Of. 033 /2012-P Brasília, 16 de fevereiro de 2012
Ao Excelentíssimo Senhor
Eduardo Cardoso
Ministro da Justiça
ASSUNTO: DOCUMENTO DA FRENTE PARLAMENTAR DE APOIO AOS POVOS INDÍGENAS EM ARTICULAÇÃO COM ENTIDADES INDÍGENAS E INDIGENISTAS
Senhor Ministro,
A Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, articulada com a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e instâncias representativas do movimento indígena, principalmente a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, entidades representativas como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB e Conselho Indigenista Missionário - CIMI, vem na oportunidade fazer constar a Vossa Excelência as suas preocupações pelo agravamento das violações aos direitos dos povos indígenas, principalmente no que diz respeito a seus direitos territoriais, que particularmente os índios guardavam expectativa de que nos últimos governos essa situação seria progressivamente superada.
Porém os fatos demonstram que essas violações tem aumentado: processos demarcatórios suspensos, relatórios não concluídos e publicados, tendência de flexibilização da legislaçcão indigenista e ambiental, notadamente a relacionada com os procedimentos de demarcação, lideranças criminalizadas, detidas arbirtrariamente, assassasinadas inclusive, com inquéritos não concluídos e processos sequer abertos, permitindo que a impunidade se torne rotineira em detrimento da integridade física, psicológica e cultural das comunidades indígenas.
Face a esta realidade, apresentamos as preocupações e proposições abaixo elencadas, visando assegurar com Vossa Excelência, daqui para frente, a construção de uma agenda de diálogo permanente visando enfrentar e dar solução a estas questões.
I - Regularização fundiária de terras indígenas:
1. Paralisia nos processos de identificação e delimitação, GTs sem operar;
2. Relatórios de identificação inconclusos e portarias declaratórias não publicadas, como nos casos de Mato Grosso do Sul, especialmente do povo Guarani Kaiowá;
3. Relatórios de contestações sem resposta, em especial do caso do povo Tupinambá, no sul da Bahia;
4. Judicialização de processos de demarcação promovida por governos estaduais e fazendeiros;
5. Julgamentos paralisados no Supremo Tribunal Federal (STF) como o caso Pataxó Hã-hã-hãe;
6. Aumento de conflitos entre comunidades e invasores das terras indígenas;
7. Falta de desintrusão de terras indígenas já homologadas;
8. E como se não bastasse tudo isso, nos preocupa a discussão em curso dentro do governo que pretende alterar os procedimentos de demarcação de terras indígenas, tendência também visível no Congresso Nacional.
II - No Congresso Nacional:
1. Iniciativas Legislativas buscam reverter os direitos dos povos indígenas reconhecidos pela Constituição Federal, tais como a PEC 038/99, de autoria do Senador Mozarildo Cavalcante, e da PEC 215/2000, apresentados com o intuito de transferir para o Legislativo a responsabilidade de demarcar as terras indígenas, atualmente de competência do Executivo. Isso significaria entregar nas mãos de um Congresso conservador e dominado pela bancada ruralista o destino dos povos e das terras indígenas;
2. Ainda lembramos Projetos como o de número 1057/2007, que trata de suposta onda de infanticídio entre os povos e comunidades indígenas. O projeto na verdade é uma tentativa de criminalizar estes povos, numa frontal agressão contra o direito dos índios à diferença, no contexto do Estado multiétnico e pluricultural reconhecido pela Constituição Federal desde 1988;
3. A estas iniciativas sumam-se muitos outros como o PL 1610/96 que visa forçar a mineração em terras indígenas, ignorando os imprevisíveis impactos sobre a continuidade física e cultural dos povos indígenas;
4. A Lei infraconstitucional, o novo Estatuto dos Povos Indígenas, há mais de 20 anos aguarda ser regulamentado. O movimento indígena e seus aliados reivindicam há mais de um ano do governo atual, deste ministério, da bancada do governo e da presidência da casa, a inclusão da matéria na ordem do dia, a criação de uma comissão especial, para analisa-la junto com seus apensos, e o período de apresentação de emendas, para por fim compatibilizar a legislação indigenista à Carta Magna;
5. O Projeto de Lei 3571/2008, que cria o Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) também ainda não foi votado, mesmo que o parecer do Relator esteja pronto também há mais de um ano;
6. Muitas de estas proposições são de iniciativa ou contam com o apoio do Poder Executivo. Nesse sentido, a Frente Parlamentar e as entidades aqui presentes solicitam a este Ministério uma posição a respeito destas questões legislativas;
III - Cidadania e segurança para os povos indígenas:
1. Preocupa a morosidade por parte do órgão indigenista, a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, na mediação de conflitos em terras indígenas, favorecendo a tendência de criminalizar as comunidades, que passam de vítimas a acusados;
2. A Polícia Federal tem cometido graves desvios no desempenho de seu papel de proteger os direitos indígenas, tornando-se responsável por atos de violência contra lideranças e comunidades, forjando ás vezes situações que levam à criminalização e prisões arbitrárias;
3. Perseguições, desaparições e assassinatos tem aumentado, no entanto a maioria dos inquéritos não são iniciados e muito menos concluídos, favorecendo o clima de impunidade e de desrespeito ao Estado de Direito;
4. Mandados de reintegração de posse efetivados pela Polícia Federal e em alguns casos com o reforço de outras forças policiais, acontecem de supressa, às vezes na calada da noite, favorecendo o conflito e a prática de violências contra crianças, mulheres e idosos;
5. Nas faixas de fronteira o efetivo da Polícia Federal é inoperante ou insuficiente, deixando as comunidades indígenas expostas a ilícitos que prejudicam a sua integridade sociocultural;
6. O número de índios presos é escandaloso, principalmente pelo fato de que muitos foram detidos sem causa provada e continuam nas cadeias sem assistência de nenhum tipo.
V – Propostas e Encaminhamentos:
1. Que o Governo estruture de fato a FUNAI, criando condições em todos os níveis, para que esta cumpra de forma eficiente com as suas responsabilidades de atender todas as demandas relacionadas com a regularização das terras indígenas: criação de Grupos de trabalho de identificação, conclusão de relatórios, desintrusão, proteção, entre outras.
2. Que o Governo estabeleça uma agenda com metas para a solução de conflitos fundiários que envolvem povos indígenas. No caso específico do Povo Guarani Kaiowá, em Mato Grosso do Sul, é urgente que o Governo defina medida administrativa para indenizar os ocupantes de terras indígenas que outrora foram beneficiados com títulos emitidos pelo próprio Estado.
3. Que o Governo se empenhe na tramitação e aprovação de iniciativas legislativas favoráveis aos povos indígenas, e na obstrução ou supressão das pautas daquelas proposições prejudiciais.
4. Consideramos de relevante interesse que o Ministério da Justiça assuma de fato a sua responsabilidade de zelar pelos direitos dos Povos Indígenas. No relacionado, por exemplo, aos processos de reintegração de posse sugerimos que o Ministério centralize o encaminhamento das mesmas, para evitar atos de violência.
5. O Ministério deveria também, no nosso entendimento, assegurar a formação e capacitação dos policiais federais para que possam exercer a sua função considerando as especificidades e o tratamento diferenciado aos povos e comunidades indígenas.
6. Efetivação da regulamentação do mecanismo de consulta à Convenção 169, da OIT, que garanta em todos propostas de políticas públicas direcionadas aos povos indígenas que estes sejam ouvidos conforme prevê a Convenção.
7. Para terminar, Senhor Ministro, reiteramos a nossa proposta de estabelecer com a Vossa Excelência uma agenda de trabalho para que, em parceria entre Governo, Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas, Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, entidades de apoio e sobretudo os próprios interessados – povos, organizações e lideranças indígenas – possamos contribuir na busca de soluções concretas para superar o atual estado de violação dos direitos indígenas, que certamente é muito mais do que aqui foi relatado, sendo objeto de repercussão e preocupação na opinião pública nacional e internacional.
Atenciosamente.
FRENTE PARLAMENTAR INDÍGENA
DEPUTADOS PRESENTES
ENTIDADES INDÍGENAS E INDIGENISTAS
COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS E MINORIAS