sábado, 28 de julho de 2012

Entenda o AI-5 indígena


Elementos que ajudam a entender a Portaria Nº 303,
 de 16 de julho de 2012 da AGU

O Advogado Geral da União Luis Inácio Lucena Adams, baixou a Portaria Nº 303, de 16 de julho de 2012, para dizer que a FUNAI e os outros órgãos públicos federais devem aplicar as condicionantes decididas pelo Supremo Tribunal Federal – STF, na Ação Judicial contra a terra indígena Raposa Serra do Sol (Petição 3.888-Roraima/STF), a todas as terras indígenas, no país. Também diz que tudo o que foi feito em relação às terras indígenas depois dessa decisão do STF, que aconteceu em março de 2009, e que não estiver de acordo com essas condicionantes precisa ser refeito.

A Advocacia-Geral da União (AGU), tem status de Ministério. Seu papel é o de defender todos os poderes da União, bem como prestar consultoria e assessoramento jurídico ao governo federal.

Principais pontos da Portaria que trazem grandes prejuizos aos povos indígenas.

1.      Ataca a autonomia dos povos indígenas sobre os seus territórios. Limita e relativiza o direito dos povos indígenas sobre o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes nas terras indígenas;
2.      Afirma que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidroelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos indígenas;

3.      Transfere para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade o controle sobre grande quantidade de terras indígenas. Terras indígenas sobre as quais indevidamente foram sobrepostas Unidades de Conservação.

4.      Cria problemas para a revisão de limites de terras indígenas demarcadas que não observaram integralmente o direito indígena sobre a ocupação tradicional.

5.      Determina a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas que não estiveram de acordo com o que o STF decidiu para a TI Raposa Serra do Sol.

Por que a Portaria é inconstitucinal e afronta os direitos indígenas.

            1. Por que a decisão do STF só vale para a TI Raposa Serra do Sol em Roraima. Recentemente três Ministros do STF reafirmaram esse entedimento.

            2.  Por que o que foi decidido pelo STF na Ação Popular contra a Raposa Serra do Sol ainda pode ser mudado. As comunidades indígenas da Raposa Serra do Sol estão questionando judicialmente a decisão do STF. Entraram com “Embargos de Declaração”, que ainda não foram julgados.

            3. Por que o Advogado Geral da União não tem poderes para fazer leis que afetem os povos indígenas. Isso compete ao Congresso Nacional.

            4. Por que  coloca condicionantes para usufruto exclusivo pelos povos indígenas das riquezas naturais existentes em suas terras para além do que está escrito no artigo 231 da Consituição Federal.

            5. Desrespeita o direito que os povos indígenas tem de serem consultados sobre medidas ou projetos governamentais que podem afetá-los diretamente como determina a Convenção 169 da OIT.

Muita atenção para o tamanho do absurdo!!!

Os artigos 2º e 3º da Portaria questionam a validade de tudo o que já foi feito em relação à demarcação das terras indígenas. Isso quer dizer que inclusive as terras já demarcadas, podem ser revistas. Levantar incertezas sobre a legalidade da demarcação das terras indígenas é de uma irresponsabilidade absurda. Cria expectativas naqueles setores que sempre cobiçaram as terras indígenas, estimula a violência e afronta a memória das numerosas lideranças indígenas mortas pelo latifúndio, que entregaram a vida para assegurar a terra sagrada para o futuro de seus povos.

A quem interessa a Portaria

A pergunta que as lideranças e organizações indígenas e os aliados se fazem é sobre os motivos que levaram a Advocacia Geral da União – AGU, a publicar uma Portaria com implicações tão graves e tão descaradamente contrárias aos interesses e direitos dos povos indígenas. 

É importante se dar conta de que essa portaria autoritária é baixada justamente no momento em que o governo chama os povos indígenas para dialogar sobre a promoção e proteção dos direitos indígenas no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) e no Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para discutir a regulamentação do direito de consulta e consentimento livre, prévio e informado, estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). 

            Fica claro que o governo não está disposto a dialogar sobre o que realmente é importante, como, por exemplo, sobre os empreendimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que afetam os territórios indígenas. Sua compreensão é de que os povos indígenas são empecilhos ao “desenvolvimento” por que dificultam o licenciamento de hidroelétricas, estradas, linhas de transmissão, etc. e suas terras impedem o avanço da exploração dos recursos naturais. Por isso, tenta tornar sem efeito as leis que amparam os direitos indígenas. Assim fica mais fácil empurrar goela abaixo dos povos e populações afetadas empreendimentos como, a hidrelétrica de Belo Monte.

            Quem saiu em defesa da Portaria, como não poderia deixar de ser, foram representantes do agronegócio. Segundo eles essa iniciativa do governo dá mais segurança jurídica aos “proprietários” que se apossaram de terras indígenas, por que não serão mais obrigados a devolvê-las aos povos indígenas e ainda têm a possibilidade de estenderem seus latifúndios sobre as terras indígenas já demarcadas. São os mesmos que promoveram as mudanças no Código Florestal para facilitar a exploração da natureza e que estão mobilizados para aprovar a PEC 215, que põe em risco as terras indígenas já demarcadas e inviabiliza toda e qualquer demarcação futura.

O que fazer?

            Como deu para perceber a portaria 303 atenta contra a vida e os direitos dos povos indígenas. Coloca em risco tudo o que já foi alcançado em termos de demarcação de terras indígenas. É necessário espalhar essa má notícia para todas as aldeias indígenas. Muitas organizações indígenas e entidades aliadas já se manifestaram publicamente repudiando a Portaria. A luta deve ser por sua revogação pelos motivos apresentados acima. Com a mobilização é possível vencer essa batalha e reunir forças para enfrentar com sucesso outras ameaças antiindígenas como a PEC 215.

Posicionamentos de algumas organizações indígenas e aliados.

APIB - Articulação do Povos Indígenas do Brasil. 

“ A APIB repudia esta medida vergonhosa que aprofunda o desrespeito aos direitos dos povos indígenas assegurados pela Constituição Federal e instrumentos internacionais assinados pelo Brasil. Entre outras aberrações jurídicas, a Portaria relativiza, reduz e diz como deve ser o direito dos povos indígenas ao usufruto das riquezas existentes nas suas terras; ignora o direito de consulta assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); reduz o tratamento dos povos indígenas à condição de indivíduos, grupos tribais e comunidades; afirma que são as terras indígenas que afetam as unidades de conservação, quando que na verdade é ao contrário, e, finalmente, enterra, ditatorialmente, o direito de autonomia desses povos reconhecido pela Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas”.

CIMI – Conselho Indigenista Missionário

“O absurdo é tamanho que o Executivo chega ao ponto de determinar que sejam “revistos” os procedimentos em curso que estejam em desacordo com a portaria, bem como, que sejam “revistos e adequados” até mesmo os procedimentos já “finalizados”. Em momento algum os Ministros do STF deram qualquer indicação de que as “condicionantes” teriam essa extensão. O Cimi, junto com os povos indígenas do Brasil, fará uso de todos os meios jurídicos possíveis para demonstrar a ilegitimidade e a ilegalidade desta portaria”.

ABA – Associação Brasileira de Antropologia

“Por seu primarismo e incongruência, buscando restringir e amesquinhar os direitos indígenas presentes na CF-1988, a ABA considera a portaria 303 um instrumento jurídico-administrativo absolutamente equivocado e pede a sua imediata revogação”.

CDHM - Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados

“A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados vem a público manifestar seu veemente repúdio contra a Portaria 303 da Advocacia Geral da União. Conclamamos as entidades de direitos indígenas e direitos humanos a se manifestarem e conjugarem esforços em prol da imediata revogação da Portaria e em favor das regras constitucionais que garantem os direitos fundamentais das populações indígenas”.

Funai – Fundação Nacional do Indio (posição Nacional)

“Entendemos que a medida restringe o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, especialmente os direitos territoriais, consagrados pela Constituição Federal, ao adotar como parâmetro decisão não definitiva do Supremo Tribunal Federal para uniformizar a atuação das unidades da Advocacia-Geral da União”.

Servidoras e servidores da Funai em greve (também posição Nacional)

“Entre outras aberrações jurídicas, a Portaria relativiza, reduz e define os direitos dos povos indígenas ao usufruto das riquezas existentes nas suas terras; ignora o artigo 231 da Constituição Federal de 1988 e o direito de consulta assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT); e enterra, ditatorialmente, o direito de autonomia desses povos, reconhecido pela Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas”.

José Afonso da Silva – jurista

  “A decisão do Supremo diz respeito a um caso específico. Não criou jurisprudência geral coisa nenhuma. Pode ser que, no futuro, o STF afirme alguma outra coisa, mas, até lá, um caso único e específico pode até criar um precedente, mas não uma jurisprudência. O que a AGU está fazendo é, a partir da sua própria interpretação do que os ministros decidiram em 2009, estender para todas os outros casos a decisão”

Paulo Machado Guimarães – advogado

“A decisão do STF ainda não transitou em julgado e essas condicionantes podem sofrer modificações ou até mesmo ser anuladas em parte. Portanto, considerar que essas condicionantes são afirmações definitivas do tribunal é, tecnicamente, um equívoco”.    

DIZER NÃO À PORTARIA 303 É DIZER SIM À DEMOCRACIA E À VIDA!


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