ESCUTA.
Nem um poço
a mais!
Vila Velha, Espírito Santo, Brasil.
Dezembro
2016.
Reunidos em Seminário Nacional, na Ponta da Fruta, nós, da
Campanha “Nem um poço a mais!”, em saudação ao Dia Internacional de Direitos
Humanos (10 de Dezembro), vimos a público declarar:
1.
No Brasil, por onde se instala e desenvolve, a
exploração petroleira violenta a vida Humana e a Natureza. Na floresta (AC e
AM), na foz do Amazonas (PA e AP), na costa do Nordeste (MA/CE/RN), como na
região de Suape (PE) e no Recôncavo baiano (BA), no Sapê do Norte e na foz do
Rio Doce (ES), na Baixada Fluminense e na Baía de Guanabara (RJ) e ao longo da vasta
província do Pré-sal, nas águas profundas do Atlântico Sul (ES/RJ/SP/PR/SC).
2.
Ao ofertarem territórios em leilão, o Ministério
das Minas e Energias e a ANP (Agencia Nacional de Petróleo) iniciam um rolo
compressor, contra o qual não é possível dizer não! Uma vez decidido o leilão,
nada detém os interesses da indústria petroleira nacional e internacional. Em
nome do desenvolvimento, privatizam os territórios tradicionais e os comuns. Em nome do Estado nacional, violentam a
soberania dos povos. Os leilões da ANP desrespeitam direitos fundamentais da
atual e das futuras gerações da sociedade brasileira. Não cumprem as convenções
internacionais.
3.
Diante do mais alto, constante e previsível
risco, a expansão petroleira opera sem nenhum cuidado com a vida. Por onde prospera,
é seletivamente criminosa, contra mulheres e jovens, negras e indígenas,
pescadores, marisqueiras, ribeirinhos, caiçaras, quilombolas, camponeses, sem
terras e sem tetos. Contra trabalhadores do próprio complexo, que exigem
transição justa. A expansão petroleira é criminosa, contra corais, rios,
montanhas, praias, mares, florestas, lagoas, bairros e cidades. Sem planos de
contingência e sem aprender com os inúmeros acidentes e vazamentos já
ocorridos, a expansão petroleira espelha uma civilização suicida. Precisa ser
barrada!
4.
A indústria petroleira é a mais poluente, ao
lado da indústria cultural. Juntas criam a civilização petroleira. Devastam nossos
territórios naturais. Contaminam nossos corpos e territórios mentais; promovem subjetividades
maquínicas e automáticas; industrializam desejos de consumo. Disciplinam a vida
social em rebanhos de controle e manipulação.
5.
Nas cidades, em suas periferias e distritos
industriais, a poluição imprevisível e de alto risco das refinarias e indústria
petroquímica. E ainda containers, caminhões, tanques de combustíveis, na
vizinhança de regiões densamente povoadas.
A indústria do plástico, derivado do petróleo, entope as ruas, os rios e
valas, os sistemas de drenagens, as praias e mangues, os aterros-lixões. Inimiga
do transporte público de qualidade, a indústria do automóvel inviabiliza as
distâncias entre os lugares. As jornadas de trabalho se estendem horas, por
engarrafamentos diários. Não há bom humor possível e nem bem viver, quando se destroem
os espaços e tempos de convivência, de criatividade e de liberdade.
6.
No mar e em terra, nas florestas, lagos e rios,
as pesquisas sísmicas, os poços de extração, dutos, unidades de tratamento e
terminais de óleo e gás, os inúmeros portos, aterros e dragagens expropriam
territórios e destroem regiões de grande biodiversidade onde habitam diferentes
modos de vida de povos tradicionais. As petroleiras criam, no mar, áreas de
exclusão; em terra, áreas de servidão e, nas cidades, áreas de contaminação. A
indústria petroleira e de seus derivados desestruturam as economias locais, protetoras
da biodiversidade. Desregulam seus sistemas próprios de direito, profanam seus
entes e lugares sagrados. Envenenam a água e os alimentos. Da sua lama tóxica,
gerada durante a extração, emanam metais pesados, que entram na cadeia
alimentar do ser humano através do peixe e das águas. Provocam câncer!
7.
Quando se instalam e expandem, nos distritos
industriais e portuários, as empresas petroleiras atraem milhares de trabalhadores
de outras regiões do país. Com vínculos precários e temporários de trabalho e
sem seguridade social, fragilizam ainda mais o já deficiente sistema de saúde,
educação, moradia, saneamento e segurança pública. O desemprego e o subemprego,
as doenças sexuais, a gravidez precoce e os filhos do vento, a violência do
assédio contra as mulheres. Um desenvolvimento feminicida! Por outro lado,
muitos jovens, iludidos pelo discurso de empregos com bons salários sãoo
mobilizados para cursos na área de “petróleo e gás”, muitos deles apenas
genéricos. Por resultado, uma significativa quantidade de jovens desviam-se de
outras possibilidades de formação, criando lacunas em outras economias e modos
de vida, por vezes tradicionais, necessárias ao bem viver em sociedade. Quando
conseguem emprego na cadeia poluente da indústria do petróleo, a maioria se
sujeita a condições arriscadas e/ou insalubres de trabalho, especialmente os
terceirizados, maioria entre os trabalhadores desse setor.
8.
Como mais uma derivação da civilização
petroleira, repudiamos a Economia Verde, seus instrumentos mercantis como MDL e
REDD+, Pagamentos de Serviços Ambientais, Mercado de Carbono e da
biodiversidade, e suas falsas soluções para a crise climática: monoculturas de
eucalipto, palma e agrocombustíveis, organismo geneticamente modificados,
nanotecnologias, etc. Para seguir expandindo, a indústria petroleira, principal
causadora do aquecimento global, busca precificar e compensar a poluição e seus
crimes ambientais. Ao mesmo tempo, faz lobby ostensivo nas negociações
internacionais sobre o clima (COPs) para pautar o desenho dessas falsas
soluções de mercado. Manter o petróleo no subsolo é a única saída para se
evitar o pior da crise climática e o colapso da vida no planeta.
9.
Expandindo indistintamente sobre novas
fronteiras de exploração, as indústrias petroleiras experimentam tecnologias de
altíssimo risco, para extrair as “energias extremas”. Como nos casos da
exploração em águas ultraprofundas do Pré-Sal e do gás de Xisto, através do
Fracking. A necessidade e urgência de uma transição energética e civilizatória não
impede a expansão dos investimentos do complexo petroleiro. Ao contrário, empresas e Estados planejam
extrair óleo e gás, até o último poço. Na
Argentina, em outros países da América Latina, nos EUA o Fracking tem sido
desastroso. No Brasil exigimos o banimento desta técnica! Diante de qualquer
nova proposta de expansão, perguntamos: mais energia, para que? Mais energia
para quem? Energia a que risco?
10. Exigimos
do Ministério das Minas e Energias (MME) e de seu inacessível, obscuro e
antidemocrático Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que haja
participação efetiva da sociedade civil organizada, no Conselho e na construção
das políticas de Estado. Exigimos que o Plano Nacional de Energia, em
detrimento da expansão petroleira, priorize as fontes renováveis e descentralizadas.
Que priorize os circuitos locais, e os usos populares, das famílias,
comunidades, distritos e cidades. Saudamos as ricas experiências de vida social
não dependente de petróleo, herdadas e atualizadas pelas culturas tradicionais.
Saudamos também os inúmeros indivíduos, coletivos e movimentos de
contra-cultura-petroleira que, por todo país, se empenham em construir
alternativas de transição: na habitação e na permacultura, na produção
agroecológica e sistemas agroflorestais, na alimentação livre de agrotóxico, nos
diferentes meios e coletivos que disputam a mobilidade urbana contra os
automóveis, nos projetos de brinquedos sem plástico, nos processos comunitários
de energia solar etc. Defendem os territórios de utopia e despetrolizam a vida
no planeta!
11.
A Campanha “Nem um poço a mais!” se solidariza
com as lutas locais de resistência em todo o Brasil. Durante o Giro prévio ao
Seminário, no Norte do Espírito Santo, em Linhares e Aracruz, pudemos
testemunhar algumas das comunidades de pesca artesanal, camponesas, quilombolas
e ribeirinhas, em suas lutas de permanência e defesa de seus territórios. Em Zacarias,
no imediato entorno da Unidade de Tratamento de Gás (UTG) de Cacimbas, visitamos
famílias resistem ao desaparecimento de suas águas e lagoa, de onde garantiam
seus alimentos e água. Em Degredo, onde o duto Cacimbas-Catu (BA) destruiu o
rio Ipiranga, pescadores artesanais e quilombolas buscam justa reparação e
alternativas de renda. Em Regência, onde ribeirinhos e pescadores lutam por
moradia, contra os poços da Petrobras, contra a contaminação da Samarco, e
ainda contra a ampliação de Unidades de Conservação que impedem seus modos de
reprodução social. Em Barra do Riacho, onde famílias de pescadores e moradores
locais enfrentam a crise hídrica, o desemprego e a contaminação da Fibria, da
Petrobras, da Jurong, além da instalação de novas empresas. Repudiamos a
omissão dos órgãos executores da Política Nacional e Estadual de Meio Ambiente:
IBAMA, o ICMBio e o IEMA-ES, pois não preservam, nem melhoram, nem recuperam a
qualidade ambiental propícia à vida e dignidade humana!
12.
Nos inspiram lutas históricas em todo o mundo.
Como a do povo Ogoni, no delta do Níger, onde a holandesa Shell há décadas
contamina o território com a conivência do governo nigeriano. Na Amazônia
equatoriana, onde 30 mil atingidos pela devastação ambiental causada pela
Chevron-Texaco lutam, há mais de 20 anos, por justiça; inclusive homologando a
sentença de reparação no Supremo Tribunal de Justiça do Brasil. Nas lutas para
deixar o petróleo no subsolo em Yasuní, no Equador, e contra o fracking em
Neuquén, na Argentina. Na reserva indígena Soiux Standing Rock, onde os povos
indígenas Lakota e Dakota resistem ao oleoduto que planeja cruzar seus
territórios soberanos e o rio do qual depende suas vidas. Saudamos suas lutas,
como nossas lutas. Na celebração do Dia Internacional dos Direitos Humanos, saudamos
os defensores e defensoras dos direitos humanos e da natureza!
Conclamamos
as pessoas, suas organizações, redes e fóruns da sociedade brasileira para
barrarmos a expansão petroleira!
Grita.
Por áreas livres de petróleo, por territórios livres para a vida!
Deixe o petróleo no subsolo.
Nem um poço a mais!