Lindomar Dias Padilha[1]
RESUMO:
Neste trabalho
pretende-se apresentar o “Bem Viver” sempre em relação aos direitos da
natureza, tendo o ser humano como parte desta evidenciando-se o Bem Viver como
alternativa ao desenvolvimentismo. Os riscos e ameaças representados pelo
modelo desenvolvimentista não só recaem sobre a natureza, mas recaindo sobre
esta, recai sobre cada uma e cada um de nós. Assim, a perspectiva critica ao
desenvolvimentismo é antes um chamamento para a defesa de direitos e da vida
mesma de gerações futuras. Nossa crítica aos rumos, caminhos e descaminhos do
desenvolvimentismo quer incentivar
debates que visem a construção de uma sociedade mais justa pautada no respeito
tendo o Bem Viver como apontando para outros mundos possíveis.
Introdução:
Propor uma
reflexão sobre o “Bem Viver”[1]
como garantia de direitos e, ao mesmo tempo uma alternativa ao
desenvolvimentismo, pensado o desenvolvimentismo conforme o modelo amplamente
implementado na América Latina, não é muito fácil quando ainda se tem “Veias Abertas”[2]
se pensarmos como Eduardo Galeano. Assim, a reflexão encontra amparo histórico
mas, principalmente emergência para o futuro.
Na primeira parte faremos uma pequena apresentação do
tema do “desenvolvimentismo” como teoria econômica, que no caso da América
Latina converte-se em economicismo com reflexos profundos na desigualdade
social e na má distribuição de renda, bem como apresenta reflexos negativos na
conquista e garantias de direitos, tanto Direitos da Natureza quanto direitos das
populações tradicionais e povos originários. O desenvolvimentismo, nestas
condições, converte-se em ameaça planetária.
Na tentativa de apresentar possível alternativa ao modelo
desenvolvimentista, na segunda parte falaremos do “Bem Viver” associando-o necessariamente
aos Direitos da Natureza por considerarmos, seguindo os rastros de Alberto
Acosta[3],
que um não existe sem o outro. Embora Acosta se apresente aqui como nosso
principal autor, temos, a bem da verdade, que dizer que o Bem Viver tem sido
pensado em toda a América Latina por diversos pensadores e sob várias
perspectiva. Cabe ainda mencionar que, como modo de vida, o Bem Viver é
praticado praticamente por todos os povos originários. Aliás, o vínculo dos
povos originários com o bem viver é tamanho que nesta parte diremos que o Bem
Viver implicaria no reconhecimento dos direitos desses povos e comunidades
tradicionais e, por isso mesmo, no reconhecimento de que a natureza é de fato
sujeito de direitos e não mero objeto que se compra.
Na terceira e última parte e já como considerações,
falaremos e apontaremos o próprio Bem Viver para sinalizar que sim, existem outros
mundos possíveis. A ideia, decorrente principalmente do pensamento de Acosta, é
de que sempre estamos em processo, em construção destes mundos. Portanto, temos
uma utopia que não nos diz onde devemos ou queremos chegar, mas uma utopia que
nos faz mover em direção dessses mundos possíveis.
I.
O
desenvolvimentismo:
Neste tópico
apresentaremos o conceito em construção de desenvolvimentismo proposto por
Pedro Cezar Dutra Fonseca[4]
para quem, a despeito de análise de outros economistas, pode ser entendido como
“desenvolvimento”, “bem-estar”, “equilíbrio” e “valor”, o sentido pode
alterar-se total ou parcialmente de acordo com a abordagem teórica. (FONSECA,
2015, p. 7). O que nos salta aos olhos no proposto, mesmo que em construção
conceitual, é a adoção de ideias de “valor” empregada como “equilíbrio”. Para
os economistas, então, o desenvolvimentismo seria em sim um valor e que guarda
relação de equilíbrio.
Entretanto, preferimos
assinalar que a ideia de bem-estar, por exemplo, poderia implicar em acúmulo
necessário à construção deste sentimento. Algo como bem-estar resultante da
ideia de desenvolvimento como superação do próprio subdesenvolvimento. Mais:
Desenvolvimentismo
pertence à mesma família de termos como “ortodoxia”, “neoliberalismo” e
“keynesianismo”, os quais servem para designar alternativamente duas coisas por
certo indissociáveis, mas que não são exatamente o mesmo nem do ponto de vista
epistemológico, nem na prática cotidiana: i) um fenômeno do “mundo material”,
ou seja, um conjunto de práticas de política econômica4 propostas e/ou
executadas pelos formuladores de políticas, isto é, fatos concretos ou medidas
“reais” que compartilham um núcleo comum de atributos que os caracteriza como
tal; e ii) um fenômeno do “mundo do pensamento”, ou seja, um conjunto de ideias
que se propõe a expressar teorias, concepções ou visões de mundo. (FONSECA,
2015, p. 8).
Nesta perspectiva o
desenvolvimento guardaria estreita relação aos modelos econômicos propostos
para designar uma escola de pensamento que tenderia mais ou menos, segundo o
grau de conservadorismo, a um maior ou menor acúmulo e controle fiscal, de
fluxo econômico seguindo a ideia de desenvolvimento como oposição ao
subdesenvolvimento. Estados desenvolvidos tenderiam ao “equilíbrio” ao passo
que os estados subdesenvolvidos estariam em constante “desequilíbrio”. A
imprecisão conceitual da qual nos chama a atenção Fonseca, não pode, no entanto,
inviabilizar por completo o uso do termo em outra esfera que não a econômica. Se
os termos são usados é porque são úteis, (FONSECA, 2015, p. 9) já que tanto os
economistas quanto o público, como é o caso de “desenvolvimentismo”, continuam
a utilizá-lo, depreendendo-se que não conseguem prescindir dele. Mais que
conceito, imaginemos que o desenvolvimentismo seja uma espécie vontade
econômica. Daí a ideia de que seja um conceito impreciso e que carece de
informações metodológicas e o lugar de seu emprego.
O
subdesenvolvimentismo[5]
se for tomado como ponto de análise para o desenvolvimentismo aplica-se em
relação aos ditos países do primeiro mundo e os de terceiro mundo. Neste caso,
sinalizo a relação com a América Latina, que particularmente nos interessa
aqui. (FONSECA, 2015, p.10) sinaliza ainda que o conceito foi utilizado
indiretamente para designar um conjunto de atributos caracterizadores, em
termos ideais, da política econômica de determinados governos empenhados na
superação do subdesenvolvimento.
Neste
caso, fica mais próximo do que trato aqui com o nome de desenvolvimentismo uma
teoria econômica que está mais centrada no crescimento econômico, baseado na
industrialização e na infraestrutura, com forte intervenção do estado, em
detrimento do desenvolvimento social. (SANTIAGO, 2015, p.1). Toda a ideia, ou
intenção manifesta nos termos “valor”, “bem-estar” e “equilíbrio”, nada mais
seria que bons conselhos. De fato, o que realmente conta é o chamado
desenvolvimento econômico, ainda que em detrimento do desenvolvimento social em
alguns casos. Mas FONSECA, em sua formulação faz ainda a seguinte observação:
A
inquietude vem da dúvida expressa na questão: será que os governos
latino-americanos comumente citados pela literatura como exemplos de
desenvolvimentismo apresentam, total ou parcialmente, os atributos arrolados
pelos autores anteriormente pesquisados em suas conceituações? Este exercício
adicional facilita e dá mais segurança para, em passo posterior, chegar-se à
abstração inerente a qualquer exercício de conceituação. Possui, ademais, a
vantagem de superar a multiplicidade caótica da empiria sem, todavia, cair em
uma definição axiomática exclusiva, unívoca e fechada a ela. (FONSECA, 2015 p.
14).
É louvável e plenamente compreensível a dúvida e a
necessidade de aclaramento conceitual, tanto mais que Fonseca analisa o que há
de comum nas diversas conceituações. Por outro lado, há claramente a intenção
de evitar que se caia em uma definição unívoca e fechada. De nossa parte, porém,
optamos pela construção do conceito localizando-o na relação entre
subdesenvolvimento e desenvolvimentismo, notadamente na América Latina. Se por
um lado, conceitos mais fechados limitam, por outro, facilitam a externar o
local de nossa fala. Não obstante nossa escolha, temos que registrar a
preocupação com a honestidade intelectual frente ao que propõe extensamente
Fonseca.
Mas, no nosso caso, é quase indissociável a ideia de industrialização dos
países latinos americanos e isso tem especial importância ao analisarmos
aspectos dos direitos da natureza e ao Bem Viver. Falamos talvez de visões
inegociáveis e díspares que excluiriam uma a outra:
É
o que ocorre com desenvolvimentismo. De um lado, o termo remete a uma
racionalidade imediata quanto a fins: crescimento da produção e da
produtividade. Tal faceta descortina seu caráter “técnico”, objeto de
planejamento, quantificável em metas e taxas desejáveis a serem buscadas
conscientemente, através de meios tidos como mais adequados – os instrumentos
de política econômica. Já os valores se manifestam quando o desenvolvimentismo
toma a forma de ideologia de construir um novo mundo 28 Brasília, julho de 2015
“melhor” ou “mais harmônico”. (FONSECA, 2015, p. 28).
A tentativa de
conciliação entre Desenvolvimentismo, como crescimento infinito e altas taxas
de produtividade, nos parece ser o cerne do problema que aqui apresentamos. E
por julgarmos o crescimento permanente com preservação ambiental dados
irreconciliáveis é que o Bem Viver se apresenta como necessariamente vinculado
aos direitos da natureza, tema que abordaremos a seguir.
II.
O
Bem Viver e os direitos da natureza
Como dissemos anteriormente, o bem viver
opõe-se francamente ao desenvolvimento permanente, ou como disse TURINO ao
prefaciar ACOSTA:
Conforme
Acosta nos demonstra, somente podemos entender o Bem Viver em oposição ao
“viver melhor” ocidental (ou à dolce vita de alguns), que explora o máximo dos
recursos disponíveis até exaurir as fontes básicas da vida. Assim, o Bem Viver
tem um forte sentido presente, contrapondo-se à iniquidade própria do
capitalismo, em que poucos vivem bem em detrimento da grande maioria. (TURINO, Célio.
Prefácil in: ACOSTA, Alberto. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar
outros mundos. Elefante Ed. 2015).
Eis
aí uma espécie de nascedouro do que estamos chamando de Direitos da Natureza.
Ou seja, os direitos dos que “ainda não”, direitos do por vir. Direito a que o
planeta siga nos proporcionando a vida. Em larga medida, então, podemos dizer
que o direito da natureza completa ou adiciona direitos aos direitos humanos. Parece-nos
obvio que, se a natureza que é quem nos dá gratuitamente os meios para dela
extrairmos alimentos e vida, ao defendê-la e conferir-lhe direitos, em última
instância é a nós mesmos que defendemos e defendemos o direito de gerações
futuras. Então, de onde nos vem que a natureza precisa de leis e direitos que
garanta sua reprodução? Não seria a própria natureza que se organizaria e
prepararia uma espécie de “vingança”? Cremos que não.
O processo de
destruição da natureza e a não garantia de direitos é antes uma atitude suicida
e de gigantesca irresponsabilidade. Urge que mudemos de atitude e, para conter
o ímpeto destrutivo do desenvolvimentismo, tornam se necessárias leis e o
mínimo de garantia dos direitos da natureza. E não falamos da natureza apenas
como geradora, senão como mantenedora da vida e único abrigo até aqui seguro.
O
mundo precisa de mudanças profundas, radicais. Urge superar as visões
simplistas que transformaram o economicismo em eixo da sociedade. Necessitamos
outras formas de organização social e novas práticas políticas. Para obtê-las,
é imprescindível despertar a criatividade e consolidar o compromisso com a
vida, para não nos convertermos em meros aplicadores de procedimentos
e receitas caducas. (ACOSTA, 2015, p. 20).
Mudanças
profundas e radicais que desfoquem o economicismo e, consequentemente, o
desenvolvimentismo como eixo principal. Evidentemente não falamos em negação da
economia ou ainda de um devaneio sobre um mundo de santas e santos. Falamos
antes de medidas políticas que regulem novas práticas sociais. Interessante
como buscar o melhor exige de nós mesmos, enquanto sociedade, normas e até
punições. O que há de tão difícil em fazer aquilo que nos fará melhor? Mas não.
Seguimos criando obstáculos ao Bem Viver e, assim, promovendo a vida boa de
alguns. A velha ideia de que se acumulam os benefícios e repartem-se os danos.
Aqui é questão de responsabilidade. Tanto mais, tanto maior a responsabilidade.
Os que mais acumulam são os que devem contribuir com mais e isso só se dará por
meio de exigências e formas de defesa dos direitos da natureza. Não há e não
haverá caminho se não o caminharmos juntos.
A
natureza como sujeito, superando a velha ideia de tomarmo-la como mero objeto
ou como propriedade, já nos aponta possibilidades. Se não dermos este passo na
direção de que a natureza tem o direito de existir, persistir, manter e
regenerar seus ciclos biológicos, e aqui não falamos em “serviços ambientais”,
mas, em ciclos que corresponderiam às “funções naturais”, dificilmente teremos
condição de sairmos deste suposto dilema em que nos encontramos. Os direitos da natureza, compreendidos como o
equilíbrio do que é bom para os seres humanos de hoje os que ainda virão com o
que é bom para as outras espécies do planeta, é a chave para a busca desta
superação.
O
Bem Viver apresenta-se como uma oportunidade para construir coletivamente novas
formas de vida. Não se trata simplesmente de um receituário materializado em
alguns artigos constitucionais, como no caso do Equador e da Bolívia (...). O
Bem Viver deve ser considerado parte de uma longa busca de alternativas de vida
forjadas no calor das lutas populares, particularmente dos povos e
nacionalidades indígenas. São ideias surgidas de grupos tradicionalmente
marginalizados, excluídos, explorados e até mesmo dizimados. São propostas
invisibilizadas por muito tempo, que agora convidam a romper radicalmente com
conceitos assumidos como indiscutíveis. Estas visões pós-desenvolvimentistas
superam as correntes heterodoxas, que na realidade miravam a “desenvolvimentos
alternativos”, quando é cada vez mais necessário criar “alternativas de
desenvolvimento”. É disso que se trata o Bem Viver. (ACOSTA, 2015, p. 70).
A
superação que se mostra implícita nos direitos da natureza, será a mesma
superação das populações e grupos marginalizados historicamente. Por isso
mesmo, o Bem Viver não pode ser entendido como meras ingenuidades ou
alternativas da parte daqueles que são tidos como contrários e empecilho ao
desenvolvimento. Isso representa uma mudança radical e dota-se de caráter
civilizatório e libertador ao mesmo tempo. Notadamente as populações que mais
preservam e vivem em harmonia com a natureza são as que, assim como a própria
natureza, precisam ter seus direitos respeitados e o quanto antes. Garantia de
direitos aos povos originários e comunidades tradicionais reveste-se em
direitos da natureza e aponta para um futuro possível, ainda.
Ao
dizermos “ainda” nos aproximamos da ideia de Bem Viver como uma oportunidade.
Trata-se, antes, de uma nova chance que estes povos e comunidades originários,
bem como de sorte a própria natureza, nos concede por mais uma vez. Abraçar
esta oportunidade é sinal de inteligência ou nas palavras de ACOSTA:
O
Bem Viver – ou melhor, os bons conviveres – é uma oportunidade para
construir um mundo diferente, que não será alcançado apenas com discursos
estridentes, incoerentes com a prática. Outro mundo será possível se for
pensado e erguido democraticamente, com os pés fincados nos Direitos Humanos e
nos Direitos da Natureza. (ACOSTA, 2015, p. 21)
Respeito aos Direitos
Humanos e aos Direitos da Natureza combina perfeitamente com Democracia. O Bem
Viver é, portanto, uma proposta a ser construída pelos caminhos da democracia e
rumados para outros mundos possíveis ou pelo menos, um outro mundo sonhado mas
também construído e já experimentado por diversos povos e culturas. Abrir-se
para recepcionar e, ao mesmo tempo exigir que os direitos Humanos e da Natureza
sejam garantidos e respeitados é o primeiro e talvez o passo mais importante
rumo a uma democracia participante capaz de construir novas sociedades, novas
pessoas e novos mundos.
III.
Considerações:
Outros mundos possíveis
Outros mundos são
possíveis se, e somente se, nos abrirmos e juntarmo-nos na efetiva construção
destes mundos. Um ponto central é abrirmos mão em definitivo da ideia de
crescimento infinito e superexploração da natureza e da mão de obra. ACOSTA
vincula a superexploração e, claro, o crescimento, ao extrativismo.
A
construção do Bem Viver, que é a meta que deve inspirar o pós-extrativismo, tem
de ser assumida como uma alternativa ao desenvolvimento. Mais que isso, o Bem
Viver não só critica como combate o desenvolvimento. Muitas das críticas às
teorias e práticas do desenvolvimento – temos visto ao longo das últimas
décadas – propuseram outros tipos de desenvolvimento que não questionam sua
essência. Não se pode fazer uma crítica ao desenvolvimento sem cair em sua
repetição. Polemizando com os argumentos e os conceitos próprios do
desenvolvimento não se mudará os fundamentos que possibilitam sua existência. É
indispensável retirar do desenvolvimento as condições e as razões que
facilitaram sua difusão massiva e sua – inútil – perseguição por quase toda a
Humanidade. (ACOSTA, 2015, p. 238).
Interessante notarmos
que, mesmo sendo construção e utopia de partida, o Bem Viver se mostra, às
vexes, como meta, como uma seta a apontar a direção para onde devemos nos mover.
Isso não significa que nos moveremos necessariamente nesta direção. A superação
do extrativismo como primeiro impulso do desenvolvimentismo é, por assim dizer,
a meta e será a partir daí que vislumbraremos outros mundos possíveis. Os
passos a serem dados serão antecipados pela superação do modelo extrativista e,
consequentemente, o modelo de desenvolvimentismo que imagina ser possível um
desenvolvimento permanente e infinito baseado na exploração da natureza e do
ser humano.
O
Bem Viver aceita e apoia maneiras distintas de viver,
valorizando a diversidade cultural, a interculturalidade, a
plurinacionalidade e o pluralismo político. Diversidade que
não justifica nem tolera a destruição da Natureza, tampouco
a exploração dos seres humanos, nem a existência de grupos
privilegiados às custas do trabalho e sacrifício de outros. (ACOSTA, 2015, p. 240).
valorizando a diversidade cultural, a interculturalidade, a
plurinacionalidade e o pluralismo político. Diversidade que
não justifica nem tolera a destruição da Natureza, tampouco
a exploração dos seres humanos, nem a existência de grupos
privilegiados às custas do trabalho e sacrifício de outros. (ACOSTA, 2015, p. 240).
Respeitar
e valorizar outras culturas e formas de viver, desde que estas mesmas formas de
viver respeitem e valorizem as demais formas e a natureza como tal.
Interdependência e inter-relação talvez possam explicar melhor as bases de um
debate democrático e uma real construção de alternativas. A plurinacionalidade
se revela como um passo a mais nesse respeito e busca de uma democracia cada
vez mais participativa. Neste sentido, o reconhecimento dos territórios e
direitos dos povos originários passa a ser indispensáveis. Só haverão “mundos
possíveis” se o Bem Viver for capaz de contribuir na garantia desses direitos.
Direitos
humanos, direitos da natureza e Bem Viver se constituirão no tripé da
construção de um novo mundo. Não se pode admitir a existência de grupos
privilegiados em detrimento de outros. Por isso mesmo, se dizem que não há
salvação fora do desenvolvimentismo, afirmamos exatamente o contrário: não nos
haverá salvação se seguirmos violando os direitos dos seres humanos e da
natureza. Não haverá vida no desenvolvimentismo, a continuarmos trilhando este
caminho de superexploração dos recursos.
Na construção do “bem viver”, dois
eixos são sumamente importantes: o “bem viver” para todos, quer dizer, o
combate contra uma sociedade de classes e privilégios, e o “bem viver” para
sempre, que é o “bem viver” com memória histórica, o bem viver não apenas dos
sobreviventes e vencedores, mas o bem viver que dá voz e ouvido aos vencidos.
Sem essa dimensão de resgate histórico e horizonte escatológico é impossível
pensar o bem viver para sempre. Portanto, o bem viver tem uma dimensão que
perpassa o tempo (diacronia), uma dimensão transhistórica, e uma dimensão
contemporânea e simultânea (sincrónica), que enfoca o aqui e agora do indivíduo
e da sociedade. O bem viver não é construído em Spá nem em estúdio de wellnes,
mas num laboratório no qual se entrelaçam ação política e gratuidade. (SUESS,
2010, p. 1).
Dar
voz e ouvidos aos vencidos nos parece querer significar garantias de direitos a
estes povos, comunidades e segmentos, como bem observa Paulo Suess. Mais que
isso, reconhecer que sim, os vencidos historicamente são hoje nossa esperança.
Esperança em outros mundos possíveis. Uma esperança propositiva, que se põe a
caminho, que faz o enfrentamento e que dialoga. Uma esperança que reconhece os
problemas e limites, mas que se propõe honestamente a buscar soluções.
Resgatamos
a história na medida que nos propomos a reconstruí-la, não com rancor apenas,
mas com compromisso com o futuro e responsabilidade com a humanidade e com a
natureza. Eis ai um bom inicio para encontrarmos outros mundos possíveis:
sairmos de nosso comodismo e nos lançarmos nessa busca.
Referências
COSTA, Alberto. O Bem
Viver: Uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo. Autonomia
Literária e Editora Elefante, 2015.
Também disponível
eletronicamente em: https://rosaluxspba.org/wp-content/uploads/2017/06/Bemviver.pdf
FONSECA, Pedro Cezar Dutra:
Desenvolvimentismo: A Costrução do Conceito. IPEIA – Instituto de Pesquisa
Econômica Aplixada, Brasília 2015.
SUESS,
Paulo. Elementos para a busca do Bem Viver (Sumak Kawsay) para todos e sempre.
2010.
[1]
“Bom Viver” é a tradução
que mais respeita o termo utilizado pelo autor (Buen Vivir) e também o termo em
kíchwa (sumak kawsay), língua da qual nasceu o conceito em sua versão
equatoriana. De acordo com o Shimiyukkamu Dicionario Kichwa-Español, publicado
pela Casa de Cultura de Ecuador em 2007, sumak se traduz como hermoso, bello,
bonito, precioso, primoroso, excelente; kawsay, como vida. Ou seja, buen e
sumak são originalmente adjetivos, assim como “bom” – seu melhor sinônimo em
português, no caso. Vivir e sumak, por sua vez, são sujeitos.
[2]
Essa é uma das grandes
obras clássicas da literatura latino-americana. Leitura imperdível para aqueles
que gostam, querem ou precisam entender a História da América Latina.
As
veias abertas da América Latina,
de Eduardo Galeano, foi publicado pela primeira vez em 1970 e editado em
praticamente todos os países do continente, vários países da Europa e nos EUA.
Na
obra o autor propõe um inventário dos 500 anos da história do continente
retratando as suas principais bases: a economia agrícola e mineradora dominada
pelo mercado internacional, com o objetivo de gerar lucros para a potência
dominadora; a pobreza social como resultado de um sistema econômico externo e
excludente, que privilegia uma minoria financeiramente capaz de integrar-se aos
padrões de consumo; a opressão de governos centralizadores contra as minorias,
produzindo genocídios e o caos social; a exploração do trabalho e as péssimas
condições de sobrevivência para a grande maioria de sua população.
[3]
Alberto
José Acosta Espinosa ,
economista e esquerdista político equatoriano , nascido em Quito em 21 de
julho de 1948 . Acosta ao longo de
sua carreira manteve um perfil intelectual de esquerda , simpatizando com o marxismo , o terceiro-mundismo e, mais recentemente, com o
movimento antiglobalização e contra
a mineração .
[4]
Professor titular do
Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul – UFRGS e pesquisador do CNPQ (Pedro.fonseca@ufrgs.br)
[5] O subdesenvolvimento é um termo elaborado após o término da
Segunda Guerra Mundial para designar aqueles países que possuem um baixo índice
de riquezas, uma economia enfraquecida, com ausência de fatores estruturais e
sociais, além de altos registros de pobreza, concentração de renda e miséria.
Os países subdesenvolvidos – também chamados de “em desenvolvimento” –
correspondem àqueles territórios que, em maior ou menor grau, apresentam uma
relação de dependência econômica e estrutural para com outros países. (O que é o subdesenvolvimento. BrasilEscola.
Disponível
em https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/geografia/o-que-e-subdesenvolvimento.htm. Consultado em 23/05/2019.
[1]
Mestrando em Direito, pela Universidade
Católica de Petrópolis – UCP, no programa Processo e Efetivação da Justiça.