quinta-feira, 15 de junho de 2023

CARTA de Assis Brasil

Foto CIMI - Oscar

Os povos indígenas Apurinã T.I Camicuã Boca do Acre/AM; Jamamadi T.I Lourdes Boca do Acre/AM, Madijá T.I Kulina do Médio Juruá Ipixuna/AM; Nukini T.I Nukini Mâncio Lima/AC; Nawa T.I Nawa Mâncio Lima/AC; Katukina T.I Rio Gregório Tarauacá/AC; Huni Kui T.I. Hene Baria Namakia Feijó/AC; Sharanawa T.I. Chandlles Manoel Urbano/AC; Jaminawa de Sena Madureira/AC das terras indígenas Caeté, Caiapucá e São Paulino; Jaminawa e Manchineri de Assis Brasil/AC das terras Riozinho do Iaco, Cabeceira do Rio Acre e Mamoadate; juventude Huni Kui residente em Rio Branco/Ac; Junto às comunidades Amazônicas: Reserva Extrativista Chico Mendes, seringal Valparaíso, Sindicato dos Trabalhadores Familiares Rurais de Portel – Pará e as organizações sociais: Conselho indigenista Missionário – Amazônia Ocidental, Assessoria Jurídica da Diocese de Cruzeiro do Sul/Ac, Amigas da Terra Brasil, World Rainforest Movement (Movimento Mundial para as Florestas Tropicais), Caritas Madre de Dios e Radio Madre de Dios, Reunidos no Encontro “Quanto vale uma floresta?” de 10 a 12 de junho de 2023 em Assis Brasil, na tríplice fronteira do Peru, Bolívia e Brasil, a fim de trocar e refletir sobre o avanço de projetos e programas de carbono florestal sobre seus territórios, 

 Expressam: 

Após 15 anos de projetos, propostas e políticas de economia verde na Amazônia e, especificamente no Acre, de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal - REDD, Redd Early Movers - REM, Sistema de Incentivos a Serviços Ambientais – SISA e “Soluções Baseadas na Natureza” - SbN, nunca foi tão grande o assédio de empresas e ONGs apresentando propostas de cálculo, monitoramento e contratos de venda de carbono em nossa região. 

 “Os projetos chegam de fora pra dentro, goela abaixo”. 

Porém, nós sabemos que esses créditos para poluir não compensam a poluição dos carros, dos aviões, da exploração do petróleo ou das fábricas... Muito menos compensam a contaminação das águas pelo mercúrio dos garimpos, ou de nossa comida e terras pelos agrotóxicos. Já o nosso modo de vida preserva a floresta que sustenta nossas necessidades de moradia, caça, pesca, roça e coleta de frutas e outros produtos. É nosso direito constitucional a demarcação e proteção dos nossos territórios, assim como de sermos consultados de forma livre, prévia, informada e ainda de acordo com a nossa cultura e modo de organização, sobre qualquer projeto ou política que impacte nosso território. Não aceitamos que empresas, ONGs ou governos queiram colocar à venda o que não pertence a ninguém. 

 “Como posso vender algo que não é meu?”.

Não queremos ter nosso modo de vida ou uso da floresta controlado, calculado e monitorado por satélites. 

Não queremos pagamentos, obrigações ou dívidas com empresas que nos assediam para assinar contratos, dividindo nossas lideranças e comunidades. Ao invés de projetos de carbono, exigimos políticas públicas que garantam nossos direitos à terra e território, educação, saúde, água, alimentação e ambiente equilibrados. Que os governos fiscalizem, multem e proíbam quem realmente polui, contamina e desmata, e que garantam a autonomia das comunidades. 

“O que precisa é que os povos indígenas e comunidades se organizem e tenham seu próprio projeto de vida e, para tal, tenham suporte do poder público”. 

Acreditamos que, sobre o tema abordado, se faz necessária a troca de informações, experiências, intercâmbios entre povos e acesso ao conhecimento, para que tenhamos embasamento para nossas reivindicações. Vimos os impactos negativos dos projetos de REDD nas comunidades que já tiveram tal experiência.

 “Quando a gente come pimenta é bom quando alguém avisa antes se vai ser muito ardida”. 

Por isso resolvem: 

 ● Incitar encontros e formações nas comunidades sobre o REDD e mercados de carbono, a fim de trazer conhecimento e elucidações sobre seus impactos, visando o empoderamento e a organização dos moradores segundo seus usos e costumes, incentivando a participação ativa das nossas mulheres e jovens; 
● Fazer uso dos meios de comunicação e redes sociais, elaborar material didático como cartilhas e filmes para elucidar as verdadeiras causas do colapso climático e denunciar as falsas soluções da economia verde; 
● Fazer denúncias oficiais contra a empresa Catraia, que tem atuado de maneira criminosa e obscura sem permissão nas comunidades da T. I. Mamoadate em Assis B4asil, Acre; 
● Continuar denunciando os abusos de poder e perseguições ocorridos no contexto de projetos REDD+ privados, tal como o projeto Valparaíso, onde houve retenção de madeira e material para construção de uma casa por parte do suposto proprietário da área do projeto, que vem usando sua função como policial para ameaçar e criminalizar moradores da área; 
● Reivindicar o reconhecimento do povo indígena Sharanawa, bem como a devida demarcação de seu território no rio Chandless, assim como de todos os outros povos da região; 
● Emitir documentos de denúncia a órgãos como Ministério Público Federal, Funai e órgãos ambientais e também solicitar audiências públicas exigindo que, em caso de qualquer projeto que possa afetar nosso modo de vida, seja feita a consulta livre, prévia e informada e de boa fé. Por fim, reafirmamos nosso posicionamento: 

Não ao Marco Temporal! E nos dirigimos tabém aos chefes de Estado dos países amazônicos que estarão reunidos em Belém do Pará em Agosto deste ano, exigindo que cumpram sua promessa de tornar os povos da Amazônia protagonistas do seu futuro. 

Não vendam o que não lhes pertence! Cientes da gravidade da catástrofe ecológica em curso, seguiremos fazendo nossa ação climática e de cuidado com a Mãe Terra em benefício de todos os seres. 


 Assis Brasil, 12 de junho de 2023

sábado, 3 de junho de 2023

DECLARAÇÃO DE BOGOTÁ


Nós, organizações da PLACJC1 e da DCJ2 , reunidos na Reunião Regional sobre Justiça Climática para a América Latina e o Caribe que aconteceu em Bogotá, na Colômbia, entre 22 e 26 de maio de 2023, dado o momento crítico que a crise climática representa atualmente: 

● Ratificamos nossa convicção sobre a origem sistêmica da crise climática e civilizatória, ancorada estruturalmente no capitalismo, extrativismo predatório, colonialismo, desenvolvimentismo, racismo, antropocentrismo, exploração dos trabalhadores e patriarcado; 

● Renovamos nosso compromisso de trabalhar e lutar de forma articulada com outras organizações e movimentos sociais contra o extrativismo predatório e todas as falsas soluções promovidas por corporações e governos, bem como promover e tornar visíveis as alternativas construídas pelas comunidades dos territórios.

 ● Reiteramos o direito dos povos à participação efetiva em soluções reais e justas para enfrentar a mudança climática, como deixar todos os combustíveis fósseis no subsolo, acabar com o modelo agroindustrial e eliminar a mineração em grande escala.

 ● Expressamos nossa profunda desconfiança nos espaços de negociação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (em inglês, United Nations Framework Convention on Climate Change ou UNFCCC), que, devido à captura corporativa e cumplicidade dos governos, tornaram-se uma farsa para perpetuar o sistema injusto e predatório por meio de falsas soluções como esquemas de compensação, mercados de carbono, geoengenharia e tecnociência da política-corporativa montada por multinacionais, entre outras. Convocamos:

 ● As organizações e movimentos sociais da América Latina e do Caribe para se unirem na luta por justiça climática e justiça social, desde os territórios, em respeito aos direitos humanos e à natureza;

 ● Os atores da ciência, educação, políticas públicas e imprensa a abandonarem o discurso hegemônico do colapso e da tecnocracia que impede o avanço na formação e consolidação de maiorias conscientes e ativas para as transformações estruturais exigidas pela mudança sistêmica e superação da crise climática; 

● Organizações de mulheres, feministas descoloniais, de base, organizações comunitárias e do sul para se juntar à luta pela justiça climática. Finalmente, expressamos nosso total apoio às organizações equatorianas, no marco da próxima consulta popular em 20 de agosto para manter definitivamente o petróleo subterrâneo no bloco 43 do Parque Nacional Yasuní.

 Bogotá, 26 de maio de 2023 

 Acción Ecológica, Ecuador 

AfrosRD, República Dominicana 

Alianza Global por Alternativas a la Incineración GAIA-LAC 

Brigada Cimarrona Sebastián Lemba, República Dominicana 

Censat Agua Viva, Colombia 

Centro de Estudios Superiores Universitarios CESU-UMSS, Bolivia 

Coalición Mundial por los Bosques - América Latina y el Caribe Colectivo CASA, Bolivia 

Colectivo de Geografía Crítica Ecuador 

Colectivo VientoSur, Chile 

Conselho Indigenista Missionário (Cimi) de Brasil 

Coordinadora Nacional de Inmigrantes de Chile

Corporate Accountability, América Latina y el Caribe ECORE, Honduras 

FASE, Brasil 

Fundación Jubileo, Bolivia 

HEÑOI, Paraguay Movimiento por el Agua y los Territorios MAT, Chile 

Movimiento Ciudadano frente al Cambio Climático MOCICC, Perú 

Observatorio de Ecología Política de Venezuela 

Plataforma Boliviana frente al Cambio Climático Reacción Climática, Bolivia 

Stand Earth Taller Ecologista, Argentina 

TierrActiva Perú Unidad Ecológica Salvadoreña, UNES

quinta-feira, 11 de maio de 2023

PEGUE A PORANGA QUE MADIJÁ ABRIU OS OLHOS!

                           Primeira assembleia do povo Madjá do Rio Envira, Feijó, Acre.

 

Foto: Carlos Algusto Almeida - CIMI AO
 

Com o tema TERRITÓRIO PROTEGIDO: Soberania Alimentar e Espaço de Políticas Públicas foi realizada a I Assembleia do povo Madijá do Rio Envira, no município de Feijó, no estado do Acre nos dias 30 de abril a 02 maio. Todas as aldeias das três terras indígenas localizadas no Médio e Alto Rio Envira: T.I Jaminawa/Envira, que acolheu os representantes delegados, T.I Igarapé do Pau e T.I Kulina[1] do Rio Envira além de outras três lideranças da Aldeia Macapá, município do Envira, AM. Ao todo 150 lideranças se juntaram à comunidade da aldeia “Jaminawa” para discutir seus problemas, compartilhar experiências, encontrar caminhos, exigir direitos e respeito. Abrir os olhos!

A assembleia Madjá do Rio Envira, faz parte de um conjunto de assembleias regionais e locais que o povo Madijá vem realizando com apoio do Cimi Regional Amazônia Ocidental no intuito de refletir sobre a dramática situação de violências, assassinatos, suicídios e quase que total abandono do poder público, vivida por este povo que é um grande povo com sua história escrita com suas próprias “tintas” na história dos povos indígenas da Amazônia Ocidental e mesmo na história do Brasil. Já foram realizadas quatro assembleias locais (por terras e aldeias mais próximas) restando ainda mais duas a serem realizadas. Uma na Aldeia Macapá, município de Envira, AM e outra no Alto Rio Purus, município de Santa Rosa do Purus, AC. Ao final de todas essas assembleias, será realizada uma assembleia mais ampla e que reunirá todos os encaminhamentos, propostas e decisões tiradas nas assembleias locais.

Entretanto todos os documentos, encaminhamentos, propostas e decisões tomadas já durante a assembleia Madijá do Rio Envira, foram encaminhadas às autoridades e as reivindicações e demandas serão acompanhadas e seu cumprimento exigido. Os Madijá decidiram retomar a sua história em suas mãos e exigem respeito!

 

Caminhos e encontros:

 

Caudalosos e sinuosos são os rios que acolhem e transportam as histórias e a vida do povo Madijá e os Madijá, acolhidos, acolhem os rios e a partir deles seguem escrevendo e vivendo suas histórias. Histórias de rios, presente e graça de Tamaco e Quira, criadores do povo que é gente em si, nos rios e em tudo que a natureza, com seu sopro refrescante os presenteia e eles mesmos, como se fosse gesto de gratidão, nos presenteiam com sua singular existência. A dádiva que os criou nos é entregue por eles para que sejamos melhores e gratos.

Foi entendendo ser este navegar preciso que o povo Madijá se pós a caminho e no mesmo entendimento de navegar em solidariedade foi que o Cimi Regional Amazônia Ocidental se juntou neste navegar pelas calhas dos Rios Juruá, Envira Purus e dezenas de paranás e igarapés, revisitando “parentes” e contribuindo na construção de barcos, canoas e remos capazes de trazer de volta a dignidade e o respeito devido a este grande povo, o que também chamamos de liberdade! 

Madijá e Cimi iniciaram a navegação rumo ao município de Eirunepé, no Amazonas, descendo até o médio Juruá onde ancoraram na Terra Indígena Madijá do Médio Juruá, aldeia Eirú, no Rio Eirú. Diferente das caravelas dos invasores, os barcos Madijá traziam esperança e muita força e disposição para lutar e celebrar com os parentes. Foi a primeira assembleia local de retomada da história nas mãos. A esta se seguiram mais duas: Na Aldeia Piau, Município de Ipixuna, AM e Aruanã, no município de Envira, AM.  Todas no mesmo espírito, considerando alquimias e rituais até que...

Numa manhã chuvosa de final de inverno amazônico, uma terça feira, 25 do mês dedicado aos povos indígenas, vimos as cordas que prendiam o nosso batelão (barco feito em madeira) serem desamarradas libertando-nos para um navegar rio acima, rumo ao território do povo Madijá da Terra Indígena Jaminawa/Envira, Aldeia Jaminawa. O batelão seguiu nos conduzindo por quatro dias. Quatro dias pode parecer um tempo longo, mas nada se comparado à ansiedade por rever amigos e encontrar a verdadeira história, prestes a ser desvendada diante de nossos olhos que também precisavam ser abertos e desnuviados para enxergarmos os caminhos. Tal qual o seringueiro que “na estrada de seringa parte sempre do ponto de chegada”, assim nós, partíamos rumo ao nosso próprio encontro.

Como disse Euclides da Cunha em suas andanças por estas bandas: “Quando nos vamos pelos sertões em fora, num reconhecimento penoso, verificamos, encantados, que só podemos caminhar na terra como os sonhadores e os iluminados”. Tanto mais agora que rumamos ao paraíso Madijá feito inferno pelo colonizador.

O batelão deslizava sobre as águas caudalosas e barrentas do velho Rio Envira de “Santa Maria da Liberdade” e tantas santas e mártires, Almas do Bom Futuro! Para trás, ficava o rastro dos motores em forma de maresia que seguiam em ondas até se chocarem com as barrancas do Rio. Barrancas que outrora e ainda hoje emprestam seu nome para titular e condecorar os malfeitores e asquerosos “coronéis de barranco”, algozes ontem e hoje dos Madijá e tantos outros povos. A cidade de Feijó cada vez mais distante, assim como o Estado Brasileiro que nunca chega nesses altos rios! Logo, estávamos indo em direção aos Madijá, mas para chegarmos efetivamente ao Estado brasileiro. È preciso chegar ao ponto de onde partimos!

Que encontro! Histórico encontro com a história! Ao chegarmos à Aldeia Jaminawa começamos a abrir nossos olhos, mas foi Almir Kulina quem disse: “De hoje em diante o povo Madijá está abrindo os olhos” (Almir Kulina, cacique Madjá da Aldeia Igarapé do Anjo, T.I Kulina do Rio Envira). Os Madijá estavam abrindo os nossos olhos, ouvidos, corações e almas e achavam que nós, caboclos de tantas e incertas origens, é que estávamos os ajudando a abrirem os olhos.

Opa! Auto lá! Pegue a poranga e vamos para a estrada (de seringa) que Madijá abriu os olhos!   E todos começamos a enxergar o abandono do Estado brasileiro no território, na saúde, na educação, na soberania alimentar e nas políticas públicas. Os Madijá (e nós ainda arigós)[2] enxergaram, construíram documentos, exigiram respeito e rumaram conosco, após três dias de assembleia, em direção a Feijó, ponto de partida, Estado brasileiro.        

Durante nosso encontro começamos a abrir os olhos e entendemos que estamos sendo o tempo todo vítimas de racismo, preconceito e sofrendo com o descaso das autoridades públicas. Nós, Madijá, estamos abandonados e sofrendo muito com a violência contra nosso povo e por isso decidimos que não vamos mais aceitar que isso continue acontecendo e por isso vamos buscar nossos direitos e exigir que as autoridades e todos os nawás (que não são indígenas) nos respeitem. Vamos exigir que em cada setor nossos direitos sejam respeitados e cumpridos e que o Ministério Público acompanhe e exija junto conosco o cumprimento de todas as ações e exigências nossas porque é nosso direito. (documento final da assembleia Madijá do Rio Envira, 03,05, 2023).

Era como se os Madijá nos dissessem: Agora que vocês vieram e viram, nos ajude para que todos vejam e nossos direitos venham. Se nossos direitos não veem, vamos busca-los como quem sai na madrugada para colher o látex da seringa ou quem toma o remo e a canoa para ir se encontrar com o rio que acolhe, fornece alimento e nos conduz como quem conduz a própria história.

Como sabiamente o dito popular diz que quem conta um conto aumenta um ponto, terminou a Primeira Assembleia do povo Madjá do Rio Envira, Feijó, Acre, mas acrescentou-se mais um ponto na história de travessia do povo Madijá rumo ao alvorecer com cantorias de pássaros entoando hinos e festejando finalmente a liberdade! Quem quiser, pode chamar a este alvorecer de Bem Viver.

Equipe Cimi: Carlos, Sandra, Lindomar e Oscar

Texto:  Lindomar Padilha.

           



[1] Nome adotado corriqueiramente para se referir ao povo que se autodenomina Madijá.

[2] Nordestinos que vinham trabalhar na extração do látex da seringa, mas que não estavam acostumados a navegar pelos rios da região. Diz-se também dos desconhecedores da realidade local.

terça-feira, 28 de março de 2023

Por que a Medida Provisória 1151/2022 é um verdadeiro contrabando e não pode ser votada?

Elaborada com o objetivo de alterar a legislação vigente sobre concessão de florestas públicas nacionais e sobre gestão de Unidades de Conservação, a MP 1151, ao invés de focar no tema, tratou principalmente de inserir na concessão florestal, como um contrabando, o direito a comercialização de créditos de carbono florestais. Ou seja, permitirá que a empresa que obtenha a concessão, por exemplo por 40 anos para a exploração de 40 mil hectares em manejo florestal, obter igualmente a possibilidade de aferir e comercializar créditos de carbono sobre tal área, convertendo o manejo madeireiro em ativo ambiental e possibilitando que outro ente público ou privado, nacional ou internacional, possa compensar suas emissões de gases de efeito estufa.

 
No fundo estamos falando do uso de florestas públicas e de Unidades de Conservação no rol de licenças para poluir, corroborando para o atraso ao urgente e necessário corte de emissões de gases de efeito estufa para enfrentamento da crise climática.
A inserção da possibilidade de transação de créditos seria um “atrativo”, como a própria MP se refere, para investimento em manejo florestal, considerada uma das atividades principais para que o Brasil alcance metas climáticas de estocagem de carbono. No entanto, a realidade das florestas deve ser levada em consideração. Por isso destacamos:

 
1. As concessões florestais são executadas por empresas, que não representam povos e comunidades tradicionais, logo, conferir a elas maior atribuição seria repassar a elas o papel de guardiãs das florestas ou submeter os povos que vivem nessas áreas a uma tutela do setor privado;

 
2. As áreas de concessão também podem ser reivindicadas por grupos étnicos, portanto, conferir atratividade de mercado a concessão sem antes garantir demarcações étnicas acentua conflitos territoriais;

 
3. A inclusão de Financial Technologies Fintech no uso do recurso do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima avança nas medidas de financeirização da natureza e reduz o direito ao meio ambiente a um ativo transacionável. A natureza é uma bem comum e como tal precisa ser tratada como um direito.

 
4. A alteração na Lei nº12.114/2009 do Fundo Nacional sobre Mudanças Climáticas, ampliando os agentes financeiros para financiamento da comercialização de créditos de carbono florestais, atropela a retomada de leis, políticas e conselhos que foram desmontadas pelo governo Bolsonaro, como o ENREDD+, CONAREDD+, código florestal, Política Nacional de Mudanças Climáticas, Fundo Amazônia, dentre outras, ignorando estudos e propostas debatidas durante o processo de transição do governo.

5. A comercialização de créditos de carbono florestal visa a compensação de emissões por entes privados e atrasam a mudança necessária que o setor precisa para se comprometer com as mudanças no padrão de produção e distribuição.
 
6. O Brasil ainda não possui nenhuma regulação em vigor sobre o mercado de carbono, avançar com essa MP é colocar o carro na frente dos bois e gerar mais especulação e pressão em cima dos territórios, sem marcos legais que regulem o setor e promovam a proteção dos direitos territoriais e da consulta, livre prévia e informada.
 
7. A MP também reduz a barganha do Brasil nas negociações internacionais de mudanças climáticas no âmbito da UNFCCC e da implementação do Acordo de Paris, ao avançar em temas sensíveis, já que estão entregando ao mercado, via legislação nacional, algo que ainda está em debate neste outro âmbito. A MP 1151 é sobre concessão florestal, de biodiversidade e de crédito de carbono. São questões muito profundas e que precisam ser debatidas com a sociedade.
 
Não votem a MP 1151!
 
Brasília, 28/03/2023
 

Assinam:


1. Grupo Carta de Belém
2. Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB

3. Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito
Santo - Apoinme

4. Articulação dos Povos Indígenas do Sul - Apinsul

5. Conselho Nacional das Populações Extrativistas - CNS

6. Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos - CONAQ

7. Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura Contag

8. Conselho Pastoral dos Pescadores - Norte

9. Central Única dos Trabalhadores CUT

10. Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB

11. Movimento pela Soberania Popular na Mineração - MAM

12. Marcha Mundial das Mulheres MMM

13. Movimento Negro Unificado - MNU

14. Movimento dos Pequenos Agricultores - MPA

15. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST

16. Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores Sem-Teto - MTST

17. Alternativa para a Pequena Agricultura no Tocantins - APA-TO

18. Amigos da Terra Brasil

19. Associação Agroecológica Tijupá

20. Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Mapuá - Amorema

21. Associação Maranhense para a Conservação da Natureza - Amavida

22. Amazon Hopes

23. Articulação de Agroecologia da Amazônia

24. Articulação das Pastorais do Campo

25. Articulação Pacari Raizeiras do Cerrado

26. Cosmopolíticas - Núcleo de Antropologia - Universidade Federal Fluminense - UFF

27. Comissão Pastoral da Terra CPT

28. Comunidade Quilombola de Caldeirão - Salvaterra/PA

29. Conselho Indigenista Missionário - CIMI

30. Conselho do Povo Terena/ MS

31. FASE - Solidariedade e Educação

32. Fórum da Amazônia Oriental - FAOR

33. Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente - GEDMMA/UFMA

34. Grupo de Pesquisa Costeiros UFBA

35. GT de Saúde e Ambiente da Abrasco
36. Instituto Brasileiro de Educação, Integração e Desenvolvimento Social IBEIDS
37. Instituto de Estudos Socioeconômicos Inesc

38. Instituto EQUIT

39. Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais Inga

40. Instituto de Referência Negra Peregum

41. Instituto Iepé

42. Instituto Yande

43. International Rivers Brasil

44. Jubileu Sul Brasil

45. Justiça Global

46. Movimento Ciência Cidadã

47. Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste - MMTR/NE

48. Movimento SOS Chapada dos Veadeiros

49. Núcleo de Estudos em Cooperação - NECOOP/UFFS

50. Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres - NEPED/ UFSCar

51. Organização de Desenvolvimento Sustentável e Comunitário ODESC

52. Rede Brasileira de Justiça Ambiental RBJA

53. Rede de Mulheres das Marés e das Águas dos Manguezais Amazônicos do Maranhão
e Piauí

54. Rede Urbana Capixaba de Agroecologia RUCA

55. Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais SRRT- Santarém/PA

56. Sempreviva Organização Feminista SOF

57. Terra de Direitos