Por Renato Santana,
de Brasília (DF)
Menos de 24 horas depois de receber um passaporte para viajar ao Vaticano e se encontrar, durante celebração, com o papa Francisco, a convite da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Rosivaldo Ferreira da Silva, o cacique Babau Tupinambá, da Bahia, está sendo impedido pela Polícia Federal (PF) de sair do país por conta de três mandados de prisão. Porém, as ordens judiciais estão arquivadas desde 2010. A PF diz que tais mandados não estão revogados.
Para a liderança indígena, o governo federal, por intermédio de sua polícia, tenta impedir o encontro dele com o papa Francisco. “O governo não quer que eu denuncie o que vem acontecendo com os povos indígenas no Brasil. A Polícia Federal não sabe que os três mandados foram arquivados e nem processo existe? Claro que sabe! O governo sabe disso!”, protesta cacique Babau.
Outro mandado de prisão teria sido expedido contra Babau nesta quinta. De acordo com informações extra-oficiais, obtidas junto a PF, em Brasília, a Polícia Civil do município de Una (BA) pediu apoio aos agentes federais na Capital Federal para efetuar a prisão de Babau. Este suposto mandado de prisão, emitido pela Justiça Estadual de Una, pede a prisão temporária do cacique. Porém, não há confirmação no sistema judicial dessa ordem e a que processo ela se refere.
Coincidência ou não este mandado acontece exatamente na ocasião da viagem de Babau ao Vaticano, que nada tem de turismo, e junto com o impedimento gerado pela PF. Na tarde desta quarta, 16, o passaporte de Babau foi emitido por um agente de imigração da PF no aeroporto de Brasília. Representantes da Funai e do Cimi acompanharam a liderança indígena. Conforme o agente, nada estava pendente e sem mais questionamentos emitiu o documento para o cacique.
Entretanto, depois da liberação do documento, a opinião da PF mudou. De acordo com mensagem da Coordenação-geral da Polícia de Imigração ao agente, em resposta ao encaminhamento do passaporte, “não identificamos, até a presente data, documento que informe a baixa/revogação destes (três) mandados de prisão”.
Os três mandados federais, então, serviram de justificativa para a Polícia Federal pedir de volta, na manhã desta quinta, 17, o passaporte entregue menos de 24 horas antes sem qualquer restrição dos próprios federais. O aviso era de que se a situação não fosse regularizada até o início da tarde, com a revogação dos mandados, o passaporte estaria suspenso. Caso cacique Babau não entregasse o documento e tentasse embarcar para Roma, seria preso no aeroporto.
“Querem me impedir de todas as formas de ir para o encontro com o Papa. É uma rede contra a demarcação das terras Tupinambá, contra os indígenas. Não querem que denunciemos ao mundo o que se passa aqui. Isso não é democracia, é ditadura. Como pode se instalar um estado de exceção assim, sem mais nem menos?”, questiona cacique Babau.
Convite da Igreja
A ida de Babau ao Vaticano é parte de um convite feito pela CNBB para que o cacique participe de uma celebração relativa à canonização do padre José Anchieta. Na oportunidade, o Babau levaria ao papa documentos e mensagens sobre a questão indígena no Brasil, denunciando violações de direitos humanos e a paralisação da demarcação de terras.
O cacique levaria também em sua mala presentes ao papa oriundos da Serra do Padeiro, uma das mais de 20 aldeias que compõem a Terra Indígena Tupinambá de Olivença, que espera a assinatura da portaria declaratória pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, desde 2011.
Histórico de violências
O histórico recente de violências por parte do Estado contra os Tupinambá é vasto, tanto quanto de fazendeiros e pistoleiros. De prisões arbitrárias, abuso de força policial, torturas, destruição de casas, veículos comunitários, alimentos e equipamento escolar a lista de acusações contra o Estado parece interminável.
Foi assim que a Polícia Federal impôs sistematicamente, por ordem de decisões judiciais ou outras motivações nem tão claras para os indígenas, pressão aos Tupinambá para que deixassem as áreas retomadas. As ações recaíram principalmente contra o cacique Babau e seus familiares.
A seguir, uma lista cronológica e atualizada das violências sofridas pelos Tupinambá nos últimos seis anos – tanto da PF quanto de pistoleiros e fazendeiros:
17 de abril de 2008
Primeira prisão do cacique Babau, acusado de liderar manifestação da comunidade contra o desvio de verbas federais destinadas a saúde. O cacique estava em Salvador no momento dos fatos.
23 de outubro de 2008
Ataque da PF na aldeia da Serra do Padeiro, com mais de 130 agentes, 2 helicópteros e 30 viaturas – para cumprimento de mandados judiciais suspensos no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região e contra orientação do Ministério da Justiça, resultando em 22 indígenas feridos a bala de borracha e intoxicação por bombas a gás, destruição de casas, veículos comunitários, alimentos e equipamento escolar.
27 de maio de 2009
Prisão preventiva do irmão do cacique Babau, por dirigir carro da Funasa carregando mantimentos. O Desembargador Cândido Ribeiro, do TRF da 1ª Região, não encontrou justificativa na ordem de prisão, da Justiça Federal de Ilhéus.
2 de junho de 2009
Cinco pessoas foram capturados e torturadas por agentes da PF – spray de pimenta, socos, chutes, tapas, xingamentos e choque elétrico. Os laudos do IML/DF comprovaram a tortura, mas o inquérito concluiu o contrário.
10 de março de 2010
Cacique Babau é preso, durante a madrugada, em invasão da PF em sua casa, embora a versão dos agentes – comprovadamente falsa – informe que a prisão teria acontecido no horário permitido pela lei.
20 de março de 2010
Prisão do irmão do cacique Babau, por agentes da PF em plena via pública, enquanto levava um veículo de uso comunitário da aldeia para reparo.
16 de abril de 2010
Babau e seu irmão são transferidos para a penitenciária de segurança máxima em Mossoró (RN), por receio da PF de ver manifestações diante de sua carceragem em Salvador pela passagem do “Dia do Índio”, em desrespeito ao Estatuto do Índio.
3 de junho de 2010
A irmã de Babau e seu bebê de dois meses são presos na pista do aeroporto de Ilhéus pela PF, ao voltar de audiência com o presidente Lula, na Comissão Nacional de Política Indigenista, por decisão do juiz da comarca de Buerarema. Permanecem presos em Jequié por dois meses, até o próprio juiz resolver revogar a ordem de prisão.
5 de abril de 2011
Estanislau Luiz Cunha e Nerivaldo Nascimento Silva foram presos numa situação de “flagrante preparado” – prática considerada ilegal– num areal explorado por empresas, de dentro da Terra Indígena Tupinambá. Acusados baseados em meros indícios dos crimes de “extorsão” pela PF, Estanislau – que toma remédios controlados – e Nerivaldo – que teve a perna direita amputada, após baleamento por agente da PF – respondem ainda por “tentativa de homicídio” contra policiais federais. Coincidentemente, a ação foi feita na véspera da chegada do Secretario de Justiça do estado da Bahia, à região. Após dois meses e meio presos, o TRF da 1ª Região lhes concedeu a liberdade por 3 x0 em julgamento de habeas corpus, em 20 de junho.
3 de fevereiro de 2011
Prisão da Cacique Maria Valdelice, após depor na Delegacia da Polícia Federal em Ilhéus, em cumprimento ao Mandado de Prisão expedido pelo Juiz Federal Pedro Alberto Calmon Holliday, acusada de “esbulho possessório”, “formação de quadrilha ou bando” e “exercício arbitrário das próprias razões”. A cacique foi libertada no final do mês de junho, após cumprir quatro meses em prisão domiciliar.
14 de abril de 2011
Por volta das 5h da manhã, fortemente armados e com mandado de busca e apreensão, vários agentes da PF vasculham a residência da cacique Valdelice, assustando toda a família – principalmente os muitos netos da cacique. Em Salvador, chegava para reuniões com autoridades locais a “Comissão Tupinambá” do CDDPH.
15 de abril de 2011
Fortemente armada, a PF acompanha oficiais de justiça em cumprimento de mandado de reintegração de posse. Indígenas e Funai não haviam sido previamente intimados do ato, que foi presenciado pelos membros do CDDPH, que testemunharam o despreparo de agentes e a presença de supostos fazendeiros que incitavam as autoridades contra os indígenas.
28 de abril de 2011
A Polícia Federal instaura o inquérito, intimando o procurador federal da AGU e os servidores da Funai a prestar depoimento sobre denúncia de “coação” contra a empresária Linda Souza, responsável pela exploração de um areal, situado na terra Tupinambá.
29 de abril de 2011
Prisão do cacique Gildo Amaral, Mauricio Souza Borges e Rubenildo Santos Souza, três dias antes da delegação composta por deputados federais da CDHM e membros do CDDPH/SDH visitarem novamente os povos indígenas da região por causa das violências que continuam a ser denunciadas.
5 de julho de 2011
Cinco Tupinambá são presos pela PF sob as acusações de “obstrução da justiça” e “exercício arbitrário das próprias razões”, “formação de quadrilha” e “esbulho possessório”.
18 de outubro de 2012
No Fórum de Itabuna (BA), cinco Tupinambá, vítimas de tortura cometidas por policias federais, prestaram depoimento ao juiz Federal em parte do procedimento da Ação Civil Pública por Dano Moral Coletivo e Individual movida pelo Ministério Público Federal (MPF) da Bahia contra a União. Os procuradores abriram inquérito também para apurar os responsáveis pela tortura, atestada e comprovada por laudos do Instituto Médico Legal (IML).
14 de agosto de 2013
Estudantes da Escola Estadual Indígena Tupinambá da Serra do Padeiro foram vitimas de emboscada na estrada que liga Buerarema a Vila Brasil. O atentado ocorreu quando o caminhão (foto acima) que transportava os alunos do turno da noite para as suas localidades foi surpreendido por diversos tiros oriundos de um homem que se encontrava em cima de um barranco. Os tiros foram direcionados para a cabine do veículo, numa clara tentativa de atingir o motorista, que com certeza o atirador achava ser Gil, irmão do cacique Babau, pois o carro é de sua propriedade. Quem conduzia o carro era Luciano Tupinambá.
26 de agosto de 2013
No município de Buerarema, contíguo ao território tradicional Tupinambá, atos violentos promovidos por grupos ligados aos invasores da terra indígena. Indígenas foram roubados enquanto se dirigiam à feira e 28 casas foram queimadas até o início de 2014. O atendimento à saúde indígena foi suspenso e um carro da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) foi queimado.
8 de novembro de 2013
Aurino Santos Calazans, 31 anos, Agenor de Souza Júnior, 30 anos, e Ademilson Vieira dos Santos, 36 anos, foram executados em emboscada quando regressavam da comunidade Cajueiro, por volta das 18 horas, na porção sul do território Tupinambá, quando foram emboscados por seis homens. Disparos de arma de fogo foram feitos contra os indígenas. Na sequência os assassinos praticaram torturas, dilaceraram os corpos com facões e com o que é chamado na região de “chicote de rabo de arraia”. Procuradores federais apontam assassinatos como parte do conflito pela terra.
28 de janeiro de 2014
Após realizar a reintegração de posse de duas fazendas localizadas na Serra do Padeiro, no município de Ilhéus, na Bahia, policiais federais e da Força Nacional montaram uma base policial na sede da fazenda Sempre Viva. Ataques com granadas contra os Tupinambá refugiados na mata.
2 de fevereiro de 2014
Durante invasão da Polícia Federal em aldeia Tupinambá da Serra do Padeiro, M.S.M, de 2 anos, em fuga para a mata, se desgarrou dos pais e acabou nas mãos dos policiais. O delegado Severino Moreira da Silva, depois da criança ter sido levada para Ilhéus pelos federais, a encaminhou para o Conselho Tutelar que, por sua vez, transferiu o menor para uma creche, onde ele segue longe dos pais e isolado por determinação da Vara da Infância e Juventude.