha por título Faça do Acre sua floresta. O dono da madeireira Laminados Triunfo Ltda - aquela que aqui incorreu em crimes ambientais - foi um dos palestrantes!!!
Foi
com acerto que o grupo responsável pelo lançamento do Dossiê Acre no
evento apresentou aquela faixa, com os dizeres “As madeireiras já fazem
do Acre sua floresta”.
De
imediato vale observar a proximidade que o título guarda com a
propaganda do governo militar para atrair investidores para a Amazônia.
Baseada na tese do “vazio demográfico”, a propaganda militar tratava a
Amazônia como “uma terra sem homens para homens sem terra”.
É
exatamente isso o que o governo do Acre está fazendo, oferecendo a
floresta acreana como se não houvesse ninguém habitando nela, como se
ela já não tivesse dono. Queria ele dizer que o Acre é uma floresta sem
homens para homens sem floresta?
Cumpre
dizer que isso representa uma desesperada busca por atrair capital, sem
a menor preocupação com o comprometimento do território, com a sorte
dos que nele habitam, com as finanças do povo acreano.
Por
tudo isso é que dizemos que os problemas do endividamento já são
visíveis. E a tendência é que se acentuem. Resta saber não mão de quem
esta bomba explodirá. Na mão da FPA? Na mão da oposição? Independente
disso, sabemos que quem arcará com as contas será o povo.
O
atual governo, porém, por desespero político ou irresponsabilidade - ou
um misto de ambas as coisas - segue sem muito se importar, como quem
diz a si mesmo: “Depois de mim, o dilúvio”. E vai hipotecando o futuro
do Acre.
[1] Cientista Social, com habilitação em Ciência Política e membro do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental (NUPESDAO).
[2]
Coalizão partidária que, desde 1999, está à frente do poder estatal
acreano. Ela é encabeçada pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
[3]
Parte dos dados usados nesta seção foi extraída do texto que o
professor Elder, valendo-se de pesquisa própria e de outros, escreveu
para o Dossiê Acre.
[4] Lembremos
de obras bonitas que temos nos centros de algumas cidades, como Rio
Branco, sem esquecer o abandono a que estão submetidas as periferias.
[5] Dentre
outras, essa é uma das acusações que o Ministério Público Eleitoral faz
aos irmãos Viana e a partir delas pede a cassação de ambos e seus suplentes ao Tribunal Superior Eleitoral.
[6] A Central Única dos Trabalhadores (CUT) escreveu uma carta com o título Em defesa do Acre: para não voltar ao passado. A Federação das Indústrias do Estado do Acre (FIEAC) também escreveu uma. Seu título era Em defesa do desenvolvimento sustentável.
[7] Frase atribuída a Luís XV de Bourbon. Egoisticamente, o monarca expressa o desinteresse pelo destino da França depois dele.