segunda-feira, 23 de agosto de 2021

CONJUNTURA E MOBILIZAÇÃO INDÍGENA: Agosto 2021

 

Lindomar Dias Padilha

 

            Na quarta feira, dia 18, tive a honra de acompanhar cerca de 120 lideranças indígenas que realizaram uma formação e análise da situação atual do PL 490 bem como da retomada do julgamento de repercussão geral marcada pelo STF para o dia 25 deste mês de agosto. Na ocasião, me foi dado a oportunidade de fala para contribuir na compreensão do tema. É importante salientar que os indígenas estavam muito conscientes da situação e do que iriam fazer em Brasília (a delegação sairia no dia seguinte, 19, para Brasília onde participa da mobilização nacional contra o PL 490 e o marco temporal).

            Iniciei minha fala tentando explicar o que é um PL (Projeto de Lei), uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) e a repercussão geral que será votado pelo STF e se refere ao caso da ação movida contra o povo Xokleng em Santa Catarina. É repercussão geral porque a decisão se aplicará nas demais terras indígenas. Entretanto, quis também demonstrar que todas essas medidas e propostas contrapõem-se à tese do indigenato. A tese do indigenato fundamenta-se no fato de que os povos originários estavam nos territórios antes da chegada do invasor. Portanto, o direito ao território não pode se limitar a um marco temporal. O alvará régio de 1º de abril de 1680, pela primeira vez, faz referência ao direito originário dos povos aos seus territórios. Fiz toda a fala no intuito de demonstrar que o estado brasileiro nasce justamente do espolio dos territórios dos povos originários. Por isso mesmo, não há governo bom para os povos. Tem governos piores, mas, nenhum será realmente bom. Por outro lado, há 521 anos os povos têm resistido e agora não será diferente. Qualquer que seja a decisão, os povos seguirão mobilizados e resistindo porque os ataques não cessarão.

            Dado a necessidade de motivá-los, não fiz uma análise mais conjuntural sobre as possibilidades no supremo, por isso a faço agora neste pequeno texto. Em relação ao PL 490, a situação é muito mais grave, pois a composição da Câmara Federal é francamente contra os povos indígenas, basta que notemos o que ocorreu na CCJ. A CCJ não poderia ter dado prosseguimento ao PL por ser este fragrantemente inconstitucional. Ou seja, a tendência é que as bancadas ante indígenas forme maioria. Porém, a formação de maioria não significa que o PL seja aprovado. É necessário pelo menos 257 votos a favor e ainda deve ser votado em dois turnos. Mesmo assim, o risco é grande e os povos devem mesmo permanecer mobilizados.

            No caso da votação no STF a composição, grosso modo, é a seguinte:

CONTRA – Kassio Nunes, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.

A FAVOR – Edson Fachini, Luiz Roberto Barroso, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.

            Os demais representam uma incógnita ainda maior e vai depender muito da capacidade de convencimento do voto do relator e, claro, da mobilização dos povos. Há uma grande possibilidade de que ocorra uma manobra, caso a turma contra os indígenas perceba que perderá. Pode acontecer, por exemplo, que Kassio Nunes (ou mesmo Gilmar Mendes) peça vista e adie o julgamento dando tempo para que os deputados votem o PL 490. Creio que esta será a manobra mais provável. Fora esta ou outra manobra qualquer, os Xokleng devem ter maioria dos votos e assim, cai a tese do marco temporal. Mas tenhamos atenção. Mesmo que o supremo decida em favor dos povos e contra o marco temporal, o PL pode ter prosseguimento, embora perca força.

            Como já disse anteriormente, seja qual for a decisão no STF, devemos continuar mobilizados porque a força das bancadas BBB é muito grande. Penso que deveríamos conversar mais sobre este tema e remontarmos ao julgamento de Raposa Serra do Sol e as 19 condicionantes.

 

Rio Branco, agosto de 2021.

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

APIB denuncia Bolsonaro, em Haia, por genocídio indígena

 Pela primeira vez na história, povos indígenas vão diretamente ao tribunal de Haia, com seus advogados indígenas, para lutar pelos seus direitos


Brasília, 9 de agosto de 2021 - A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) protocolou, nesta segunda-feira (9), um comunicado no Tribunal Penal Internacional (TPI) para denunciar o governo Bolsonaro por Genocídio. Na data que marca o dia Internacional dos Povos Indígenas, a organização solicita que a procuradoria do tribunal de Haia examine os crimes praticados contra os povos indígenas pelo presidente Jair Bolsonaro, desde o início do seu mandato, janeiro de 2019, com atenção ao período da pandemia da Covid-19.
 
Com base nos precedentes do TPI, a Apib demanda uma investigação por crimes contra a humanidade (art. 7. b, h. k Estatuto de Roma - extermínio, perseguição e outros atos desumanos) e genocídio (art. 6. B e c do Estatuto de Roma - causar severos danos físicos e mentais e deliberadamente infligir condições com vistas à destruição dos povos indígenas). Pela primeira vez na história, povos indígenas vão diretamente ao TPI, com seus advogados indígenas, para se defenderem desses crimes.
 
O acervo do comunicado protocolado é composto por denúncias de lideranças e organizações indígenas, documentos oficiais, pesquisas acadêmicas e notas técnicas, que comprovam o planejamento e a execução de uma política anti-indígena explícita, sistemática e intencional encabeçada por Bolsonaro.
 
“Acreditamos que estão em curso no Brasil atos que se configuram como crimes contra a humanidade, genocídio e ecocídio. Dada a incapacidade do atual sistema de justiça no Brasil de investigar, processar e julgar essas condutas, denunciamos esses atos junto à comunidade internacional, mobilizando o Tribunal Penal Internacional", destaca Eloy Terena, coordenador jurídico da Apib.
 
De acordo com trecho do comunicado, “o desmantelamento das estruturas públicas de proteção socioambiental e aos povos indígenas desencadeou invasões nas Terras Indígenas, desmatamento e incêndios nos biomas brasileiros, aumento do garimpo e da mineração nos territórios.”
 
Para a Apib os ataques aos territórios e aos povos indígenas foram incentivados por Bolsonaro em muitos momentos ao longo de sua gestão. Os fatos que evidenciam o projeto anti-indígena do Governo Federal, vão desde a explícita recusa em demarcar novas terras, até projetos de lei, decretos e portarias que tentam legalizar as atividades invasoras, estimulando os conflitos.
 
“A Apib permanecerá em luta pelo direito dos povos indígenas de existirem em sua diversidade. Somos povos originários e não nos renderemos ao extermínio”, enfatiza Eloy que é um dos oito advogados indígenas que assinam o comunicado.
 
O documento de denúncia, enviado ao TPI, também contou com o apoio do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu e da Comissão Arns, que protocolaram, em 2019, outro comunicado à Procuradoria do TPI contra Bolsonaro, que ainda está sob análise no tribunal.
 

Agosto Indígena

“Lutamos todos os dias há centenas de anos para garantirmos a nossa existência e hoje a nossa luta por direitos é global. As soluções para este mundo doente vêm dos povos indígenas e jamais nos calaremos diante das violências que estamos sofrendo. Enviamos esse comunicado ao Tribunal Penal Internacional porque não podemos deixar de denunciar essa política anti-indígena de Bolsonaro. Ele precisa pagar por toda violência e destruição que está cometendo”, afirma a coordenadora executiva da Apib, Sonia Guajajara.
 
Segundo a coordenadora, o mês de agosto será marcado por mobilizações dos povos indígenas na luta por direitos. Ela ressalta o acampamento ‘Luta pela Vida’ que está marcado para acontecer entre os dias 22 e 28 de agosto, em Brasília. “Vamos ocupar mais uma vez os gramados da esplanada para impedir os retrocessos contra os direitos dos nossos povos”, reforça Sonia.
 
“Alertamos o Tribunal Penal Internacional para a escalada autoritária em curso no Brasil. O ambiente democrático está em risco”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib lembrando dos projetos de lei que estão na pauta de votação do Congresso e ameaçam os direitos indígena e do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o Marco Temporal, que pode definir o futuro dos povos indígenas.
 
“Estamos fazendo um chamado de mobilização para Brasília, em plena pandemia, porque hoje a agenda anti-indígena do Governo Federal representa uma ameaça mais letal que o vírus da Covid-19. A vida dos povos indígenas está ligada aos territórios e nossas vidas estão ameaçadas. Estaremos mobilizados nas aldeias, nas cidades, em Brasília e no tribunal de Haia para responsabilizar Bolsonaro e lutar pelos nossos direitos”, destaca Tuxá.
 
“Os povos indígenas permanecerão vigilantes, como historicamente fizeram. É dever do governo federal brasileiro respeitá-los, como expressão fundacional de um Estado Constitucional de Direito”, aponta trecho do documento encaminhado para o TPI. 
 
 
Destaques 

  • Em 19 de novembro de 2019, o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu e Comissão Arns apresentam comunicado por incitação ao genocídio e crimes contra a humanidade perpetrado por Jair Bolsonaro contra povos indígenas;
  • Durante o segundo semestre de 2020, a Apib e a Clínica de Litigância Estratégica em Direitos Humanos da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo, fizeram oficinas com advogados indígenas, lideranças, estudantes, especialistas e parceiros da Apib sobre a jurisdição do TPI; 
  • Logo em seguida, a APIB lançou um chamado para que as lideranças e organizações de base enviassem denúncias de violações de direitos, especialmente no contexto da pandemia. Tais relatos foram em grande medida incorporados no comunicado ao TPI; 
  • Os encontros abordaram temas como a jurisdição penal internacional e suas críticas, os crimes do Estatuto de Roma, o processo perante o TPI, o papel das vítimas na construção dos casos, a admissibilidade e a agenda da Procuradoria; 
  • Em dezembro de 2020, a Procuradoria do TPI informou ao Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu e Comissão Arns que está formalmente avaliando a comunicação enviada em novembro de 2019;
  • Durante o primeiro semestre de 2021, a partir dos debates das oficinas feitas em 2020, a APIB iniciou um processo de coleta de depoimentos e dados sobre o impacto dos atos de Jair Bolsonaro em distintas comunidades indígenas no país; 
  • Os relatos, emitidos diretamente pelos povos indígenas afetados, documentos oficiais, pesquisas acadêmicas e notas técnicas compõem o acervo probatório do comunicado feito pela Apib, protocolado dia 9 de agosto no TPI com o apoio do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos – CADHu e da Comissão Arns; 
  • São 86 páginas apenas com fatos, que se organizam em:
  1. Uma cronologia dos atos do Presidente Jair Bolsonaro de ataque aos povos indígenas e destruição da infraestrutura pública de garantia dos direitos indígenas e socioambientais, na qual foram compilados os principais atos administrativos, normativos, discursos, reuniões e projetos, direta ou indiretamente praticados pelo presidente Jair Bolsonaro; 
  2. A descrição das principais consequências da destruição da infraestrutura pública de garantia dos direitos indígenas e socioambientais: a invasão e o esbulho de terras indígenas; o desmatamento; o garimpo e a mineração em nos territórios e o impacto da pandemia da Covid-19 sobre os povos indígenas, trazendo pesquisas, relatórios e dados; 
  3. O relato sobre o impacto das invasões, do desmatamento, garimpo e mineração em Terras Indígenas e a propagação da pandemia de Covid-19 tiveram sobre os povos indígenas isolados ou de contato recente e sobre os povos Munduruku, os indígenas que vivem na TI Yanomami, os Guarani-Mbya, Kaingang, os Guarani-Kaiowá, os Tikuna, Kokama, os Guajajara e os Terena; 
  • A APIB leva à jurisdição penal internacional a voz e a interpretação dos povos indígenas sobre os crimes dos quais vêm sendo vítimas, fato por si só histórico. Com base nos precedentes do TPI, a APIB abriu investigação por crimes contra a humanidade (art. 7. b, h. k Estatuto de Roma - extermínio, perseguição e outros atos desumanos) e genocídio (art. 6. B e c do Estatuto de Roma - causar severos danos físicos e mentais e deliberadamente infligir condições com vistas à destruição dos povos indígenas).