segunda-feira, 31 de março de 2014

Mapa inédito coloca o Brasil em 3º lugar em conflitos ambientais

Em um projeto inédito, a Universidade Autônoma de Barcelona mapeou conflitos ambientais em todo mundo. No mapa, o Brasil aparece em terceiro lugar (ao lado da Nigéria) em número de disputas, enquanto a mineradora brasileira Vale ocupa a quinta posição no ranking de empresas envolvidas nessas questões.

O mapa, uma plataforma interativa, é o resultado do trabalho de uma equipe internacional de especialistas coordenados pelos pesquisadores do Instituto de Ciência e Tecnologia Ambiental da universidade espanhola.

Entre os 58 conflitos ambientais em curso no Brasil há disputas agrárias como o caso de Lábrea, cidade no Amazonas próxima à fronteira com o Acre e Rondônia, onde agricultores são vítimas da ameaça de madeireiros e grileiros.

Há ainda diversos conflitos indígenas, disputas por recursos hídricos e por reservas minerais.

No caso da Vale, 14 das 15 disputas em que a empresa está envolvida ocorrem na América Latina, especialmente no Brasil, mas há casos também na Colômbia, no Peru e no Chile. O mapa cita ainda um conflito entre a mineradora e agricultores em Moçambique.

Segundo o artigo do pesquisador da Fiocruz Marcelo Firpo Porto mostrado na seção sobre o Brasil, apesar de o país ter passado por um processo de industrialização e não ser mais exclusivamente agrário, seu modelo de exportação “reproduz o padrão da América Latina e continua concentrado na exploração dos recursos naturais, com commodities crescendo em importância em relação a produtos manufaturados nos últimos anos”.

“Conflitos ambientais no Brasil que aparecem no mapa do EJOLT (Environmental Justice Organizations, Liabilities and Trade, um projeto europeu de organizações de justiça ambiental) refletem esse modelo de desenvolvimento adotado pelo governo brasileiro”, afirma o pesquisador.

Porto afirma que vários conflitos estão associados à expansão da agricultura, mineração, hidroelétricas e exploração de petróleo em áreas de terras altas e no litoral – e destaca entre as áreas afetadas os territórios de comunidades tradicionais que, historicamente, viviam de forma sustentável.

“Essas populações continuam vivendo à margem do sistema político e sem políticas públicas que reconheçam e garantam sua subsistência e territórios. Conflitos de terras envolvem disputas entre setores econômicos e índios, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas (como o seringueiro assassinado Chico Mendes), pescadores artesanais e um grande número de comunidades rurais que tradicionalmente exploram coletivamente a terra e os recursos das florestas.”

O pesquisador aponta que muitos conflitos também estão associados à construção de obras de infraestrutura e geração de energia, como estradas, ferrovias, oleodutos, complexos portuários, hidroelétricas e termelétricas, e até fazendas de energia eólica.

E na lista de conflitos ambientais no Brasil apontados no mapa do EJOLT estão empreendimentos como o gasoduto Urucu-Coari-Manaus, da Petrobras, o complexo petroquímico de Itaboraí, no Rio de Janeiro, a usina hidroelétrica de Aimorés, a exploração de petróleo e gás em Coari, no Amazonas, entre outros.

Classes média e alta – O mapa foi apresentado na quarta-feira em Bruxelas, pela Delegação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

“O mapa mostra como os conflitos ecológicos estão aumentando em todo o mundo, devido a demanda por materiais e energia da população mundial de classe média e alta”, afirmou Joan Martínez Alier, diretor do EJOLT.

“As comunidades mais impactadas por conflitos ecológicos são pobres, frequentemente indígenas e não têm poder político para ter acesso à justiça ambiental e aos sistemas de saúde”, acrescentou.

O mapa permite que os usuários localizem e visualizem conflitos por tipo de material (minerais, hidrocarbonetos, água ou resíduos nucleares), por companhias envolvidas e por países.

Na América Latina o maior número de casos documentados pelo mapa estão na Colômbia, com 72 casos, Brasil, com 58, Equador, 48 conflitos ambientais, Argentina, 32, Peru, 31, e Chile com 30 casos.

A iniciativa, que contou com a participação de 23 universidades e organizações de justiça ambiental de 18 países, tem vários objetivos. Entre eles, tornar mais acessível a informação e dar mais visibilidade a estes problemas.

Os criadores do projeto esperam que novas organizações civis e especialistas contribuam para preencher os espaços ainda vazios no mapa com mais pontos de conflito e informações.

Por enquanto, apesar de os milhares de conflitos assinalados ainda despertarem pessimismo, os responsáveis pelo mapa apontam para sinais positivos.

“O mapa mostra tendências preocupantes como a impunidade de companhias que cometem crimes ambientais ou a perseguição dos defensores do meio ambiente, mas também inspira esperança”, disse Leah Temper, coordenadora do projeto. “Entre as muitas histórias de destruição ambiental e repressão política, também há casos de vitórias na justiça ambiental.”

Temper afirma que este é o caso em 17% dos conflitos analisados: ações foram vencidas na justiça, projetos foram cancelados e bens foram devolvidos para algumas comunidades. (Fonte: Terra)


sábado, 22 de março de 2014

Manifesto dos povos da floresta do Vale do Juruá: “O petróleo é nosso”! Deixem-no na terra! Fora da Amazônia, petroleiras!

 “O petróleo é nosso”! Deixem-no na terra! 
Fora da Amazônia, petroleiras!

Nós, povos da floresta do Vale do Juruá, reunidos no Seminário “Petróleo, você compra a natureza é quem paga: Vale do Juruá, construindo alternativas”, organizado pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e realizado de 19 a 21 de março de 2014, viemos manifestar nossa prioridade de defender a todo custo a vida, estando portanto preocupados com a exploração de petróleo e gás na nossa região, bem como com a implementação de projetos de pagamentos por serviços ambientais, a exemplo do REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal).

Depois de debatermos e trocarmos experiências e opiniões não apenas entre os povos da floresta, mas com universitários, estudantes de Ensino Médio e representantes de movimentos sociais localizados na cidade, pudemos perceber que, ao contrário do que nos tem sido passado, o chamado ‘desenvolvimento sustentável’ tem contribuído significativamente para a degradação não apenas do meio em que vivemos, como dos nossos modos de vida, excluindo-nos de participação efetiva nesses processos. Os “Plano (s) de Manejo Florestal Sustentável” nos servem como claro exemplo da falência deste conceito, ao reprimir e criminalizar os povos da floresta, enquanto de fato barganham seus meios de subsistência, pois entrega os bens naturais para consumo das sociedades industrializadas, em troca do lucro de poucos empresários.

É preciso compreender que serviços básicos de assistência aos povos da floresta são de inteira responsabilidade do Estado, tal como garante nossa legislação. Estes serviços nos estão sendo oferecidos como moeda de troca por tais projetos. Representantes do governo e instituições privadas condicionam a realização daquilo que já é do nosso direito à nossa aceitação de tais projetos.

Após tomarmos conhecimento das consequências desastrosas e irresponsáveis da exploração petroleira em outros lugares da Amazônia, como Bolívia, Peru e Equador (Parque Nacional Yasuni), entendemos que a vida na floresta está iminentemente ameaçada nos seus alicerces, uma vez que o risco mais evidente é a contaminação das nossas nascentes, o que afetaria drasticamente a vida de todos os seres não apenas da região amazônica, mas de todo o mundo. 

É evidente que a riqueza da floresta não apenas foi preservada, mas foi produto de uma coevolução com os povos que originalmente nela habitaram. Até muito pouco tempo, éramos autossuficientes e não necessitávamos da produção capitalista. Hoje, pouco nos beneficiamos dos artigos oriundos deste modo de produção. Ao contrário, somos vítimas de discursos que nos desqualificam enquanto aqueles que cuidam do próprio espaço: ou significamos entraves para o progresso (no caso da exploração petroleira) ou nos tornamos possíveis destruidores da biodiversidade vendida como mercadoria (no caso do REDD). Os discursos ignoram completamente nosso modo de vida, porque trazem um modelo sabidamente fracassado de progresso, que beneficia grupos cada vez menores, detentores do grande capital e porque numa lógica inversa, mas igualmente perversa, se arrogam de especialistas da biodiversidade, minando nossos saberes e vivência, ao impor um modelo trazido pronto.

Tendo por base os parágrafos 6 e 7 da Convenção 169 da OIT, que confere aos povos indígenas e tribais a consulta, “mediante procedimentos apropriados” e “o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento, na medida em que afete suas vidas, crenças, instituições e bem estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma e de controlar, na medida do possível, seu próprio desenvolvimento econômico, social e cultural”, consideramos ilegítima a implementação de obras que viabilizarão a exploração do petróleo no Vale do Juruá, assim como a criação da Lei 2308, de 22 de outubro de 2010, que cria o Sistema Estadual de Incentivos por Serviços Ambientais (Lei SISA). Tivemos nossos direitos violados e exigimos revisão imediata desse processo, pois o que se chama de consulta, não atendeu aos critérios estabelecidos pela mencionada Convenção.

Queremos ainda reiterar o posicionamento presente na Carta do Acre, de 11 de outubro de 2011 e a Carta da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari – UNIVAJA, que, tal como nosso manifesto, rechaçam o modelo desenvolvimentista com suas falsas soluções da Economia Verde. 

Dado que nossas lutas históricas foram as únicas responsáveis pelas conquistas que tivemos até hoje, nós, os povos da floresta, nos comprometemos a firmar aliança coletiva, para o enfrentamento deste modelo de morte, que vem invadindo nossos espaços de vida. 

Desta forma, nos posicionamos veementemente contra a exploração petroleira tanto no Vale do Juruá, quanto em toda a Pan Amazônia, por entendermos que os grupos afetados não estão restritos à floresta, mas aos núcleos urbanos e todas as áreas presentes nas proximidades deste ecossistema. Queremos convocar toda a sociedade do Vale do Juruá, que certamente será afetada por uma exploração que apenas retirará nossas riquezas e trará transformação daquilo que temos de mais precioso: o nosso modo de vida ainda bastante diverso dos grandes centros insustentáveis. 

Participantes: Lideranças dos povos Apolima-Arara do Amônia; Ashaninka do Breu; Huni kuin do Breu, do Jordão e do Envira; Nawa e Nukini do Môa; Shawandawa do Cruzeiro do Vale; Katukina; Jaminawa Arara do Bagé e Igarapé Preto; Jaminawa do Bagé; Apurinã do Purus-AM; Marubo do Ituí-AM; Ribeirinhos do Val-Paraíso; CIMI; Diocese de Cruzeiro do Sul; CPT de Cruzeiro do Sul; estudantes universitários e secundaristas, professores; agentes de pastorais; jornalistas e membros da sociedade civil organizada.

Cruzeiro do Sul, 21 de Março de 2014

terça-feira, 18 de março de 2014

PETRÓLEO, VOCÊ COMPRA, A NATUREZA É QUEM PAGA



O Cimi - Conselho Indigenista Missionário, Regional Amazônia Ocidental, ciente do momento e do papel da sociedade civil neste momento em que afloram projetos e modelos da chamada economia verde, tais como Pagamentos Por Serviços Ambientais, REDD, construção de hidrelétricas, estradas e ferrovia e, claro, exploração de todos os meios ditos naturais, tem o prazer de convidá-lo a participar do seminário: petróleo, você compra, a natureza é quem paga: Vale do Juruá, construindo outras alternativas,  a realizar-se conforme a programação a seguir.

Desde às vésperas do carnaval de 2007, quando o então senador Tião Viana apresentou seu projeto que visava a exploração de petróleo e gás na região do Juruá, que o CIMI, Regional Amazônia Ocidental se manifestou imensamente preocupado com os danos ambientais, sociais e culturais daí decorrentes, muitos irreversíveis. De lá para cá vários estudos, debates e seminários foram promovidos pelo CIMI com o intuito de esclarecer a população sobre a gravidade destes projetos, todos nos mesmos moldes das hidrelétricas do Madeira que agora se constatou o equívoco. Não queremos que outras catástrofes se abatam sobre as comunidades indígenas, tradicionais e camponesas, tão pouco àquelas e aqueles que vivem nos centros urbanos e você é um sujeito muito importante na construção desta história. Portanto, sua presença torna-se de fundamental importância para nós.

PROGRAMAÇÃO DO SEMINÁRIO:"PETRÓLEO, VOCÊ COMPRA, A NATUREZA É QUEM PAGA"

Dia 19 de Março

17:00- Chegada.
19:00- Jantar
20:00- Abertura e apresentação dos participantes.

Dia 20 de Março

8:00- Acolhida/ Canto
9:00- O modelo desenvolvimentista para a região. Lindomar Padilha e 
Professor Elder de Paula Andrade(Pós- Doctor em desenvolvimento regional) 
10:00- Lanche
10:30- Reação da plenária: Dúvidas, questionamentos dirigidas ao palestrante.
12:00- Almoço.
14:00- Como esse modelo está se instalando. Pesquisador: Michael F. Schmidlenherc
15:00- Reação da plenária: Dúvidas, questionamentos.
15:45- Lanche
16:15- trabalhos em grupos.
16:45- Plenária com apresentação dos resultados. 
18:00- Jantar.
Noite: Livre

Dia 21 de Março 

8:00- Canto 
8:30- Mesa de resistência, socialização de experiências: Coarí-AM e Madeira-RO
9:45- Lanche
10:15- Propostas alternativas
11:00- Plenária com apresentação das propostas
12:00- Almoço
14:00- Carta do Seminário.
15: 45- Lanche
17: Avaliação do Seminário/ Encerramento

segunda-feira, 17 de março de 2014

Nota pública: Jogando contra a democracia

Cerca de 80 institutos de pesquisa, grupos de assessoria jurídica popular, organizações de direitos humanos do Brasil lançam nota de repúdio ao editorial do Jornal O Estado de S. Paulo, de 3 de março deste ano, intitulado “Drible do Judiciário”. Na mesma esteira do artigo “Contra a Lei”, da senadora Kátia Abreu, publicado na Folha de S. Paulo, e da nota da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o editorial ataca propostas de mediação de conflitos fundiários rurais e deslegitima o direito à terra por comunidades, povos tradicionais e camponeses.

A posição explicitada no editorial, assim como no artigo da senadora e na nota da CNA, é resposta ao recente lançamento da pesquisa “Casos Emblemáticos e Experiências de Mediação: análise para uma cultura institucional de soluções alternativas de conflitos fundiários rurais”, realizada pela Terra de Direitos – Organização de Direitos Humanos, em parceria estabelecida com a Secretaria de Reforma do Judiciário e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

Os referidos textos desrespeitam o conjunto dos profissionais que desenvolveram a pesquisa e a Advocacia Popular como prática de defesa de direitos humanos, além de sugerir que o Estado Democrático de Direito brasileiro não protege os direitos de indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e campesinos.

Confira a nota:
Nota pública: Jogando contra a democracia 
Jogando contra a democracia: o editorial de O Estado de S. Paulo contra a pesquisa sobre conflitos fundiários rurais

Institutos de pesquisa, grupos de assessoria jurídica popular e outras organizações vêm publicamente manifestar sua indignação e repúdio ao conteúdo do editorial do Jornal O Estado de S. Paulo, de 3 de março deste ano, intitulado “Drible do Judiciário”.

O referido editorial tem por objetivo atacar a pesquisa “Casos Emblemáticos e Experiências de Mediação: análise para uma cultura institucional de soluções alternativas de conflitos fundiários rurais”, realizada pela Terra de Direitos – Organização de Direitos Humanos, em parceria estabelecida com a Secretaria de Reforma do Judiciário e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Ao investir contra a pesquisa, o editorial, agride toda a comunidade de pesquisadores da área de “direito e movimentos sociais” e da assessoria jurídica popular, no Brasil, além de, principalmente, ofender a luta pelos direitos de indígenas e quilombolas.

Chama a atenção, na leitura do editorial, a quantidade de adjetivos com intenção pejorativa ao longo do texto. Por exemplo: logo na segunda frase, aparece o termo “gelatinoso”, para qualificar o argumento dos que defendem os direitos de indígenas e quilombolas; na terceira, surgem as “convicções socialistas” dos movimentos sociais, bem como seus pontos de vista “esdrúxulos”.

É certo que, por se tratar de texto opinativo, o editorial não precisa ater-se às exigências de objetividade da redação de notícias com intuito meramente informativo. Porém, espanta o fato de que um ataque tão veemente a alguns dos setores mais fragilizados da nossa sociedade não seja acompanhado de um compromisso com a base factual dessas afirmações.

Mas qual o motivo desse pouco razoável ataque? Sem dúvida, a ameaça que representa, para a elite dirigente brasileira representada pelos setores do ruralismo e da grande mídia, a afirmação de que os direitos dos povos indígenas e quilombolas devem ser respeitados. Para o jornal, os direitos históricos de indígenas e quilombolas sobre as terras são meramente “alegados”. Mesmo os indígenas do sul da Bahia não passam de “supostos índios”. Até os antropólogos, profissionais que passam boa parte de suas vidas estudando e convivendo com indígenas e quilombolas, não escapam ao destempero do editorial, que qualifica esse trabalho de “antropologia de botequim”. Fica evidente que o editorial refere-se com menosprezo aos profissionais da Antropologia e do Direito que buscam realizar diálogos entre estes dois saberes, menosprezando-os com escárnio estratégico.

Quanto à discussão jurídica, a opinião emitida contribui apenas para reviver a época do sacrossanto direito à propriedade privada, aquela na qual se poderia fazer tudo com a propriedade, inclusive nada. Como sabemos, todavia, o tempo e as lutas sociais trouxeram sensíveis mudanças em nossa legislação, o que se expressa na exigência atual do cumprimento da função social da propriedade. Ou seja, o título de propriedade não autoriza tratar a terra de forma abusiva, irresponsável; ao contrário, é exigido que, no exercício de tal direito, se cumpra a sua função social, entrando em seu rol a produtividade, o respeito ao meio ambiente, às relações de trabalho e ao bem-estar social. E não apenas isto. A Constituição de 1988, a vasta legislação infraconstitucional e os documentos internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário reconhecem e afirmam o direito dos povos indígenas e comunidades quilombolas à terra e ao território tradicional. Há, também, todo um criterioso trabalho de antropólogos e juristas na busca pela concretização do direito constitucional à terra e ao território tradicional, o que não se contrapõe à melhor interpretação ao direito constitucional à propriedade. O editorial afirma que “a propriedade, por mais documentada que seja” estaria em risco frente aos direitos tradicionais, ignorando que, em regra, essa documentação é passível de muitos questionamentos, fruto de grilagens, esbulhos, invasões etc., e não o contrário. Os “invasores de terra” na história do Brasil, por excelência, são os grandes proprietários e não os indígenas, quilombolas ou movimentos sociais de camponeses.

Inseridos em contextos de violências e assassinatos no campo por causas ligadas a conflitos fundiários, de destruição do meio ambiente natural no qual habitam, de concentração fundiária (cerca de 1% dos proprietários rurais detêm em torno de 46% de todas as terras), de remoção de suas populações para a construção de grandes obras e de grilagem de suas terras, dentre outros iníquos cenários, tais povos, a fim de buscar a legítima concretização de seus direitos, organizam-se em movimentos sociais, resistindo contra históricas injustiças sociais, culturais e ambientais. A ordem democrática não se faz sem a participação social, sem a insurgência popular, sem espaços-tempos onde se experiencie todo o poder que emana do povo.

Buscando, em conjunto com esses movimentos sociais, soluções concretas para tais situações, assessores jurídicos populares, bem como integrantes do Sistema de Justiça e pesquisadores de diversos âmbitos do conhecimento têm, por diversos meios, apoiado povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e o campesinato em seu direito a lutar por respeito às suas terras, culturas e identidades e por equidade territorial no Brasil, país pluriétnico e intercultural.

Daí que o periódico, ao se referir, em seu editorial, à pesquisa sobre soluções alternativas de conflitos fundiários rurais, intentou ecoar palavras as quais beiram a má-fé e irresponsabilidade ou mesmo desorientação na perspectiva jurídica.

É de se destacar que a investigação atacada em nada colabora para afastar a intervenção do poder judiciário na resolução de conflitos, mas, ao contrário, ela parte da premissa – incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça – de que a mediação é um meio de democratizar e dar celeridade às demandas mais urgentes da sociedade. Em um tempo onde se fala cada vez mais de reforma do judiciário e métodos alternativos de resolução de demandas, criticar a mediação é um anacronismo.

Neste editorial lêem-se expressões as quais não só desrespeitam os profissionais que desenvolveram a pesquisa e a Advocacia Popular como prática de defesa de direitos humanos, bem como, o mais grave, incita à ideia de que o Estado Democrático de Direito brasileiro, constitucionalmente afirmado, não protege os direitos de indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e campesinos. Estimula, ainda, seus leitores a manterem a crença de que o direito de propriedade no Brasil está garantido apenas pela escritura cartorária, tal como afirmava o antigo código civilista, e não como afirma a Constituição, quando esta se refere à função socioambiental que deve cumprir a propriedade.

O editorial do referido jornal lança, também, nebulosas informações sobre seus leitores acerca da proposta esboçada pela pesquisa realizada pela Terra de Direitos, a qual, em momento algum, propõe substituir juízes por mediadores, mas sim tecer um sistema no qual os juízes possam se apropriar cada vez mais da realidade na qual vivem centenas de milhares de pessoas na luta pela posse de seus territórios tradicionais, trabalhando em conjunto com um sistema de mediação de conflitos em meio rural para que todos possam contribuir mais efetivamente com a solução de tais conflitos.

Causa, no mínimo, estranheza, que um veículo de comunicação social, que alegadamente se pauta pela imparcialidade na informação, se manifeste absolutamente a favor de notalançada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), no dia 20 de fevereiro de 2014, a qual demonstrava sua “perplexidade” acerca da proposta trazida pela citada pesquisa por motivos bastante confluentes, para não dizer quase os mesmos, com os apontados pelo editorial. Aliás, exatamente os mesmos argumentos reproduzidos pela presidente da CNA, senadora Kátia Abreu, em sua coluna semanal no jornal Folha de S. Paulo, no dia 22 de fevereiro.

O apoio aqui expressado, portanto, pretende evidenciar que mais essa tentativa de drible da Justiça, esboçada pelo editorial de O Estado de São Paulo, faz parte de uma campanha midiática antidemocrática, aliada aos setores mais conservadores de nossa sociedade, a qual busca obstaculizar o processo de construção de real e efetiva equidade territorial no Brasil. Sigamos, pois, como a sociedade brasileira, na busca pela concretização dos direitos à terra, ao território e à propriedade cumpridora de sua função socioambiental!
13 de março de 2014.
Assinam:
Advogados Sem Fronteiras (ASF-Brasil)
AJUP Roberto Lyra Filho (UnB)
Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDH)
Associação Brasileira de Antropologia (ABA)
Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR)
Associação de Moradores Amiga das Vilas (PR)
Associação dos Advogados Populares da Amazônia (AAPA)
Associação dos Servidores da SEMACE – ASSEMACE
Associação Missão Tremembé – AMIT
Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti (Direito/UFRN)
Centro Acadêmico de Direito da UFERSA
Centro Acadêmico de Direito – CADir (UnB)
Centro Acadêmico Hugo Simas – CAHS (Direito/UFPR)
Centro de Assessoria Popular Mariana Criola (RJ)
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará – CEDENPA
Centro de Pesquisa em Etnologia Indígena CPEI/IFCH/UNICAMP
Centro de Referencia em Direitos Humanos CRDH/UESB
Centro de Referência em Direitos Humanos da UFPB
Centro de Referência em Direitos Humanos da UFRN
Centro de Referência em Direitos Humanos do Semiárido (UFERSA)
Cerrado Assessoria Juridica Popular (GO)
Coletivo Catarina de Advocacia Popular (SC)
Coletivo Quilombola do Centro de Estudos Rurais – CERES/IFCH/UNICAMP
Comissão de Direitos Humanos da OAB – Jabaquara/SP
Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG
Comissão de Direitos Humanos da UFPB
Comissão Pastoral da Terra do Ceará (CPT/CE)
Comissão Pró-Índio de São Paulo
Conselho Indigenista Missionário – CIMI
Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)
Dignitatis – Assessoria Técnica Popular (PB)
Diretório Central dos Estudantes da UFERSA
Fase – Solidariedade e Educação
Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros (FISENGE)
Federação Nacional de Estudantes de Direito (FENED)
Fórum de Extensão (Direito/UFPR)
Fórum Justiça
Forschungs- und Dokumentationszentrum Chile-Lateinamerika/Berlin (FDCL – Centro de Pesquisa e Documentação Chile e América Latina/Berlim)
Frente de Esquerda (Direito/UFPR)
Geledés – Instituto da Mulher Negra
Grupo de Estudos em Direito Crítico, Marxismo e América Latina – GEDIC (UFERSA)
Grupo de Pesquisa e Extensão “Direitos Humanos e Cidadania” – UFPI
Grupo de Pesquisa Marxismo, Direito e Lutas Sociais (GPLutas)
Grupo de Pesquisa Meio Ambiente: Sociedades Tradicionais e Sociedade Hegemônica (PUCPR)
Grupo Tortura Nunca Mais – Paraná
Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS)
Instituto Defesa da Classe Trabalhadora/PR
Instituto Democracia Popular – Curitiba/PR
Instituto Luiz Gama (ILG)
Justiça Global
Lutas: Formação e Assessoria em Direitos Humanos (Londrina/PR)
Marcha da Maconha Brasília (DF)
Movimento Direito: a dinâmica das ruas (UnB)
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
Movimento dos Blogueiros Progressistas do Paraná (PRBlogProg)
Movimento em Defesa dos Povos Indígenas do Oeste do Paraná
Movimento Xingu Vivo para Sempre (PA)
Movimento Zoada/PE
Movimento Xingu Vivo para Sempre (PA)
Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa – NAJA (UESB/BA)
Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária – NAJUC/UFC
Núcleo de Assessoria Jurídica Popular de Ribeirão Preto (NAJURP/USP)
Núcleo de Assessoria Jurídica Popular – NAJUP Direito nas Ruas (UFPE)
Núcleo de Estudos Filosóficos (NEFIL/UFPR)
Núcleo de Estudos Interdisciplinares em Direitos Humanos do Instituto Camilo Filho – ICF – Piauí
Núcleo de Extensão Popular – NEP Flor de Mandacaru (PE)
Plataforma Dhesca Brasil
Programa de Educação em Direitos Humanos PEDH/UESB
Promotoras Legais Populares de Curitiba e Região (PR)
Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA
Rede Estadual de Assessorias Jurídicas Universitárias Populares do Piauí
Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAP)
Ser-tão Assessoria Jurídica Popular/UERN
Sindicato dos Engenheiros do Paraná – SENGE/PR
Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário do Estado do Paraná (Sindijus-PR)
Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público do Estado do Ceará – MOVA-SE
Sociedade de Direitos Humanos para a Paz – DHPaz (PR)
THEMIS – Gênero, Justiça e Direitos Humanos (RS)
Tribunal Popular: o estado brasileiro no banco dos réus
Urucum – Assessoria em Direitos Humanos, Comunicação e Justiça (CE)

Fonte: CIMI DF

quinta-feira, 13 de março de 2014

HIDRELETRICAS, CRIME E TRAGÉDIA NO RIO MADEIRA: quem é que vai pagar por isso?

Por Elder Andrade de Paula

Camponeses arriscam suas vidas na tentativa de colher bananas em uma
plantação  inundada em Puerto Yumani, departamento de Beni-Bolívia (Fevereiro de 2014)
Fonte: http://www.elcomercio.com/mundo/invierno-lluvias-Bolivia-carreteras-muertos-desaparecidos_0_1083491800.html

Entre as centenas de imagens que vi até o momento, essa é a que mais impressionou-me nessa mega e inconclusa tragédia no rio Madeira e seu entorno. O olhar e expressão dessa mulher campesina parece-me sintetizar toda a dor e desespero de milhares de pessoas que perderam tudo: moradias, plantações, familiares (só na Bolívia foram registrados mais de 60 pessoas mortas até o momento).

Por essa razão, ao mesmo tempo em que felicito a iniciativa do MPF e MPE de Rondônia em conjunto com OAB-RO, por impetrar ação civil pública solicitando a suspensão das atividades nas usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio – até que se refaçam os Estudos de Impactos Ambientais – considero-a insuficiente diante da magnitude desse crime. Isto é, as obras do complexo madeira iniciadas com as construções das usinas de Sto Antônio e Jirau foram executadas a ferro e fogo, transgrediram acintosamente a Constituição e sua regulamentação no que diz respeito aos procedimentos para licenciamento ambiental.

Existe uma vasta documentação destacadamente o PARECER TÉCNICO Nº 014/2007 – COHID/CGENE/DILIC/IBAMA de 21 de março de 2007. Esse documento se tornou mais conhecido pelo seu conteúdo e repercussões políticas: demissão do diretor de Licenciamento do Ibama, Luiz Felippe Kunz Jr e desmonte do IBAMA a partir daquele momento. Ao analisar o conjunto da documentação “Estudo de Impacto Ambiental (EIA), Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), Audiências Publicas, vistorias técnicas, reuniões técnicas, documentação apensada ao processo” (http://www.internationalrivers.org/files/attached-files/ibama_parecer_032007.pdf) a equipe técnica do IBAMA expôs em 220 paginas, as insuficiências e omissões dos mesmos.

De acordo com o Parecer, a área a ser alagada poderá ser o dobro daquela projetada nos estudos apresentados. “Em síntese”, conclui o referido Parecer:

i) há notória insuficiência dos estudos e complementações apresentados, fato atestado pelas contribuições de demais órgãos e entidades ao processo, notadamente o Relatório de Análise do Conteúdo dos Estudos de Impacto Ambiental proporcionado pelo Ministerio Publico do Estado de Rondônia;

(ii) as áreas diretamente afetadas e as áreas de influencia direta e indireta são maiores do que as diagnosticadas;

(iii) as vistorias, Audiências Publicas e reuniões realizadas trouxeram maiores subsídios a analise do EIA, demonstrando que os estudos subdimensionam, ou negam, impactos potenciais. Mesmo para assumir um impacto, e preciso conhecê-lo, e a sua magnitude;

(iv) as analises dos impactos identificados demonstraram a fragilidade dos mecanismos e propostas de mitiga coes;

(v) a extensão dos impactos (diretos e indiretos) abrange outras regiões brasileiras e países vizinhos, comprometendo ambiental e economicamente territórios não contemplados no EIA, sendo, desta forma, impossível mensurá-los;

(vi) a nova configuração da área de influencia dos empreendimentos demanda do licenciamento, segundo a determinação presente na Resolução no 237/1997, o estudo dos significativos impactos ambientais de âmbitos regionais. Neste sentido, considerando a real área de abrangência dos projetos e o envolvimento do Peru e da Bolívia, a magnitude desses novos estudos remete a reelaboração do Estudo de Impacto Ambiental e instrumento apropriado a ser definido conjuntamente com esses países impactados. De qualquer forma, e necessária consulta a Procuradoria Geral do IBAMA para o adequado procedimento.

Dado o elevado grau de incerteza envolvido no processo; a identificação de áreas afetadas não contempladas no Estudo; o não dimensionamento de vários impactos com ausência de medidas mitigadoras e de controle ambiental necessárias a garantia do bem-estar das populações e uso sustentável dos recursos naturais; e a necessária observância do Principio da Precaução, a equipe técnica concluiu não ser possível atestar a viabilidade ambiental dos aproveitamentos Hidrelétricos Santo Antônio e Jirau, sendo imperiosa a realização de novo Estudo de Impacto Ambiental, mais abrangente, tanto em território nacional como em territórios transfronteiriços, incluindo a realização de novas audiências publicas. Portanto, recomenda-se a não emissão da Licença Previa (http://www.internationalrivers.org/files/attached-files/ibama_parecer_032007.pdf pg 220-221, grifos nossos).

ESSA TRAGÉDIA PODERIA TER SIDO EVITADA

Ao jogar no lixo esse Parecer Técnico e todas as criticas e advertências emanadas de movimentos sociais como MAB, especialistas e intelectuais comprometidos com a justiça e defesa dos direitos dos povos, o governo Lula praticou conscientemente um duplo crime: de responsabilidade administrativa e ambiental. Por essa razão, tanto o chefe do executivo na época (Lula) quanto os que tiveram responsabilidades diretas no licenciamento das hidrelétricas do rio Madeira tem que ser processados.

Mais ainda, devemos exigir a suspensão imediata da construção de hidrelétricas, de Belo Monte e daquelas projetadas na bacia do rio Tapajós. Está coberto de razão o povo Munduruku ao travar uma luta sem tréguas contra as barragens no Tapajós e precisam mais do que nunca contar com todo nosso apoio, especialmente o de “nosotros”, aproximadamente 2 milhões de pessoas atingidas pela tragédia das hidrelétricas do rio Madeira na Amazônia brasileira, boliviana e peruana. As hidrelétricas, juntamente com mineração, agronegócio, exploração florestal madeireira e financeirização da natureza via Pagamentos por Serviços Ambientais -PSA, formam o eixo básico desse repertório macabro da destruição posta em marcha pelo capital na Amazônia. Ou desobedecemos e lutamos ou seremos tragados por esse “moinho satânico”. 

A esse respeito ver entre outros:

- FOBOMADE. El Norte Amazónico de Bolivia y el Complejo del río Madera Publicado en marzo 2007 - http://www.fobomade.org.bo

- FOBOMADE. BAJO EL CAUDAL. El impacto de las represas del río Madera em Bolivia. Publicado en mayo de 2009. http://www.fobomade.org.bo

- SWITKES, Glenn (Org); BONILHA, Patricia (edit). ÁGUAS TURVAS alertas sobre as consequências de barrar o maior afluente do amazonas. São Paulo. Internacional Rivers. 2008.

MEU COMENTÁRIO: Na verdade o excelente texto, assim como o autor, Professor Elder, dispensam comentários, mas, eu não poderia deixar passar em branco meus elogios ao texto e ao professor. É forçoso que as ditas autoridades admitam que, em nome do capital, mais uma vez, nos colocaram a todos em situação de vítimas de mais um crime, desta vez crime de proporções internacionais. Chega mesmo a ser um crime contra a humanidade. De fato, mais do que nunca está na hora de denunciarmos e exigirmos as devidas punições aos criminosos responsáveis por mais essa tragédia anunciada.

quarta-feira, 12 de março de 2014

A abertura da BR-421, em Rondônia, ameaça povos isolados

No dia 6 de março, no prédio da Secretaria da Segurança e Cidadania, por solicitação do Ministério Público Federal (MPF), foi realizada uma reunião com a participação de várias instituições governamentais: Procuradoria do Governo de Rondônia, Departamento de Estradas e Rodagem (DER), Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Secretaria de Desenvolvimento e Meio Ambiente da Amazônia (Sedam), Ibama, Defesa Civil, Polícia Militar, Secretaria da Segurança, Advocacia Geral da União (AGU), MPF e uns poucos representantes da sociedade civil, com o objetivo de discutir sobre a viabilidade da abertura da BR-421, que ligaria a região central de Rondônia ao Vale do Mamoré, no norte do estado e onde vivem povos indígenas em situação de isolamento e risco de extinção.
No último dia 03 de março, em cumprimento ao mandato expedido pela Justiça Federal numa ação proposta pelo Ministério Publico Federal, o DER retirou do local as máquinas e equipamentos que estavam realizando a abertura da estrada. O governo de Rondônia, através da lei 1193/2014, legalizou a abertura da rodovia na Unidade de Conservação Parque Guajará Mirim com a alegação de que a BR-421 solucionaria a situação de isolamento atual dos municípios de Nova Mamoré e Guajará-Mirim e que, recentemente, se agravou bastante devido às cheias históricas do Rio Madeira.
No entanto, cabe explicitar que existe nesta região um esquema bem montado por fortes grupos econômicos que têm interesses na abertura desta rodovia e, aproveitam a ocorrência das atuais enchentes, para pressionar e organizar a população local para pressionar pela suspensão da liminar que interdita a abertura da BR-421.
Os moradores da região, insatisfeitos com a paralisação dos trabalhos que estavam sendo executados, estão bloqueando constantemente todos os acessos ao distrito de Jacinópolis. Em Nova Dimensão o clima também é de revolta da população. Um grupo de manifestantes obstruiu a única passagem que dá acesso a Guajará Mirim e a Nova Mamoré, pela linha 29, Novo Horizonte, como forma de pressionar a abertura da BR-421.
Além dos interesses econômicos, por se tratar de ano eleitoral, políticos também se esforçam para suspender a liminar da justiça que interdita a abertura da rodovia. A justificativa da Secretária do Desenvolvimento e Meio Ambiente, Nanci Maria Rodrigues, é a de que a abertura da BR-421 já vem sendo pensada há anos e ela facilitaria a fiscalização do próprio Parque Estadual. O MPF contra argumentou que isso deixaria a Unidade de Conservação Parque Guajará Mirim mais vulnerável a invasões de todo o tipo.
A Procuradora da República, Raquel B. P. M. Nascimento, na medida cautelar 22-05-2014.01.0000/RO, afirma “há bastante tempo há interesses políticos e econômicos e também interesses escusos, que levaram, inclusive, às ameaças de vida da juíza sentenciante, na abertura dessa estrada que passa justamente em unidade de conservação, local onde há indígenas silvícolas, reservas minerais e também a consequente facilitação de práticas relacionadas ao contrabando e ao tráfico de drogas”.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de Rondônia teme que os povos em situação de isolamento e risco de extinção sejam exterminados pela ganância de um modelo de capitalismo para o qual “o que vale é o lucro” e enxerga nestes povos que vivem milenarmente neste território apenas uma ameaça aos milhões que estão em jogo.
Desse modo, a fauna, flora, povos indígenas, populações tradicionais e toda a riqueza natural e cultural destes povos milenares podem desaparecer. Só não se pode admitir é a perda econômica. Para o governo “... não serão meia dúzia de homens primitivos ou meia dúzia de espécies de bagre que vão deter esta euforia de desenvolvimento, temos que crescer para sobreviver”.
O governo brasileiro, por conta de uma catástrofe anunciada, a construção das hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, expôs a população a uma situação de isolamento e desabastecimento. Poucos veículos da imprensa têm responsabilizado a construção das hidrelétricas como o principal fator do isolamento que se encontram os municípios de Guajará Mirim, Nova Mamoré e o estado do Acre. Justificam tal situação como apenas uma questão meramente meteorológica, devido às constantes chuvas, nas cabeceiras do Rio Madeira.
Outro fator que devemos levar em consideração é a construção da hidrelétrica do Ribeirão, na região de Nova Mamoré e Guajará Mirim, prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) II. Uma vez realizada a construção de tal hidrelétrica, colocaria em risco e em total isolamento estes municípios, pelas BRs 425 e 364. Não podemos deixar de relacionar uma ação à outra. No entanto, diante da cheia do Rio Madeira, o estado toma a decisão de abrir a BR-421. Ou seja, vai remendando e causando mais danos à já sofrida região por planejamentos equivocados e que não priorizam o bem estar da população.
Através desta, expomos a nossa preocupação com abertura da BR-421 pois esta compromete a integridade física e cultural dos indígenas isolados que se encontram nesta área e significa um aumento da pressão sobre os territórios e, conseqüente, invasão nas terras indígenas Karipuna, Lage e Ribeirão. Todo este contexto levará ao aumento da violência nesta região, já que o Estado tem sido extremamente ausente em garantir a segurança, a ordem e a cidadania.
Estes povos que estão em situação de isolamento e risco de extinção são portadores de uma cultura milenar, cujo valor a sociedade não tem condições de avaliar. No entanto, diante do processo de extermínio que enfrentam, eles vivem diariamente tentando sobreviver por mais um dia de vida, correndo das atrocidades cometidas pelos que se dizem “civilizados e desenvolvidos”. Por isto, é urgente a defesa da vida dos homens e mulheres dessas culturas, construtoras de relações harmoniosas com a natureza e de uma lógica de reciprocidade orientada para o bem estar de todos.

Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Rondônia

segunda-feira, 10 de março de 2014

Ex-governador Jorge Viana fala sobre as hidrelétricas do Rio Madeira por Senildo Melo

A entrevista que publico aqui foi gravada por Senildo Melo ainda em 2009 (29 de março de 2009) com o ex-governador e hoje senador pelo PT do Acre, Sr. Jorge Viana. É muito importante prestarmos atenção às suas respostas para entendermos o que realmente está por trás. Fica claro que em nenhum momento realmente as pessoas e o ambiente foram tomados em conta. Que a responsabilidade recaia sobre aqueles que sempre defenderam os empreendimentos, sempre em defesa de seus próprios interesses.

"As pessoas do eixo sul e sudeste precisam entender que a Amazônia pode sim conciliar preservação ambiental com desenvolvimento sustentável. E as usinas do Rio Madeira são um bom exemplo disso”


Depois de uma visita ao canteiro de obras das usinas de Santo Antônio e Jirau (RO), na semana passada, mantive contato com o presidente do Fórum de Desenvolvimento Sustentável do Acre, Jorge Viana, para gravarmos uma entrevista sobre o assunto. Prontamente o compromisso foi agendado com sua assessoria.

Na sexta-feira, dia 27, estive em seu escritório, no centro de Rio Branco, para conversar com um dos homens mais influentes da policia na Amazônia. Jorge Viana foi um dos principais defensores do uso dos recursos naturais para a geração de energia limpa e renovável quando governou o Estado por dois mandatos (1999 a 2002 e de 2003 a 2006).

- Durante o meu segundo mandato, estive por diversas vezes em Brasília com o presidente Lula sensibilizando as autoridades da importância dessa obra para o desenvolvimento da região -, frisou o ex-governador.

O complexo hidrelétrico do rio Madeira é um investimento na ordem de R$ 22 bilhões. Com mais R$ 8 bilhões do sistema de transmissão (linhão) esses recursos chegam a R$ 30 bilhões com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Atualmente são mais de três mil empregos direitos e vão chegar a dez mil até o próximo ano. Os setores de comércio e serviço tiveram um aumento de 30% no último trimestre a partir das obras das usinas, aponta a Associação Comercial de Rondônia. A Votoratim também abriu centenas de postos de emprego com a construção de uma Fábrica de Cimento, em Porto Velho, para abastecer as obras. De acordo com a Federação das Indústrias do Acre, algumas empresas acreanas também estão exportando produtos como postes e madeira para os canteiros de obras das usinas.

Senildo Melo: Diante de todo esse cenário, como Acre e Rondônia podem aproveitar melhor esse momento, ex-governador ?

Jorge Viana: “É um momento muito importante. As pessoas do eixo sul e sudeste precisam entender que a Amazônia pode sim conciliar preservação ambiental com desenvolvimento sustentável. E as usinas do rio Madeira é um bom exemplo disso”, disse.

Senildo Melo: Mas como seria efetivamente esse desenvolvimento ?

Jorge Viana: “Se gera muito emprego agora com a construção das hidrelétricas, mas daqui a alguns anos teremos energia limpa, barata e com qualidade suficiente para que grandes indústrias se instalem na nossa região”, lembrou.

Senildo Melo: E a preservação do meio ambiente, não ficará comprometida com o impacto da obra ?

Jorge Viana: “De maneira alguma. Hoje a energia que chega para nós é gerada por meio de termoelétrica. Isso polui muito o meio ambiente porque é produzida a partir da queima do óleo diesel. No caso das hidrelétricas, o sistema adotado é o de turbinas de bulbo, que reduz o impacto em até 80% se comprado com outras hidrelétricas no país. Com isso, a área inundada é menor porque não existe a necessidade de se construir grande barragens como a de Itaipu”, comentou.

Senildo Melo: O Sr. acredita que as comunidades no entorno das usinas vão se beneficiar desse empreendimento ?

Jorge Viana: “Aí entra à tese que eu defendo desde os tempos de governador: é preciso se criar um meio, e aí temos de encontrar esse mecanismo, de uma espécie de compensação financeira a essas comunidades e aos governos de Rondônia e Acre pelo uso dos nossos recursos naturais. No caso o rio Madeira para a geração de energia”, concluiu.

Eu é que agradeço as guerreiras e guerreiros

Recebi uma correspondência em agradecimento ao apoio durante os dias de luta em defesa dos direitos dos povos indígenas a uma saúde de qualidade e em repúdio aos desmandos cometidos pelos administradores, maus administradores.

Na verdade, meus amigos, eu é que devo agradecer a confiança e o incentivo. Vida longa aos povos indígenas!!

MINISTÉRIO DA SAÚDE
SECRETARIA ESPECIAL DE SAÚDE INDÍGENA
CONSELHO DISTRITAL DE SAÚDE INDÍGENA DO ALTO RIO PURUS
Rua Coronel José Galdino, nº 650 - Bosque. 68-3223-1217
Rio Branco-AC – CEP: 69.900-640

OFÍCIO Nº 16/CONDISI/ARP/SESAI/MS.

Rio Branco – AC, 06 de Março de 2013.

AO SENHOR
LINDOMAR PADILHA
COORDENADOR REGIONAL CIMI
RIO BRANCO - ACRE



Assunto: Comunicação do CONDISI ARP



Prezado Senhor,


Ao cumprimentar cordialmente Vossa Senhoria, pelo presente permita-me em nome do CONDISI manifestar os agradecimentos pelo apoio prestado aos povos indígenas, em especial durante esse período em que estivemos reunidos em prol da melhoria de assistência de saúde em nossas aldeias, pelo respeito aos nossos direitos e contra ações abusivas cometidas ao longo do tempo por determinada gestão, os quais deveriam cuidar e zelar por nossos direitos e integridade.

Reafirmamos ainda nossa passividade e seguimos esperançosos em encontra na construção de um processo construtivo, respeitoso, inclusivo para o bem comum de todos, respeitando a diferença e a diversidade humana, politica e jurídica do Estado em que vivemos.


Pela atenção dispensada, desde já agradecemos solicito aceite expressões de elevada estima e consideração.



Atenciosamente,





Sebastião Alves Rodrigues Manchinery
Presidente do CONDISI ARP