domingo, 26 de julho de 2020

EU PEÇO A DEUS QUE A DOR NÃO ME SEJA INDIFERENTE.

Orgulhosamente publico aqui uma belíssima reflexão de Dom Joaquin, bispo da Diocese de Rio Branco e líder do pastoreio católico. Suas palavras são a um só tempo palavras de conforto, súplicas e de chamamento em defesa dos menos favorecidos e mais vulneráveis. Em tempos sombrios como este em que vivemos, a certeza do amanhecer é consolo. Se tomarmos o texto de 1Co 4,8-13 em conexão com o de 1Co 1,26-28, notaremos que o Apóstolo Paulo se identifica com a maioria desfavorecida da comunidade da cidade de Corinto. Assim, também Dom Joaquin, na qualidade de lider e pastor, neste texto, toma o lado daqueles que sofrem. 
OBRIGADO DOM JOAQUIN!

Eis o texto:

Após quatro meses de angústias, incertezas, incoerências, desencontros, dores, debates, sofrimentos, mortes... Esta noite eu tive terríveis pesadelos... Acordei e procurei algum conforto na Palavra de Deus e comecei a ler no início da história da salvação, e encontrei o livro do Gênesis 1, 27: “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou”.

Continuei lendo, um pouco mais aliviado e alegre, mas depois encontrei outra frase que me deixou muito preocupado, em Gn 4, 9: “Iahweh disse a Caim: ‘Onde está teu irmão Abel?’ Ele respondeu: ‘Não sei. Acaso sou guarda de meu irmão?’ Iahweh disse: ‘Que fizeste! Ouço o sangue de teu irmão, do solo, clamar para mim!”.

Triste, assustado, angustiado e temeroso, fui rezar. Depois escutei, por acaso, uma música antiga que caiu nas minhas mãos: “Eu só peço a Deus, que a dor não me seja indiferente. Que a morte não me encontre um dia solitário, sem ter feito o que eu queria”. Tudo parecia encaixar na mesma direção...

A pergunta de Iahweh no livro do Gênesis, voltava a ecoar de novo nos meus ouvidos, de forma mais forte, atualizada e real: “Caim, cadê teu irmão?”.

Pergunta, que eu, envergonhado e triste, não soube responder...

E voltou a repetir a mesma música: “Eu só peço a Deus, que a injustiça não me seja indiferente. Pois não posso dar a outra face, se já fui machucado brutalmente. Eu só peço a Deus, que a guerra não me seja indiferente. É um monstro grande e pisa forte. Toda a pobre inocência dessa gente”.

O silêncio dos mortos, vítimas desta pandemia que estamos sofrendo no nosso país, e no nosso estado acreano, é um clamor que surge do ventre da terra. E Deus continua perguntando: “Caim, cadê teu irmão?”.
A gadanha ceifadora, marca “Covid 19”, na sua estatística terrível, (84.480 óbitos no Brasil, e 480 no Acre, em 24/07/2020), com provas científicas, demonstra que seus números são, na sua maioria, pobres, negros, idosos, doentes, indígenas... Todos eles são a massa sobrante que não interessa a ninguém, e que com suas mortes, ajudará a engrossar as arcas monetárias de algum lugar.

Na selva amazônica, onde todo o mundo fala que é o “pulmão do mundo”, infelizmente, falta oxigênio para muitas pessoas! Grande incoerência e absurdo lamentável, pela cumplicidade, negligência, desigualdade social, injustiça, corrupção..., que se instalou também nesta região amazônica.

Tudo isso clama ao mais alto dos céus...! São os gritos dos pobres que não são ouvidos pelos homens, mas são ouvidos por Deus. “E disse o Senhor: Eu vi, eu vi a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi seu clamor por causa de seus opressores; pois eu conheço as sus angústias” (Ex 3,7).

Ouvir o clamor dos pobres é seguir o exemplo de Deus, pois fomos feitos a imagem e semelhança de Deus. E muitas lágrimas já foram engasgadas e derramadas neste chão acreano!

Sente-se muita indignação, impotência, raiva... Diante do descaso diante da vida de tantas pessoas inocentes, e sem ninguém a quem poder reclamar! Tudo, como sempre, em contra dos mais pobres, desprotegidos e excluídos da nossa sociedade.

Alguém deverá responder algum dia, diante do Tribunal divino a essa e outras muitas perguntas, por essas leis iníquas e exterminadoras, provocadoras de muitas dessas mortes, que assolam o país chamado Brasil, e o estado chamado Acre.

Diante da situação que vivemos com tantas vítimas ao nosso redor, dizer que assim honramos e damos culto a Deus, parece o mais contrário a tudo o que a própria Bíblia, tão usada de forma inapropriada muitas vezes, já dizia no AT: “Quando estenderdes as mãos, eis que esconderei os olhos de vós; e, ainda que multipliqueis as vossas orações, não mais as ouvirei, porquanto as vossas mãos estão condenadas, cheias de sangue inocente! (Is 1,15-17).

Outros vários textos, tanto do AT como do NT, também falam algo parecido a respeito de nosso Deus: “Eu quero misericórdia e não sacrifícios” (cf. Os 6,6; Tg 2,13). Agora, nestes dias, não se trata mais de sacrifícios de bois ou de ovelhas, mas sacrifícios de seres humanos...

A natureza clama por justiça para seus filhos. Os números crescem, infelizmente, todos os dias, e já estamos acostumados de ouvir e até perguntar: “Quantos foram hoje?”.

Os números são frios, mas atrás de cada um deles há um nome com sobrenomes, há famílias, entes queridos, pais, mães, filhos... que não tem nem a oportunidade de dar um “adeus” ao ser querido, nem ter um sepultamento digno de um ser humano e, menos ainda, de um cristão.

E, ainda queremos brincar com todos esses sentimentos humanos? Não somos capazes de reconhecer o esforço, o sacrifício e as vidas humanas dos profissionais de saúde, que se estão entregando e doando suas vidas, em favor dos irresponsáveis que querem abrir tudo, para aumentar os números de contágios?

E, depois eles deverão acolher, com toda sua ética (a ética que falta em muitos que promovem a abertura de tudo), e atenderão com todo seu profissionalismo, a todos aqueles que não defendem a vida acima de tudo, e até usam o nome de Deus para seus fins e interesses espúrios, que não estão na Bíblia.

Já são muitos profissionais de saúde que adoeceram e muitos óbitos acontecidos, e não suficientemente reconhecidos e valorizados. E, ainda querem brincar com eles? Ainda querem mais mortes? Ainda querem mais sacrifícios humanos...?

Exigimos mais respeito e consideração para com aqueles que nos ajudarão a salvar vidas, se Deus não evitar um desastre maior, pois estamos tentando a Deus, de forma irresponsável e impiedosa.

Autoridades, legisladores, juízes, advogados... “Parem, em nome de Deus, com as mortes de tantos inocentes!”. Nossa história será escrita com letras vermelhas, (letras de sangue inocente) que, no futuro sujará de vergonha nossa memória.

“Eu só peço a Deus, que a mentira não me seja indiferente. Se um só traidor tem mais poder que um povo, que este povo não esqueça facilmente”.

“Caim, cadê teu irmão?”.

Tomara, que desta escuridão da morte, possa surgir uma nova luz para todos...!!!
Que Deus tenha misericórdia de todos nós!
​​​​​​​Dom Joaquín Pertíñez
Bispo de Rio Branco

sábado, 18 de julho de 2020

WRM opina: Explorando a pandemia: lucros para empresas e elites



Foto original WRM

Nos últimos meses, governos de todo o mundo implementaram medidas para conter a pandemia de Covid-19, como mandar as pessoas permanecerem em casa, fechar atividades, decretar toques de recolher e/ou estabelecer “distanciamento social” e quarentena. Frequentemente combinadas com declarações de estados de emergência, essas medidas têm graves impactos negativos no Sul global, onde a maioria das pessoas depende muito da economia informal e sobrevive um dia de cada vez. Para muitas delas, o apoio dos governos tem sido errático, na melhor das hipóteses, e é impossível para essa maioria permanecer segura e isolada. A falta de informações precisas, adequadas e específicas para cada contexto sobre como impedir a propagação do vírus, e de estruturas de saúde bem equipadas, deixou as comunidades que dependem das florestas e comunidades camponesas, em particular, mais expostas do que nunca.
 
Outro lado da pandemia ficou cada vez mais visível: grandes empresas e elites que atuam no Sul global, principalmente em países com florestas, usaram a crise sanitária para enriquecer ainda mais e ampliar seu controle territorial.
 
As comunidades camponesas e as que dependem das florestas no Sul global têm um longo histórico de enfrentamento do desastre representado pelos investimentos impostos por empresas e elites em busca de lucro: apropriação de terras, erosão do solo e poluição da água, destruição de meios de subsistência, desmatamento em grande escala, aniquilação de espaços de vida, culturas e histórias, deslocamento forçado, violência, marginalização, criminalização, entre muitos outros. A “emergência” já fazia parte da vida dessas comunidades muito antes da pandemia de Covid-19.
 
Nesse contexto, as medidas dos governos para conter a disseminação do novo coronavírus estão apenas intensificando os impactos e as injustiças de um sistema econômico destrutivo, estabelecido há muito tempo. Essas medidas aprofundaram desigualdades extremas entre ricos e pobres, entre o Norte e o Sul, entre mulheres e homens, e entre comunidades brancas e não brancas. Em suma, os impactos dessas medidas são piores para aqueles que já enfrentam a violência do racismo, das diferenças de classe, do patriarcado e da opressão. E essas mesmas comunidades vulneráveis ​​foram as mais afetadas pela devastadora doença Covid-19.
 
Em meio a inúmeras tragédias humanas, corporações e elites políticas estão abusando da situação com o objetivo de promover a apropriação de terras, reverter a legislação que protege territórios e pessoas, e aumentar seus lucros.
 
No Camboja, por exemplo, a gigante vietnamita da borracha Hoang Anh Gia Lai (HAGL) destruiu as florestas das comunidades indígenas Kreung e Kachok durante o confinamento nacional, afetando duas “montanhas espirituais” sagradas, além de áreas úmidas, florestas antigas, áreas tradicionais de caça e cemitérios. (1) Na Indonésia, dois agricultores foram mortos em março, em confrontos por causa de uma antiga disputa de terras com uma empresa de óleo de dendê na província de Sumatra do Sul. (2) No Panamá, Rengifo Navas, líder indígena Guna, condenou o aumento das invasões de terras e da mineração durante o confinamento, além de extração de madeira e caça ilegais em muitas comarcas (territórios indígenas). (3) No Peru, o povo indígena Wampi entrou com uma ação contra representantes da empresa de petróleo GeoPark, argumentando que ela estava ameaçando sua saúde e seu bem-estar ao permitir que trabalhadores não autorizados entrassem em seu território autônomo. (4) Em Uganda, agroindústrias apoiadas por forças policiais e militares se apossaram das terras de mais de duas dúzias de pequenos agricultores, apesar de haver uma ordem do governo para interromper os despejos em função da Covid-19. (5) Enquanto isso, um empreendimento conjunto das mineradoras gigantes Alcoa e Rio Tinto na Guiné, apoiado pelo Banco Mundial, transferiu mais de cem famílias para ampliar uma mina de bauxita durante o confinamento imposto pelo governo. Os moradores foram levados para o topo de uma colina na qual a mineração já havia acontecido e não havia moradia, água, nem saneamento adequados, e onde as terras aráveis eram insuficientes e as oportunidades de subsistência, quase inexistentes. (6) E a lista não para.
 
Para piorar a situação, as ameaças, a violência, a criminalização, a perseguição e o assédio já enfrentados antes da pandemia pelas comunidades camponesas e florestais que resistem a operações destrutivas em seus territórios continuaram em ritmo acelerado. Na verdade, o confinamento representa um risco real para os ativistas comunitários, já que permanecer no mesmo local os torna facilmente identificáveis ​​e vulneráveis ​​a possíveis agressores. Em muitos países, a proteção aos ativistas por parte do Estado já era insuficiente e diminuiu muito, aumentando consideravelmente sua vulnerabilidade. Só na Colômbia, houve um aumento de 53% nos assassinatos de líderes sociais entre janeiro e abril de 2020. (7)
 
Além disso, sempre obedientes aos lobistas das empresas, que têm sido especialmente atuantes nesse período, os governos nacionais colocam o bem-estar delas antes do de seus cidadãos.
 
O setor de petróleo e gás está entre os mais agressivos em demandar apoio financeiro e desregulamentação, de acordo com o InfluenceMap, que rastreia e mede a influência de empresas sobre a política de combate às mudanças climáticas. (8)
 
Governos de vários países excluíram os chamados “serviços essenciais” das restrições de confinamento. Entre eles estavam mineração, combustíveis fósseis, óleo de dendê e plantações de madeira. Da Bolívia à Malásia, passando pela África do Sul, os trabalhadores foram forçados a arriscar sua saúde e o bem-estar de suas famílias e comunidades que vivem próximas a instalações de empresas. Essas “exceções” não têm nada a ver com prestar “serviços essenciais” à sociedade durante um confinamento. Elas visam manter os lucros das empresas.
 
Apesar dessa tendência a priorizar empresas e investimentos estrangeiros, os governos poderão em breve enfrentar uma enxurrada de ações judiciais de empresas exigindo compensação por medidas tomadas durante a pandemia. De empresas privadas de água a concessionárias de pedágios em rodovias ou empresas de serviços públicos, os acordos e contratos comerciais para investimentos internacionais expõem os governos ao litígio, mesmo durante uma pandemia global, simplesmente porque os lucros das empresas estão em risco. (9)
 
O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) também aproveitam a pandemia para promover suas agendas
 
Apesar dos danos que causaram, principalmente em todo o Sul global, ao impor políticas neoliberais, planos de ajuste estrutural e condições para empréstimos, o Banco Mundial e o FMI agora se apresentam como “especialistas” prontos para guiar o mundo na crise da Covid-19. (10)
 
Essas organizações multilaterais buscam cumprir um papel importante nos processos de decisão dos governos em relação à direção econômica que os países tomarão. No entanto, ambas sempre cumpriram um papel fundamental na facilitação da privatização, das atividades altamente destrutivas das empresas, da financeirização da natureza e da debilitação das redes de bem estar social dos países – incluindo os sistemas de saúde pública, cujo mal funcionamento está agora tão visível, entre muitos outros. Em outras palavras, são aliadas fundamentais na busca empresarial por lucros cada vez maiores.
 
O FMI respondeu a pedidos de ajuda emergencial de mais de 80 países. No entanto, os poucos empréstimos concedidos estão vinculados a condições polêmicas (ou seja, reformas que os países devem fazer antes da liberação do financiamento), como enfraquecer ainda mais as garantias trabalhistas e promover privatizações. (11) Por sua vez, o Banco Mundial está “ajudando” 100 países na luta contra a Covid-19, mas grande parte dessa ajuda foi destinada a clientes do Banco do setor privado, sem que tenha havido um compromisso destes clientes no sentido de impedir que essa ajuda seja desviada para fazer avançar a privatização do sistema público de saúde, uma política conhecida do Banco Mundial no passado. (12)
 
Mas coisas extraordinárias acontecem
 
Claramente, a maioria das respostas à pandemia por parte de governos nacionais e instituições financeiras não visava cuidar de pessoas ou trabalhadores, e sim ajudar empresas e apoiar as economias neoliberais. Também está claro que a pandemia de Covid-19 não é um evento isolado: o sistema capitalista-patriarcal, de classe e racista que domina nossas respectivas sociedades faz parte da atual situação de emergência, tanto quanto o próprio novo coronavírus.
 
E em grande parte, as pessoas que sentiram os impactos mais terríveis e prejudiciais desse sistema de busca de lucro são as mesmas que agora garantem que ninguém fique para trás. Coisas extraordinárias estão acontecendo em bairros e comunidades, como movimentos de pequenos agricultores que distribuem comida de graça a quem precisa, iniciativas comunitárias destinadas a impedir a disseminação do vírus, refeições coletivas preparadas e distribuídas em ruas, e feiras comunitárias auto-organizadas que possibilitam o distanciamento social enquanto fornecem alimentos saudáveis ​​e atendem a necessidades básicas.
 
Se quisermos que esta crise represente uma mudança rumo a sociedades ecológica e socialmente justas, além de respostas coletivas que possibilitem um novo começo para economias que privilegiam o bem-estar das pessoas comuns em detrimento do lucro das empresas, a pandemia deve ser entendida como sintoma de uma emergência que a maioria da população mundial vive há muito tempo.
 
Nos meses que antecederam o surto de Covid-19, milhões de pessoas em todo o Chile se levantaram para protestar contra os impactos duros e brutais das políticas neoliberais naquela sociedade específica. Um grafite feito em uma parede durante esse período certamente se aplica hoje: “Não podemos voltar ao normal, porque o normal que tínhamos era exatamente o problema”.
 
(5) Witness Radio, <a href="https://wrm.us9.list-manage.com/track/click?u=f91b651f7fecdf835b57dc11d&id=e69c147acd&e=cdbaf228e2" target="_blank" style="word-wrap: break-word;-ms-text-

segunda-feira, 13 de julho de 2020

CARTA ABERTA DA CNBB AO CONGRESSO NACIONAL


“Eu estava com fome, e não me deram de comer; com sede e não me deram de beber” 
(Mt 25,43)

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, em conjunto com outras entidades da sociedade civil, firmou recentemente o “Pacto pela Vida e Pelo Brasil”. O texto afirma que vivemos “uma grave crise – sanitária, econômica, social e política  exigindo de todos, especialmente de governantes e representantes do povo, o exercício de uma cidadania guiada pelos princípios da solidariedade e da dignidade humana”.

O Congresso Nacional tem desempenhado um papel fundamental pautando iniciativas que buscam responder aos impactos urgentes da pandemia, particularmente aos que afetam diretamente a vida dos mais pobres e vulneráveis. Dentre esses, merecem atenção especial os indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. Sobre eles o Papa Francisco insistiu em Puerto Maldonado, no dia 19 de janeiro de 2018, “continuai a defender estes irmãos mais vulneráveis”.

Nesse sentido a CNBB acompanhou a louvável iniciativa, bem como, o processo de aprovação no Legislativo Federal, do Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos Territórios Indígenas, comunidades quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais (PL no 1142/2020). O texto é fruto dos esforços coletivos de parlamentares, representações das comunidades tradicionais e organizações da sociedade civil.

Com indignação e repudio a CNBB tomou conhecimento, no último dia 7 de julho, que a sanção do Exmo. Sr. Presidente da República ao PL 1142/2020, agora Lei no 14.021, contém 16 vetos. Esses vetos são eticamente injustificáveis e desumanos pois negam direitos e garantias fundamentais à vida dos povos tradicionais, como por exemplo o acesso a água potável e segura, que “é um direito humano essencial, fundamental e universal, porque determina a sobrevivência das pessoas e, portanto, é condição para o exercício dos outros direitos humanos” (Papa Francisco, Laudato Si, 30).

Os vetos do governo atentam contra a Constituição Federal. Com efeito, ao abolir a obrigação de acesso à água potável e material de higiene, de oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva, de ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea, bem como outros aspectos previstos no PL 1142/2020, como alimentação e auxílio emergencial, os vetos violam o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1o, inc. III), do direito à vida (CF, art. 5o, caput), da saúde (CF, arts. 6o e 196) e dos povos indígenas a viver em seu território, de acordo com suas culturas e tradições (CF, art. 231).

A justificativa do presidente da república para tais vetos baseia-se na falta de orçamento, argumento que não se sustenta considerando a recente aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 10/2020 pelo Congresso Nacional. Conhecida como “Orçamento de Guerra”, a Emenda autoriza os gastos necessários para combater a crise gerada pela pandemia do novo coronavírus. É oportuno destacar que essa mesma justificativa não impediu o pronto auxílio para instituições financeiras.

Urge, portanto, uma posição forte, decisiva e definitiva em defesa da vida. Há meses os povos tradicionais enfrentam a pandemia com números crescentes de contaminados e mortes em seus territórios. Sendo assim, a CNBB vem respeitosamente solicitar, o mais breve possível, a realização de Sessão do Congresso Nacional para que todos os vetos ao PL 1142/2020 (Lei no 14.021) sejam analisados e derrubados.

Esperançosa e vigilante a CNBB continuará acompanhando esse processo. A missão de defender a vida está, mais uma vez, nas mãos do Parlamento brasileiro. A sociedade precisa dos senhores e das senhoras.


Que o Deus da “vida em abundância” (Jo, 10,10) vos abençoe e ilumine.

P. N. 0334/20
Brasília, DF, 13 de julho de 2020

D. Walmor Azevedo de Oliveira
Arcebispo de Belo Horizonte
Presidente da CNBB

D. Joel Portella Amado
Bispo auxiliar de S. Sebastião do Rio de Janeiro
Secretário Geral da CNBB