terça-feira, 29 de setembro de 2015

Relatório que denuncia violações de direitos no estado do Acre é lançado na Assembléia Legislativa do Estado

composição da mesa. Foto Lindomar Padilha
Com a presença de centenas de pessoas entre indígenas, trabalhadores e trabalhadoras rurais, estudantes, professores e representantes de organizações, prestigiaram o lançamento do relatório "ECONOMIA VERDE, POVOS DAS FLORESTAS E TERRITÓRIOS: violações de direitos no estado do Acre" ocorrido hoje pela manhã no auditório da Assembléia Legislativa do estado do Acre.

Os momentos mais fortes foram protagonizados pelas falas de lideres indígenas e trabalhadores rurais que narraram a penúria por que passam em função do modelo de desenvolvimento posto em prática no estado e baseado na financeirização da natureza e da vida, aliado ao desenvolvimentisto irresponsável. Denúncias contundentes foram expostas e revelam o nível de descaso para com essas populações, apesar da maciça e mentirosa propaganda.












domingo, 27 de setembro de 2015

Relatório que denuncia violações de direitos causadas pela economia verde no Acre será lançado em Rio Branco


O Acre é considerado uma referência mundial na implementação de políticas vinculadas ao clima. A chamada economia verde no Estado é vista nos meios oficiais como uma experiência que harmoniza crescimento econômico e conservação ambiental, e é onde existe, desde 2010, o que é considerado como o programa jurisdicional do mecanismo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd), mais avançado do mundo: o Sistema de Incentivos a Serviços Ambientais (Sisa).
No entanto, ao visitar projetos de Manejo Florestal, territórios indígenas e dois projetos privados de Redd em processo de registro no Sisa e ouvir as denúncias dos comunitários, seringueiros e indígenas vinculados aos projetos de economia verde, a Missão realizada pela Relatoria de Meio Ambiente constatou uma outra realidade, marcada por impactos sociopolíticos, econômicos e ambientais negativos, em especial sobre os territórios e as populações tradicionais. Dentre outras, foram constatadas violações do direito à terra e ao território e violações dos direitos das populações em territórios conquistados.

Uma das lideranças exemplifica os impactos destes projetos sobre a vida dos comunitários: “é a perda de todos os direitos que os povos têm como cidadão. Perdem todo o controle do território. Não podem mais roçar. Não podem mais fazer nenhuma atividade do cotidiano. Apenas recebem uma Bolsa para ficar olhando para a mata, sem poder mexer. Aí, tira o verdadeiro sentido da vida do ser humano”.

O relatório Economia Verde, Povos das Florestas e Territórios: violações de direitos no Estado do Acre foi produzido pela Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma de Direitos Humanos-Dhesca Brasil, e é resultado de uma Missão de investigação e incidência realizada nos meses de setembro, novembro e dezembro de 2013.

O documento  será oficialmente lançado no dia 29 de setembro 2015 (terça feira), as 08:30hs, no auditório da Assembléia Legislativa do Estado do Acre. A relatora da plataforma Dhesca estará presente para responder perguntas do auditório e de jornalistas.

Confira o relatório na íntegra  AQUI

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Deputado Pedro Kemp (PT/MS) silencia ruralistas e os coloca no banco dos réus, onde é mesmo seu lugar.


"mataram um indio e ninguém fez nada, mas, vossa excelência (se referindo a também deputada estadual Mara Caseiro PTdoB/MS) assinala que os índios mataram um boi... aí é grave. Matar um boi, um Nelori.. aí é grave..."

Vale a pena ouvir na íntegra o discurso para entender o que de fato está acontecendo. Ninguém é contra que se investigue o CIMI, mas o que se espera é que neste processo de investigação, também se investigue quem está financiando os crimes, os assassinatos, o genocídio dos povos indígenas. Se investigarem, poucos ruralistas ficarão livres!

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

VERGONHA!!!!: Assembléia Legislativa do MS se vale de uma CPI como instrumento de ataque aos povos indígenas

No Mato Grosso do Sul, uma parte dos fazendeiros e seus jagunços tem atuado através de milícias armadas que, em menos de um mês, desferiu mais de dez ataques paramilitares contra o povo Guarani Kaiwá dos Tekohá Nanderu Marangatu, Guyra Kamby’i, Pyelito Kue e Potreiro Guasu.
Nota sobre a “CPI do Cimi” no Mato Grosso do Sul

“Felizes os que são perseguidos por causa da justiça,
 porque deles é o Reino de Deus” (MT 5, 10).

O Conselho Indigenista Missionário lamenta que a Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul (MS) perca seu tempo com uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a ação missionária da entidade junto aos povos originários.
A CPI em questão faz parte da estratégia de ataques ruralistas aos povos indígenas e seus aliados. Proposta pela fazendeira e deputada estadual Mara Caseiros (PTdoB) e subscrita por outros deputados fazendeiros, a Comissão foi criada, por Despacho assinado pelo presidente da Assembleia Legislativa, Junior Mochi (PMDB), e publicado na sexta-feira, 18 de setembro, no Diário Oficial.
No Mato Grosso do Sul, uma parte dos fazendeiros e seus jagunços tem atuado através de milícias armadas que, em menos de um mês, desferiu mais de dez ataques paramilitares contra o povo Guarani Kaiwá dos Tekohá Nanderu Marangatu, Guyra Kamby’i, Pyelito Kue e Potreiro Guasu. Como resultado deste intenso período de terror, o líder Guarani Kaiwá, Semião Vilhalva, foi assassinato, três indígenas foram baleados por arma de fogo, vários foram feridos por balas de borracha e dezenas de indígenasforam espancados. São fortes também os indícios de que indígenas sofreram tortura e há denúncias da ocorrência de um estupro coletivo contra uma Guarani Kaiowá.
Nos últimos 12 anos, ao menos 585 indígenas cometeram suicídio e outros 390 foram assassinados no Mato Grosso do Sul. O estado tem 23 milhões de bovinos que ocupam aproximadamente 23 milhões de hectares de terra. Enquanto isso, com os procedimentos de demarcação paralisados, os cerca de 45 mil Guarani Kaiowá continuam espremidos em apenas 30 mil hectares de suas terras tradicionais.
Num estado onde ocorrem estes alarmantes casos de violências contra os povos indígenas, certamente há muito a ser investigado e denunciado. No entanto, não é o Cimi o causador desta situação. Por isso, não é investigando e tentando criminalizar o Cimi que serão encontradas soluções para esta situação que se alonga ao longo da história.
Neste sentido, entendemos que a “CPI do Cimi” abrirá oportunidades para repercussão, nacional e internacional, dos crimes cometidos pelo agronegócio e pelo estado sul mato-grossense contra os Guarani Kaiowá e demais povos originários daquele estado. A CPI será um momento propício para identificar e expor o nome das empresas, muitas delas multinacionais, que investem e lucram com a exportação de commodites agrícolas, tais como, carne bovina, açúcar de cana, agrocombustíveis, soja, dentre outros, produzidos no Mato Grosso do Sul.
Avaliamos que a CPI poderá também servir para dialogar com cidadãos de outros países, que consomem estes produtos. Será importante que as pessoas saibam, por exemplo, para onde é vendida e quem consome a carne dos bois que são engordados pisoteando a terra sagrada e manchada com sangue indígena no Mato Grosso do Sul. Ao mesmo tempo, com os demais aliados dos povos indígenas, poder-se-á identificar e explicitar aqueles que financiaram as campanhas milionárias dos fazendeiros que se elegeram e ocupam cargos nos poderes Legislativo e Executivo no estado.
Todo investimento financeiro no agronegócio sul mato-grossense alimenta o ódio ruralista e a morte de indígenas naquele estado. Por isso, como medida urgente e estruturante para solução de conflitos e superação deste quadro social estarrecedor, o Cimi entende que se faz necessário, e reforçará, a incidência internacional a fim de que se estabeleça, por parte de outros países, uma “moratória das importações de commodittes agrícolas produzidas no MS” até que as terras indígenas sejam devidamente demarcadas e devolvidas aos povos originários pelo Estado brasileiro.
No Mato Grosso do Sul, o agronegócio controla significativas fatias de poder do estado oficial e age também por meio de um “estado paralelo” atentando contra a vida dos povos originários e de seus aliados. Oxalá a “CPI do Cimi” possa servir para que o mundo saiba mais sobre o sofrimento dos povos indígenas e de como eles almejam Bem Viver, a Vida Plena (conf. Jo 10,10) no Mato Grosso do Sul.
Brasília, DF, 21 de setembro de 2015
Conselho Indigenista Missionário – Cimi

A dolorosa resistência dos Guarani Kaiowá

Por Elaine Tavares

Outro dia vi o vídeo no qual uma fazendeira do Mato Grosso do Sul dizia que eles eram os donos daquelas terras porque foram os "desbravadores". Estranhei o depoimento, pois, ali, naquela fala, ela mesma afirmava que seus antepassados foram os que conquistaram a área para que, naqueles longínquos dias, pudessem levantar suas casas e iniciar suas lavouras. O que, então, significa isso? Se eles desbravaram significa que limparam a passagem, tornaram mansos, civilizaram. É o que diz o dicionário. Se assim é, só tornamos mansos ou civilizamos alguém. E quem era esse alguém? Os índios. Esse é resumo da ópera bufa dos fazendeiros do Mato Grosso do Sul. Logo, ela mesma confirma que o território hoje ocupado por seus familiares e por ela mesma era originalmente dos Guarani.

A fala da fazendeira é bastante esclarecedora da situação que vivem os Guarani Kaiwá naquela região. Para ela e para seus amigos, os indígenas nada mais são do que um atrapalho, uma incomodação, uma desordem no mapa tão bem construído por eles. Se um dia a gente branca invadiu as terras e limpou a área dos índios, agora eles que não venham reivindicar posse de nada. Foram destruídos, que sumam dali.
Essa é a verdade dos fazendeiros. Eles se dão ao direito de pensar que a matança dos índios do passado foi uma coisa boa, um passo no avanço do progresso. Mas, a senhora do vídeo se esquece que quando seus antepassados "desbravaram" aquela região, muitos dos povos que ali viviam não morreram. Eles fugiram, empurrados pela violência e pela ponta dos mosquetes.
Só que para os indígenas a terra não é um pedaço de chão que se pode comprar ou desbravar. É parte viva da cultura. Assim, mesmo tendo fugido ou se escondido, os indígenas ficaram por ali e, com o passar do tempo, foram voltando, exigindo o direito de viver naquele território que ocupavam originalmente.
Essa é a verdade dos indígenas. Eles insistem em ver garantido o seu direito de estar nas suas terras. Querem uma pequena parcela, nem exigem o espaço todo. Só um espaço digno para vivenciar sua cultura.
Mas, a história dos homens é a história da luta de classe, já disse alguém um dia. E nesse combate, a classe dominante é a que tem as armas e o estado. Os oprimidos só têm os seus corpos e a vontade de viver na justiça. Então, aparentemente, não há saídas. Já dizia o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein: "o mundo dos felizes é diferente do mundo dos infelizes". Como então fazer com que esses mundos dialoguem? Tivéssemos um Estado ancorado na justiça, seria ele o responsável por garantir que essas duas verdades pudessem ser debatidas na serenidade. Mas não. No caso dos conflitos no Mato Grosso do Sul, o estado ainda aporta as armas e a proteção ao campo dos "felizes", os fazendeiros.
Na madrugada dessa sexta-feira a gente da tekoá Pyelito Kue/Mbarakay, que fica no município de Iguatemi, sofreu mais uma violência, das inumeráveis violências que vem sofrendo desde que os indígenas decidiram reivindicar sua morada. Jagunços armados desfilaram pelo acampamento onde estão instalados os Guarani e Kaiowá dizendo que todos seriam mortos. Segundo relato do Conselho Indigenista Missionário, houve um ataque e dez indígenas ficaram feridos, incluindo uma gestante e um rezador. Foram usadas balas de borracha, que são de uso restrito das forças policiais, e armas de fogo. Desde alguns dias, dizem as lideranças, que o Departamento de Operações de Fronteira (DOF) vinha fazendo ‘visitas’ ostensivas aos indígenas, inclusive levando embora suas coisas. Também denunciaram que os capangas dos fazendeiros bateram em uma mulher há alguns dias, agressão que foi confirmada pela Funai.

O clima é de perplexidade na tekoá Pyelito Kue. Já vai longe o processo de sistemática agressão a essa gente que, inclusive, em 2012 chegou a lançar um pungente documento ao mundo, dizendo que estavam todos dispostos a morrer na defesa do direito de permanecer na terra que lhes é de direito. Por conta da mobilização causada por esse clamor os Guarani Kaiowá retomaram a Fazenda Cambará, na qual ocupavam 100 hectares. A fazenda inteira é um latifúndio de 2.000 hectares. Desde a retomada, o processo de acosso e violência contra os indígenas não para. Jagunços rondam fazendo ameaças, pessoas são atingidas por arma de fogo, agressões são praticadas, sem que o estado brasileiro tome qualquer providência.
A área reivindicada pelos indígenas já foi indicada pela Funai como tradicional e mesmo assim o estado não toma uma atitude concreta de demarcação das terras, sendo, portanto, conivente com todo o massacre vivido pelas gentes Guarani Kaiowá. Prefere mantê-los nas beiras de estradas, em situação de miséria e abandono. Assim, a única saída que encontram é retomar os lugares que historicamente sempre foram seus, enfrentando aí a fúria e as armas dos fazendeiros. O Mato Grosso do Sul é uma terra na qual a lei estoura do cano das armas. E quem tem as armas não são os índios.
A dolorosa resistência do povo Guarani Kaiowá muito pouco espaço ocupa nos jornais ou na TV. Não interessa ao sistema de interesses que rege o país alfabetizar as gentes na verdade histórica. Como poderiam explicar o fato de que os fazendeiros podem matar e manter milícias privadas à margem da lei? Como explicar que para os poderosos a lei não vale? Melhor seguir malhando o velho discurso de que os índios atrapalham o progresso, que deviam se integrar à cultura branca, que deviam parar de encher o saco de quem quer produzir. Criar estereótipos e preconceitos mantendo a imagem de selvagens ou de preguiçosos. Assim, quando um deles cair morto, não causará comoção.
Mas, no fundão desse Brasil, que é fruto do sangue indígena, as gentes seguem resistindo. No Mato Grosso do Sul os Guarani Kaiowá mantêm a promessa feita em 2012: lutarão até o último homem e a última mulher.
A questão que temos de colocar é: E nós, permitiremos o massacre?
Desde os nossos lugares teremos de usar nossos instrumentos de luta. Eu, tenho a palavra, e cada um pode aportar o seu. O que não podemos é deixar que siga a matança. Já basta. Que se pressione o estado para demarque as terras imediatamente, garantindo o espaço que é direito dos Guarani Kaiowá. Um pequeno espaço no meio do latifúndio. A parte que lhes cabe.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Luto, lágrimas e luta na XXI Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)

Não foram lágrimas de boas-vindas. Foram lágrimas de dor e compaixão dos participantes da XXI Assembleia Geral do Conselho Indigenista Missionário causadas pelo terror que se alastra sobre os povos indígenas no Brasil. Contudo, todos partiram hoje, dia 18 de setembro, depois de quatro dias de Assembleia no Centro de Formação Vicente Cañas, Luziânia (GO), com a soma de pequenas esperanças que emergem das contradições do sistema que é a mola mestra do Estado Brasileiro. Esse sistema, sustentado pelos poderes Legislativo, Judiciário e Executivo e os canhões do grande capital e do agronegócio, procura encaminhar os povos indígenas para a solução final de extermínio.


Animados pelas palavras da recente encíclica do Papa Francisco, que “o direito por vezes se mostra insuficiente devido à corrupção, requer-se uma decisão política sob pressão da população” (LS 179), os cerca de 200 participantes dessa Assembleia procuraram aprofundar essa pressão e se debruçaram sobre questões dos ‘Estados Plurinacionais e Autodeterminação dos Povos Indígenas: Em Defesa da Vida dos Povos e do Direito da Mãe Terra’. Essas reflexões nos levam a somar nossas forças às dos indígenas e outros setores da sociedade brasileira que lutam por direito e justiça, por pão e vida que serão o resultado de uma luta dos que, aparentemente, estorvam o progresso do país. E o Papa Francisco mais uma vez nos dá força para nossa luta, quando diz que precisamos redefinir o progresso e o desenvolvimento: “Um desenvolvimento tecnológico e econômico, que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior, não se pode considerar progresso” (LS 194). As instituições do Estado buscam derrotar projetos coletivos de futuro; cerrando portas e lançando a todos e todas na mais profunda escuridão. A propriedade privada converteu-se em direito absoluto, acima de qualquer outro. Os indígenas, por sua vez, forçam brechas de luz sobre este luto inconcluso.

Violências de todas as ordens se sucedem numa escala sem precedentes na história contemporânea do país. Nomeamos apenas um caso entre uma sequência quase diária de assassinatos, espancamentos e duvidosas reintegrações de posse: o assassinato de Simeão Vilhalva Guarani e Kaiowá da Terra Indígena Ñanderú Marangatú, no último dia 29 de agosto. O recurso ao marco temporal para revogar terras demarcadas é uma intervenção perversa porque retoma o tratamento de uma injustiça pré-constituinte. O poder Legislativo trabalha em dezenas de projetos de lei e emendas à Constituição para desfazer os direitos assegurados. Milícias e pistoleiros funcionam como a polícia deste Estado genocida. Ruralistas coordenam atentados declaram publicamente a utilização de armas contra os indígenas. Nada os incomoda. “A vida de uma criança vale menos que um boi”, lamenta Anastácio Peralta Guarani. O cacique Valdomiro Vergueiro Kaigang denuncia: “O governo não está respeitando por onde nosso povo passou, onde enterramos nossos mortos, onde deixamos nossas cinzas”. 

Desde a primeira Assembleia do Cimi, em 1975, defendemos a Mãe Terra como condição necessária para a autodeterminação dos povos indígenas. Defendemos, igualmente, um Estado Plurinacional como alternativa ao modelo atual, subserviente aos interesses privados, ao capital internacional.  Os povos indígenas enfrentam a lógica opressora desse sistema político que promove a concentração de riquezas, terras, lucros gerando depredação ambiental e desigualdades sociais.

Tudo isso espelha a lógica da colonialidade na qual é preciso colonizar o ser, o saber e o viver convertendo estes povos em despossuídos. As cosmologias indígenas nos ensinam que os ataques aos indígenas recaem sobre toda a sociedade. O genocídio leva a perder a oportunidade ímpar de aprender com eles o Bem Viver com o planeta Terra, nossa Casa Comum como adverte o Papa Francisco: “Entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada, que ‘geme e sofre as dores do parto’ (LS 2)”.

Renovamos a aliança histórica do Cimi com os povos indígenas, mesmo em meio às lágrimas. Seguiremos, descalços, rumo à Terra Sem Males que virá, eis a nossa certeza e a Esperança que nos anima!

Luziânia, 18 de setembro de 2015
Conselho Indigenista Missionário - Cimi

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Babau Tupinambá: “Não vamos deixar o agronegócio tomar o nosso país”

Por Tiago Miotto
Babau durante fala em reunião no CIMI
Quando perceberam que teriam de ser revistados pela polícia e enfrentar uma longa fila para adentrar na sessão solene em “homenagem” aos povos indígenas na Câmara dos Deputados, os representantes do povo Tupinambá, vindos do sul da Bahia, decidiram bater em retirada. “Uma casa, quando vai receber para uma sessão solene, não tem de humilhar ninguém dessa forma”, criticou Babau Tupinambá. Junto com seu povo, Babau negou-se a participar da solenidade ocorrida durante o 11º Acampamento Terra Livre (ATL)*, que aconteceu no mês de abril em Brasília.

Babau é cacique da aldeia de Serra do Padeiro, localizada na Terra Indígena (TI) Tupinambá de Olivença, no sul da Bahia. A Serra do Padeiro é uma das muitas comunidades indígenas que tiveram que buscar alternativas para sobreviver frente à violência cotidiana e à morosidade do Estado brasileiro.

Como outras comunidades, a exemplo dos Guarani Kaiowá (no Mato Grosso do Sul) e Kaingang (no Rio Grande do Sul), o povo Tupinambá cansou-se da marginalização e da miséria e partiu, em 2004, para a retomada de partes de seu território tradicional no interior da TI Tupinambá de Olivença, cujo processo demarcatório também iniciou naquele ano.

A delimitação da TI Tupinambá de Olivença – estimada em 47 mil hectares – foi concluída em 2009 e, desde então, aguarda a expedição da Portaria Declaratória do Ministério da Justiça, emperrada por decisões políticas do governo federal. Enquanto isso, a Polícia Federal e a Força Nacional de Segurança chegaram a ser enviadas para realizar ações de reintegração de posse contra os indígenas na área, o que resultou em diversos relatos de violações contra os indígenas.

Nesse processo, mais de vinte fazendas foram retomadas apenas na área da Serra do Padeiro, e muitas das áreas no interior do território indígena de Olivença, já reconhecido como tradicional do povo Tupinambá, encontram-se ainda sob a posse de não-índios e sob o poder de fazendeiros que não hesitam em contratar jagunços e comandar torturas, atentados e assassinatos contra os indígenas.

Durante o ATL, em Brasília, Babau Tupinambá, uma das lideranças ativas nesse processo de retomada, concedeu a entrevista a seguir, em que comenta alguns dos desdobramentos do acampamento que reuniu mais de 1500 indígenas de todo o Brasil durante quatro dias na Esplanada dos Ministérios.

A mobilização ocorreu num momento que é, talvez, o mais adverso enfrentado pelos povos indígenas desde a promulgação da Constituição de 1988. Por um lado, o governo Dilma – o que menos demarcou terras desde a redemocratização – mantém as demarcações paralisadas, por compromisso com a agenda do agronegócio. Por outro, a bancada ruralista avança com as tentativas de retirada de direitos dos povos indígenas, vistos como inimigos do agronegócio e limitadores da expansão das fronteiras agrícolas.

Dentre os projetos prioritários dos ruralistas, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), que pretende passar do Executivo para o Legislativo a atribuição de demarcar terras indígenas, é o risco mais iminente de retrocesso. Enquanto isso, decisões recentes da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) desconsideram as violações sofridas pelos indígenas durante a ditadura e aceitam recursos de fazendeiros para processos demarcatórios já concluídos.

Na entrevista, Babau também falou sobre a situação do povo Tupinambá, a relação com o Estado brasileiro e a prisão que sofreu em 2014, quando iria levar ao Papa Francisco, no Vaticano, um relatório denunciando as violações contra os direitos humanos sofridas pelos povos indígenas do Brasil. Na ocasião, Babau foi impedido de retirar seu visto e ficou sob custódia da Polícia Federal, em função de um mandado de prisão expedido dois meses antes pela Justiça da Bahia e motivado por uma denúncia de assassinato, a qual foi caracterizada por Babau como perseguição política.

Para se ter uma ideia da situação de insegurança e constante violência a que estes povos indígenas estão submetidos, vale lembrar que, desde a data em que a entrevista foi concedida, duas lideranças indígenas foram assassinadas na Bahia (entre elas, um Agente de Saúde Indígena do povo Tupinambá) e uma no Maranhão, além de um atentado com fogo que aconteceu contra uma comunidade Tupinambá, também na Bahia. A indignação e inquietação de Babau não são frutos do acaso.

Babau, em uma fala tua, tu comparaste a PEC 215 com a primeira lei colonial brasileira. Por quê?

Quando a coroa portuguesa chegou no Brasil, dividiu o território em capitanias hereditárias e, ao entregá-las aos donatários, junto veio uma lei, uma regra para que eles provassem que eram leais à coroa portuguesa: tinham por obrigação matar todos os índios Tupinambá que eles encontrassem dentro das capitanias. Ou seja, começou uma sequência de leis, de regras e políticas oficiais para matar e exterminar um povo.

A primeira (lei) foi taxativa e disse “mate”. Posteriormente, outras não dizem “mate”, nessas palavras, mas o efeito é o mesmo, pois vai expulsar da terra, vai tirar da terra, então, para nós, é a PEC da morte.

A ordem de Portugal era matar os Tupinambá para tomar terra, não é isso? E a PEC vai fazer o quê? Se não vai ter terra demarcada, se eles vão rever as terras demarcadas, logo, é a mesma lei, só mudaram o viés. Você não sabe que aqui no Brasil eles não chamam o cara de ladrão, chamam de corrupto e dizem que ele “fraudou” (ao invés de dizer que roubou)? A PEC assassina é a mesma coisa, só não diz a palavra “mate”, mas o efeito é o mesmo.

Quais seriam as consequências de uma aprovação desta PEC?

O povo brasileiro é um povo ordeiro, principalmente nós, índios. Mas não tem outro jeito a não ser ir para a guerra. Querendo ou não, os índios vão ter que formar guerrilha. Se é pra morrer, tem que morrer lutando, não sentado. Não vamos deixar tomarem o nosso país. Seja esse agronegócio, seja quem for. Nós, indígenas, temos a obrigação e o dever de defender a nossa vida e a existência dos animais e da floresta. Nós só existimos se isso existir. Se vão mexer, vão ter que mexer com a vida no todo e ainda vão tentar tirá-la.

No ano passado aconteceu uma situação contigo em que tu estavas indo levar um relatório para o Vaticano e acabou impedido de viajar pela Justiça. Pode contar tua versão do ocorrido?

É mais uma questão fraudulenta, das armações políticas desse país. Eu tirei o bendito passaporte em um dia em que nada constava na minha ficha. No dia seguinte, apareceram quatro mandados de prisão. E o último que ficou, inicialmente, era de eu ser assassino e tinha matado uma pessoa. Depois, se chegou à conclusão de que eu nem conhecia as pessoas. Como eu vou matar quem nem conheço e a mais de 60km da minha aldeia?

E por que tu achas que aconteceu essa armação para que fosse impedido de viajar? Estava levando algum relatório para o papa Francisco?

Alguns parlamentares indagaram: como podia eles, parlamentares, não serem convidados pelo papa, mas um cacique? Assim, não podiam deixar sair do país para difamar, coisas do tipo.

Eu não só levaria o relatório, mas falaria ao papa – e falei isso ao Marcelo Veigas, do Ministério da Justiça – de todas as atrocidades que acontecem aqui no Brasil com os povos indígenas do país inteiro, ia falar tudo. E uma hora dessas ainda vou falar.

Observando de maneira mais geral, como vê a situação dos povos indígenas no Brasil hoje?

A situação que vejo hoje é caótica, porque o povo reclama, mas muitos não querem agir. Um povo ou outro reage, mas não todos. Todos falam em agir, mas na prática estão ainda se segurando no Bolsa-Família. Precisa abandonar esse negócio. O índio tem de ir pra terra, produzir dentro da sua cultura, no regime cultural do seu povo, e sair dessa de ficar recebendo cesta básica, Bolsa Família, esquece isso.

Nosso povo é independente, um povo livre, não submisso a um recurso banal desse, de cesta básica. Tem que se livrar disso, ir para a luta e garantir o direito à vida da floresta, dos animais e de nós, índios.

Especificamente sobre os Tupinambá, qual é a situação de vocês hoje?

Nós, o povo Tupinambá, hoje estamos ocupando nosso território. Independentemente de demarcaram a terra e publicarem a portaria declaratória, ou não, o certo é que a gente expulsou os fazendeiros de dentro, e estamos lá, e para nos tirar vão ter que nos matar. Nós não temos o que fazer. Na questão histórica, estamos dentro de uma terra que foi o Ministério da Guerra que demarcou em 1926, de cinquenta léguas.

Agora, estamos apenas reivindicando, dentro dessa terra, 47 mil hectares e vemos a confusão toda. Nós não entendemos, mas sabemos que a terra é nossa, já assumimos, a aldeia Serra do Padeiro já assumiu toda a terra. Cabe ao governo indenizar àqueles que nós tiramos e publicar a portaria declaratória, fazer a sua parte, portanto. A nossa parte já fizemos, já ocupamos tudo.

Os Tupinambá foram um dos primeiros povos a entrar em contato com os colonizadores portugueses. Nesses mais de 500 anos de contato, na tua visão sobre a relação com o Estado brasileiro, o que mudou?

Nós, os Tupinambá, nunca conseguimos lidar com o Estado brasileiro. Como você viu, a primeira lei do país foi criada para matar Tupinambá. Os portugueses disseram: “olha, Tupinambá é inimigo da coroa. Mate”. Depois, mandaram: “todos os colonos que estiverem no país têm que, por lei, matar os Tupinambá”. E nós sobrevivemos.

Em muitos anos, os colonos nunca tiveram capacidade de guerrear com os Tupinambá; mandaram o exército, a polícia e continuam até hoje. Vê-se que a gente está lutando, mas fazendeiro nenhum nunca foi na terra Tupinambá. É a polícia que eles mandam. Portanto, o governo sempre foi o entrave para os Tupinambá.

Durante o Acampamento Terra Livre houve uma reunião com o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ, presidente da Câmara dos Deputados), uma sessão na Câmara dos Deputados e outra no Senado. Qual a tua avaliação desses espaços e qual o saldo que fica deles para os povos indígenas?

Eu vejo saldo zero. Primeiro que é um enrolation, abrir a porta e sentar na mesa não significa que o outro te ama ou vai fazer o que você quer. É só enganação pra encher o ego do índio e dizer que esteve no Congresso. Por isso que nem lá eu fui. Com o Eduardo Cunha, foi uma reunião privada, onde pudemos falar olho a olho o que pensamos, e ele também falou, mas apenas solenidades. E o que nós temos de solene? 600 índios mortos, presos, torturados, violentados, duas terras indígenas julgadas pelo Supremo contrariamente a nós... O que nós temos? Lá eu não fui, não vou, se vamos é para falar de igual para igual, não para sentar como um cachorrinho abanando o rabo para quem quer matar o pobre cachorrinho. Isso não dá, nunca prestou e tem tudo para acabar mal para os povos indígenas.

O correto com essa multidão que estava acampada era dizer para o governo o que nós precisamos e queremos. E sabemos o que queremos: todos os nossos direitos sendo aplicados nesse país, que realmente eles mandem recurso para a Funai, criem um ministério para os povos indígenas atuarem, com um índio ministro, que aprove a lei do deputado Miranda (PEC 320, proposta pelo deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG)), que nos dá direito a ter pelo menos cinco deputados federais aqui dentro. Aí, sim, dá autonomia, direito e pode-se entrar de igual para igual.

Agora, chegar na porta do Congresso, como você viu hoje, e ter mais de 600 policiais metendo a mão na bunda dos índios, e nas mulheres a mesma coisa? Nós, Tupinambá, da porta voltamos, não nos sujeitamos a uma humilhação dessas, porque uma casa, quando vai receber um convidado para uma sessão solene, não tem de humilhar o convidado. E se é a “casa do povo”, por que a polícia aparece primeiro? Portanto, achei tudo de ruim, principalmente os parentes terem se humilhado e aceitado uma coisa dessas.

Sobre o futuro, quais são, na tua visão, as perspectivas e o que acha que precisa para que os direitos dos povos indígenas se concretizem daqui para a frente?

Como Tupinambá, vejo um futuro bom, porque quando fica muito ruim todo mundo vai ter de reagir, e quando reage a coisa melhora. Porém, sem reação, só resta a morte. Se é assim, que todo mundo faça um caixãozinho, entre e seja enterrado logo. Como eu sei que ninguém vai ter coragem de se autoenterrar, acredito que o povo vai reagir e vai ficar tudo beleza, tudo bom para o futuro. Eu vejo lá no Rio Grande do Sul os parentes reagirem, estão nas terras, um povo que está sempre guerreando. Eu sei que vai continuar assim e eles não vão se deixar abater. Em quinhentos anos de luta não nos deixamos abater e não é agora que vamos deixar.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

"REDD tende a transferir a responsabilidade para a crise climática de sociedades industrializadas para as comunidades da floresta"

Entrevista com Michael Schmidlehner, Amazonlink
Foto tirada durante a Rio + 20 onde Michael teve participação
Fundamental. Foto Lindomar Padilha
A entrevista foi conduzida por e-mail, em Agosto de 2015.
Por Chris Lang - REDD Monitor

REDD-Monitor: Por favor descreva seu trabalho e seu papel na organização Amazonlink.org.

Michael Schmidlehner: Eu co-fundei a organização em 2001 e a partir dai a presidi. O objetivo era apoiar e fortalecer as comunidades das florestas na Amazônia por meio de acesso à informação e de comércio justo. Estabelecemos contatos com lojas de um mundo na Alemanha para a venda de artesanato indígena.

Em 2003, quando os compradores alemães estavam interessados em comercializar doces de cupuaçu, fomos confrontados com o fato de uma empresa japonesa ter registado o nome da fruta como sua marca registrada. Nós entendemos que este era um caso grave de biopirataria e denunciamos os fatos através da web e da imprensa. Juntos com outras organizações brasileiras abrimos um processo no Instituto Japonês de Patentes e, em 2005, a marca foi cancelada. O caso cupuaçu chamou maior atenção pública no Brasil para a questão dos direitos sobre os recursos genéticos e a proteção de conhecimentos tradicionais. Nesta época, Marina Silva foi ministra do Meio Ambiente. Ela estava preocupada com a implementação dos princípios estabelecidos pela Convenção da Diversidade Biológica (CDB) e, neste contexto executamos o protejo Aldeias Vigilantes no Acre, financiado pelo governo brasileiro. O protejo visava empoderar  comunidades indígenas, informando-os sobre os seus direitos em relação à proteção dos seus conhecimentos tradicionais.

Após a execução de Aldeias Vigilantes, Amazonlink.org não realizou mais projetos. Em 2011, Amazonlink.org assinou a Carta do Acre. Nesta declaração rejeitamos junto com trinta outros grupos da sociedade civil a política do capitalismo verde no Acre. A assinatura deste documento marcou uma cisão entre nossa organização e o Governo do Acre e as ONG a ele ligados e provocou a retração de uma parte dos nossos associados. Desde então, um pequeno grupo dos membros originais continua fazendo campanha por justiça climática e pelos direitos dos Povos das Florestas, principalmente em cooperação com o CIMI (Conselho Indigenista Missionário).

REDD-Monitor: Qual é a sua posição sobre REDD? Por favor, descreva os seus pontos de vista sobre o desenvolvimento de um mecanismo de REDD internacionalmente e no Brasil.

Michael Schmidlehner: Em grande parte, a minha posição sobre REDD deriva da experiência com Aldeias Vigilantes. Por um lado, fomos confrontados com a realidade de comunidades dependentes da floresta no Acre. Por outro lado, tivemos de considerar as políticas e discursos promovidos por grandes ONGs, empresas, governos, agências de desenvolvimento e as Nações Unidas. Eu podia ver como irrealista e enganadora a ideia de "repartição justa e equitativa dos benefícios" - como prevista pela CBD - é. a ideia de que uma comunidade dependente da floresta poderia ser beneficiada em longo prazo por um projeto de bioprospecção é da mesma maneira utópica, como por um projeto REDD. Estes projetos não resultam das demandas da comunidade, mas são impostas de cima para baixo. Baseados nas ideias de comercialização e financeirização dos recursos biológicos, eles não são apenas incompatíveis com a relação que estas comunidades possuem com a natureza, mas de fato corroem esta relação.

No contexto internacional, REDD visa transferir a responsabilidade para a crise climática de sociedades industrializadas para as comunidades florestais, do norte para o sul. REDD (bem como os pagamentos para os chamados serviços ambientais), na verdade reproduz relações coloniais de poder. Sendo apresentado como se fosse uma solução para a crise, REDD tende a mascarar o problema real (que é basicamente a queima de combustíveis fósseis), bem como impedir que as sociedades reconheçam a urgência e a necessidade de abordar as causas principais (produção e consumo excessivos por parte das sociedades ricas).

O Brasil ocupa uma posição especial nas negociações da CBD e UNFCCC. Ambas as convenções foram criadas na Eco-92 em Rio de Janeiro, e sempre houve uma expectativa de que a enorme diversidade biológica do Brasil poderia impulsionar seu desenvolvimento, e que este país poderia, de alguma forma ser pioneiro numa transição global para sustentabilidade e  justiça ambiental e climática. Hoje, no entanto, o curso dos acontecimentos no país aponta na direcção oposta.

No Brasil, a implementação de REDD faz parte de um amplo processo de transferência do controle sobre os recursos naturais, retirando-o de pequenos agricultores e comunidades tradicionais, e concentrando-o nas mãos de oligarquias locais e corporações multinacionais. Este processo apoia-se em antigas estruturas de poder, decorrentes do período colonial, reforçadas durante o período da ditadura e paradoxalmente reiteradas no atual governo do Partido dos Trabalhadores.

Uma série de novos regulamentos legais, estaduais e nacionais, tais como SISA (a lei do estado Acre 2308 de 2010), o Novo Código Florestal (Lei nº 12.651 de 2012), a nova lei da Biodiversidade (Lei nº 13,123 de 2015) e PEC 215 (emenda constitucional) criam um novo quadro legislativo que acelera esse processo de concentração.

Para a elite financeira brasileira, REDD oferece mais uma oportunidade de acumulação de capital. Grandes áreas de floresta com posse de terra insegura - agora elegíveis para projetos de REDD - estão sob crescente ameaça de grilagem. Enquanto desempoderando comunidades dependentes da floresta, REDD está se tornando um negócio lucrativo para os latifundiários, especuladores e ONGs intermediárias.

REDD-Monitor: Apesar de ainda não existir uma decisão na UNFCCC sobre se REDD será um mecanismo de mercado de carbono, várias organizações internacionais e ONGs estão promovendo uma versão de REDD como mercado de carbono (por exemplo, o Banco Mundial, UN-REDD, The Nature Conservancy,  Fundo de Defesa Ambiental dos EUA, Conservation Internacional e WWF). Qual é a sua posição sobre REDD como um mecanismo de mercado de carbono?

Michael Schmidlehner: O pressuposto fundamental dessas organizações, como exposto no estudo TEEB (programa dos países G8 para viabilizar a Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade) é que humanos seriam incapazes de preservar recursos naturais, enquanto não houver um valor monetário atribuído a estes. Além de uma concepção infeliz da humanidade (como meramente impulsionada por uma lógica de ganância e incapaz de mudar), este argumento apoia-se no mito malfadado da auto-regulação do mercado.

A história das finanças globais nos mostra que mercados sem restrições tendem a produzir situações distorcidas e instáveis. Assim como a especulação com empréstimos habitacionais nos EUA levou ao desastre financeiro em 2008, o comércio de carbono, serviços ambientais e derivados dos mesmos pode causar uma bolha financeira.

Na vida real, mais e mais projetos REDD estão se revelando como ineficazes, socialmente injustos e em muitos casos fraudulentos.

É importante entender que essas falhas não são algo que poderia ser corrigido por medidas adicionais, como os chamados salvaguardas socioambientais. Estas falhas, na verdade, são consequencias  de uma contradição fundamental que é intrínseca a projetos ambientalistas com financiamento pelo mercado. Por um lado, estes projetos são baseados em dados facilmente maleáveis, suposições e hipóteses. Por outro lado, eles são movidos por uma intenção de lucro muito concreta.

Deixe-me dar um exemplo. Os projetos Purus, Valparaiso e Russas no Acre são projetos REDD-plus privados promovidos pela empresa estadunidense CarbonCO LLC. O Projeto Purus foi certificado por duas certificadoras internacionais VCS (Verified Carbon Standard) e  CCBS (Climate Community and Biodiversity Standards), neste último caso, até com "Distinção Ouro". O projeto já emitiu e vendeu certificados de carbono para eventos, como a Copa do Mundo de 2014, no Rio de Janeiro, supostamente contribuindo para a neutralidade de carbono do evento.

Em 2013, a Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DhESCA) empreendeu uma missão nas três áreas de projeto. A missão revelou graves violações dos direitos básicos das comunidades residentes (ver relatório aqui). Alguns dos moradores disseram que os promotores do projecto tinham dado um incentivo "segredo" para desmatamento: "Ele disse assim, em 2014, "o desmatamento é para ser zero.  [...] quem precisa desmatar um hectare por ano, este ano desmate dois hectares, quem desmata dois, desmate quatro."

O incentivo para desmatamento, vindo de um promotor de um projecto de proteção ambiental, à primeira vista parece paradoxal, mas é facilmente explicado pelo princípio de "adicionalidade", que geralmente subjacente a todos os projetos do tipo REDD: A prova de que as emissões foram evitadas é possível apenas pela comparação entre o cenário "positivo" do projeto e um cenário hipotético "negativo" que teria acontecido nesta área sem o projeto. Neste cenário "negativo" mais emissões teriam ocorrido. Mostrando a diferença entre os dois cenários - a chamada adicionalidade do projeto - os promotores do projeto procuram provar que o projeto teria de fato evitado emissões.

Quer se trate da adicionalidade, da contagem de carbono, do consentimento de uma comunidade: informações serão sempre suscetíveis de serem distorcidas, manipuladas ou falsificadas em projetos de REDD financiados pelo mercado. A arquitetura complexa dos projetos de REDD faz uma abordagem participativa e um efetivo controle impossível. Em um contexto comercial esta obscuridade facilita comportamentos calculistas, manobras escondidas ou práticas fraudulentas.

REDD-Monitor: REDD, é claro, faz parte de desenvolvimentos recentes muito maiores, tais como o capitalismo verde e a financeirização da natureza. Diante deste contexto, você acha que seria possível ter uma versão "bem sucedida" de REDD que não envolve o comércio de carbono?

Michael Schmidlehner: REDD, sendo financiado através de um fundo (e não através da venda dos certificados dos próprios projetos) provavelmente seria um mal menor. Os projetos seriam independentes dos instáveis mercados de carbono e a interferência direta de corporações em comunidades dependentes da floresta poderia ser evitada.

Ao mesmo tempo, enquanto pagamentos são baseados em resultados (pagamento de acordo com a quantidade de emissões de CO2 reduzidas), REDD - mesmo não financiado pelo mercado - sempre  terá sérios impactos sobre comunidades dependentes da floresta. Esta chamada abordagem baseada nos resultados obriga as comunidades indígenas para alterar sua forma tradicional de interação com a floresta (na verdade, a forma com qual eles preservaram as florestas desde tempos imemoriais) e cumprir com as normas estabelecidas pela atual ciência ocidental do clima.

Ainda está em aberto, se a UNFCCC vai adotar um mecanismo de mercado para o financiamento de REDD ou não. Muitas outras questões relativas a REDD terão que ser resolvidos antes da constituição de um novo regime climático (como esperado para a COP 21, em dezembro deste ano). Por exemplo: Qual escala será usada para o financiamento? Financiamento em nível de projeto, sub-nacional ou nacional?

Em todos os casos possíveis, REDD não pode contribuir de forma eficaz para combater a crise climática. Devemos lembrar que apenas 11% das emissões de dióxido de carbono causadas pelo homem vêm do desmatamento, ao passo que cerca de 65% são provenientes de indústrias e da queima de combustíveis fósseis.

Acima de tudo, devemos ter em mente que o REDD não aborda as verdadeiras causas do desmatamento. Os principais fatores no Brasil são pecuária extensiva, plantações de monoculturas como soja, cana-de-açúcar ou de óleo de palma, bem como a atividade madeireira industrial. Essas atividades são geralmente realizadas por oligarquias locais e corporações multinacionais.

Em muitos países como também no Brasil, esses grupos têm forte influência sobre o governo. Seja regulamentado pelo mercado ou pelos governos, REDD sempre acabará transferindo o controle sobre áreas de floresta para estes grupos. Reduzir o desmatamento, em última análise, é  em primeiro lugar um desfio político, e muito menos um problema técnico. REDD - cada vez mais promovido como se fosse uma solução tanto para as florestas quanto o clima - ofusca esse fato.

REDD-Monitor: REDD trouxe muita atenção para as florestas do Acre, com a WWF, IUCN, a Universidade Federal do Acre, IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), o Centro de Pesquisa Woods Hole, Embrapa e GTZ (Cooperação Técnica Alemã, agora renomeada GIZ) e KfW (banco de desenvolvimento da Alemanha), todos trabalhando em aspectos de REDD no Acre. Toda essa atenção - e financiamento - não são coisas boas?

Michael Schmidlehner: O Acre está sendo projetado como vitrine para a economia verde por essas organizações. Internamente, no Acre, isso favorece apenas um pequeno grupo de pessoas, enquanto em geral tem efeitos de autoritarismo estatal e censura. O pequeno grupo de pessoas que se beneficia do financiamento é composto por funcionários do governo, consultores de ONGs relacionadas ao governo, e algumas selecionadas líderanças de sindicatos e de organizações indígenas. A grande maioria dos povos da floresta não recebe quaisquer benefícios do financiamento internacional. Privados de muitos de seus direitos fundamentais, eles vivem em uma situação de escassez e insegurança e - o que o torna a situação pior - sua condição é sistematicamente mascarada.

Externamente uma falsa imagem do Acre é propagada. EDF, bem como GIZ e WWF buscam exibir as políticas de economia verde do Acre como se fossem baseadas na demanda dos povos da floresta e como se fossem alinhadas com a luta histórica destes povos.

Depois de receber o Prêmio Chico Mendes de Florestania do Governo do Acre em 2008, Steve Schwarzmann do EDF escreveu: "É, de fato, em parte, devido ao legado de Chico que os negociadores internacionais sobre o clima na convenção do clima das Nações Unidas passaram a maior parte da primeira metade do mês de Dezembro em Poznan, Polónia debatendo se e como países com florestas tropicais e povos da floresta que reduzem o desmatamento da floresta poderiam ser compensados através de um novo acordo sobre o clima para entrar em vigor em 2013."

Um artigo sobre programa de financiamento "REDD Early Movers"  (REM) do KfW  no Acre - após informar-nos que o coordenador deste programa recebeu o Prêmio Chico Mendes do Governo do Acre - afirma: "O governo federal alemão gostaria, no futuro, ampliar o bem-sucedido Programa REM para o Equador, Colômbia e países asiáticos. Algo que Chico Mendes também teria aprovado." Nada poderia estar mais longe da verdade! Chico Mendes era um auto-declarado socialista. Retratando-o como se fosse o patrono do capitalismo verde e distorcendo a história do movimento de povos da floresta, estas organizações propagam a falsa solução de REDD fora do Brasil e em nível das Nações Unidas.

Em 2012, na conferência Rio+20, um grupo de ativistas do Acre, incluindo eu, lançou o Dossier Acre. Neste documento, argumentamos que as políticas de economia verde no Acre, ao invés de representarem um exemplo bem-sucedido, exemplificam justamente a falência deste modelo, revelando-o como ambientalmente destrutivo e socialmente excludente.

Até agora nossas muitas críticas à política de economia verde do estado, apresentadas no Dossiê Acre e várias outras publicações, têm sido sistematicamente ignoradas pelo Governo do Estado e os patrocinadores de REDD como KfW.

Agora, um número crescente de pessoas na Alemanha também está questionando o financiamento REM no Acre. Recentemente, um pedido de informações foi protocolado no Bundestag (parlamento alemão.) (Veja a consulta em alemão aqui) Esperamos que este inquérito pode instigar um debate mais amplo entre a sociedade civil alemã e levar a uma reavaliação das metas de financiamento da Alemanha no Acre. Há uma necessidade urgente de apoiar do povos indígenas neste estado na luta por seus direitos. O dinheiro alemão poderia ser aplicado bem mais eficientemente, atendendo as reais necessidades dos povos da floresta, como demarcação de terras indígenas e serviços de saúde e educação para as comunidades abandonadas.

REDD-Monitor: os defensores de REDD muitas vezes alegam que REDD é uma forma de garantir o respeito pelos direitos dos povos indígenas, em particular os direitos à terra. Qual é a sua experiência de REDD e os direitos dos povos indígenas no Acre?

Michael Schmidlehner: REDD ameaça tanto o direito dos povos indígenas às suas terras tradicionalmente ocupadas, quanto seu direito ao uso auto-determinado dos recursos em suas terras. Em 2012, o presidente da Federação do Povo Huni Kui do Acre (FEPHAC) Ninawa Huni Kui denunciou: "No Acre, a demarcação de territórios indígenas está paralisada porque eles querem tomar a nossa terra para fazer lucros com serviços ambientais, através de programas como REDD."

De fato existem 21 terras indígenas ainda a serem demarcadas no Acre. Todos os processos de demarcação estão paralisadas desde 1999. Esses territórios estão freqüentemente sendo invadidos por não indígenas, e sob constante pressão, exercida por latifundiários e empresas. REDD é uma oportunidade de compensação e um lucrativo investimento para estes atores e aumenta esta pressão. Dentro dos territórios, restrições ambientais ameaçam a segurança alimentar das comunidades. Um membro de uma das comunidades, entrevistado pela relatora da Missão DHESCA afirmou: " São tantos anos que a gente vêm sofrendo. Este ano ficamos mais prejudicados porque não podemos roçar. Os fazendeiros podem, e a gente não pode? Somos 24 famílias, como vamos sobreviver?"

REDD-Monitor: Ao mesmo tempo que o REDD está sendo implementado no Acre, o Congresso do Brasil está considerando uma mudança constitucional (PEC 215) que iria transferir o poder para demarcar terras dos povos indígenas da FUNAI para o Congresso. Quais são as implicações da PEC 215 para os direitos indígenas e para o futuro de REDD no Acre?

Michael Schmidlehner: Atualmente, quase todos os processos de demarcação estão paralisadas no Brasil porque o governo atrasa o trabalho da FUNAI na medida em que não passa os recursos necessários para este. A PEC 215 é agressivamente promovida pela chamada Bancada Ruralista que detém uma posição de poder sem precedentes no Congresso Brasileiro e, em muitos aspectos domina o governo federal. Se a PEC 215 for aprovada, provavelmente não uma única terra indígena será mais demarcada futuramente no Brasil.

Existem maciços interesses em cima das terras indígenas: mineração, petróleo (em Acre, possivelmente, até mesmo fracking), criação de gado ou monoculturas, construção de rodovias e ferrovias (no Acre provavelmente atravessando os territórios de povos indígenas sem contato). Os mesmos grupos de interesse que promovem essas atividades querem se apropriar das remanescentes florestas em pé (e de preferência despovoadas) para lucrativos esquemas de compensação. O novo Código Florestal, assim como SISA viabilizam estes esquemas.

Enquanto SISA facilita compensação de emissões, os novo Código Florestal cria a Cota Rural Ambiental CRA que serve para compensar desmatamento. O mercado com os CRA oferece sinergias com o mercado de carbono, permitindo múltiplas possibilidades de compensação. Uma área de floresta única no Acre agora pode ser usado duas vezes para a compensação: para compensação de emissões (SISA) e para a compensação de desmatamento (novo Código Florestal).

Através da PEC 215 e através de REDD, corporações multinacionais aliadas com oligarquias locais, procuram adquirir direitos sobre territórios indígenas, ou por meio da expulsão dos povos de seus territórios, ou tutelando-os dentro dos territórios.

REDD-Monitor: Um direito importante para os povos indígenas é o princípio de consentimento livre, prévio e informado (CLPI). Por favor, descreva a sua experiência do processo de CLPI na criação de REDD no Acre, incluindo a consulta pública para a Lei Estadual 2.308 que instituiu o Sistema Estadual de Incentivos para Serviços Ambientais (SISA) em 2010.

Michael Schmidlehner: A lei SISA passou em apenas dois dias pela Assembléia Legislativa do Acre em "caráter de urgência". Ela foi sancionada em 22 de outubro de 2010, tarde da noite após uma apresentação power point por um representante da Forest Trends.

A "urgência" encontrou sua explicação quando apenas quatro dias depois, em 26 de outubro, o Fundo Amazônia (dinheiro do governo norueguês, KFW e Petrobras, administrado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico BNDES) concedeu 66,7 milhões de reais ao Governo do Acre para o projeto de Valorização do Ativo Ambiental Florestal do Acre . Até hoje temos muito pouca transparência sobre a aplicação destes recursos.

A implementação de REDD no Acre é impulsionada pelo dinheiro que é injetado no estado, com a finalidade de criar uma vitrine para políticas de economia verde. Não obstante, o governo do Acre alega que SISA é o resultado de amplas consultas com as partes interessadas. Ao mesmo tempo este governo informaque apenas 174 pessoas foram diretamente consultadas: 85 técnicos de organizações não-governamentais (provavelmente aquelas mencionadas na quinta questão); 50 trabalhadores extrativistas, 30 indígenas e nove representantes de organizações de classe. Dada uma população de quase 800 mil pessoas no Acre, isto é quase nada.

Desde 2010, foram organizadas várias reuniões e oficinas sobre REDD e SISA. Nós não sabemos, o que realmente aconteceu nesses eventos (relatórios não são publicados). Ainda assim, é claro que estes eventos suscitam grandes expectativas de retornos financeiros entre os povos indígenas.

Em uma das oficinas, Almir Suruí do povo Paiter Suruí foi convidado para falar sobre um projeto de REDD que ele promove em Rondônia (RO). O evento foi noticiado com as palavras "A palestra de Almir Narayamoga Suruí, chefe dos Paiter (RO), no último dia da Oficina de Informação sobre o Sistema de Incentivos a Serviços Ambientais (Sisa), acabou com as dúvidas das lideranças indígenas do Acre e encheu todos - índios e não-índios -, de esperança: a proteção da floresta e da biodiversidade tem valor, é em dólar e aos milhões". Ao mesmo tempo, obviamente, muitas dúvidas permaneceram após o evento, como expressou um dos participantes: "ainda não está claro o que vai ser vendido, como vai ser vendido, quem vai acompanhar, quem vai negociar, o que é mesmo essa venda, como vai ser feita"

A ininteligibilidade do REDD, juntamente com a expectativa financeira causa profundas divisões entre os indígenas. Os promotores de REDD escondem sistematicamente tais problemas e depois conjuram aquilo que chamam consentimento livre, prévio e informado.

Tais divisões e distorções encontram-se perfeitamente exemplificadas no supracitado projeto Suruí, cujo implementação foi baseada em um CLPI promovido pela organização Forest Trends e que causou graves problemas eaprofundou conflitos entre este povo. Durante anos, este projeto foi apresentado para os povos indígenas no Acre como exemplo a seguir, e hoje as mesmas divisões e distorções estão ocorrendo aqui.

Neste ponto devemos também questionar a viabilidade de um consentimento livre, prévio e informado (CLPI) no dado contexto. Como o consentimento de uma comunidade pode ser livre, enquanto esta carece dos recursos básicos para satisfazer as necessidades mínimas, e enquanto tem seus direitos fundamentais ameaçados? Até que ponto o consentimento pode ser chamado prévio? Prévio à quê? Antes de a proposta de um projeto REDD geralmente há nessas comunidades numerosas intervenções por parte do governo ou de ONGs do ambientalismo de mercado. Estas intervenções, tais como implementação de manejo florestal, programas de etno-mapeamento ou formação de agentes agro-florestais indígenas, fomentam a predisposição das comunidades para aceitar este tipo de projeto. E acima de tudo, o que significa "informado"? Quanta informação e que tipo de informação se considera necessários para que uma comunidade possa decidir sobre um projeto REDD? Quem poderia fornecer informação imparcial? Quais são os impactos deste processo de informação sobre o equilíbrio social e cultural de uma comunidade indígena?

REDD-Monitor: Nos cinco anos depois de 2003, o desmatamento no Acre caiu em 70%. Isto foi em parte resultado dos preços das commodities agrícolas, mas também foi o resultado de uma série de políticas, monitoramento do governo e aplicação da lei. Isso aconteceu antes de REDD. A taxa de desmatamento está aumentando (a área desmatada em 2014 foi a maior desde 2006). Você vê REDD como potencialmente apoiando estas medidas anteriores para reduzir o desmatamento, ou, na realidade, minando os sucessos anteriores?

Michael Schmidlehner: Em primeiro lugar, a taxa de desmatamento - com base em dados de satélite - só leva em conta a quantidade de corte raso. A maciça extração de madeira através do chamado manejo florestal madeireiro já causou degradação das florestas no Acre antes de 2003. A dimensões desse desmatamento oculto até hoje estão desconhecidas.

O aumento da taxa de desmatamento na Amazônia brasileira certamente tem a ver com a subida do dólar e das exportações de soja e  carne. Ao mesmo tempo, este aumento deve ser entendido no contexto novo Código Florestal de 2012. Essa lei concedeu generosas anistias para crimes de desmatamento. Muitos proprietários rurais estão agora livres de multas relacionadas a desmatamentos que ocorreram antes de Julho de 2008. Isto é largamente interpretado por eles como uma licença para desmatar.

Acima de tudo, o novo Código Florestal marca a transição de uma política de recuperação ambiental para uma política de compensação ambiental e assim cria fortes sinergias entre o agronegócio e  projetos do tipo REDD (como descrito na resposta à  sétima questão).
A expectativa de anistias futuras e as novas possibilidades de compensação são provavelmente as principais causas do aumento do desmatamento desde 2013. REDD faz parte dessa dinâmica. As áreas florestais a partir das quais as supracitadas Cotas Rurais Ambientais (CRAs) são emitidas também podem ser usado simultaneamente para a geração de créditos de carbono. Em vez de penalizar os grandes desmatadores, o novo Código Florestal em combinação com REDD cria novas oportunidades de negócio para eles.

REDD-Monitor: Acre é um dos membros fundadores da Força Tarefa de Governadores para o Clima e Florestas (GCF), criado sob o então governador da Califórnia Arnold Schwarzenegger em 2009. Qual é a sua visão do GCF? Ele ajudou em reduzir o desmatamento e apoiar os direitos das comunidades locais e povos indígenas no Acre?

Michael Schmidlehner: A Força Tarefa de Governadores para o Clima e Florestas (GCF) promove o REDD subnacional. A ideia é que estados ou províncias membros do GCF adotam normas jurídicas que lhes permitem estabelecer um mercado de carbono florestal regulamentado entre eles. Há vários problemas com esta abordagem. Muitas questões técnicas como a medição de carbono, adicionalidade (como descrito na resposta à terceira questão), o "vazamento" (o fato de que a proteção de uma área florestal muitas vezes leva ao aumento do desmatamento no entorno) e "permanência" (o fato de que uma floresta pode ser destruída por causas imprevistas) são muito difíceis (na verdade, impossível) de enfrentar a nível subnacional.

Em nível nacional, REDD seria tecnicamente mais viável. As leis estaduais que facilitam o mercado de carbono subnacional ainda tendem a estar em conflito com as constituições dos países. No Brasil, por exemplo, a constituição define o ambiente natural como "bem de uso comum". A lei SISA é visto por seus críticos como inconstitucional, por permitir a comercialização dos chamados serviços ambientais, tal como seqüestro de carbono florestal.

Durante as duas últimas COPs podíamos perceber que o governo brasileiro não aprova iniciativas de REDD em nível estadual, mas quer negociações bilaterais ocorram apenas em nível federal. Na visão do governo federal, REDD subnacional tende a comprometer a soberania do país sobre seus recursos naturais. Ao adotar um mecanismo nacional de REDD, o Governo Federal pode, no futuro, até mesmo proibir acordos subnacionais. Para evitar isso, os promotores do REDD subnacional propõem a chamada Abordagem Aninhada com o propósito de harmonizar REDD em diferentes escalas. Entretanto, esta abordagem, na realidade, torna os complexos mecanismos REDD ainda mais complicados.

Ainda assim, o governo do Acre insiste em sua estratégia subnacional. Internacionalmente apresentado como pioneiro em REDD, o Acre é um dos principais intervenientes no GCF. Atualmente, o Governador do Acre também é o presidente do GCF. O principal parceiro do Acre no grupo é a Califórnia. Em 2010, os governadores da Califórnia, Chiapas, Acre e assinaram um Memorando de Entendimento que prevê a compensação de emissões de indústrias da Califórnia através de REDD+ no Acre e Chiapas. Enquanto a maioria das pessoas no Acre tem conhecimento nem deste acordo, nem do GCF, um pequeno, mas crescente número de organizações, líderes comunitários e ativistas se opõe a estas iniciativas.

Em 2013, 25 organizações e 40 indivíduos rejeitaram o negócio planejado com a Califórnia em uma carta aberta. Os principais argumentos são que as partes que seriam afetadas pelos projetos REDD+ não foram ouvidos, que o REDD+ não vai efetivamente reduzir emissões de carbono ou desmatamento e que este mecanismo de fato agrava o quadro de injustiça socio-ambiental.
REDD-Monitor: O que você vê como as maiores ameaças para os povos e florestas do Acre? E o que você vê como a melhor maneira de lidar com essas ameaças? REDD pode desempenhar um papel para no enfrentamento destas ameaças?

Michael Schmidlehner: A maioria dos cientistas do clima concordam que, se as alterações climáticas continuarem no ritmo atual, as florestas tropicais podem deixar de existir ainda neste século. Se levarmos isso a sério, e se levarmos em conta o fracasso global dos governos e das Nações Unidas, que não tiram as consequências certas, vamos chegar à conclusão de que a mudança climática seria a maior ameaça para todos nós, e particularmente para comunidades dependentes da floresta como os do Acre.
A reação correta a esta crise seria de deter a queima de combustíveis fósseis e de mudar os padrões de produção e consumo das sociedades industrializadas. Estas medidas urgentes serão atrasadas enquanto soluções falsas como REDD estão sendo propagadas por uma pequena elite que persegue seus interesses particulares. Especialmente aqui no Acre, sendo este estado usado como uma vitrine para REDD, devemos denunciar esta falsa solução.

A mudança climática é o sintoma mais tangível de uma crise muito mais ampla que compreende toda a nossa organização socio-econômica e nossa relação com a natureza, e esta crise exige uma mudança global radical. Se acreditamos na possibilidade desta mudança, e se acreditamos que um "outro mundo" é possível em escala global, antes de tudo, temos de nos opor à destruição dos poucos "outros mundos" que ainda existem a nível local em nosso planeta.

Em outras palavras, precisamos respeitar os povos indígenas na sua diferença cultural, deter os crescentes interesses industriais e comerciais que incessantemente invadem seus territórios, e apoiar a luta política dos povos indígenas pelos seus direitos e por sua autonomia.

(Tradução livre da entrevista original em inglês, publicada em www.redd-monitor.org/2015/08/27/interview-with-michael-schmidlehner-amazonlink/)