quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Carta dos Povos e Comunidades tradicionais

Foto do encontro realizado no CFVC - Cimi

No âmbito dos eventos da V Semana Social Brasileira e do Encontro Unitário dos Povos do Campo, das Águas e da Floresta, nós, povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais, seringueiros, vazanteiros, quebradeiras de coco, litorâneos e ribeirinhos, comunidades de fundo e fecho de pasto e posseiros de todo o Brasil, mulheres e homens de luta, nos encontramos em Luziânia GO, nos dias de 25 a 28 de fevereiro, para partilhar cruzes e esperanças e repensar as nossas lutas frente ao avanço cada vez mais acelerado e violento do capital e do Estado sobre os nossos direitos.
Vivemos o encontro como um momento histórico, que confirma a realidade indiscutível de uma articulação e aliança entre povos indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e camponeses. O diálogo entre povos e comunidades que expressam culturas e tradições diferentes, frequentemente marcadas por preconceitos e rejeição, volta-se para a defesa e reconquista dos nossos territórios.  Este é o processo que unifica sonhos e estratégias na construção de um País diferente que se opõe à doença capitalista do agro e hidronegócio, mineração, hidroelétricas, incentivada e financiada pelo Estado, em nome do chamado desenvolvimento e crescimento do Brasil. 
Não nos deixaremos curvar pelo avanço insaciável do capitalismo com o seu cortejo de políticas governamentais nefastas e genocidas. Território não se negocia não se vende não se troca. É o espaço sagrado onde fazemos crescer a vida, nossa cultura e jeito de viver, nos organizar, ser livres e felizes.
“Territórios livres, já!!!”
“A senzala não acabou. Ficamos livres das correntes e dos grilhões, mas continuamos presos ao cativeiro do sistema”. (Rosemeire, Quilombo dos Rios dos Macacos, Bahia)
Constatamos, mais uma vez, com dor e angústia, o retrocesso armado pelos três poderes do Estado para desconstruir, com leis, portarias, como a 303, PEC 215, ADIN 3239, e decretos de exceção, a Constituição, que garante, em tese, os nossos direitos territoriais e culturais. É revoltoso e doído o que estamos passando nas nossas aldeias, quilombos e comunidades: nossos territórios invadidos, a natureza sendo destruída, nossa diversidade cultural desrespeitada e a sujeição política via migalhas compensatórias. Querem nos encurralar! Sofremos humilhações, violências, morte e assassinatos, o que nos leva a tomar uma atitude.  
O primeiro passo para uma verdadeira libertação do cativeiro a que estamos submetidos, é continuar o diálogo intercultural, para conhecermos melhor nossas diversidades, riquezas e lutas. Segundo passo é encontrarmos estratégias de unificação de nossas pautas para a construção de uma frente unificada, que possa se contrapor, com eficácia, ao capital e ao Estado, a partir de mobilizações regionais dos povos indígenas e das populações do campo, das águas e da floresta. Estamos de olho nas ações dos três poderes do Estado brasileiro, para nos defendermos do arbítrio da desconstrução dos direitos e da violência institucional e privada.
Diante da total paralisia do Governo Dilma em cumprir a Constituição e na contramão da legislação internacional (OIT 169) que decretam o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e das populações tradicionais, exigimos a imediata demarcação e titulação dos nossos territórios.
Acreditamos que a nossa luta, na construção de projetos de Bem Viver, é sagrada, abençoada e acompanhada pelo único Deus dos muitos nomes e pela presença animadora dos nossos mártires e encantados.

Luziânia, 28 de fevereiro de 2013

É o fim


O governo do Acre assinou o decreto nº 5.288 que cria a comissão interinstitucional para elaborar o plano de carreira dos Agentes Agroflorestais Indígenas. A comissão será composta por nada mais nada menos que: representes da Assessoria de Assuntos Indígenas, Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema), Secretaria de Estado de Educação (SEE), Secretaria de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (Seaprof), Procuradoria Geral do Estado do Acre (PGE), Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre (AMAAIAC), Comissão Pró-Índio do Acre (CPI/Acre), Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais (IMC) e Fundação Nacional do Índio (Funai).


Chamo a atenção para a composição da comissão, especialmente para a presença do Instituto de Mudanças Climáticas e Regulação de Serviços Ambientais. Porque?


Porque o que o governo e suas ONGs querem na verdade é acesso irrestrito aos meios naturais comuns para levar a cabo o processo de financeirização da natureza por meio da implantação de projetos de PSA, REDD e todos os meios que possam garantir essa mercantilização da natureza. Dessa forma, as empresas poluidoras do planeta e financiadoras de governos e ONGs, poderão continuar poluindo enquanto nós, inclusive e principalmente os povos indígenas, continuaremos pagando a conta.

A regulamentação da carreira de agentes agroflorestais é justa e necessária. Porem, deve seguir o ritual de regulamentação de qualquer carreira. A questão é trabalhista e não ambiental, como quer fazer crer o governo. Portanto, a regulamentação não pode passar por secretarias e órgãos ambientais, tão pouco por ONGs. É caso de secretarias de administração e finanças e secretarias de RH e trabalhistas.

O projeto do capitalismo verde é macabro e se não tomarmos cuidado nos roubarão até o direito de respirarmos. Teremos que pagar para respirar. Teremos que pagar para as empresas para termos o direito à vida. 

É o fim!

Sugiro que assistam o vídeo "levante indígena" produzido em Pernambuco por Marquinhos, cacique Xucuru e Ângelo Bueno do Cimi.

Organizações e movimentos sociais manifestam repúdio às ações de espionagem realizadas pelo Consórcio Construtor de Belo Monte (CCBM) e pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) ao Movimento Xingu Vivo para Sempre



Na manhã de domingo, 24 de fevereiro, quando finalizava seu planejamento anual em Altamira (PA), o Movimento Xingu Vivo para Sempre detectou que um dos participantes, recém integrado ao movimento, estava gravando a reunião com uma caneta espiã. Em depoimento divulgado pelo Xingu Vivo, o rapaz confessou ser contratado pelo CCBM, responsável pelas obras da usina, para levantar informações sobre lideranças e atividades do Xingu Vivo1. O espião também relatou que este material seria analisado pela inteligência da CCBM, e que, para isso, contaria com a participação da ABIN. Em tempos de Comissão da Verdade e na qualidade de organizações e movimentos de promoção e defesa dos direitos humanos, condenamos profundamente essas iniciativas que remontam os tempos sombrios da ditadura.
A construção da Usina Hidrelétrica (UHE) Belo Monte está afundada em escândalos e denúncias de violação de direitos. Em 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) outorgou medidas cautelares sobre a obra. Foi requerido ao Estado Brasileiro que observasse requisitos mínimos para a proteção dos povos indígenas e comunidades afetadas. No mesmo ano, porém, o IBAMA concedeu a Licença de Instalação, em total inobservância às medidas cautelares, sem a realização de processos de consulta e sem a obtenção do consentimento prévio, livre e informado das comunidades indígenas e ribeirinhas diretamente afetadas. Além disso, no estado brasileiro, existem 63 ações pendentes contestando a UHE de Belo Monte e as violações decorrentes do empreendimento.
No inicio de fevereiro deste ano, quatorze mulheres – entre elas uma adolescente de dezesseis anos – foram resgatadas, em condições análogas à escravidão, de uma boate que funcionava na área declarada de interesse público para a construção da UHE Belo Monte. O mesmo trabalhador do CCBM flagrado espionando a reunião do Movimento Xingu Vivo para Sempre trabalhou ainda como agente infiltrado nos canteiros de obra da usina, em novembro de 2012, para detectar lideranças operárias que poderiam organizar greves. O resultado da ação de espionagem foram cinco trabalhadores presos e outros 80 demitidos.
Exigimos que a denúncia de espionagem seja investigada imediatamente e lembramos que este não é o primeiro escândalo envolvendo espionagem e criminalização daqueles que se posicionam contrários à construção da UHE Belo Monte. Em 2011 tornou-se público um relatório da ABIN com uma lista de ONG’s internacionais divergentes ao projeto, assim como ao longo dos anos militantes do Movimento Xingu Vivo foram alvo de telefonemas e visitas de pessoas se identificando como membros da ABIN.
Este episódio é mais uma prova incontestável das violações de direitos humanos que ocorrem no processo de construção da usina. Comprova o lamentável processo de criminalização dos movimentos sociais executado pelo CCBM com a cumplicidade e financiamento da União. A usina de Belo Monte já foi beneficiada com dois empréstimos pontes do BNDES que viabilizaram o inicio das obras e já se comprometeu a financiar um total de R$ 22,5 bilhões, o maior empréstimo da história do banco.
Exigimos esclarecimentos sobre a participação da ABIN no caso de espionagem.
Abaixo a criminalização e espionagem aos movimentos sociais!
Lutar não é crime!
Pare Belo Monte! Justiça Já!

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Vale do Javari - Liderança Mayoruna denuncia morte de indígena

 J. Rosha/Cimi Regional Norte I


Menos de um mês após a morte de uma criança por falta de atendimento no hospital da cidade de Atalaia do Norte (AM), lideranças da região relatam a morte de mais um indígena. Sebastião Mayoruna, de 60 anos, veio a óbito na tarde de ontem, 25, por causa ainda desconhecida e supostamente por não ter sido removido em tempo hábil da aldeia Fruta Pão, onde morava, distante cerca de 450 quilômetros da sede municipal.

Segundo o presidente da Organização Geral dos Mayoruna – OGM, Vítor Mayoruna, Sebastião estava doente há vários dias. Na última sexta-feira, 22/02, o técnico de enfermagem que estava na aldeia Fruta Pão teria entrado em contato com o Distrito Sanitário Especial Indígena – DSEI, em Atalaia do Norte por radiofonia e solicitado a remoção do indígena. A resposta dada pela funcionária responsável, naquela ocasião, foi de que ele deveria permanecer em tratamento na aldeia porque os barcos estavam “quebrados” e não havia combustível.

“A enfermeira nos disse que tinha outras pessoas precisando de remoção, mas não podia atender a ninguém devido à falta de combustível e de barcos”, relata Vitor Mayoruna. “Os técnicos de enfermagem e agentes de saúde estão olhando para o tempo, sem fazer nada, porque não tem medicamentos, não tem barco para remoção, nada tem a fazer”, conta Vitor Mayoruna.

O coordenador do DSEI do Vale do Javari, Heródoto Jean Sales, confirmou a informação do óbito de Sebastião Mayoruna, mas nega a existência de algum pedido de remoção. “Não existe nenhum documento pedindo remoção dele. Ele estava na aldeia tendo acompanhamento dos filhos e estava doente há vários dias”, diz Heródoto Jean.

Segundo ele, as remoções tem sido realizadas em tempo hábil. “Quando não temos barco, emprestamos da prefeitura para remoção dos pacientes. Há poucos dias conseguimos transporte de uma aeronave militar que estava saindo de Palmeiras”, conta o coordenador do Distrito, referindo-se a Palmeiras do Javari onde está localizado o 1º Pelotão Especial de Fronteira do Exército, do Comando de Fronteira Solimões.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

James Bond da canalhice


Funcionário de Belo Monte é flagrado espionando reunião do Xingu Vivo para informar ABIN

Na manhã deste domingo, 24, quando finalizava seu planejamento anual em Altamira (PA), o Movimento Xingu Vivo para Sempre detectou que um dos participantes, Antonio, recém integrado ao movimento, estava gravando a reunião com uma caneta espiã.

Na caneta, o advogado do Xingu Vivo, Marco Apolo Santana Leão, encontrou arquivos de falas da reunião, bem como áudios de Antonio sendo instruído sobre o uso do equipamento. Confrontado, ele a principio negou qualquer má intenção, mas logo depois procurou o advogado para confessar sua atividade de espião contratado pelo Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), responsável pelas obras da usina, para levantar informações sobre lideranças e atividades do Xingu vivo.

De livre e espontânea vontade,Antonio se dispôs a relatar os fatos em depoimento gravado em vídeo. Segundo ele, depois de ser demitido pelo CCBM em meados do segundo semestre de 2012, ele foi readmitido em outubro como vigilante, recebendo a proposta de trabalhar como agente infiltrado, primeiramente nos canteiros de obra para detectar lideranças operárias que poderiam organizar greves.
Em decorrência de seu trabalho, foram presos cinco acusados de ter comandado a última revolta de trabalhadores nos canteiros de Belo Monte, em novembro do ano passado. Sua atuação também levou à demissão de cerca de 80 trabalhadores.

Em dezembro, segundo o depoente, ele passou a espionar o Xingu Vivo, onde se infiltrou em função da amizade de sua família com a coordenadora do movimento, Antonia Melo. Neste período, acompanhou reuniões e monitorou participantes do movimento, enviando fotos e relatos para o funcionário do CCBM, Peter Tavares.
Foi Tavares que, segundo Antonio, lhe deu a caneta para gravar as discussões do planejamento do movimento Xingu Vivo. O espião também relatou que este material seria analisado pela inteligência da CCBM, e que, para isso, contaria com a participação da ABIN (Agencia Brasileira de Inteligência), que estaria mandando um agente para Altamira esta semana.

Após gravar este depoimento, Antonio pediu para falar com todos os participantes do encontro do Xingu Vivo, onde voltou a relatar suas atividades de espião, pedindo desculpas e prometendo ir a público para denunciar o Consórcio Construtor Belo Monte.

Em seguida, solicitou ao advogado e à jornalista do movimento que o acompanhassem até sua casa, onde queria acertar os detalhes da delação com a esposa. No local, ele se ofereceu e apresentou seus crachás do CCBM, bem como a carteira profissional onde consta a contratação pela empresa, que foram fotografados.
Posteriormente, porém, a esposa comunicou ao advogado do movimento que Antonio tinha mudado de ideia e que não se apresentaria no Ministério Público Federal, como combinado. Mais tarde, ainda enviou um torpedo ameaçador a um membro do Xingu Vivo. No texto, ele disse que “vocês me ameaçaram, fizeram eu entrar no carro, invadiram minha casa sem ordem judicial. Isso é que é crime. Vou processar todos do Xingu vivo. Minha filha menor e minha mulher são minhas testemunhas. Sofri danos morais e violência física. E vocês vão se arrepender do que fizeram comigo”.

Em função de sua desistência de cooperar e assumir seu crime, e principalmente em função da ameaça ao movimento, o Xingu Vivo tomou a decisão de divulgar o depoimento gravado em vídeo, inclusive como forma de proteção de seus membros.

Apesar da atitude criminosa de Antonio ao se infiltrar no movimento, e apesar de não eximi-lo de sua responsabilidade, o Movimento Xingu Vivo para Sempre entende que o maior criminoso neste caso é o Consórcio Construtor Belo Monte, que usou de seu poder coercitivo e financeiro para transformar um de seus funcionários em alcaguete.

Também denunciamos que este esquema é responsabilidade direta do governo federal, maior acionista de Belo Monte. Mais execrável, porém, é a colaboração de agentes da ABIN no ato de espionagem.
O Movimento Xingu Vivo para Sempre, violado em seus direitos constitucionais e em sua privacidade, acusa diretamente o governo e o Consórcio de Belo Monte por estes crime, e exige do poder público que sejam tomadas as medidas cabíveis. É inadmissível que estas práticas ocorram em um estado democrático de direito. Exigimos justiça, já!

Indígenas ameaçam guerra para barrar hidrelétricas no rio Tapajós


Não houve acordo. O governo teve uma pequena amostra, na semana passada, da resistência que enfrentará para levar adiante seu projeto de construção de hidrelétricas ao longo do rio Tapajós, uma região isolada da Amazônia onde vivem hoje cerca de 8 mil índios da etnia munduruku. Um grupo de líderes de aldeias localizadas no Pará e no norte do Mato Grosso, Estados que são cortados pelo rio, esteve em Brasília para protestar contra ações de empresas na região, que realizam levantamento de informações para preparar o licenciamento ambiental das usinas.
A reportagem é de André Borges e publicada pelo jornal Valor

Os índios tiveram uma reunião com o ministro de Minas e Energia (MME), Edison Lobão. Na mesa, os projetos da hidrelétricas de São Luiz do Tapajós e de Jatobá, dois dos maiores projetos de geração previstos pelo governo.Lobão foi firme. Disse aos índios que o governo não vai abrir mãos das duas usinas e que eles precisam entender isso. Valter Cardeal, diretor da Eletrobras que também participou da discussão, tentou convencer os índios de que o negócio é viável e de que eles serão devidamente compensados pelos impactos. Os índios deixaram a sala.

Para o cacique Arnaldo Koba Munduruku, que lidera todos os povos indígenas da região do Tapajós, o resultado do encontro foi negativo. "Nosso povo não quer indenização, nem quer o dinheiro de usina. Nosso povo quer o rio como ele é", disse Koba ao Valor. "Não vamos permitir que usinas ou até mesmo que estudos sejam feitos. Vamos unir nossa gente e vamos para o enfrentamento. O Tapajós não vai sofrer como sofre hoje o rio Xingu", afirmou o líder indígena, referindo-se às complicações indígenas que envolvem o licenciamento e a construção da hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA).

Numa carta que foi entregue nas mãos do secretário-geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho, os índios pediram "que o governo brasileiro respeite a decisão do povo munduruku e desista de construir essas hidrelétricas". No mesmo documento, os índios cobram agilidade na investigação da morte de Adenilson Kirixi Munduruku, que foi assassinado com três tiros em novembro do ano passado, na região do Teles Pires, rio localizado no norte do Mato Grosso e que forma o Tapajós, em sua confluência com o rio Juruena.

Os índios se negaram a assinar um documento apresentado pela Presidência, que previa compromissos a serem assumidos pelo governo, por entenderem que se tratava de uma consulta prévia já atrelada ao licenciamento dasusinas do Tapajós. "Viemos até aqui para cobrar a punição pelo assassinato de nosso irmão, mas vimos que a intenção do governo era outra. Ele queria mesmo era tratar das usinas, mas não permitimos isso", disse o líder indígena Waldelirio Manhuary Munduruku. "Não vamos nos ajoelhar. Não haverá usinas, nem estudos de usinas. Iremos até o fim nessa guerra."

No balanço do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) divulgado na semana passada, o cronograma deSão Luiz do Tapajós e de Jatobá estabelece o mês de setembro para conclusão dos estudos ambientais das usinas. O levantamento de informações na região começou a ser feito pela Eletrobras há pelo menos um ano e meio. Analistas ambientais e técnicos da estatal têm enfrentado resistências na região para colher informações dos moradores.

O grupo de empresas que o governo reuniu em agosto do ano passado para participar da elaboração dos estudos dá uma ideia do interesse energético que a União tem no Tapajós. Com a Eletrobras estão Cemig Geração e TransmissãoCopel Geração e TransmissãoGDF Suez Energy Latin America ParticipaçõesEndesa do Brasil eNeoenergia Investimentos.

Com as usinas de São Luiz e Jatobá, o governo quer adicionar 8.471 megawatts de potência à sua matriz energética. O custo ambiental disso seria a inundação de 1.368 quilômetros quadrados de floresta virgem, duas vezes e meia a inundação que será causada pela hidrelétrica de Belo Monte. O governo diz que é pouco e que, se forem implementadas todas as usinas previstas para a Amazônia, menos de 1% da floresta ficaria embaixo d'água.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

A carne em que habitas


Israel Souza 

A tantos te deste amar,

Mesmo sem amor.

Há amor maior que o teu?

A tantos te entregaste,

Sem a ninguém possuir.

Há solidão maior que a tua?

Quantos te visitaram o íntimo

Sem ao menos te olhar aos olhos?

Quantos de ti se enojaram

Depois do sublime ou bizarro amor?

Quanto deles em ti ficou?

Quanto de ti neles ficou?

A carne em que habitas

Não é tua.

Para a dor que sentes

O mundo é dormente.

Embora grande, é tua.

Só tua.

Tua cruz é solidão

Sem Cireneu ao largo da via crucis.

Fonte: Insurgente Coletivo

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Suspensão dos processos de demarcação de terras indígenas

Em matéria vinculada pelo Canal do Produtor, a senadora Katia Abreu anuncia o pedido de paralisação dos processos de demarcação de todas as terras indígenas no Brasil, o que já ocorre desde 2000 aqui no Acre. É estranho que o agronegócio e a chamada "economia Verde" tenham na perseguição aos povos indígenas um dos pontos comuns. Explorar as terras indígenas também é interesse dos eco-capitalistas que propagam  a falácea do "desenvolvimento sustentável". 

A matéria.
Foto deste blog

A presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), senadora Kátia Abreu, reuniu-se ontem (21/02), no Palácio do Planalto, em Brasília, com a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para pedir a suspensão dos processos de demarcação de terras indígena até que sejam julgados todos os embargos declaratórios do caso Raposa Serra do Sol.

Participaram da reunião os presidentes das Federações de Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul (FAMASUL), Eduardo Riedel, e do Paraná (FAEP), Ágide Meneguette, e os presidentes dos sindicatos rurais de Tacuru (MS), Maria Neide Casagrande Munaretto; de Iguatemi (MS), Hilário Parisi; e de Amambai (MS), Diogo Peixoto. O prefeito de Iguatemi, José Roberto Felippe Arcoverde, e o senador Waldemir Moka também integraram a comitiva liderada pela senadora Kátia Abreu.

Para a presidente da CNA, o julgamento dos embargos declaratórios poderá acontecer ainda neste semestre, visto que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem trabalhado com muita celeridade para analisar e julgar os casos que chegam à Suprema Corte do País. Na segunda-feira (25/02), um documento com o mesmo pedido será protocolado no Ministério da Justiça. O documento foi assinado por mais de 50 entidades que representam o setor agropecuário.

Provincialismo, arrogância e precoceito


Em meu Post anterior, questionei duramente a posição da direção da Assembléia Legislativa do Acre em relação aos atos violentos contra brasileiros que se encontravam, e se encontram, cumprindo pena em território boliviano. Reitero minhas palavras e acrescento "provincialismo" da imprensa, sugerido por Leandro Altheman.

Essa postura, dos deputados e das ruas por causa dos deputados, afronta os direitos da pessoa porque vem carregada de medíocre xenofobia e preconceito. O preconceito aos bolivianos, neste caso, não se limita a apenas os bolivianos. Revela, antes, um preconceito contra os menos afortunados começando pelos povos indígenas. Aliás, na própria manifestação do preconceito encontramos frases do tipo: "também, boliviano é tudo caboclo (índio)".

Não tenhamos ilusões, esse tipo de discurso é prepotente e a prepotência é próprio dos despreparados e arrogantes. Mas a prepotência é o inverso da potência. Todo prepotente pensa que pode (a partir da potência), mas é justamente o contrário: o poder, a potência é sempre superior à prepotência e à arrogância.

Deixando a dialética de lado, leiam o texto de Sergio de Carvalho publicado hoje no Página 20.


Sobre fronteiras e prisões


Por Sérgio de Carvalho
A Bolívia é um país incrível, não tenho outra maneira de definir este país, com toda sua contradição social, sua beleza natural – e coloca beleza nisso! – além de um povo, quando não tímido e introspectivo, festeiro e, sobretudo, guerreiro. Como o Brasil, com as cicatrizes da cruel colonização.
A Bolívia é um dos países mais pobres da América Latina, consequentemente, carrega em sua sociedade e política todas as mazelas advindas da miséria econômica. Não muito diferente da gente, olhando de perto, os problemas sociais estão por toda parte, em maior ou menor grau, a corrupção, problemas de saúde, problemas nas prisões.
Por falar em prisões, lamentável o fato ocorrido no presídio da Vila Bush  (irônico este nome, no mínimo), no departamento de Pando, contra presos brasileiros: violação total á dignidade e aos direitos humanos, sem dúvida, incontestável. Antes de prosseguir queria lembrar as decapitações ocorridas no presídio de Rondônia, o Urso Branco, das pessoas queimadas vivas nas favelas cariocas ou mesmo no homem inocente assassinado por policiais, em plena Gameleira, por puro despreparo ou sei lá o quê. Exemplos não faltam.
Aonde quero chegar? A violência não é um problema exclusivamente boliviano, compreendo e apoio a indignação frente ao cruel assassinato do preso brasileiro, devemos, sem sombra de dúvidas, posicionar-nos, cobrar atitude do país vizinho, enfim, se opor a brutalidade que fere a dignidade humana, seja ela de qual nacionalidade for.
Porém, lamento ainda mais a nossa incapacidade de administrar e refletir pró-ativamente a situação, percebe-se, mascarado de indignação, a sombra do xenofobismo, expressada no boca a boca do povo, e, o mais triste, em discursos rasos de parlamentares.
Questões como esta, quando ocorrem, trazem á tona preconceitos em potenciais, reprimidos ou não, a violência desapercebida no julgamento e na visão deturpada do “outro”. O outro, no caso, é o nosso vizinho, mais próximo do que qualquer paulista, mineiro ou carioca.
Frases  como: “Boliviano é tudo preguiçoso; Boliviano é sujo ou safado” que já é comum nas ruas, tornam-se ainda mais fortes e raivosas, as pessoas falam com tanta propriedade que acaba por generalizar a difamação. Triste. Reforçam-se os estereótipos maldosos. Sinto-me envergonhado e ofendido pelas dezenas de queridos amigos bolivianos .
O que dizer sobre o parlamentar acreano ,que no calor das discussões, acusa Evo Morales de estar transformando a Bolívia em um país de Narcotraficantes, por conta de sua cultura pró folha de coca, que é o produto mais tradicional e sagrado dos andinos?! Que fique claro, não sou nem pró nem contra Evo, assunto complexo demais para um não boliviano emitir opinião, principalmente, quando não dedicou o tempo necessário para estudar o assunto. Só temos de ser cautelosos, denegrir superficialmente a cultura de um outro país é um erro grave, que só aumenta a aversão.
Iniciativas como Nomadas Peru, Fest Cineamazonia, Pachamama-Cinema de Fronteiras e outras que se dedicam a fomentar o intercambio e a integração cultural são essenciais nestas regiões fronteiriças. A arte tem a capacidade de revelar o “outro” em suas singularidades e semelhanças, a cultura é a força motriz para ultrapassar fronteiras e discutir um mundo mais solidário.
Espero que toda esta questão torne-se pano de fundo para uma discussão firmada em bons valores e que não sejamos nós, brasileiros e acreanos, os algozes de todo um povo, cometendo o grande erro do julgamento precipitado e alimentando em nós as sementes do xenofobismo.
Parafraseando o Galeano, as veias de nossa América Latina continuam abertas e sangrando.
* Sérgio de Carvalho é escritor, produtor de audivisual

Só querem mídia


O presidente da Assembléia Legislativa do Acre, Elson Santiago (PEN) e o vice-presidente Moisés Diniz (PC do B) defendem o fechamento da fronteira do Brasil com a Bolívia por causa da violência sofrida por presos brasileiros que cumprem pena naquele país. 

Alguém precisa avisar aos nobres deputados que o Acre não é um país independente, tão pouco a Bolívia nos pertence. 

Os Deputados acrianos deveriam estar preocupados é com o endividamento astronômico do Estado, aprovado por eles; com a situação de abandono das escolas, especialmente as indígenas; com a CPI da pedofilia que misteriosamente nunca foi concluída nem publicou nenhum relatório; com os buracos assassinos deixados pelo programa ruas do povo; com a construção da gigantesca favela a ser construída sobre o aquífero, denominada cinicamente de "cidade do povo"; com a falta de segurança que campeia e segue fazendo vítimas inocentes; com o sistema penitenciário do Estado, talvez tão cruel ou até mais que o boliviano; com o tráfico de drogas que destrói famílias e condena nossa juventude ao inferno já na terra; com o saque de nossas riquezas via projetos de manejo "insustentáveis", projetos de PSA - REDD e tantos outros que expoliam ainda mais as nossas comunidades rurais e ribeirinhas; com a insanidade da exploração de petróleo e gás, que destruirá natureza e prejudicará inúmeros povos tradicionais inclusive indígenas ainda sem contato; com a construção da via férrea que ligará Cruzeiro do Sul à Pucalpa, unicamente com o objetivo de gerar lucros para as empreiteiras e facilitar ainda mais o saque de nossas riquezas comuns; com as ameaças que inúmeras lideranças camponesas veem sofrendo nestes últimos tempos inclusive uma série de invasões à sede da CPT regional; com o caos em que se encontra nossa saúde pública, especialmente com os desmandos na saúde indígena...

São tantas coisas que realmente a Assembléia Legislativa deveria estar se preocupando e fazendo que não é possível numerá-las aqui. Então, que tal deixar a questão dos presos na Bolívia para o Itamaraty, para o Governo Federal ?

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

A falácia do desenvolvimento sustentável


*Armando Soares

O desenvolvimento sustentável foi o modelo idealizado pelo poder hegemônico para dominar a economia e territórios no mundo e servir de modelo apenas para países pobres e em desenvolvimento, modelo que serviu de base para a construção da política ambiental brasileira.

Desenvolvimento sustentável, segundo seus idealizadores, é o desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades. Significa possibilitar que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e econômico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da terra e preservando as espécies e os habitats naturais. (Relatório Brundtland - O Relatório Brundtland, Our Common Future, preparado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1987, onde foi pela primeira vez formalizado o conceito de desenvolvimento sustentável).

O campo do desenvolvimento sustentável pode ser conceptualmente dividido em três componentes: a sustentabilidade ambiental, sustentabilidade econômica e sustentabilidade sociopolítica.

Apesar de sermos contra essa farsa chamada desenvolvimento sustentável, nunca implementado em países ricos e desenvolvidos, máscara que encobre uma inteligente estratégia de dominação econômica e territorial criada pelo poder hegemônico, até então nunca tivemos notícias do resultado e gastos e de projetos elaborados com base no conceito do desenvolvimento sustentável. Para nossa alegria e satisfação, o Banco Mundial, em relatório publicado pela revista Veja, de 20/02/2013, concluiu que os 2,6 bilhões de dólares gastos em projetos extrativistas em áreas de florestas não ajudaram as populações locais a sair da pobreza. A reportagem da Veja afirma textualmente que "um dos maiores patrocinadores desses projetos, o Banco Mundial concluiu que a tentativa de aplicar o conceito da sustentabilidade a áreas florestais quase nunca dá certo".

Não tem coisa mais prazerosa para quem exaustivamente vem provando à sociedade paraense, amazônida e brasileira que o ambientalismo, a economia verde é uma grande enganação, faz parte de um grande golpe de poderosos, e que o desenvolvimento sustentável é uma fantasia, que o Banco Mundial provou durante esses últimos 20/30 anos que não promove sustentabilidade ambiental, sustentabilidade econômica e sustentabilidade sociopolítica, se aproveitou apenas de segmentos pobres para obstaculizar qualquer tentativa de desenvolvimento na Amazônia e outras regiões ricas existentes em várias partes do mundo. Seu beneficio se restringiu a ONGs e governos que a custa de se utilizarem de pobres como cobaias, se locupletaram dos 2,6 bilhões de dólares despejados pelo banco em projetos inviáveis; projetos que nunca foram outra coisa se não uma estratégia de dominação territorial e de servidão de populações inviabilizadas e fragilizadas.

Essa invencionice pilantra, colonialista, infelizmente levou muito tempo para ser confirmada sua inutilidade, desperdiçando recursos valiosos de países europeu e americano que poderiam auxiliar a tirar da estagnação e pobreza de regiões como a Amazônia e africana, esta com um cenário dantesco de morte pela fome, principalmente de crianças.

O relatório do Banco Mundial desnuda o teatro montado para transformar Chico Mendes e índios como mártires e heróis da floresta e justificar a montagem de encontros internacionais, como a ECO-92 e a Rio+20, onde se despejou milhões de dólares para sustentar vagabundos, burocratas, onguistas, políticos e projetos improdutivos de governos, como é o caso do projeto de "municípios verdes", criação da Imazon, parceiro do governo paraense, que, consultada pelo banco, assim opinou através de Paulo Barreto: "Os efeitos multiplicadores que eram esperados pela instituição ficaram comprometidos, no caso da Amazônia, por causa da falta de infraestrutura adequada, de formação de mão de obra e de regularização fundiária.

Não há segurança jurídica na região e a recuperação de terras degradadas é inviabilizada pela falta de governança.

Os projetos de infraestrutura existentes não levam em conta as necessidades das populações locais e há uma carência de mão de obra qualificada. Sem a solução desses problemas, fica difícil atrair investimentos para a Amazônia". Declaração que compromete o governo paraense e comprova a desnecessária capitulação de produtores ao modelo ambientalista; ingratamente esquecem que construíram suas atividades com o modelo econômico resultante da "Operação Amazônia" do governo do presidente Castelo Branco e criaram seus municípios com a derrubada da floresta e a comercialização da madeira. O relatório do Banco Mundial tem a virtude de abrir o tumor infectado do ambientalismo e seus instrumentos de dominação, mas, infelizmente, deixa como herança a estagnação econômica da Amazônia e uma intervenção federal criminosa, como uma "cabeça de ponte", as reservas INDÍGENAS, que irão facilitar a exploração econômica e o domínio dessas áreas por países ricos e desenvolvidos, no tempo em que acharem necessário, um velho sonho americano e europeu.

Pela avaliação dos auditores do Banco Mundial, o único projeto considerado eficiente foi o de combate à malária na África.

*Armando Soares é economista.
Publicado originalmente aqui

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Poemas de Dom Helder Câmara:

Tenho que publicar aqui este poema de Dom Helder Câmara que me foi enviado pelo Padre Paulo Augusto Milagres e publicado no Facebook. É forte, mas santo. Ao texto:

"Santo Padre, abandone seu título de rei e vamos reconstruir a Igreja como nosso Mestre, sendo pobres. 

Deixe os palácios do Vaticano, vá morar numa casa na periferia de Roma. Pode até ter uma praça para saudar e abençoar as ovelhas. 

Depois, Santo Padre, convide a todos os bispos a largarem tudo o que indica poder, majestade: báculos, solidéus, mitras, faixas peitorais, batinas roxas. 

Vamos amontoar tudo na Praça de São Pedro e fazer uma grande fogueira, dizendo de peito aberto para o povo: “Vejam, não somos mais príncipes medievais. Não moramos mais em palácios. Todos somos pastores, somos pobres, somos irmãos”. 

"Sonhei que o papa enlouquecia. E ele mesmo ateava fogo ao Vaticano e à Basílica de São Pedro. Loucura sagrada, porque Deus atiçava o fogo que os bombeiros, em vão, tentavam extinguir. O papa, louco, saía pelas ruas de Roma, dizendo adeus aos embaixadores, credenciados junto a ele; e espalhando pelos pobres o dinheiro todo do Banco do Vaticano. Que vergonha para os cristãos! Para que um papa viva o Evangelho, temos que imaginá-lo em plena loucura”.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Infanticídio indígena: traços de uma cultura em transformação. Entrevista especial com Saulo Feitosa

Vale a pena relembrar essa entrevista de Saulo Feitosa, do Cimi, para o IHU one-line em 15/08/2011, pela sobriedade, clareza, leveza e muita honestidade intelectual que demonstra. O momento é muito difícil para os povos indígenas e as forças anti-indígenas estão cada vez mais articuladas. O tema do infanticídio é apenas mais uma manifestação dessa articulação. Na defesa do projeto 1.057/2007 estão juntos os ruralistas de sempre e a bancada evangélica.

Todos contra os povos indígenas. Mas nós devemos acreditar e seguir em frente. Meu ponto de vista.

“Se as pessoas querem defender a vida das crianças indígenas, devem aderir a outros projetos de lei”, como o Estatuto dos Povos Indígenas, diz Saulo Feitosa à IHU On-Line, ao criticar o Projeto de Lei 1057/2007, que criminaliza os povos que praticam infanticídio.
Em entrevista concedida por telefone, ele explica que todos os indígenas que vivem no Brasil estão submetidos à legislação brasileira e que, portanto, não há necessidade de sancionar o Projeto de Lei 1057/2007, de autoria do deputado Henrique Afonso (PT/AC). Na avaliação do secretário do Cimi, o Projeto tem uma carga preconceituosa, racista e serve “para ampliar o grau de preconceito da sociedade contra os povos indígenas, e para justificar interesses colonialistas que se mantêm nos dias de hoje”.
De acordo com Feitosa, o infanticídio era praticado no período colonial e desde o início da década de 1990 não se têm informações de casos de infanticídio em tribos indígenas. “Todos os registros históricos, dos quais tenho conhecimento, acenam que, entre os indígenas, o índice de infanticídio é baixíssimo. Inclusive viajantes como Fernão Cardim, que escreveu um livro sobre os hábitos do Brasil, faziam referência à maneira carinhosa como as mulheres indígenas cuidavam de seus filhos em comparação às mulheres de Lisboa. (...) Causa-nos estranheza que, 500 anos depois, apareçam grupos fundamentalistas acusando indígenas de matanças generalizadas de suas crianças”.
Feitosa explica ainda que o infanticídio era regido por uma cosmologia indígena e que fazia parte da cultura de alguns povos. “O fato de existir uma narrativa cosmológica não significa que a cultura se mantém atualizada”, enfatiza. E dispara: “A questão do infanticídio, na prática, é residual porque os povos mudam suas culturas”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como avalia a polêmica acerca da prática do infanticídio e o projeto de lei que criminaliza indígenas e profissionais de órgãos governamentais por tais práticas? ONGs e deputados evangélicos acusam o governo de cruzar os braços diante da morte de crianças e defendem que o Estado é obrigado por lei a protegê-las.
Saulo Feitosa – Por trás desse projeto de lei e desse debate existe uma questão fundamentalista religiosa e uma questão política. Os povos indígenas estão submetidos à mesma legislação brasileira. Portanto, se vierem a cometer qualquer crime, serão julgados e punidos como todos os cidadãos deste país. Hoje, aproximadamente 750 indígenas estão cumprindo pena no sistema penitenciário nacional. Desse modo, não há razão para existir uma lei específica para falar de infanticídio indígena. No entendimento do Cimi, na medida em que se cria uma lei, os índios seriam, duas vezes, julgados e condenados por um mesmo crime.
Todos sabemos que os indígenas defendem a vida, a natureza. Portanto, existe uma campanha nacional e internacional negativa contra os povos indígenas e isso gera um descrédito da população em relação a essas comunidades. É nesse contexto ofensivo contra os direitos indígenas que surge a questão do infanticídio indígena. Os propositores do Projeto de Lei 1057/2007 afirmam que há, entre os povos indígenas do Brasil, a prática do sacrifício de crianças e que esta prática não é combatida pelo Estado e pelos órgãos que atuam junto dos povos indígenas. Sendo assim, eles querem obrigar as pessoas que trabalham com a questão indígena a denunciarem os índios caso suspeitassem da possibilidade de alguma mulher, em processo de gestação, abandonar o filho. Se os profissionais não denunciarem os indígenas, serão julgados pelo crime de omissão. Essa medida mostra novamente a carga preconceituosa e racista do projeto.
IHU On-Line – Qual é a origem e o sentido do infanticídio para as comunidades indígenas? Ele ainda é praticado no Brasil? Quais são as etnias indígenas que praticam o infanticídio?
Saulo Feitosa – Segundo os parlamentares que querem aprovar o Projeto de Lei, o infanticídio seria uma prática regular dos povos indígenas. Temos conhecimento de experiências isoladas, da mesma forma que identificamos casos de abandono infantil na sociedade brasileira. Semanalmente, assisto, no noticiário, informações de crianças abandonadas em grandes cidades: recém-nascidos jogados em lixeiras, abandonados nas ruas, etc. Essa questão do abandono e, mesmo do assassinato de crianças, é uma questão que aflige a toda a humanidade.
Todos os registros históricos dos quais tenho conhecimento acenam que, entre os indígenas, o índice de infanticídio é baixíssimo. Inclusive viajantes como Fernão Cardim, que escreveu um livro sobre os hábitos do Brasil, faziam referência à maneira carinhosa como as mulheres indígenas cuidavam de seus filhos em comparação às mulheres de Lisboa. Muitos historiadores afirmam que a prática de infanticídio era comum no período colonial, especialmente em comunidades que viviam no Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Há relatos históricos de uma quantidade enorme de recém-nascidos que eram abandonados nas calçadas, nas ruas, mortos e comidos por porcos e cachorros. Os historiadores que relatam esses fatos sempre os comparam com a questão indígena, e afirmam que, entre os índios, essa prática era muito diminuta.
Causa-nos estranheza que, 500 anos depois, apareçam grupos fundamentalistas acusando indígenas de matanças generalizadas de suas crianças. Nós, do Cimi, temos conhecimentos de casos isolados. Alguns missionários já presenciaram atos de abandono de crianças nas florestas. Entretanto, não temos relatos recentes de missionários sobre esses casos. Por isso, não podemos afirmar que há prática de infanticídio nas comunidades indígenas e, tampouco, que acontecem em grandes proporções.
Infanticídio
Vi, em matéria recente de um jornal de grande circulação, que, de um total de 250 povos, cerca de 20 praticam o infanticídio. Não sei como eles chegaram a esse número, considerando que os últimos registros do Cimi datam de 1990. Sabemos que oito povos ainda praticam o infanticídio, os quais têm pouquíssimo contato com a sociedade nacional.
Antigamente alguns povos abandonavam recém-nascidos por não ter informações sobre o que significa, por exemplo, uma criança nascer com retardamento psicomotor. Não tendo condições de sobreviver na floresta, essas crianças eram abandonadas. Há outros relatos de crianças que nascem sem um “pai social”. Para os indígenas, uma criança que nasce sem um pai para poder caçar e garantir a sua sobrevivência não tem condições de sobreviver. Nesses casos, os recém-nascidos eram abandonados por questões práticas, pois, na percepção da comunidade, não teriam condições de sobreviver na selva. Outros relatos referem-se às narrativas cosmológicas do nascimento de gêmeos. Pesquisadores registraram, através da história oral, que não se aceitava, em determinadas culturas, o nascimento de gêmeos. Então, em função da cosmologia e dos mitos de origem do povo, se acreditava que os gêmeos deveriam ser sacrificados.
Campanha contra o infanticídio
Hoje, essas campanhas contra o chamado infanticídio indígena se fundamentam nesta narrativa cosmológica, o que, para nós, é um absurdo. O fato de existir uma narrativa cosmológica não significa que a cultura se mantém atualizada. A prática dos processos de cultura é dinâmica. Então, deve haver, em povos que têm pouco contato com outras culturas, essa referência cosmológica, que justificaria o abandono de uma criança gêmea, por exemplo. Mas em muitos povos onde essa narrativa estava presente, a prática deixou de existir. É muito fácil compreender isso: muitas práticas do Antigo Testamento são condenáveis na sociedade de hoje. Apesar de elas permanecerem na Bíblia, não são praticadas pelos cristãos do século XXI. Então, não podemos olhar para o nosso universo religioso e olhar para os demais povos de outra forma. Embora subsista, nas narrativas cosmológicas, informações a respeito da gravidez de gêmeos, na prática, as ações têm se alterado. Por isso, costumamos dizer que a questão do infanticídio, na prática, é residual porque os povos mudam suas culturas. O pluralismo histórico acontece em todas as culturas, as quais adquirem, com o tempo, novas formas.
Quando o Cimi foi fundado, os povos indígenas não tinham acesso à saúde e, portanto, os missionários eram treinados para suprir essa carência. Hoje, existe a assistência à saúde, ao médico, por mais precária que seja. Isso também contribui para alterar a cultura dos povos.
No Mato Grosso tem um povo formado por aproximadamente 100 pessoas. Eles foram combatidos em 1978. Na época, sobreviveram 27 pessoas. Desde então acompanhamos essa comunidade. Daquele número de 27 pessoas, eram poucas as mulheres em idade fértil. Logo após a inserção da nossa equipe na comunidade, nasceu uma criança doente. Para os indígenas, o recém-nascido era vítima de feitiço e, portanto, deveria ser sacrificado. Os missionários que estavam no local explicaram que, na nossa sociedade, havia uma espécie de pajé que conseguia realizar um tratamento e sanar aquela deficiência. A comunidade aceitou e a criança foi levada a um hospital em Goiânia, onde foi submetida a uma cirurgia de reparação. O bebê retornou um tempo depois e foi aceito pela comunidade. Para resolver essa questão, não foi preciso uma lei, mas, sim, diálogo. É lógico que depois daquele acontecimento, a cultura da comunidade sofreu mudanças. Então, nada justifica que agora se insista na aprovação de um projeto de lei para criminalizar um povo. Projetos como esse servem para ampliar o grau de preconceito da sociedade contra os povos indígenas e para justificar interesses colonialistas que se mantêm nos dias de hoje.
Esses povos têm muitos valores e nós precisamos aprender com eles. Então, não aceitamos, em hipótese alguma, essa leviandade que está sendo veiculada na mídia, inclusive com a produção de um pseudodocumentário mentiroso que fala do enterramento de crianças junto dos povos Suruwahá. Não se trata de um documentário e, sim, de uma ficção gerada pela mente colonizadora.
O povo Suruwahá pratica o suicídio coletivo. Eles são conhecidos como o povo do veneno. A população deles é diminuta, algo em torno de 100 pessoas. Com a morte dos adultos, muitas crianças ficam órfãs. Então, o problema do Suruwahá não é o infanticídio e, sim, o suicídio. Os membros de organizações que criticam o infanticídio dizem que os índios praticam o suicídio porque são obrigados a matar seus filhos e, para não matá-los, elas se suicidam. Isso é uma mentira, uma distorção de informações. Esse povo sofreu, há séculos, um grande ataque e os sobreviventes nunca mais conseguiram formar novos pajés. Então, eles adotaram a prática do suicídio ainda jovem para se encontrarem com os pajés em outra esfera. Este ano estive na Amazônia e a equipe que trabalha lá disse que houve redução de casos de suicídios entre esses índios dessa etnia.
IHU On-Line – Então a discriminação contra os indígenas tem um viés religioso? Que religiões manifestam essa posição e por quê?
Saulo Feitosa – Quem coordena e estimula essa campanha é a ONG Atini – Voz pela vida, e outros grupos religiosos fundamentalistas. O povo brasileiro tomou conhecimento do infanticídio a partir do ano de 2006, quando foi produzido um documentário chamado Hakani. A história de uma sobrevivente, que mostra o enterro de crianças vivas. Os atores indígenas que desempenharam esses papéis receberam 30 reais. Depois da veiculação do vídeo, o Ministério Público entrou com uma ação contra os produtores do documentário, porque as crianças que apareceram no filme pertenciam ao povo Karitiana, de Rondônia. O documentário foi exibido em um programa de televisão e as pessoas da comunidade assistiram. Pela cultura daquele povo, quem simula o enterramento perde a sua alma. Portanto, as imagens criaram um problema cultural grave para as crianças. Inclusive, no depoimento para o Ministério Público, os pais das crianças indígenas disseram que receberam 30 reais para as crianças serem fotografadas. Eles não sabiam que elas participariam de um documentário.
IHU On-Line – Quais são as razões da intolerância indígena hoje?
Saulo Feitosa – Uma das razões é a distribuição da terra. A grande função do projeto de Lei é criar, dentro do Congresso Nacional, um clima anti-indígena porque existem diversos projetos de leis a favor dos povos indígenas tramitando no Congresso. Há uma campanha internacional para demonstrar que os povos indígenas são selvagens. Essa imagem certamente irá repercutir em outros projetos de leis referentes à demarcação de terras indígenas, exploração de minérios em terras indígenas, etc., reforçando a imagem negativa que se tem desses povos.
Se as pessoas querem defender a vida das crianças indígenas, devem aderir a outros projetos de lei. Existe no Congresso uma proposta, que foi amplamente discutida com todos os povos indígenas do Brasil, sobre a criação do Estatuto dos Povos Indígenas, porque a legislação que está em vigor é de 1973, ou seja, é anterior à Constituição Federal e, portanto, não está adequada para a atual situação dessas comunidades. O novo texto tem, inclusive, um artigo especial de proteção à criança e ao adolescente indígena, o qual enfatiza que, caso uma criança seja rejeitada pelos pais, poderá ser adotada por pessoas do próprio povo ou povos próximos.
IHU On-Line – Nesta semana, o povo Kaingang bloqueou sete estradas federais no Rio Grande do Sul, reivindicando melhores condições na área da saúde. Eles argumentam que, embora tenham acesso ao SUS, as condições de atendimento são precárias. Como avalia essa questão? O acesso à saúde entre as comunidades indígenas é mais precário do que para a população em geral?
Saulo Feitosa – No final dos anos 1980, o Brasil instalou um sistema correlato de atenção à saúde indígena. Portanto, os índios têm um sistema próprio de saúde que se fundamenta nos distritos especiais indígenas. Esses distritos foram projetados com a perspectiva de serem autônomos do ponto de vista da gestão, assim, eles teriam quadros de funcionários para atender as comunidades. Esse projeto de assistência à saúde foi bem desenhado, mas, na prática, ocorreram privatizações e um esvaziamento da proposta original de se criar distritos para atender as comunidades. Os serviços foram terceirizados e essa terceirização foi agravada pelo alto índice de corrupção dentro da Fundação Nacional da Saúde – Funasa: auditorias demonstram os desvios de verbas da saúde pública. Além disso, cargos foram loteados para políticos e os distritos não foram administrados por pessoas competentes. Nesse sentido, a saúde indígena é tão precária quanto à dos demais brasileiros. O governo deveria abrir concurso público para atender à saúde indígena. Enquanto isso não acontecer, continuaremos assistindo essa precariedade e a morte de crianças.
IHU On-Line – Como vê a política indigenista hoje? Quais os avanços e os limites?
Saulo Feitosa – O governo e a Fundação Nacional do Índio – Funai têm um discurso progressista de reconhecimento aos direitos indígenas, de valorização da cultura, mas, uma prática colonialista. O governo Lula criou a Comissão Nacional de Política Indigenista, a qual pensávamos ser um processo importante, mas percebemos que o governo inicialmente apenas sinalizou para uma discussão. Quando os índios passaram a exercer a sua autonomia, o governo começou a tomar atitudes autoritárias ao ponto de fazer uma reestruturação da Funai sem discutir com os povos indígenas. Esse era um processo para ser feito como uma construção coletiva, e não reproduzindo modelos autoritários do período militar.
Ainda este ano, o presidente da Funai, junto com o ministro da Justiça e o delegado geral da União, publicaram uma portaria para redefinir as bases para a demarcação de terras indígenas incluindo a participação dos municípios, que historicamente sempre foram contra à demarcação de terras por causa de interesses econômicos e políticos locais. Essa situação se agravou e, na última reunião da Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI, em junho, os representantes indígenas dessa comissão, em protesto, disseram que não votariam e se retirariam da reunião. Eles só voltariam a se reunir se a presidenta Dilma estivesse presente porque, desde que foi eleita, ela não conversou com as representações indígenas do país.
As obras do PAC afetam as terras indígenas e os povos não são consultados, embora o país seja signatário da Organização Internacional do Trabalho – OIT, e embora a Constituição obrigue o Estado a fazer consultas em relação a temas polêmicos como Belo Monte, a transposição do rio São Francisco, as hidrelétricas do rio Madeira etc. Diria que os documentos do governo não reproduzem mais o ranço da ditadura militar, mas, na prática, agem da mesma maneira.