segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

DISCURSO DO PAPA FRANCISCO AOS INDÍGENAS EM PUERTO MALDONADO - PERU


Publicado na página da  REPAM - Rede Eclesial Pan-Amazônica

Queridos irmãos e irmãs!
Aqui, junto de vós, brota do meu coração o cântico de São Francisco: «Louvado sejais, meu Senhor». Sim, louvado sejais pela oportunidade que nos dais de termos este encontro. Obrigado D. David Martínez de Aguirre Guiné, senhor Héctor, senhora Yésica e senhora Maria Luzmila pelas vossas palavras de boas-vindas e pelos vossos testemunhos. Em vós, quero agradecer e saudar todos os habitantes da Amazónia.
Vejo que viestes dos diferentes povos originários da Amazónia: Harakbut, Esse-ejas, Matsiguenkas, Yines, Shipibos, Asháninkas, Yaneshas, Kakintes, Nahuas, Yaminahuas, Juni Kuin, Madijá, Manchineris, Kukamas, Kandozi, Quichuas, Huitotos, Shawis, Achuar, Boras, Awajún, Wampis, entre outros. Vejo também que nos acompanham povos originários dos Andes que chegaram à floresta e se fizeram amazônicos. Muito desejei este encontro. Quis começar daqui a visita ao Perú. Obrigado pela vossa presença e por nos ajudardes a ver mais de perto, nos vossos rostos, o reflexo desta terra. Um rosto plural, duma variedade infinita e duma enorme riqueza biológica, cultural e espiritual. Nós, que não habitamos nestas terras, precisamos da vossa sabedoria e dos vossos conhecimentos para podermos penetrar – sem o destruir – no tesouro que encerra esta região, ouvindo ressoar as palavras do Senhor a Moisés: «Tira as tuas sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é uma terra santa» (Ex 3, 5).
Deixai-me dizer mais uma vez: Louvado sejais, Senhor, por esta obra maravilhosa dos povos amazónicos e por toda a biodiversidade que estas terras contêm!
Este cântico de louvor esboroa-se quando ouvimos e vemos as feridas profundas que carregam consigo a Amazónia e os seus povos. Quis vir visitar-vos e escutar-vos, para estarmos juntos no coração da Igreja, solidarizarmo-nos com os vossos desafios e, convosco, reafirmarmos uma opção sincera em prol da defesa da vida, defesa da terra e defesa das culturas.
Provavelmente, nunca os povos originários amazónicos estiveram tão ameaçados nos seus territórios como o estão agora. A Amazónia é uma terra disputada em várias frentes: por um lado, a nova ideologia extrativa e a forte pressão de grandes interesses económicos cuja avidez se centra no petróleo, gás, madeira, ouro e monoculturas agroindustriais; por outro, a ameaça contra os vossos territórios vem da perversão de certas políticas que promovem a «conservação» da natureza sem ter em conta o ser humano, nomeadamente vós irmãos amazónicos que a habitais. Temos conhecimento de movimentos que, em nome da conservação da floresta, se apropriam de grandes extensões da mesma e negoceiam com elas gerando situações de opressão sobre os povos nativos, para quem, assim, o território e os recursos naturais que há nele se tornam inacessíveis. Este problema sufoca os vossos povos, e causa a migração das novas gerações devido à falta de alternativas locais. Devemos romper com o paradigma histórico que considera a Amazónia como uma despensa inesgotável dos Estados, sem ter em conta os seus habitantes.
Considero imprescindível fazer esforços para gerar espaços institucionais de respeito, reconhecimento e diálogo com os povos nativos, assumindo e resgatando a cultura, a linguagem, as tradições, os direitos e a espiritualidade que lhes são próprios. Um diálogo intercultural, no qual sejais «os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os [vossos] espaços».[1] O reconhecimento e o diálogo serão o melhor caminho para transformar as velhas relações marcadas pela exclusão e a discriminação.
Em contrapartida, é justo reconhecer a existência de esperançosas iniciativas que surgem das vossas próprias realidades locais e das vossas organizações, procurando fazer com que os próprios povos originários e as comunidades sejam os guardiões das florestas e que os recursos produzidos pela sua conservação revertam em benefício das vossas famílias, na melhoria das vossas condições de vida, da saúde e da instrução das vossas comunidades. Este «bom agir» está em sintonia com as práticas do «bom viver», que descobrimos na sabedoria dos nossos povos. Seja-me permitido dizer que se, para alguns, sois considerados um obstáculo ou um «estorvo», a verdade é que vós, com a vossa vida, sois um grito lançado à consciência dum estilo de vida que não consegue medir os custos do mesmo. Vós sois memória viva da missão que Deus nos confiou a todos: cuidar da Casa Comum.
A defesa da terra não tem outra finalidade senão a defesa da vida. Conhecemos o sofrimento que suportam alguns de vós por causa de derrames de hidrocarbonetos que ameaçam seriamente a vida das vossas famílias e poluem o vosso ambiente natural.
Paralelamente, há outra devastação da vida que está associada com esta poluição ambiental causada pela extração ilegal. Refiro-me ao tráfico de pessoas: o trabalho escravo e o abuso sexual. A violência contra os adolescentes e contra as mulheres é um grito que chega ao céu. «Sempre me angustiou a situação das pessoas que são objeto das diferentes formas de tráfico. Quem dera que se ouvisse o grito de Deus, perguntando a todos nós: “Onde está o teu irmão?” (Gn 4, 9). Onde está o teu irmão escravo? (…) Não nos façamos de distraídos [olhando para o ouro lado]! Há muita cumplicidade... A pergunta é para todos!»[2]
Como não lembrar São Toríbio quando constatava, com grande pesar, no III Concílio Limense que «não só nos tempos passados se fizeram a estes pobres tantos agravos e violências com tantos excessos, mas ainda hoje muitos continuam a fazer as mesmas coisas» (III Sessão, c. 3). Infelizmente, depois de cinco séculos, estas palavras continuam a ser atuais. As palavras proféticas daqueles homens de fé – como nos lembraram Héctor e Yésica – são o grito destas pessoas, muitas vezes constrangidas ao silêncio ou a quem tiraram a palavra. Esta profecia deve continuar presente na nossa Igreja, que nunca cessará de levantar a voz pelos descartados e os que sofrem.
Desta preocupação deriva a opção primordial pela vida dos mais indefesos. Penso nos povos referidos como «Povos Indígenas em Isolamento Voluntário» (PIAV). Sabemos que são os mais vulneráveis dos vulneráveis. A herança de épocas passadas obrigou-os a isolar-se até das suas próprias etnias, começando uma história de reclusão nos lugares mais inacessíveis da floresta para poderem viver em liberdade. Continuai a defender estes irmãos mais vulneráveis. A sua presença recorda-nos que não podemos dispor dos bens comuns ao ritmo da avidez e do consumo. É necessário haver limites que nos ajudem a defender-nos de toda a tentativa de destruição maciça do habitat que nos constitui.
O reconhecimento destes povos – que não podem jamais ser considerados uma minoria, mas autênticos interlocutores –, bem como de todos os povos indígenas, lembra-nos que não somos os donos absolutos da criação. É urgente acolher o contributo essencial que oferecem à sociedade inteira, não fazer das suas culturas uma idealização dum estado natural nem uma espécie de museu dum estilo de vida de outrora. A sua visão do mundo, a sua sabedoria têm muito para nos ensinar a nós que não pertencemos à sua cultura. Todos os esforços que fizermos para melhorar a vida dos povos amazónicos serão sempre poucos. São preocupantes as notícias que chegam sobre a difusão de algumas doenças. Assusta o silêncio, porque mata. Com o silêncio, não geramos ações tendentes à prevenção, sobretudo para os adolescentes e os jovens, nem nos ocupamos dos doentes, condenando-os à exclusão mais cruel. Pedimos aos Estados que se implementem políticas de saúde interculturais, que tenham em conta a realidade e a cosmovisão dos povos, formando profissionais da sua própria etnia que saibam enfrentar a doença a partir da sua visão do cosmos. Mais uma vez, como expressei na Laudato si’, é necessário levantar a voz contra a pressão que alguns organismos internacionais fazem em certos países para promover políticas de esterilização. Estas encarniçam-se de modo mais incisivo sobre as populações aborígenes. Sabemos que nelas se continua a promover a esterilização das mulheres, às vezes sem conhecimento delas próprias.
A cultura dos nossos povos é um sinal de vida. A Amazónia, além de constituir uma reserva da biodiversidade, é também uma reserva cultural que deve ser preservada face aos novos colonialismos. A família é – como disse uma de vós –, e sempre foi, a instituição social que mais contribuiu para manter vivas as nossas culturas. Em períodos de crises passadas, face aos diferentes imperialismos, a família dos povos indígenas foi a melhor defesa da vida. Exige-se-nos um cuidado especial para não nos deixarmos prender por colonialismos ideológicos mascarados de progresso, que entram pouco a pouco delapidando identidades culturais e estabelecendo um pensamento uniforme, único e… débil. Escutai os idosos, por favor. Têm uma sabedoria que os põe em contacto com o transcendente e faz-lhes descobrir o essencial da vida. Não esqueçamos que «o desaparecimento duma cultura pode ser tanto ou mais grave do que o desaparecimento duma espécie animal ou vegetal».[3] E a única maneira de as culturas não se perderem é manter-se dinâmicas, em constante movimento. Como é importante o que nos diziam Yésica e Héctor: «Queremos que os nossos filhos estudem, mas não queremos que a escola cancele as nossas tradições, as nossas línguas, não queremos esquecer-nos da nossa sabedoria ancestral»!
A educação ajuda-nos a lançar pontes e a gerar uma cultura do encontro. A escola e a educação dos povos nativos devem ser uma prioridade e um compromisso do Estado; compromisso integrador e inculturado que assuma, respeite e integre como um bem de toda a nação a sua sabedoria ancestral. Assim no-lo assinalava Maria Luzmila.
Peço aos meus irmãos bispos que, como já se está a fazer mesmo nos lugares mais remotos da floresta, continuem a promover espaços de educação intercultural e bilingue nas escolas e nos institutos pedagógicos e universidades.[4] Congratulo-me com as iniciativas tomadas pela Igreja peruana da Amazónia para a promoção dos povos nativos: escolas, residências para estudantes, centros de pesquisa e promoção, como o Centro Cultural José Pío Aza, o CAAAP e o CETA, inovadores e importantes espaços universitários interculturais como NOPOKI, voltados expressamente para a formação dos jovens das diferentes etnias da nossa Amazónia.
Congratulo-me também com todos os jovens dos povos nativos que se esforçam por elaborar, do seu próprio ponto de vista, uma nova antropologia e trabalham por reler a história dos seus povos a partir da sua perspetiva. Congratulo-me também com aqueles que, através da pintura, literatura, artesanato, música, mostram ao mundo a sua cosmovisão e a sua riqueza cultural. Muitos escreveram e falaram sobre vós. É bom que agora sejais vós próprios a autodefinir-vos e a mostrar-nos a vossa identidade. Precisamos de vos escutar.
Queridos irmãos da Amazónia, quantos missionários e missionárias se comprometeram com os vossos povos e defenderam as vossas culturas! Fizeram-no, inspirados no Evangelho. Cristo também Se encarnou numa cultura, a hebraica, e a partir dela ofereceu-Se-nos como novidade a todos os povos, para que cada um, a partir da respetiva identidade, se sinta autoafirmado n’Ele. Não sucumbais às tentativas em ato para desarraigar a fé católica dos vossos povos.[5] Cada cultura e cada cosmovisão que recebe o Evangelho enriquecem a Igreja com a visão duma nova faceta do rosto de Cristo. A Igreja não é alheia aos vossos problemas e à vossa vida, não quer ser estranha ao vosso modo de viver e de vos organizardes. Precisamos que os povos indígenas plasmem culturalmente as Igrejas locais amazónicas. E, a propósito, encheu-me de alegria ouvir um dos textos da Laudato si’ ser lido por um diácono permanente da vossa cultura. Ajudai os vossos bispos, ajudai os vossos missionários e as vossas missionárias a fazerem-se um só convosco e assim, dialogando com todos, podeis plasmar uma Igreja com rosto amazónico e uma Igreja com rosto indígena. Com este espírito, convoquei um Sínodo para a Amazónia no ano de 2019, cuja primeira reunião do Conselho Pré-Sinodal se realizará, aqui, hoje de tarde.
Confio na capacidade de resistência dos povos e na vossa capacidade de reação perante os momentos difíceis que vos toca viver. Assim o tendes demonstrado nas diferentes batalhas da história, com as vossas contribuições, com a vossa visão diferenciada das relações humanas, com o meio ambiente e com a vivência da fé.
Rezo por vós e pela vossa terra abençoada por Deus, e peço-vos, por favor, para não vos esquecerdes de rezar por mim.
Muito obrigado.
Tinkunakama [(língua quéchua) Até ao próximo encontro].


[1]Francisco, Carta enc. Laudato si’, 146.
[2]Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 211.
[3]Francisco,Carta enc. Laudato si’, 145.
[4]Cf. V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento de Aparecida (29/VI/2007), 530.
[5]Cf. ibid., 531.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Papa receberá indígenas durante encontro em Puerto Moldonado. A delegação acriana será de 42 líderes indígenas

Foto: Setor de imagens do Vaticano
Nos dias 17, 18 e 19 de janeiro o Papa Francisco estará em visita ao departamento de Madre de Dios, em Puerto Moldonado, capital daquele departamento, no país vizinho, Peru. Na ocasião o Papa receberá uma delegação de indígenas de diversas partes da região amazônica. Do Acre, estão indo 42 lideranças que também terão a oportunidade de se expressar e apresentarão documentos.

O Papa tinha programado uma visita ao Brasil por ocasião da comemoração dos 300 anos de Nossa Senhora de Aparecida em 2017. Porém face à crise política no Brasil, o sumo pontífice decidiu por não vir ao Brasil optando por ir ao Peru. O Papa também convocou um sínodo episcopal tendo a Amazônia como tema. O sínodo dos bispos ocorrerá em 2019 no Vaticano.

A visita do Papo demostra uma grande preocupação com os povos indígenas e com toda a pan-Amazônia no contexto dos ataques ao meio ambiente e as falsas soluções propostas pelo capital associado a governos e ONGs pseudo ambientalistas e indigenistas. A presença do Papa na Amazônia também é uma convocatória para o sínodo e um chamamento para que todos nós, amazônidas, nos voltemos a nós mesmos com as responsabilidades que temos para com a nossa casa comum. Já na sua encíclica "Laudato si" o Papa escreve:

“A estratégia de compra-venda de «créditos de emissão» pode levar a uma nova forma de especulação, que não ajudaria a reduzir a emissão global de gases poluentes. Este sistema parece ser uma solução rápida e fácil, com a aparência dum certo compromisso com o meio ambiente, mas que não implica de forma alguma uma mudança radical à altura das circunstâncias. Pelo contrário, pode tornar-se um diversivo que permite sustentar o consumo excessivo de alguns países e sectores.” (Carta Encíclica Laudato Si, 171).

Fica clara a preocupação do Papa com projetos neocolonialistas como os de REDD - Redução das Emissões  por Desmatamento e Degradação, REM - REDD Early Movers, ou (Pioneiros nos programas de REDD) o que ele chama de "estratégia de compra e venda de Créditos de Emissão".  Segundo o Papa,  "Este sistema parece ser uma solução rápida e fácil, com a aparência dum certo compromisso com o meio ambiente, mas que não implica de forma alguma uma mudança radical à altura das circunstâncias".

O Acre é pioneiro na implementação desses projetos por meio de contratos e acordos com o governo da Califórnia, EUA e com a Alemanha por meio do Banco de desenvolvimento daquele país, o KFW. Para implantar esses projetos o governo tem se valido de ONGs, secretarias e mesmo dos povos indígenas, razão pela qual o Papa pretende ouvir também os povos indígenas. Ser pioneiro na implantação de projetos neocoloniais não deveria ser motivo algum de vanglórias ao contrário é motivo de vergonha.

Assim como os primeiros colonizadores se valiam de espelhinhos e outras bugigangas para roubarem os povos que aqui viviam e saquearem os nossos recursos naturais, assim também os neocolonizadores se valem de migalhas e até mesmo de contratações de alguns indígenas, sempre sem carteira assinada e quase sempre pagando abaixo do salário mínimo, para seguirem saqueando os territórios e nossos recursos naturais e ainda se dizem defensores da natureza. 

"As medidas ditas compensatórias são na verdade uma espécie de cala boca e e servem para justificar a ampliação do direito de os países e empreses poluidoras seguirem poluindo e até aumentando os índices de poluição. É o que chamamos de créditos de poluição", disse a coordenadora do Conselho Indigenista Missionário-Cimi, Regional Amazônia Ocidental Rosenilda Padilha. "O Cimi é quem está bancando a viagem da delegação indígena, sem nenhuma ajuda de outras entidades o que demonstra uma falta de preocupação e interesse pelo tema aqui no Estado do Acre" acrescentou a coordenadora.

Dom Roque entrega o Relatório de violência ao Papa
Dom Roque Palosch, presidente do Cimi também acompanhará a delegação indígena. Em conversa que mantivemos em reservado, Dom Roque revelou que além de acompanhar a delegação indígena, participará de uma reunião com outros bispos da Pan-Amazônia para refletirem sobre os problemas comuns e buscarem soluções igualmente comuns que não sejam contaminadas pelas faltas soluções e nem representem interesses e modelos vindos de fora que não respeitam as comunidades, as culturas e nem mesmo escutam a voz dos povos que aqui vivem.

A visita do lider supremo da Igreja Católica à amazônia e ainda mais ouvindo os povos indígenas, revela claramente uma tomada de posição na defesa dos povos indígenas e comunidades tradicionais e do que chamamos comumente de bens comuns (recursos naturais) e uma tomada de posição que deverá ser seguida por todas as igrejas locais, as dioceses, todos os bispos , padres e fiéis. 

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

O colonialismo de carbono: o fracasso do projeto de compensação de carbono da Green Resources em Uganda



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A Green Resources – uma empresa norueguesa de plantação de árvores, compensação de carbono, produtos de madeira e energia renovável – se apresenta como boa cidadã corporativa. Ela afirma ter plantado mais árvores na África do que qualquer outra empresa privada nos últimos dez anos e investido mais de 125 milhões de dólares nessas plantações, além de tomar uma série de iniciativas de desenvolvimento comunitário. (1) Apesar dessas afirmações, os impactos devastadores causados pela Green Resources vêm sendo denunciados ao longo de vários anos. Em seu relatório de 2014, por exemplo, o Oakland Institute documentou a má conduta da empresa em seus dois projetos de plantação em Uganda: Kachung e Bukaleba. (2) Os danos sociais, culturais e ambientais causados ​​pela Green Resources foram chamados de violência do carbono, pois o sofrimento e a destruição relatados estavam diretamente ligados ao fato de a empresa estabelecer plantações industriais de monoculturas de árvores para entrar nos mercados de carbono. (3) A ideia por trás desses mercados é medir a quantidade potencial de dióxido de carbono que uma determinada área de terra com árvores pode sequestrar e atribuir um valor econômico a esse “serviço”. Esse valor econômico é convertido em créditos de carbono, que são vendidos principalmente a governos e à indústria, para “compensar” sua poluição.

Após a má conduta da Green Resources em sua plantação de Kachung ser denunciada, a Agência Sueca de Energia, o único comprador de créditos de carbono da empresa, (4) interrompeu os pagamentos em novembro de 2015. (5) A agência descreveu dez ações que a empresa deveria implementar para voltar a receber esses pagamentos. Ao explicar sua decisão de se retirar do acordo de compra, a Agência Sueca da Energia chamou a atenção para as preocupações com os direitos humanos. (6) As falhas profundas na conduta da Green Resources custaram à empresa o acesso ao seu mercado de carbono.

Como a Green Resources respondeu à perda de seu único comprador de carbono? Em dezembro de 2017, o Oakland Institute divulgou um relatório de acompanhamento intitulado “Colonialismo do carbono: o fracasso do projeto de compensação da Green Resources em Uganda”. (7) O documento analisa as alegações da empresa contra os moradores de Kachung. Essas conclusões indicam a permanente desconsideração pelas queixas que recebe ou a ausência de ações que respondam aos impactos sociais e ambientais adversos decorrentes diretamente de seu projeto.

Antecedentes 

O norte de Uganda tem algumas das comunidades mais vulneráveis ​​do país. (8) Os índices de pobreza são elevados e a expectativa de vida é baixa. A região também enfrenta limitações no acesso a serviços vitais, incluindo educação, água potável, saneamento e saúde. (9) É lá que a Green Resources opera sob os nomes Busoga Forestry Company (BFC) e Lango Forestry Company. A empresa diz ter entre 80 e 105 acionistas privados, incluindo atores importantes, como a Diversified International Finance (20,1%), New Africa/Asprem (9,6%) e Sundt AS (8,7%). (10) A Green Resources também recebeu fundos significativos – aproximadamente 33 milhões de dólares (11) – de instituições públicas de financiamento ao desenvolvimento, incluindo Norfund (Noruega), FMO (Países Baixos) e Finnfund (Finlândia).

A Green Resources obteve uma licença da agência florestal de Uganda, a National Forestry Authority (NFA), para estabelecer uma plantação industrial de árvores na Reserva Florestal Central de Kachung em 1999. As operações de florestamento começaram em 2006 e estão completas, com plantações estabelecidas e manejadas em cerca de 2.050 hectares, majoritariamente de monoculturas (cerca de 90% das árvores plantadas são de Pinus carribea hondurensis e o restante, de várias espécies de eucaliptos). O projeto é certificado pelo Conselho de Manejo Florestal (FSC, na sigla em inglês), reconhecido como um projeto do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), e foi validado pelo Climate Community and Biodiversity Standard (CCBS) em 2011. Os únicos créditos de carbono de Kachung foram adquiridos pela Agência Sueca de Energia, um organismo governamental que responde ao Ministério do Meio Ambiente e Energia. Embora a Agência tenha pago inicialmente 150 mil dólares à Green Resources, o pagamento restante está suspenso e só deve ser retomado em 2018. (12)

Existem 17 povoados diretamente adjacentes à área da licença da Green Resources, dentro da Reserva Florestal Central de Kachung, e afetadas pela empresa. Os seus meios de subsistência dependem da agricultura, da pesca e da pecuária de subsistência em pequena escala. (13) Dada a grande dependência em relação à terra para a produção de alimentos e pastagens de subsistência, a perda de terras devido ao projeto de plantações representa desafios graves para as comunidades locais.

Colonialismo de carbono

O último relatório do Oakland Institute desmascara as falsas soluções para as mudanças climáticas promovidas pelas corporações e instituições ocidentais na África. Uma ampla pesquisa de campo realizada entre novembro de 2016 e agosto de 2017, em Uganda, revela como a Green Resources prejudica a segurança alimentar e os meios de subsistência, excluindo as pessoas de suas próprias terras.

O relatório denuncia que a Green Resources infla as oportunidades de emprego que oferece, além de não assumir as responsabilidades pelas condições de saúde e segurança de seus trabalhadores. Os moradores locais também continuam a lutar para garantir o acesso a lenha e água, desafios que a Green Resources têm feito pouco para resolver. Mais grave ainda, eles continuam tendo dificuldades de acessar a terra para cultivar alimentos e criar animais, aumentando a insegurança alimentar na região.

Dito claramente, o projeto de plantação de monoculturas de árvores e compensação de carbono executado pela Green Resources em sua plantação de Kachung é incompatível com a presença e as necessidades dos moradores locais que dependem dessa mesma terra para sua subsistência. Os resultados do projeto prejudicam diretamente os meios de subsistência locais e ameaçam a própria sobrevivência dos moradores locais.

Os mercados de carbono prejudicam as pessoas e o planeta

Os fracassos do projeto de plantações industriais de árvores e compensação de carbono da Green Resources expõem, mais amplamente, os limites dos mercados de carbono. Enquanto os moradores locais arcam com custos sociais, ambientais e outros, a empresa pode lucrar ainda mais com suas plantações destrutivas, enquadrando-as como “sumidouros de carbono”.

Esse sistema é o colonialismo de carbono (14) em ação, com os recursos naturais de um país africano sendo explorados por interesses estrangeiros disfarçados de desenvolvimento sustentável, e com um alto custo para as pessoas e o meio ambiente.

Tais circunstâncias devem ser motivo de grande preocupação para os acionistas e financiadores da Green Resources, que compartilham a responsabilidade da empresa no apoio a um projeto cujo impacto é tão prejudicial para as populações locais.

Enquanto a Agência Sueca da Energia reavalia se retoma os pagamentos à Green Resources no início de 2018, o último relatório do Oakland Institute é uma acusação irrefutável sobre o fracasso da Green Resources em assumir a responsabilidade pelos impactos das atividades do seu projeto que são nocivos às comunidades locais.

Você pode acessar o último relatório do Oakland Institute aqui:
https://www.oaklandinstitute.org/carbon-colonialism-failure-green-resources-carbon-offset-project-uganda 

Kristen Lyons, Kristen.lyons@uq.edu.au
Membro Sênior do Oakland Institute e Professora Associada da Escola de Ciências Sociais da Universidade de Queensland, Austrália. 
 
(1) Lyons, K., Richards, C. e Westoby, P. (2014). The Darker Side of Green: Plantation Forestry and Carbon Violence in Uganda – The Case of Green Resources’ Forestry Based Carbon Markets. The Oakland Institute (acessado em 23 de maio de 2017)
(2) Idem (1)
(3) Lyons, K. e Westoby, P. (2014) ‘Carbon Markets and the New ‘Carbon Violence’: A Story from Uganda’, International Journal of African Renaissance Studies, Special Edition on Green Grabbing. Vol. 9, No. 2, p. 77-94.
(4) Arunsavath, F. e Shamsher, S. Lessons Learnt From Kachung (2015) SwedWatch (acessado em 14 de maio de 2017);Swedish Energy Agency. Kachung – Sustainability in International Climate Projects (2015) Swedish Energy Agency (acessado em 21 de abril de 2017).
(5) “Sweden Freezes Carbon Payments to Green Resources Due to Land Conflicts” (2016) Development Today (acessado em 25 de agosto de 2017).
(6) “Swedish Agency Monitors Green Resources Plantation in Uganda Pending 2018 Carbon Pay-Out” (2016) Development Today: 12-13 (acessado em 14 de março de 2017).
(7) Lyons, K. e Ssemwogerere, D. (2017) Carbon Colonialism. Failure of Green Resources’ Carbon Offset Project in UgandaOakland Institute: California.
(8) Climate Focus. Kachung Forest Project: Afforestation on Degraded Land. Kachung Forest Project: Afforestation on Degraded Land (2011) (acessado em 14 de abril de 2017).
(9) Kyalimpa, D. e William, S. Socioeconomic Impact Assessment of Busoga Forestry Company Operations Dokolo District.Prepared for Busoga Forestry Company Limited. 2016.
(10) Green Resources. 2015/2016 Accounts and Directors Report (acessado em 21 de agosto de 2017).
(11) Idem (6)
(12) Idem (6)
(13) Idem (9)
(14) Lyons, K. e Westoby, P. (2014) “Carbon Colonialism and the New Land Grab: Plantation Forestry in Uganda and Its Livelihood Impacts.” Journal of Rural Studies 36: 13-21.

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Si no se puede bailar, ésta... NO ES MI REVOLUCÓN


Compartilho aqui este belíssimo cartão enviado a mim por  Amyra El Khalili, por ele mesmo, pelo que ele significa e pelo incentivo que me dá: " nenhum passo atrás em 2018".