domingo, 7 de julho de 2019

O “BEM VIVER” COMO GARANTIA DE DIREITOS E ALTERNATIVA AO DESENVOLVIMENTISMO.


Lindomar Dias Padilha[1]


RESUMO:
Neste trabalho pretende-se apresentar o “Bem Viver” sempre em relação aos direitos da natureza, tendo o ser humano como parte desta evidenciando-se o Bem Viver como alternativa ao desenvolvimentismo. Os riscos e ameaças representados pelo modelo desenvolvimentista não só recaem sobre a natureza, mas recaindo sobre esta, recai sobre cada uma e cada um de nós. Assim, a perspectiva critica ao desenvolvimentismo é antes um chamamento para a defesa de direitos e da vida mesma de gerações futuras. Nossa crítica aos rumos, caminhos e descaminhos do desenvolvimentismo quer incentivar debates que visem a construção de uma sociedade mais justa pautada no respeito tendo o Bem Viver como apontando para outros mundos possíveis.

Introdução:

            Propor uma reflexão sobre o “Bem Viver”[1] como garantia de direitos e, ao mesmo tempo uma alternativa ao desenvolvimentismo, pensado o desenvolvimentismo conforme o modelo amplamente implementado na América Latina, não é muito fácil quando ainda se tem “Veias Abertas”[2] se pensarmos como Eduardo Galeano. Assim, a reflexão encontra amparo histórico mas, principalmente emergência para o futuro.
            Na primeira parte faremos uma pequena apresentação do tema do “desenvolvimentismo” como teoria econômica, que no caso da América Latina converte-se em economicismo com reflexos profundos na desigualdade social e na má distribuição de renda, bem como apresenta reflexos negativos na conquista e garantias de direitos, tanto Direitos da Natureza quanto direitos das populações tradicionais e povos originários. O desenvolvimentismo, nestas condições, converte-se em ameaça planetária.
            Na tentativa de apresentar possível alternativa ao modelo desenvolvimentista, na segunda parte falaremos do “Bem Viver” associando-o necessariamente aos Direitos da Natureza por considerarmos, seguindo os rastros de Alberto Acosta[3], que um não existe sem o outro. Embora Acosta se apresente aqui como nosso principal autor, temos, a bem da verdade, que dizer que o Bem Viver tem sido pensado em toda a América Latina por diversos pensadores e sob várias perspectiva. Cabe ainda mencionar que, como modo de vida, o Bem Viver é praticado praticamente por todos os povos originários. Aliás, o vínculo dos povos originários com o bem viver é tamanho que nesta parte diremos que o Bem Viver implicaria no reconhecimento dos direitos desses povos e comunidades tradicionais e, por isso mesmo, no reconhecimento de que a natureza é de fato sujeito de direitos e não mero objeto que se compra.
            Na terceira e última parte e já como considerações, falaremos e apontaremos o próprio Bem Viver para sinalizar que sim, existem outros mundos possíveis. A ideia, decorrente principalmente do pensamento de Acosta, é de que sempre estamos em processo, em construção destes mundos. Portanto, temos uma utopia que não nos diz onde devemos ou queremos chegar, mas uma utopia que nos faz mover em direção dessses mundos possíveis.
I.                   O desenvolvimentismo:

Neste tópico apresentaremos o conceito em construção de desenvolvimentismo proposto por Pedro Cezar Dutra Fonseca[4] para quem, a despeito de análise de outros economistas, pode ser entendido como “desenvolvimento”, “bem-estar”, “equilíbrio” e “valor”, o sentido pode alterar-se total ou parcialmente de acordo com a abordagem teórica. (FONSECA, 2015, p. 7). O que nos salta aos olhos no proposto, mesmo que em construção conceitual, é a adoção de ideias de “valor” empregada como “equilíbrio”. Para os economistas, então, o desenvolvimentismo seria em sim um valor e que guarda relação de equilíbrio.

Entretanto, preferimos assinalar que a ideia de bem-estar, por exemplo, poderia implicar em acúmulo necessário à construção deste sentimento. Algo como bem-estar resultante da ideia de desenvolvimento como superação do próprio subdesenvolvimento. Mais:

Desenvolvimentismo pertence à mesma família de termos como “ortodoxia”, “neoliberalismo” e “keynesianismo”, os quais servem para designar alternativamente duas coisas por certo indissociáveis, mas que não são exatamente o mesmo nem do ponto de vista epistemológico, nem na prática cotidiana: i) um fenômeno do “mundo material”, ou seja, um conjunto de práticas de política econômica4 propostas e/ou executadas pelos formuladores de políticas, isto é, fatos concretos ou medidas “reais” que compartilham um núcleo comum de atributos que os caracteriza como tal; e ii) um fenômeno do “mundo do pensamento”, ou seja, um conjunto de ideias que se propõe a expressar teorias, concepções ou visões de mundo. (FONSECA, 2015, p. 8).

            Nesta perspectiva o desenvolvimento guardaria estreita relação aos modelos econômicos propostos para designar uma escola de pensamento que tenderia mais ou menos, segundo o grau de conservadorismo, a um maior ou menor acúmulo e controle fiscal, de fluxo econômico seguindo a ideia de desenvolvimento como oposição ao subdesenvolvimento. Estados desenvolvidos tenderiam ao “equilíbrio” ao passo que os estados subdesenvolvidos estariam em constante “desequilíbrio”. A imprecisão conceitual da qual nos chama a atenção Fonseca, não pode, no entanto, inviabilizar por completo o uso do termo em outra esfera que não a econômica. Se os termos são usados é porque são úteis, (FONSECA, 2015, p. 9) já que tanto os economistas quanto o público, como é o caso de “desenvolvimentismo”, continuam a utilizá-lo, depreendendo-se que não conseguem prescindir dele. Mais que conceito, imaginemos que o desenvolvimentismo seja uma espécie vontade econômica. Daí a ideia de que seja um conceito impreciso e que carece de informações metodológicas e o lugar de seu emprego.
            O subdesenvolvimentismo[5] se for tomado como ponto de análise para o desenvolvimentismo aplica-se em relação aos ditos países do primeiro mundo e os de terceiro mundo. Neste caso, sinalizo a relação com a América Latina, que particularmente nos interessa aqui. (FONSECA, 2015, p.10) sinaliza ainda que o conceito foi utilizado indiretamente para designar um conjunto de atributos caracterizadores, em termos ideais, da política econômica de determinados governos empenhados na superação do subdesenvolvimento.
            Neste caso, fica mais próximo do que trato aqui com o nome de desenvolvimentismo uma teoria econômica que está mais centrada no crescimento econômico, baseado na industrialização e na infraestrutura, com forte intervenção do estado, em detrimento do desenvolvimento social. (SANTIAGO, 2015, p.1). Toda a ideia, ou intenção manifesta nos termos “valor”, “bem-estar” e “equilíbrio”, nada mais seria que bons conselhos. De fato, o que realmente conta é o chamado desenvolvimento econômico, ainda que em detrimento do desenvolvimento social em alguns casos. Mas FONSECA, em sua formulação faz ainda a seguinte observação:

A inquietude vem da dúvida expressa na questão: será que os governos latino-americanos comumente citados pela literatura como exemplos de desenvolvimentismo apresentam, total ou parcialmente, os atributos arrolados pelos autores anteriormente pesquisados em suas conceituações? Este exercício adicional facilita e dá mais segurança para, em passo posterior, chegar-se à abstração inerente a qualquer exercício de conceituação. Possui, ademais, a vantagem de superar a multiplicidade caótica da empiria sem, todavia, cair em uma definição axiomática exclusiva, unívoca e fechada a ela. (FONSECA, 2015 p. 14).

            É louvável e plenamente compreensível a dúvida e a necessidade de aclaramento conceitual, tanto mais que Fonseca analisa o que há de comum nas diversas conceituações. Por outro lado, há claramente a intenção de evitar que se caia em uma definição unívoca e fechada. De nossa parte, porém, optamos pela construção do conceito localizando-o na relação entre subdesenvolvimento e desenvolvimentismo, notadamente na América Latina. Se por um lado, conceitos mais fechados limitam, por outro, facilitam a externar o local de nossa fala. Não obstante nossa escolha, temos que registrar a preocupação com a honestidade intelectual frente ao que propõe extensamente Fonseca.
Mas, no nosso caso, é quase indissociável a ideia de industrialização dos países latinos americanos e isso tem especial importância ao analisarmos aspectos dos direitos da natureza e ao Bem Viver. Falamos talvez de visões inegociáveis e díspares que excluiriam uma a outra:

É o que ocorre com desenvolvimentismo. De um lado, o termo remete a uma racionalidade imediata quanto a fins: crescimento da produção e da produtividade. Tal faceta descortina seu caráter “técnico”, objeto de planejamento, quantificável em metas e taxas desejáveis a serem buscadas conscientemente, através de meios tidos como mais adequados – os instrumentos de política econômica. Já os valores se manifestam quando o desenvolvimentismo toma a forma de ideologia de construir um novo mundo 28 Brasília, julho de 2015 “melhor” ou “mais harmônico”. (FONSECA, 2015, p. 28).

            A tentativa de conciliação entre Desenvolvimentismo, como crescimento infinito e altas taxas de produtividade, nos parece ser o cerne do problema que aqui apresentamos. E por julgarmos o crescimento permanente com preservação ambiental dados irreconciliáveis é que o Bem Viver se apresenta como necessariamente vinculado aos direitos da natureza, tema que abordaremos a seguir.


II.                O Bem Viver e os direitos da natureza

Como dissemos anteriormente, o bem viver opõe-se francamente ao desenvolvimento permanente, ou como disse TURINO ao prefaciar ACOSTA:

Conforme Acosta nos demonstra, somente podemos entender o Bem Viver em oposição ao “viver melhor” ocidental (ou à dolce vita de alguns), que explora o máximo dos recursos disponíveis até exaurir as fontes básicas da vida. Assim, o Bem Viver tem um forte sentido presente, contrapondo-se à iniquidade própria do capitalismo, em que poucos vivem bem em detrimento da grande maioria. (TURINO, Célio. Prefácil in: ACOSTA, Alberto. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Elefante Ed. 2015).

            Eis aí uma espécie de nascedouro do que estamos chamando de Direitos da Natureza. Ou seja, os direitos dos que “ainda não”, direitos do por vir. Direito a que o planeta siga nos proporcionando a vida. Em larga medida, então, podemos dizer que o direito da natureza completa ou adiciona direitos aos direitos humanos. Parece-nos obvio que, se a natureza que é quem nos dá gratuitamente os meios para dela extrairmos alimentos e vida, ao defendê-la e conferir-lhe direitos, em última instância é a nós mesmos que defendemos e defendemos o direito de gerações futuras. Então, de onde nos vem que a natureza precisa de leis e direitos que garanta sua reprodução? Não seria a própria natureza que se organizaria e prepararia uma espécie de “vingança”? Cremos que não.
O processo de destruição da natureza e a não garantia de direitos é antes uma atitude suicida e de gigantesca irresponsabilidade. Urge que mudemos de atitude e, para conter o ímpeto destrutivo do desenvolvimentismo, tornam se necessárias leis e o mínimo de garantia dos direitos da natureza. E não falamos da natureza apenas como geradora, senão como mantenedora da vida e único abrigo até aqui seguro.

O mundo precisa de mudanças profundas, radicais. Urge superar as visões simplistas que transformaram o economicismo em eixo da sociedade. Necessitamos outras formas de organização social e novas práticas políticas. Para obtê-las, é imprescindível despertar a criatividade e consolidar o compromisso com a vida, para não nos convertermos em meros aplicadores de procedimentos e receitas caducas. (ACOSTA, 2015, p. 20).

            Mudanças profundas e radicais que desfoquem o economicismo e, consequentemente, o desenvolvimentismo como eixo principal. Evidentemente não falamos em negação da economia ou ainda de um devaneio sobre um mundo de santas e santos. Falamos antes de medidas políticas que regulem novas práticas sociais. Interessante como buscar o melhor exige de nós mesmos, enquanto sociedade, normas e até punições. O que há de tão difícil em fazer aquilo que nos fará melhor? Mas não. Seguimos criando obstáculos ao Bem Viver e, assim, promovendo a vida boa de alguns. A velha ideia de que se acumulam os benefícios e repartem-se os danos. Aqui é questão de responsabilidade. Tanto mais, tanto maior a responsabilidade. Os que mais acumulam são os que devem contribuir com mais e isso só se dará por meio de exigências e formas de defesa dos direitos da natureza. Não há e não haverá caminho se não o caminharmos juntos.
                                               A natureza como sujeito, superando a velha ideia de tomarmo-la como mero objeto ou como propriedade, já nos aponta possibilidades. Se não dermos este passo na direção de que a natureza tem o direito de existir, persistir, manter e regenerar seus ciclos biológicos, e aqui não falamos em “serviços ambientais”, mas, em ciclos que corresponderiam às “funções naturais”, dificilmente teremos condição de sairmos deste suposto dilema em que nos encontramos.  Os direitos da natureza, compreendidos como o equilíbrio do que é bom para os seres humanos de hoje os que ainda virão com o que é bom para as outras espécies do planeta, é a chave para a busca desta superação.

O Bem Viver apresenta-se como uma oportunidade para construir coletivamente novas formas de vida. Não se trata simplesmente de um receituário materializado em alguns artigos constitucionais, como no caso do Equador e da Bolívia (...). O Bem Viver deve ser considerado parte de uma longa busca de alternativas de vida forjadas no calor das lutas populares, particularmente dos povos e nacionalidades indígenas. São ideias surgidas de grupos tradicionalmente marginalizados, excluídos, explorados e até mesmo dizimados. São propostas invisibilizadas por muito tempo, que agora convidam a romper radicalmente com conceitos assumidos como indiscutíveis. Estas visões pós-desenvolvimentistas superam as correntes heterodoxas, que na realidade miravam a “desenvolvimentos alternativos”, quando é cada vez mais necessário criar “alternativas de desenvolvimento”. É disso que se trata o Bem Viver. (ACOSTA, 2015, p. 70).

            A superação que se mostra implícita nos direitos da natureza, será a mesma superação das populações e grupos marginalizados historicamente. Por isso mesmo, o Bem Viver não pode ser entendido como meras ingenuidades ou alternativas da parte daqueles que são tidos como contrários e empecilho ao desenvolvimento. Isso representa uma mudança radical e dota-se de caráter civilizatório e libertador ao mesmo tempo. Notadamente as populações que mais preservam e vivem em harmonia com a natureza são as que, assim como a própria natureza, precisam ter seus direitos respeitados e o quanto antes. Garantia de direitos aos povos originários e comunidades tradicionais reveste-se em direitos da natureza e aponta para um futuro possível, ainda.
            Ao dizermos “ainda” nos aproximamos da ideia de Bem Viver como uma oportunidade. Trata-se, antes, de uma nova chance que estes povos e comunidades originários, bem como de sorte a própria natureza, nos concede por mais uma vez. Abraçar esta oportunidade é sinal de inteligência ou nas palavras de ACOSTA:

O Bem Viver – ou melhor, os bons conviveres – é uma oportunidade para construir um mundo diferente, que não será alcançado apenas com discursos estridentes, incoerentes com a prática. Outro mundo será possível se for pensado e erguido democraticamente, com os pés fincados nos Direitos Humanos e nos Direitos da Natureza. (ACOSTA, 2015, p. 21)

            Respeito aos Direitos Humanos e aos Direitos da Natureza combina perfeitamente com Democracia. O Bem Viver é, portanto, uma proposta a ser construída pelos caminhos da democracia e rumados para outros mundos possíveis ou pelo menos, um outro mundo sonhado mas também construído e já experimentado por diversos povos e culturas. Abrir-se para recepcionar e, ao mesmo tempo exigir que os direitos Humanos e da Natureza sejam garantidos e respeitados é o primeiro e talvez o passo mais importante rumo a uma democracia participante capaz de construir novas sociedades, novas pessoas e novos mundos.

III.             Considerações: Outros mundos possíveis

Outros mundos são possíveis se, e somente se, nos abrirmos e juntarmo-nos na efetiva construção destes mundos. Um ponto central é abrirmos mão em definitivo da ideia de crescimento infinito e superexploração da natureza e da mão de obra. ACOSTA vincula a superexploração e, claro, o crescimento, ao extrativismo.

A construção do Bem Viver, que é a meta que deve inspirar o pós-extrativismo, tem de ser assumida como uma alternativa ao desenvolvimento. Mais que isso, o Bem Viver não só critica como combate o desenvolvimento. Muitas das críticas às teorias e práticas do desenvolvimento – temos visto ao longo das últimas décadas – propuseram outros tipos de desenvolvimento que não questionam sua essência. Não se pode fazer uma crítica ao desenvolvimento sem cair em sua repetição. Polemizando com os argumentos e os conceitos próprios do desenvolvimento não se mudará os fundamentos que possibilitam sua existência. É indispensável retirar do desenvolvimento as condições e as razões que facilitaram sua difusão massiva e sua – inútil – perseguição por quase toda a Humanidade. (ACOSTA, 2015, p. 238).

            Interessante notarmos que, mesmo sendo construção e utopia de partida, o Bem Viver se mostra, às vexes, como meta, como uma seta a apontar a direção para onde devemos nos mover. Isso não significa que nos moveremos necessariamente nesta direção. A superação do extrativismo como primeiro impulso do desenvolvimentismo é, por assim dizer, a meta e será a partir daí que vislumbraremos outros mundos possíveis. Os passos a serem dados serão antecipados pela superação do modelo extrativista e, consequentemente, o modelo de desenvolvimentismo que imagina ser possível um desenvolvimento permanente e infinito baseado na exploração da natureza e do ser humano.

O Bem Viver aceita e apoia maneiras distintas de viver,
valorizando a diversidade cultural, a interculturalidade, a
plurinacionalidade e o pluralismo político. Diversidade que
não justifica nem tolera a destruição da Natureza, tampouco
a exploração dos seres humanos, nem a existência de grupos
privilegiados às custas do trabalho e sacrifício de outros. (ACOSTA, 2015, p. 240).

            Respeitar e valorizar outras culturas e formas de viver, desde que estas mesmas formas de viver respeitem e valorizem as demais formas e a natureza como tal. Interdependência e inter-relação talvez possam explicar melhor as bases de um debate democrático e uma real construção de alternativas. A plurinacionalidade se revela como um passo a mais nesse respeito e busca de uma democracia cada vez mais participativa. Neste sentido, o reconhecimento dos territórios e direitos dos povos originários passa a ser indispensáveis. Só haverão “mundos possíveis” se o Bem Viver for capaz de contribuir na garantia desses direitos.
            Direitos humanos, direitos da natureza e Bem Viver se constituirão no tripé da construção de um novo mundo. Não se pode admitir a existência de grupos privilegiados em detrimento de outros. Por isso mesmo, se dizem que não há salvação fora do desenvolvimentismo, afirmamos exatamente o contrário: não nos haverá salvação se seguirmos violando os direitos dos seres humanos e da natureza. Não haverá vida no desenvolvimentismo, a continuarmos trilhando este caminho de superexploração dos recursos.

            Na construção do “bem viver”, dois eixos são sumamente importantes: o “bem viver” para todos, quer dizer, o combate contra uma sociedade de classes e privilégios, e o “bem viver” para sempre, que é o “bem viver” com memória histórica, o bem viver não apenas dos sobreviventes e vencedores, mas o bem viver que dá voz e ouvido aos vencidos. Sem essa dimensão de resgate histórico e horizonte escatológico é impossível pensar o bem viver para sempre. Portanto, o bem viver tem uma dimensão que perpassa o tempo (diacronia), uma dimensão transhistórica, e uma dimensão contemporânea e simultânea (sincrónica), que enfoca o aqui e agora do indivíduo e da sociedade. O bem viver não é construído em Spá nem em estúdio de wellnes, mas num laboratório no qual se entrelaçam ação política e gratuidade. (SUESS, 2010, p. 1).

            Dar voz e ouvidos aos vencidos nos parece querer significar garantias de direitos a estes povos, comunidades e segmentos, como bem observa Paulo Suess. Mais que isso, reconhecer que sim, os vencidos historicamente são hoje nossa esperança. Esperança em outros mundos possíveis. Uma esperança propositiva, que se põe a caminho, que faz o enfrentamento e que dialoga. Uma esperança que reconhece os problemas e limites, mas que se propõe honestamente a buscar soluções.
            Resgatamos a história na medida que nos propomos a reconstruí-la, não com rancor apenas, mas com compromisso com o futuro e responsabilidade com a humanidade e com a natureza. Eis ai um bom inicio para encontrarmos outros mundos possíveis: sairmos de nosso comodismo e nos lançarmos nessa busca.



Referências
COSTA, Alberto. O Bem Viver: Uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo. Autonomia Literária e Editora Elefante, 2015.
Também disponível eletronicamente em: https://rosaluxspba.org/wp-content/uploads/2017/06/Bemviver.pdf
FONSECA, Pedro Cezar Dutra: Desenvolvimentismo: A Costrução do Conceito. IPEIA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplixada, Brasília 2015.

SUESS, Paulo. Elementos para a busca do Bem Viver (Sumak Kawsay) para todos e sempre. 2010.







[1] “Bom Viver” é a tradução que mais respeita o termo utilizado pelo autor (Buen Vivir) e também o termo em kíchwa (sumak kawsay), língua da qual nasceu o conceito em sua versão equatoriana. De acordo com o Shimiyukkamu Dicionario Kichwa-Español, publicado pela Casa de Cultura de Ecuador em 2007, sumak se traduz como hermoso, bello, bonito, precioso, primoroso, excelente; kawsay, como vida. Ou seja, buen e sumak são originalmente adjetivos, assim como “bom” – seu melhor sinônimo em português, no caso. Vivir e sumak, por sua vez, são sujeitos.

[2] Essa é uma das grandes obras clássicas da literatura latino-americana. Leitura imperdível para aqueles que gostam, querem ou precisam entender a História da América Latina.

As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, foi publicado pela primeira vez em 1970 e editado em praticamente todos os países do continente, vários países da Europa e nos EUA.
Na obra o autor propõe um inventário dos 500 anos da história do continente retratando as suas principais bases: a economia agrícola e mineradora dominada pelo mercado internacional, com o objetivo de gerar lucros para a potência dominadora; a pobreza social como resultado de um sistema econômico externo e excludente, que privilegia uma minoria financeiramente capaz de integrar-se aos padrões de consumo; a opressão de governos centralizadores contra as minorias, produzindo genocídios e o caos social; a exploração do trabalho e as péssimas condições de sobrevivência para a grande maioria de sua população.

[3] Alberto José Acosta Espinosa , economista e esquerdista político equatoriano , nascido em Quito em 21 de julho de 1948 . Acosta ao longo de sua carreira manteve um perfil intelectual de esquerda , simpatizando com o marxismo , o terceiro-mundismo e, mais recentemente, com o movimento antiglobalização e contra a mineração .
[4] Professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e pesquisador do CNPQ (Pedro.fonseca@ufrgs.br)
[5] O subdesenvolvimento é um termo elaborado após o término da Segunda Guerra Mundial para designar aqueles países que possuem um baixo índice de riquezas, uma economia enfraquecida, com ausência de fatores estruturais e sociais, além de altos registros de pobreza, concentração de renda e miséria. Os países subdesenvolvidos – também chamados de “em desenvolvimento” – correspondem àqueles territórios que, em maior ou menor grau, apresentam uma relação de dependência econômica e estrutural para com outros países.  (O que é o subdesenvolvimento. BrasilEscola.



[1]  Mestrando em Direito, pela Universidade Católica de Petrópolis – UCP, no programa Processo e Efetivação da Justiça.