terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Povo Madjá realisa assembleia na Aldeia Estirão, Rio Eirú, municío de Eirunepé, AM: NÃO TOLERAREMOS MAIS VIOLAÇÕES DE NOSSOS DIREITOS

 

Assembleia Madjá. Foto Lindomar Padilha

    Nos dias 10, 11 e 12 de janeiro de 2022, o povo Madjá realizou assembleia para discutir e decidir sobre diversos aspectos que interferem diretamente na vida do povo como educação, saúde, território bem como as diversas violências sofridas principalmente quando estão nas cidades. A assembleia foi realizada na Aldeia Estirão, no Rio Eirú, no município de Eirunepé, Estado do Amazonas.
    Contou com a participação de representantes e líderes do povo e ainda com a participação de aliados como representantes do Cimi, Regional Amazônia Ocidental, representante do Conselho de Missão entre Índios - Comin, Sra. Vilma, voluntária na defesa dos povos em Eirunepé, Antropólogo do Ministério Público Federal de Manaus, representantes do povo Tukuna e ainda com a presença do representante da Fundação Nacional do Índio - Funai de Eirunepé.
    O abandono da escola e da educação de modo geral é o reflexo de toda falta de atenção e respeito para com o povo. Aliás, não há escolas e a que tem é justamente esta que aparece na imagem. Ou seja, sem nenhuma condição de acolher professores e alunos. Os próprios indígenas tiveram que construir bancos e cobrir o telhado para que a assembleia pudesse se realizar nas dependência daquilo que insistem em chamar de "escola"
Reparos na escola. Foto Lindomar Padilha

Debates em grupo sobre a escola que queremos. Foto Lindomar Padilha

    Não bastasse o abandono físico, desde 2018 não há professores contratados e nem merenda escolar. A desassistência e o desinteresse por parte da prefitura de Eirunepé (e demais prefeituras que deveriam prestar assistência aos povos Madjá e Tukuna) é tanto que se quer enviaram representantes à assembleia. Ao contrário, circula pelas redes sociais da prefeitura de Eirunepé imagens de supostas escolas em construção nas aldeias indígenas. Mentira.
Destaque às mulheres Madjá. Foto Lindomar Padilha

    Mereceu destaque a participação das mulheres que por diversos momentos deram o tom da assembleia e conduziram com maestria os trabalhos. Parabenizo em nome de todas elas, à Zuíla Madjá, primeira cacique mulher do povo Madjá.
    O povo Madjá encontra-se em total abandono em todos os níveis e, por isso há muitos casos de mortes violentas, agressões inimagináveis, assassinatos e mesmo suicídios. É urgente que se faça uma campanha nacional e até internacional para que a vida do povo Madjá seja garantida. Juntemo-nos aos Madjá para denunciar o verdadeiro genocídio em curso.
    E foi assim, com toda força e coragem que os madjá soltaram esta forte carta que transcrevo a seguir.

Carta pública do povo Madijá

Nós, povos Madja e Tukuna, reunidos em assembleia na aldeia Estirão, nos dias 10,11 e 12 de janeiro de 2022, decidimos tornar público por meio desta carta, nossas reivindicações e exigências bem como manifestar nosso posicionamento frente as diversas situações que atingem nossa dignidade pessoa humana e povo que somos. Comunicamos ainda que além desta carta serão encaminhados documentos e relatório às entidades e órgãos públicos e autoridades competentes sempre com cópia ao Ministério Público Federal. Neste sentido DENUNCIAMOS:

* Denunciamos as constantes invasões de nosso território seja por madeireiros, caçadores pescadores ou outras formas de violação de nosso território.

* Denunciamos a falta de escolas em nossas aldeias, falta de contratação de professores indígenas, falta de merenda escolar e falta de cursos de formação de professores.

* Denunciamos a falta de espaços adequados para o atendimento dos profissionais de saúde em nossas aldeias, como postos de atendimento e casa para alojamento.

* Denunciamos a falta de contratação de Agentes de saúde indígenas, microscopistas e outros profissionais.

* Denunciamos a falta de contratação de intérpretes de nossa língua na FUNAI, nos órgãos públicos e de assistência.

* Denunciamos a retenção de cartões de benefícios por pessoas que não tem procuração para isso, como comerciantes e outros.

* Denunciamos a exploração de nossos parentes através da venda superfaturada de produtos e até da venda de produtos com prazo de validade vencido.

* Denunciamos a venda indiscriminada de bebidas alcóolicas a nossos parentes bem como a indução ao consumo dessas bebidas.

* Denunciamos as constantes agressões, violações, atos de racismo, preconceito e toda sorte de crimes contra nossos parentes quando estes se encontram na cidade.

* Denunciamos o cartório de Eirunepé que não nos atende com dignidade e nos descrimina.

EXIGIMOS, portanto, a imediata solução para as denúncias apresentadas acima e que as autoridades, órgãos e entidades responsáveis apresentem imediatamente propostas que sejam capazes de responder às nossas exigências, anseios e que contribuam para o cumprimento de nossos direitos.

Por fim, comunicamos a todos os órgãos, instituições públicas, privadas e à sociedade em geral que NÃO SERÃO TOLERADAS nenhuma forma de discriminação, racismo, preconceito e, sobre tudo nenhuma forma de violência contra nosso povo ou qualquer pessoa de nosso povo. Utilizaremos de todos os meios necessários para que sejamos tratados com o mais absoluto respeito e dignidade, conforme nossos direitos
assegurados.

Seguiremos denunciando onde for necessário e jamais nos calaremos diante de qualquer injustiça até que nosso povo seja respeitado e tratado com igualdade de direito e dignidade.

Aldeia Estirão, Município de Eirunepé, 12 de janeiro de 2022.




quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Bolsonaro e o genocídio indígena Mata-se um povo quando se criam condições que podem levá-lo à destruição

 Reproduzo aqui um texto da Dra.Deborah Duprat publicado na Folha de São Paulo que deve ser acessado AQUI

Deborah Duprat

A concepção dos povos originários da América como inferiores e a violência do projeto colonial vão alimentar, em larga medida, as teorias raciais do século 19 e a própria formação dos Estados nacionais, com a noção de homogeneidade que lhe é correlata. A combinação desses ingredientes culminou no nazismo e no Holocausto judeu, chamando a atenção da Europa, pela primeira vez, para o fenômeno da eliminação dos "seus outros".

Em 11 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio. Em ambos os casos, parte-se da premissa de que, se os direitos humanos são universais, é fundamental assegurar o pluralismo das sociedades nacionais, com abandono da ideia de superioridade de um grupo sobre os demais.

A convenção diz que o genocídio é crime tanto em tempo de paz como em tempo de guerra e o define como a prática de atos cometidos com a intenção de "destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso". Já o seu artigo 2º, "c", diz que constitui ato de genocídio "submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial".

A Constituição Federal determina a demarcação das terras indígenas porque são espaços essenciais à autodeterminação desses povos. A negativa ou omissão deliberadas da demarcação configura o crime de genocídio na modalidade inscrita no artigo 2º, "c", da convenção —ou seja, mata-se um povo quando lhe são impostas condições de vida capazes de levar à sua destruição física. Seus membros morrem, e os sobreviventes se submetem a um processo de integração à cultura dominante. O povo preexistente deixa de existir. Foi o que aconteceu com vários povos indígenas ao longo do projeto colonial.

Dito isso, é preciso denunciar que está em curso um processo de genocídio dos indígenas no Brasil, capitaneado pelo presidente da República. Discursivamente, ele trata esse segmento da sociedade como inferior e diz que não irá demarcar —como não demarcou— um centímetro de área indígena. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), em ação proposta perante o Supremo Tribunal Federal, evidenciou que esses discursos levaram a ondas de invasões de terras indígenas. Dados do Prodes, sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), revelam que, em 2019, a taxa anual de desmatamento em toda a Amazônia foi de 34,41%, mas que esse incremento foi de 80% quando consideradas apenas as terras indígenas.

No contexto da Covid-19, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos concedeu medida cautelar em favor dos povos indígenas Yanomami e Ye’kwana, apontando a presença, em seus territórios, de 20 mil garimpeiros. Também assim procedeu em relação aos povos indígenas Munduruku, Guajajara e Awá, todos com seus territórios invadidos e vítimas de ampla disseminação da doença. Relatório de 2021 produzido pelo Conselho Indigenista Missionário aponta que os casos de invasão de terras indígenas em 2020 tiveram um acréscimo de 137% em relação a 2018. Foram atingidas pelo menos 201 terras indígenas, de 145 povos, em 19 estados.

Jair Bolsonaro organizou toda a burocracia para negar direitos territoriais a esses povos e abrir suas terras para atividades que ele considera produtivas. Embutidas nesse aparato, as velhas ideias da supremacia racial e da necessidade de assimilação das culturas dissidentes. Isso tem nome: genocídio.

Deborah Duprat: advogada e subprocuradora-geral da República aposentada, participou do Tribunal do Genocídio, no Tuca (Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), como representante da sociedade na acusação.