sábado, 31 de maio de 2014

CARTA DE MACAPÁ: Os povos livres da Panamazônia vencerão!

CARTA DE MACAPÁ
Passeata de abertura do Fórum Foto Lindomar Padilha
Na esquina do Rio Amazonas com a Linha do Equador, no meio do mundo, os povos da Panamazonia se encontraram. Escutem, agora, as nossas vozes.

Somos os guardiães da floresta e dos rios, diversos, diferentes mas com a vontade de caminhar juntos. Queremos transformar a Amazonia na terra sem males sonhada por nossos avós e para isto temos nosso coração cheio de coragem e solidariedade.

A Amazonia é o nosso território. Nossas comunidades indígenas, campesinas, quilombolas, ribeirinhas e tradicionais devem ter suas terras garantidas, respeitadas e protegidas contra os mega projetos predatórios, destruidores da natureza e da vida humana. Para isto é fundamental por parte de nossos países a adesão, respeito e cumprimento aos tratados internacionais que estabelecem o Direito a Consulta Prévia, Livre, Bem Informada e de Boa Fé, como o Convenção169 da Organização Internacional do Trabalho e a Declaração de Direitos dos Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas. Pelo mesmo motivo prestamos nosso incondicional apoio a criação em Quito, Equador de um Tribunal Internacional contra os Crimes cometidos contra a Natureza, como forma de proteger a Mãe Terra dos ataques destrutivos daqueles que intentam reduzir a vida no planeta a uma simples mercadoria.

Hoje particularmente nossas atenções se voltam contra a instalação de represas hidrelétricas nos nossos rios, os projetos de mineração a céu aberto, de exploração petrolífera na selva e a expansão de monoculturas que atentam contra a vida de povoações e comunidades por toda Panamazonia. Para esta luta solicitamos o apoio e a solidariedade do mundo inteiro. 

Decidimos também pressionar as Nações Unidas para que declarem esta década como de priorização, fortalecimento da Agricultura Familiar e democratização dos meios de produção pela sua contribuição para a Soberania e Segurança Alimentar, fundamentais para o bem viver dos povos.

A Amazonia vive um tempo de ameaças. A dominação colonial francesa da Guiana é um anacronismo inaceitável que atenta contra a liberdade e a integração de nossos povos e proclamamos nosso apoio incondicional á luta pela descolonização e independência da terra guianense. Da mesma forma nos posicionamos pela desativação imediata das bases militares estadunidenses e europeias na Panamazonia e em todo continente que constituem uma afronta a independência e soberania de nossos países. Reafirmamos nosso apoio solidário ao processo revolucionário bolivariano em Venezuela que mais uma vez se defronta com tentativas de desestabilização e golpe e manifestamos nossa certeza de que na pátria de Bolívar o povo vencerá mais uma vez. Acreditamos e lutamos para que a integração continental tenha como eixo o bem estar de nossas populações e não os interesses das empresas transnacionais e grandes corporações e assim instamos a Unasul, Celac e outros organismos continentais para que revisem os projetos, como o IIRSA, cujo fundamento neoliberal é uma agressão ao direito dos povos. Da mesma forma rechaçamos a manutenção do injusto bloqueio econômico estadunidense contra a nossa irmã, Cuba. Não pode haver integração sem o direito de livre circulação de todos os cidadãos através das fronteiras nacionais. Denunciamos o tráfico de pessoas, a transformação da migração em um negócio e o trabalho escravo daí decorrente. Reafirmamos o direito inalienável de qualquer cidadão à segurança, trabalho e proteção no país onde escolheu morar.

A Amazonia vive também um momento de transformações. Com alegria verificamos o avanço da luta antipatriarcal e antirracista. Consideramos o feminismo um caminho poderoso na construção de um mundo novo sem exploração do corpo e da vida das mulheres que devem ter todos os direitos assegurados e vivenciados. Da mesma forma saudamos a rebeldia de nossas juventudes que se lançam nas ruas para combater a ausência de políticas públicas para os jovens, o braço opressor do estado e o extermínio dos jovens negros e pobres. Lutamos para construir um tempo onde o direito à vida reine soberano sobre o planeta.

Em toda a Panamazonia é hora de construir blocos e alianças onde se integrem trabalhadores dos campos e cidades, povos originais, quilombolas comunidades tradicionais , movimentos de mulheres e jovens, comunicadores, pesquisadores e acadêmicos para a defesa de nossos territórios, nossos direitos, nossas culturas, nossos saberes ancestrais e os direitos da Mãe Terra . É o momento também de avançarmos na reflexão e debate sobre o Bem Viver como paradigma alternativo que emerge desde os povos da Amazonia frente a crise sistêmica – econômica, social, energética, ambiental, ética e moral que atinge toda a humanidade.

Nossa resistência avança e vai se transformando em uma onda irresistível. Neste sentido convocamos a todos e todas para que se engajem na produção e ampla circulação de conteúdos regionais e comunitários que levem para toda Amazonia e o mundo nossas mensagens, nos contrapondo a desinformação promovida pelos oligarcas da mídia, contribuindo para a democratização e afirmação da comunicação como um direito humano.

Todos nós, homens e mulheres da Amazonia devemos nos transformar em criadores , semeadores e tecedores da Educação Popular como vivencia transdisciplinar da emancipação da vida no planeta.

A Amazonia é um céu de muitas estrelas. Aqui, em Macapá, assumimos o compromisso de trabalhar para ampliarmos nossa constelação, incorporando ao Forum Social Panamazonico todos os movimentos e organizações que lutam em defesa de nossos territórios , nossos direitos e os da Natureza.

Este é o nosso caminho, a nossa luta e o nosso destino.

OS POVOS LIVRES DA PANAMAZONIA VENCERÃO !

Macapá, 31 de Maio de 2014

sexta-feira, 30 de maio de 2014

VII Fórum Social Panamazônico

Foto Lindomar Padilha

Com o tema "NO MEIO DO MUNDO OS POVOS SE ENCONTRAM",  começou no dia 28 e vai até o dia 31 de maio de 2014, o VII Fórum Social Panamazônico que este ano está sendo realizado em Macapá, capital do Amapá. 

Vou me limitar a publicar, por enquanto, algumas fotos que tirei e indico aos que desejarem maiores informações que visitem a pagina do Fórum em:

 http://foropanamazonico.wordpress.com/


Crianças quilombolas buscam o bem viver



quinta-feira, 29 de maio de 2014

Indígenas protestam no Ministério da Justiça e pedem audiência sobre a demarcação de terras


Na manhã desta quinta-feira (29), as lideranças indígenas que se reúnem em Brasília (DF) em defesa de seus direitos territoriais protestam em frente ao Ministério da Justiça. O grupo de mais de 500 pessoas ocupa as três faixas do eixo monumental e, perto das 8h, cercou o prédio do Ministério da Justiça.
 
Parte da Mobilização Nacional Indígena, o ato pede uma audiência pública com o Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo sobre a demarcação de terras indígenas. 
 
A principal reivindicação é que o Ministro dê prosseguimento aos procedimentos de demarcação paralisados em todo o Brasil, assinando as portarias que declaram a posse permanente dos grupos sobre​​ áreas já identificas pela Funai. "Hoje a gente está aqui no Ministério da Justiça cobrando a imediata publicação das portarias declaratórias de terras indígenas que estão engavetadas aqui e também para repudiar a Minuta de Portaria que muda os procedimentos de demarcação de terras indígenas no Brasil", explica Lindomar Terena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
 
A Mobilização também se posiciona contra as mesas de diálogo entre indígenas e agricultores que têm sido propostas pelo Ministério. Para as lideranças, as mesas de diálogo são um mecanismo de “ajustar" direitos constitucionais com os interesses do agronegócio. Na avaliação das lideranças, em contextos de conflito como o de Mato Grosso do Sul, as mesas de diálogo não têm tido êxito em acelerar os procedimentos demarcatórios: "Na verdade, é uma mesa de enrolação", afirma Terena.
 

 
Contatos:

Renato Santana (Cimi) – (61) 9979-6912 / editor.porantim@cimi.org.br
Patrícia Bonilha (Cimi) – (61) 9979-7059 / imprensa@cimi.org.br

 

Conselho Indigenista Missionário
Assessoria de imprensa
E-mail: imprensa@cimi.org.br
Telefone: 61 2106 1650

SDS Ed. Venâncio III - Salas 309/314
Brasília - DF

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Compilação de matérias de jornais internacionais sobre o ataque aos povos indígenas ontem em Brasília.

O mundo está vendo o que o Governo brasileiro está fazendo com os povos indígenas.
"Está repercutindo enormemente na imprensa internacional o ataque da polícia aos povos indígenas e aos trabalhadores sem teto aqui em Brasília ontem. Se o plano é garantir a realização da Copa desse jeito, o tiro está saindo pela culatra." ~Idelber Avela
Der Spiegel: http://bit.ly/1tOujHM.
Washington Post: http://wapo.st/SeJzzS.
New York Times: http://nyti.ms/1kn0k7x.
Miami Herald: http://hrld.us/1keMajK.
Frankfurter Allgemeine: http://bit.ly/1ot399M.

Comitê Popular da Copa e Mobilização Nacional Indígena denunciam violência policial


           
Segundo Comitê Popular da Copa do Distrito Federal, quatro mil pessoas participaram da passeata que parou o centro de Brasília, no final da tarde de ontem. Pelo menos oito ficaram feridas, entre eles seis indígenas, e três pessoas foram presas, mas já estão soltas.

O Comitê Popular da Copa e a Mobilização Nacional Indígena denunciaram hoje a violência policial cometida na repressão à manifestação pacífica realizada, ontem (27/5), no centro de Brasília, em protesto contra as violações de direitos perpetradas em todo País em nome da Copa do Mundo.
Segundo balanço divulgado pelo Comitê Popular da Copa no Distrito Federal, quatro mil pessoas participaram da passeata que parou o centro de Brasília, no final da tarde. Pelo menos oito ficaram feridas, entre eles seis indígenas, e três pessoas foram presas, mas já estão soltas (saiba mais). As informações foram divulgadas numa coletiva de imprensa na tarde de hoje (28/5), em Brasília.

Na entrevista, os representantes do comitê reforçaram que a manifestação era pacífica e de que foi fechado um acordo prévio com a Polícia Militar para que a passeata seguisse tranquilamente, da rodoviária de Brasília até o Estádio Mané Garrincha. Para o Comitê Popular da Copa, o entendimento foi descumprido pelas forças de segurança quando eles chegaram nos arredores do estádio. Segundo os indígenas que estavam no protesto, eles estavam dançando e cantando quando foram surpreendidos pela cavalaria e pela tropa de choque da PM.

O objetivo da manifestação era divulgar, na frente do Mané Garrincha, um dos maiores símbolos do mundial de futebol, os resultados do “Julgamento Popular das Violações e Crimes da Copa”, realizado na rodoviária, no meio da tarde. Os cerca de 600 índios que integram a Mobilização Nacional Indígena, que vai até amanhã, engrossaram o protesto e seguiram até o estádio.

“Os indígenas foram vítimas da repressão do Estado em uma caminhada pacífica”, salientou Marcos Xukuru, da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME). Ele informou que depois que a tropa de choque barrou a passagem dos manifestantes, eles foram atacados por uma saraivada de bombas de gás e de balas de borracha. Xukuru ressaltou que, se houve reação de alguns indígenas, foi em legítima defesa.

Xukuru e outras lideranças indígenas presentes à coletiva voltaram a condenar o fato de o governo gastar bilhões com os estádios e obras da Copa enquanto as demarcações de Terras Indígenas continuam paralisadas e as políticas de educação, saúde e proteção dos territórios continuam precárias.

“Por causa da Fifa e de um torneio de futebol a população não pode se exprimir e passam por cima de muitas demandas, como a demarcação de terras indígenas, saúde, educação e moradia” criticou Édson da Silva, da Movimento Trabalhadores Sem Teto (MTST). “A polícia não conversa, simplesmente chega e bate. Ninguém é contra a Copa, mas para ter Copa os direitos dos trabalhadores têm de ser garantidos. Copa sem direitos não nos interessa. O legado que a Copa está deixando no Distrito Federal para nós é o aumento dos aluguéis e da dívida pública e um estádio de quase R$ 2 bilhões”.

Os indígenas participaram da coletiva e mostraram os ferimentos provocados por estilhaços de bombas de gás e efeito moral e balas de borracha. Índios e demais representantes do movimento social destacaram que a passeata tinha grande número de idosos, mulheres, crianças e estudantes e que, mesmo assim, foi violentamente reprimida. Eles cobraram o respeito ao direito dessas pessoas de se manifestar pacificamente.

Ontem, a PM divulgou que teria agido para proteger as pessoas que estavam visitando o estande onde a taça da Copa está sendo exposta, no Mané Garrincha. Depois do início do confronto, a exposição foi suspensa.

O Comitê Popular da Copa também destacou que sempre conversa com a PM no início de seus atos públicos, revelando o itinerário e tentando antecipar eventuais problemas. Os integrantes do grupo também disseram que, apesar do governo ter gastado mais de R$ 1 bilhão com a segurança do mundial de futebol, a polícia continua despreparada para lidar de forma pacífica com as manifestações.

Para esta sexta (30), está marcado um novo protesto em Brasília contra as ações destinadas a viabilizar a Copa no País. A concentração será às 17h, em frente ao Museu da República. De acordo com os organizadores, eles irão finalizar o ato interrompido ontem. Segundo os integrantes dos movimentos sociais, as manifestações continuarão apesar da repressão policial.

 



 

terça-feira, 27 de maio de 2014

MOBILIZAÇÃO INDÍGENA: Mais de 500 indígenas protocolam no STF denúncia contra deputados racistas

Mais de 500 indígenas, de 100 povos diferentes de todo Brasil, estão reunidos em Brasília até esta quinta-feira (29) para protestar em defesa dos direitos territoriais dos povos indígenas garantidos na Constituição. Na manhã de hoje (27), os manifestantes irão protocolar uma queixa-crime contra os deputados ruralistas Luís Carlos Heinze (PP-RS) e Alceu Moreira (PMDB-RS) no Supremo Tribunal Federal (STF). Na sequência, será feita uma pajelança na Praça dos Três Poderes em defesa dos direitos indígenas.

Em novembro, durante audiência pública em Vicente Dutra (RS), Heinze disse que índios, quilombolas, gays e lésbicas são “tudo o que não presta”. Na mesma audiência, ele e Moreira defenderam que os produtores rurais contratassem segurança privada para expulsar índios das terras que consideram como suas. Em dezembro, Heinze voltou a ofender índios, quilombolas e gays. As declarações foram gravadas.
Na quarta (28), às 9h, está confirmada uma audiência pública, no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados, em defesa da agenda legislativa indígena.
Você pode acompanhar as atividades da Mobilização Nacional Indígena ao vivo no canal do Greenpeace no Livestream e do cineasta indígena Kamikia Kĩsedje no TwitCasting.
Nessa segunda, as delegações vindas de todo o Brasil reuniram-se em assembleia, no Centro de Formação Vicente Cañas, em Luziânia (GO), para denunciar as violências e violações de direitos sofridas em varias regiões. “Hoje tentam usurpar o direito dos povos indígenas e da natureza. Isso vai repercutir para todo mundo. Depois começam a retirar os direitos de outros grupos e a sociedade não discute nada, não sabe de nada”, afirmou Lindomar Terena, logo após ler uma carta-denúncia (leia aqui) da Apib apresentada no Fórum Internacional dos Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU).
“A terra indígena é um direito originário e então o governo precisa demarcar nossos territórios. No processo histórico, está claro que nós não provocamos o conflito que hoje aí está. O Estado e seus governantes tiraram a gente das terras, sobretudo no século passado, e deram títulos para quem foi colocado nelas. Para os indígenas, a terra é mãe, é sagrada. Nunca vamos desistir delas”, pontuou Sônia Guajajara, também da coordenação da Apib.
Em abril de 2013, os povos indígenas ocuparam o plenário da Câmara Federal, em protesto contra as várias propostas legislativas anti-indígenas. Em outubro, a Mobilização Nacional Indígena reuniu milhares de pessoas, no Brasil e em algumas cidades do exterior, no maior conjunto de manifestações em defesa dos direitos indígenas desde a Constituinte de 1988 (saiba mais).
Ataque aos direitos indígenas
Os novos protestos em Brasília ocorrem num cenário de continuidade do ataque generalizado aos direitos indígenas, em especial os direitos territoriais, da parte de vários setores do governo e de um conjunto de atores políticos e econômicos capitaneados pela bancada ruralista no Congresso Nacional.
Um dos principais objetivos da mobilização é impedir a aprovação da série de projetos contra os direitos indígenas em tramitação no parlamento, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que pretende transferir aos congressistas a atribuição de aprovar a demarcação das Terras Indígenas (TIs); o Projeto de Lei (PLP) 227, que visa abrir essas áreas à exploração econômica; o PL 1.610, que regulamenta a mineração nas TIs, entre vários outros.
Também serão alvos dos protestos, entre outras medidas do governo, a proposta de alteração do procedimento de demarcação das TIs do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU), que objetiva generalizar a todas as TIs as condicionantes definidas para a TI Raposa Serra do Sol (RR), contrariando decisão do STF. Na prática, todas essas propostas do Executivo e do Legislativo pretendem paralisar definitivamente os processos de demarcação, já suspensos pelo governo federal.
Enquanto isso, a tramitação de projetos importantes para consolidar os direitos indígenas e que são bandeiras do movimento indígena, como o Estatuto dos Povos Indígenas e o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), está paralisada há anos nos corredores do Congresso, sem qualquer avanço. A Mobilização Nacional Indígena também defende a aprovação dessas duas propostas.
A Mobilização é promovida pela Apib, com apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace, Instituto de Educação do Brasil (IIEB), entre outras organizações indígenas e indigenistas.
Mais informações
Comitê de Comunicação da Mobilização Nacional Indígena
 Renato Santana (Cimi) – (61) 9979-6912 / editor.porantim@cimi.org.br
Patrícia Bonilha (Cimi) – (61) 9979-7059 / imprensa@cimi.org.br

segunda-feira, 26 de maio de 2014

A criminalização explícita das lideranças Kaingang no RS

por Roberto Antonio Liebgott*

O objetivo deste texto é apresentar algumas das contradições que envolvem a prisão de cinco indígenas Kaingang, no estado do Rio Grande do Sul, procedida após o conflito em Faxinalzinho, que lamentavelmente resultou na morte de duas pessoas. Antes, porém, tomo a liberdade de transcrever parte do que ouvimos dos Kaingang, durante as visitas que realizamos aos líderes indígenas no presídio:
“Aqui nós somos muito bem tratados pelos presos. Nós fomos trazidos pra cá e ficamos muitas horas de pé, algemados e com o rosto na parede. De vez em quando um policial federal passava e torcia os nossos dedos e dizia que a gente ia pagar por tudo o que fizemos. Eu nem sei porque fui preso, não fiz nada. No dia do conflito eu estava com meu pai em Nonoaí, no banco, na Caixa Econômica Federal, ele foi sacar o dinheiro da aposentadoria. Eu estava com muito medo e não sabia o que ia acontecer aqui dentro do presídio. Eu estava com muita fome e sede. Ficamos muito tempo sem comer e sem beber água. Eles nos separaram em dois grupos, eu (Celinho), o Nelson e o Romildo fomos levados para a galeria dos trabalhadores do presídio e o Deoclides e o Daniel foram pra ala dos evangélicos. Quando nos levavam lá pra galeria o medo aumentou. Mas ali fomos bem recebidos. Os presos perguntaram se a gente queria café e depois mandaram esquentar a comida e nos disseram para comer. Depois nos deram roupa, a nossa roupa estava toda suja. Aqui dentro nos trataram com dignidade”.
(Celinho de Oliveira)
“O pessoal aqui nos acolheu muito bem. Tudo o que sofremos lá fora, da polícia, aqui foi o contrário. A gente estava só com a roupa do corpo. Aqui, quando chegamos, os presos procuraram roupa que poderia nos servir. Ganhamos calça, camisa, blusa, é que está ficando frio. Eles nos deram comida, nos trataram com respeito. Pode dizer lá para as nossas esposas que estamos bem. A gente sabe que eles estão sofrendo lá, que não sabem o que está acontecendo, mas diz pra eles que a gente está bem. Que se mantenham firmes, isso aqui vai passar. A gente sabe que eles queriam prender qualquer um da nossa comunidade, eles precisavam prestar conta pra sociedade. Nós caímos numa emboscada porque confiamos nas autoridades. Mas agora eles precisam se unir (os Kaingang) ainda mais. Não podem aceitar negociação. Se precisar ficar aqui 30 anos a gente fica. Eu suporto o peso da injustiça, suporto a prisão, nem que seja por 30 anos, se as nossas terras forem demarcadas”.
(Deoclides de Paula)
A prisão temporária de sete indígenas Kaingang da terra Kandóia, Rio Grande do Sul, no dia 9 de maio – quando estes participavam de uma reunião promovida por integrantes do governo do estado do Rio Grande do Sul, da prefeitura municipal de Faxinalzinho e da Fundação Nacional do Índio (Funai) para dialogar sobre os conflitos entre indígenas e agricultores – foi eivada de irregularidades. De acordo com o relato feito pelos indígenas aos seus advogados de defesa, as prisões foram realizadas de forma truculenta e irregular, sendo que os mandados de prisão não foram apresentados no ato de detenção dos sete Kaingang, que puderam tomar conhecimento do documento apenas horas mais tarde, em Passo Fundo. Dentre os sete presos, dois acabaram sendo liberados em função de absoluta falta de elementos que justificassem uma prisão temporária.
Os demais Kaingang – Deoclides de Paula, Nelson Reco de Oliveira, Daniel Rodrigues Fortes, Celinho de Oliveira e Romildo de Paula – foram removidos para a Superintendência Regional da Polícia Federal, onde permaneceram até serem transferidos para o Presídio Estadual do Jacuí (PEJ). Registra-se, nesta transferência, mais uma irregularidade, posto que o presídio do Jacuí é destinado a abrigar condenados pelo Poder Judiciário, o que não é o caso dos líderes Kaingang, que foram presos temporariamente.
Evidencia-se também, neste processo, uma tentativa de dificultar o acesso dos advogados dos Kaingang ao inquérito policial, que acabou sendo disponibilizado pelo delegado da Polícia Federal, Mário Vieira, somente dias depois, quando os advogados acionaram a Justiça Federal.
Registra-se ainda que o delegado tem dificultado o acompanhamento dos advogados a alguns procedimentos durante a investigação, a exemplo das oitivas dos índios, realizadas no dia 14/05/2014 na Superintendência Regional da Polícia Federal do Rio Grande do Sul. Neste caso, os advogados deveriam ter sido comunicados com antecedência, mas o delegado informou que as oitivas não seriam realizadas no dia proposto, uma manobra que, se não tivesse sido revertida, resultaria em prejuízo para os indígenas detidos. O fato foi denunciado ao delegado da Polícia Federal, Cesar Leandro Hubner, de plantão na SR/DPF/RS no dia 14/05, sendo então solicitado o afastamento do delegado Mário Vieira do caso, entendendo-se que este tem agido de modo parcial.
Além disso, o delegado também se manifestou de forma inadequada na imprensa, outorgando a si o poder de julgar quando afirmou publicamente a culpa dos Kaingang pela prática de crime hediondo, informando que estes ficarão presos por um período de 30 a 50 anos. Não bastasse isso, declarou que as prisões seriam um “presente de dia das mães”.
Alguns pedidos formalizados até aqui pelos advogados dos Kaingang foram negados, notadamente a solicitação de relaxamento das prisões, com a custódia dos índios submetida à Funai (previsão legal estabelecida pelo Estatuto do Índio, Lei 6001/1973) e o afastamento do delegado Mário Vieira da condução do inquérito.
Os fatos demonstram que a autoridade policial, responsável pelo inquérito, vem agindo contra os preceitos éticos da própria polícia, atuando com parcialidade e constituindo-se, dentro do inquérito, como “justiceiro” ao invés de investigador. Ao que parece, a autoridade policial quer “prestar contas” para a sociedade e atenuar a comoção social gerada pelo conflito e pelas mortes, o que pode comprometer o processo de busca e investigação rigorosa de provas acerca da autoria dos crimes.
As lideranças indígenas encarceradas no Presídio de Jacuí argumentam insistentemente que as suas prisões foram arbitrárias e ocorreram num contexto de emboscada promovida por agentes dos governos estadual e federal, com o objetivo de criminalizar aqueles que lutam pela demarcação das terras. Deoclides de Paula, cacique da terra Kandóia e representante indígena do Sul do país na Comissão Nacional de Política Indigenista, disse: “Eu suporto o peso da injustiça, suporto a prisão, nem que seja por 30 anos, se as nossas terras forem demarcadas”.
Com esse espírito, cinco líderes Kaingang passam os dias dentro de um presídio no Rio Grande do Sul aguardando que os brancos tenham bom senso, respeitem a lei e efetivamente promovam a justiça.
* Cimi Sul, equipe Porto Alegra - RS

domingo, 25 de maio de 2014

MOBILIZAÇÃO NACIONAL INDÍGENA: 26 a 29 de maio

Povos indígenas de todo o país reúnem-se na capital federal para realização de atos e manifestações contra os ataques aos seus direitos garantidos pela Constituição Federal

Brasília, 23 de maio de 2014 – Povos e organizações indígenas de todo o País promoverão manifestações e eventos em defesa de seus direitos e de suas terras, em Brasília, na semana que vem. As atividades acontecem de segunda a quinta-feira (de 26 a 29 de maio), como parte da Mobilização Nacional Indígena. Na quinta (29/5), às 9h, está confirmada uma audiência pública, no auditório Nereu Ramos, na Câmara dos Deputados.

Os protestos ocorrem num cenário de ataque generalizado aos direitos indígenas, em especial os direitos territoriais, da parte de vários setores do governo e de um conjunto de atores políticos e econômicos capitaneados pela bancada ruralista no Congresso Nacional.
Um dos principais objetivos da mobilização da semana que vem é impedir a aprovação da série de projetos contra os direitos indígenas em tramitação no parlamento, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que pretende transferir aos congressistas a atribuição de aprovar a demarcação das Terras Indígenas (TIs); o Projeto de Lei (PLP) 227, que visa abrir essas áreas à exploração econômica; o PL 1.610, que regulamenta a mineração nas TIs, entre vários outros. Também serão alvos dos protestos, entre outras medidas do governo, a proposta de alteração do procedimento de demarcação das TIs do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e a Portaria 303 da Advocacia-Geral da União (AGU), que objetiva generalizar a todas as TIs as condicionantes definidas para a TI Raposa Serra do Sol (RR), contrariando decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Na prática, todas essas propostas do Executivo e do Legislativo pretendem paralisar definitivamente os processos de demarcação, já suspensos pelo governo federal.
Enquanto isso, a tramitação de projetos importantes para consolidar os direitos indígenas e que são bandeiras do movimento indígena, como o Estatuto dos Povos Indígenas e o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI), está paralisada há anos nos corredores do Congresso, sem qualquer avanço. A Mobilização Nacional Indígena também defende a sua aprovação dessas duas demandas.
“Vivenciamos uma vísivel pactuação dos poderes do Estado e dos representantes do capital contra os direitos indígenas. Está em curso uma virulenta campanha de criminalização, deslegitimação, discriminação, racismo e extermínio dos povos indígenas”, alerta Sônia Guajajara, da coordenação executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Ela destaca, como exemplos dessa campanha, as prisões arbitrárias de integrantes do povo Kaingang no Sul do País, dos cinco tenharim em Humaitá (AM) e, na Bahia, do cacique Babau Tupinambá.
Como parte da mobilização, está sendo relançado o site A República dos Ruralistas, que mapeia os principais integrantes da bancada que representa os grandes proprietários do agronegócio no Congresso. A página passou por uma atualização, com a inclusão de novos perfis de deputados federais e senadores.


A Mobilização Nacional Indígena é promovida pela Apib, com apoio do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace, Instituto de Educação do Brasil (IIEB), entre outras organizações indígenas e indigenistas. 
Comitê de Comunicação da Mobilização Nacional Indígena
 
#Oswaldo Braga de Souza (ISA) – (61) 9103-2127 / 3035-5114 /oswaldo@socioambiental.org
#Tatiane Klein – (ISA) – (11) 3515-8957 / tatianeklein@socioambiental.org
#Renato Santana (Cimi) – (61) 9979-6912 /editor.porantim@cimi.org.br
#Patrícia Bonilha (Cimi) – (61) 9979-7059 /imprensa@cimi.org.br
#Helena Azanha (CTI) – (11) 9 7476-8589/ helena@trabalhoindigenista.org.br
#Nathália Clark (Greenpeace) – 61 9642-7153 /nathalia.clark@greenpeace.org
#Letícia Barros (IIEB) – (61) 3248-7449 /  leticia@iieb.org.br

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Francisco de Oliveira Conde: uma síntese da sociedade acreana e sua administração

Israel Souza[1]
Atento às informações que nos chegam sobre o presídio Francisco de Oliveira Conde, tive a impressão de que, guardadas certas diferenças, ele é uma síntese de nossa sociedade e muito diz a respeito do modo como ela vem sendo administrada.

Como argumentamos em textos anteriores (ver Dossiê-Acre), o Acre é o estado mais desigual da Amazônia e o segundo mais desigual do país, perdendo, neste quesito, apenas para o Distrito Federal. Entre todas as capitais brasileiras, Rio Branco ficou em penúltimo lugar no que diz respeito aos indicies de inclusão social (ver Revista Cidadania & Meio Ambiente: caminhando junto com a sociedade. Câmara Cultura: Nº 41, Ano VII – 2012, p. 37). 

Como se vê, apesar de todo o falatório sobre o desenvolvimento local, a política social no Acre é um verdadeiro fracasso (ver “Depois de mim, o dilúvio”: o “círculo vicioso” da dívida pública no Acre). Não foi por acaso que chegamos a ter - para nossa desonra - proporcionalmente o maior número de detentos do país, pois os que não eram alcançados pelas políticas sociais ficavam por conta do sistema prisional. Agora, porém...

E, para não deixar dúvida, digamos de uma vez: ter a maior população carcerária do país, em termos percentuais, não representa o êxito da política de segurança, mas o fracasso das políticas de inclusão social em nosso estado.

Além disso, o sistema prisional diz muitas outras coisas sobre nossa sociedade e o modo pelo qual ela é administrada. Ali, os trabalhadores vivem de pires na mão, denunciando as precárias condições de trabalho e a ausência de segurança. E a administração ou os ignora ou os trata a ferro e fogo. Outra marca do modus operandi da administração é tentar ocultar o caos ali instalado e afirmar num tom quase angelical que “está tudo sob controle”.

A falta de condições ali é tanta que alguns detentos resolveram eles mesmos bancar uma reforma em suas celas. Quanto a isso, Dirceu Augusto, diretor do IAPEN (Instituto de Administração Penitenciária) disse ser “normal”, pois o “Estado deve” e “eles (os detentos) podem”.

Lá dentro como cá fora, o Estado deve, mas não faz. Lá como cá, um sem-número de indícios e denúncias de corrupção. Dentro como fora, o crime impera e nem todos pagam pelo que fazem ou pelo menos não pagam como deviam; e outros, os menores, pegam até pelo que não devem. Ali como aqui, sobra descaso...

Mesmo que já haja muito bandido solto, causa temor a interdição de parte do presídio. Todavia, parece que ali - como aqui - a situação se tornou insustentável. Há coisas que nem mesmo muita maquiagem consegue ocultar. E se a situação continuar assim? Será que chegaremos a uma situação que obrigue a Justiça a interditar o presídio por completo? E se isso acontecer, os criminosos ficarão soltos como aconteceu e acontece em outras cidades brasileiras?

Embora sabendo que esta é apenas mais uma trapalhada do governo (ver Tião, um governo trapalhão... e déspota), confesso que fui tentado a andar com um apito no bolso ou pendurado no pescoço, como se carregasse um amuleto. Não fosse perigoso, talvez eu andasse com um. Já que nosso sistema prisional - como a administração de nossa sociedade - está falido, só muita fé, um tanto de sorte e um apito com poderes mágicos para nos livrar de todo o mal e da bandidagem toda à nossa volta.  

Sinto que aquilo que há anos Renato Russo cantava vale hoje para muitos acreanos: “Vamos sair, mas não temos mais dinheiro. Os meus amigos todos estão procurando emprego. Voltamos a viver como há dez anos atrás, e a cada hora que passa envelhecemos dez semanas... (Teatro dos vampiros)”.

[1] Cientista Político e Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Acre, e pesquisador do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental (NUPESDAO). E-mail: israelpolitica@gmail.com

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Nota de repúdio ao sequestro de jovens mulheres na Nigéria

Fonte: http://port.pravda.ru/mundo/21-05-2014/36793-sequestro_nigeria-0/

Nota de repúdio ao sequestro de jovens mulheres na Nigéria. 20346.jpegO sequestro, a venda e o uso de mulheres como escravas sexuais são crimes contra a humanidade, tanto na dimensão moral da expressão como no seu sentido legal. Estão entre os piores crimes igualmente condenados pelo direito internacional e pela Sharia islâmica.

Nada, no Islã ou fora dele, pode servir a explicar e muito menos a justificar tais crimes. Esta é a convicção profunda dos que subscrevem esta nota de repúdio aos mais recentes atos do Boko Haram na Nigéria. Todos, instituições religiosas ou laicas, acreditamos que, assim como Deus é inocente dos crimes que os homens cometem em seu nome, não se pode imputar ao Islã os atos de barbárie que alguns autointitulados islamistas tentam em vão justificar com base no direito islâmico ou em comunicações pessoais com o Criador.

O Islã é para os muçulmanos a última revelação do Deus único da tradição monoteísta, o mesmo Deus do antigo testamento e do cristianismo. Como as demais religiões monoteístas, assim como todas as outras tradições religiosas, a revelação islâmica impõe ao ser humano um esforço de interpretação e está sujeita à falibilidade do humano.

É a nossa convicção que esse esforço deve ter como norte o ser humano, a sua vida, a sua dignidade, e a construção de sociedades justas. 

O texto da revelação islâmica não só permite, mas comanda essa interpretação. E a história do Islã e de seu direito mostra que o que hoje conhecemos como direito humanitário, a proteção dos civis, das mulheres, das crianças e de todos os desprotegidos em situações violentas, já estava em seu centro.Não se trata de defender o Islã, mas sim de defender o ser humano e a justiça que estão no coração do Islã e deveriam estar no centro de qualquer interpretação do Islã. 

Uma interpretação que justifique o rapto e o comércio de mulheres fere o Islã como fere a consciência humana e fere os muçulmanos como fere todos os homens e mulheres.

Instituto da Cultura Árabe - ICArabe e Federação das Associações Muçulmanas do Brasil - Fambras 

Repassado por: Mulheres pela paz.

terça-feira, 20 de maio de 2014

A criminalização explícita das lideranças Kaingang no RS

Por Roberto Antonio Liebgott

O objetivo deste texto é apresentar algumas das contradições que envolvem a prisão de cinco indígenas Kaingang, no estado do Rio Grande do Sul, procedida após o conflito em Faxinalzinho, que lamentavelmente resultou na morte de duas pessoas. Antes, porém, tomo a liberdade de transcrever parte do que ouvimos dos Kaingang, durante as visitas que realizamos aos líderes indígenas no presídio:

“Aqui nós somos muito bem tratados pelos presos. Nós fomos trazidos pra cá e ficamos muitas horas de pé, algemados e com o rosto na parede. De vez em quando um policial federal passava e torcia os nossos dedos e dizia que a gente ia pagar por tudo o que fizemos. Eu nem sei porque fui preso, não fiz nada. No dia do conflito eu estava com meu pai em Nonoaí, no banco, na Caixa Econômica Federal, ele foi sacar o dinheiro da aposentadoria. Eu estava com muito medo e não sabia o que ia acontecer aqui dentro do presídio. Eu estava com muita fome e sede. Ficamos muito tempo sem comer e sem beber água. Eles nos separaram em dois grupos, eu (Celinho), o Nelson e o Romildo fomos levados para a galeria dos trabalhadores do presídio e o Deoclides e o Daniel foram pra ala dos evangélicos. Quando nos levavam lá pra galeria o medo aumentou. Mas ali fomos bem recebidos. Os presos perguntaram se a gente queria café e depois mandaram esquentar a comida e nos disseram para comer. Depois nos deram roupa, a nossa roupa estava toda suja. Aqui dentro nos trataram com dignidade”.
(Celinho de Oliveira)

“O pessoal aqui nos acolheu muito bem. Tudo o que sofremos lá fora, da polícia, aqui foi o contrário. A gente estava só com a roupa do corpo. Aqui, quando chegamos, os presos procuraram roupa que poderia nos servir. Ganhamos calça, camisa, blusa, é que está ficando frio. Eles nos deram comida, nos trataram com respeito. Pode dizer lá para as nossas esposas que estamos bem. A gente sabe que eles estão sofrendo lá, que não sabem o que está acontecendo, mas diz pra eles que a gente está bem. Que se mantenham firmes, isso aqui vai passar. A gente sabe que eles queriam prender qualquer um da nossa comunidade, eles precisavam prestar conta pra sociedade. Nós caímos numa emboscada porque confiamos nas autoridades. Mas agora eles precisam se unir (os Kaingang) ainda mais. Não podem aceitar negociação. Se precisar ficar aqui 30 anos a gente fica. Eu suporto o peso da injustiça, suporto a prisão, nem que seja por 30 anos, se as nossas terras forem demarcadas”.
(Deoclides de Paula)

A prisão temporária de sete indígenas Kaingang da terra Kandóia, Rio Grande do Sul, no dia 9 de maio – quando estes participavam de uma reunião promovida por integrantes do governo do estado do Rio Grande do Sul, da prefeitura municipal de Faxinalzinho e da Fundação Nacional do Índio (Funai) para dialogar sobre os conflitos entre indígenas e agricultores – foi eivada de irregularidades. De acordo com o relato feito pelos indígenas aos seus advogados de defesa, as prisões foram realizadas de forma truculenta e irregular, sendo que os mandados de prisão não foram apresentados no ato de detenção dos sete Kaingang, que puderam tomar conhecimento do documento apenas horas mais tarde, em Passo Fundo. Dentre os sete presos, dois acabaram sendo liberados em função de absoluta falta de elementos que justificassem uma prisão temporária.

Os demais Kaingang - Deoclides de Paula, Nelson Reco de Oliveira, Daniel Rodrigues Fortes, Celinho de Oliveira e Romildo de Paula - foram removidos para a Superintendência Regional da Polícia Federal, onde permaneceram até serem transferidos para o Presídio Estadual do Jacuí (PEJ). Registra-se, nesta transferência, mais uma irregularidade, posto que o presídio do Jacuí é destinado a abrigar condenados pelo Poder Judiciário, o que não é o caso dos líderes Kaingang, que foram presos temporariamente.

Evidencia-se também, neste processo, uma tentativa de dificultar o acesso dos advogados dos Kaingang ao inquérito policial, que acabou sendo disponibilizado pelo delegado da Polícia Federal, Mário Vieira, somente dias depois, quando os advogados acionaram a Justiça Federal.

Registra-se ainda que o delegado tem dificultado o acompanhamento dos advogados a alguns procedimentos durante a investigação, a exemplo das oitivas dos índios, realizadas no dia 14/05/2014 na Superintendência Regional da Polícia Federal do Rio Grande do Sul. Neste caso, os advogados deveriam ter sido comunicados com antecedência, mas o delegado informou que as oitivas não seriam realizadas no dia proposto, uma manobra que, se não tivesse sido revertida, resultaria em prejuízo para os indígenas detidos. O fato foi denunciado ao delegado da Polícia Federal, Cesar Leandro Hubner, de plantão na SR/DPF/RS no dia 14/05, sendo então solicitado o afastamento do delegado Mário Vieira do caso, entendendo-se que este tem agido de modo parcial.

Além disso, o delegado também se manifestou de forma inadequada na imprensa, outorgando a si o poder de julgar quando afirmou publicamente a culpa dos Kaingang pela prática de crime hediondo, informando que estes ficarão presos por um período de 30 a 50 anos. Não bastasse isso, declarou que as prisões seriam um “presente de dia das mães”.

Alguns pedidos formalizados até aqui pelos advogados dos Kaingang foram negados, notadamente a solicitação de relaxamento das prisões, com a custódia dos índios submetida à Funai (previsão legal estabelecida pelo Estatuto do Índio, Lei 6001/1973) e o afastamento do delegado Mário Vieira da condução do inquérito.

Os fatos demonstram que a autoridade policial, responsável pelo inquérito, vem agindo contra os preceitos éticos da própria polícia, atuando com parcialidade e constituindo-se, dentro do inquérito, como “justiceiro” ao invés de investigador. Ao que parece, a autoridade policial quer “prestar contas” para a sociedade e atenuar a comoção social gerada pelo conflito e pelas mortes, o que pode comprometer o processo de busca e investigação rigorosa de provas acerca da autoria dos crimes.

As lideranças indígenas encarceradas no Presídio de Jacuí argumentam insistentemente que as suas prisões foram arbitrárias e ocorreram num contexto de emboscada promovida por agentes dos governos estadual e federal, com o objetivo de criminalizar aqueles que lutam pela demarcação das terras. Deoclides de Paula, cacique da terra Kandóia e representante indígena do Sul do país na Comissão Nacional de Política Indigenista, disse: “Eu suporto o peso da injustiça, suporto a prisão, nem que seja por 30 anos, se as nossas terras forem demarcadas”.

Com esse espírito, cinco líderes Kaingang passam os dias dentro de um presídio no Rio Grande do Sul aguardando que os brancos tenham bom senso, respeitem a lei e efetivamente promovam a justiça.