quinta-feira, 30 de agosto de 2012

CPT e CIMI denunciam violência e ameaças


assassinatosA CPT e CIMI Acre, desde sua fundação, cumprem sua missão de acompanhar as comunidades rurais e indígenas do estado do Acre e Sul do Amazonas. Temos claro que quando se mexe com interesses econômicos do latifúndio, de madeireiros e fazendeiros, não é uma tarefa fácil. Todas as ações contrárias ao saque legalizado e oficialmente subvencionado à floresta acreana incomoda um grupo cuja ação tem sido a sistemática inviabilização da permanência das comunidades em seus territórios. Historicamente, eles não receiam em utilizar meios violentos para seguirem expropriando. 

 O que não foi diferente com as equipes da CPT e CIMI Acre que ultimamente, sofrem ameaças porque incomodam e incomodam muito.

No enfrentamento a esta realidade, soma-se o CIMI, com foco mais específico na realidade indígena, igualmente questionadora do latifúndio e das novas formas de apropriação dos meios naturais coletivos para transformá-los apenas em capital de acúmulo para alguns. Nesta mesma frente, portanto, encontram-se lideranças indígenas, trabalhadores rurais, agentes e missionários da CPT e do CIMI, numa cronologia cuidadosamente desenhada e inadmissível.

OS FATOS - CPT

1 - Em 03.06.2011 o Agente Pastoral Cosme Capistano da Silva, recebeu uma ligação no seu celular (97 8116 2990), um homem lhe disse: “ estou ligando para você avisar aos seus amigos da CPT que morreu gente no Pará, em Rondônia e que agora vai ser no Amazonas e no Acre. E é daí por diante....”

2 - Em 08.06.2011 O agente Célio Lima da Silva recebeu uma ligação no telefone fixo da CPT (68 3223 2193), um homem desconhecido que lhe disse: “ você diga aquele seu amiguinho Cosme lá de Boca do Acre e aquela sua amiguinha Darlene que eles estão na lista”

3 – Em visita as comunidades da bacia hidrográfica do riozinho do rola (comunidade atingida pelo manejo madeireiro) a equipe da CPT foi abordada por um veículo, o Sr. Mozar Marcondes Filho, parou seu veículo e tirou fotografia do veículo da CPT Acre;

4 – No dia 15 de agosto de 2012 arrombaram a sede da CPT Acre e nada levaram. No dia 25 de agosto de 2012, entraram novamente a sede da CPT, arrombaram todas as portas, entraram na sala da coordenação e nada levaram. Nas salas tinham cheques assinados, dinheiro em espécie, equipamentos (data show, notebooks, computadores, máquinas fotográficas...) e nada levaram. E ainda deixaram o dinheiro e cheques que estavam na gaveta em cima da mesa, bem visível, comprovando assim que não era roubo.

OS FATOS – CIMI

5 – No dia 09 de abril, durante reunião, o Sr. Pedro Jaminawa, indígena do povo Jaminawa, Terra Indígena Caiapucá, tornou públicas as ameaças que ele e sua família vinham sofrendo por parte de fazendeiros que exploram ilegalmente a madeira na terra indígena. “Que o João tome cuidado que o pessoal vai matar ele”. Outra ameaça feita à irmã de João: “fala pro João que enquanto a terra não for demarcada, vão continuar retirando madeira e que se o João continuar atrapalhando vamos dar um fim nele.”

6 – No dia 17 de abril, 2012, Lindomar Dias Padilha, coordenar regional do CIMI, recebeu uma ligação, não identificada, onde uma voz masculina dizia: “Cuidado mais pessoa pode morrer”.

7 – No dia 18 de maio, novamente Lindomar recebe uma outra ligação agora no escritório do CIMI, também não identificada com voz masculina: “Você ta na nossa lista.”

8 – No dia 01 de junho, o Sr Francisco Jaminawa e outros três indígenas foram ouvidos por um funcionário da Funai, onde narraram as várias ameaças de morte que vinham sofrendo. Não tivemos até agora nem cópia do documento e não sabemos se foi dado algum encaminhamento. Sr. Francisco é cacique da Aldeia São Paolino e lá toda a comunidade está presa em suas casas porque, segundo afirmam, se saírem serão mortos pelos jagunços dos fazendeiros.

9–No dia 14 de julho, quando estavam com viagem marcada (Lindomar e Rodrigo, ambos da coordenação regional) para segunda, que seria dia 16: “Tome cuidado com a viagem. Essa estrada é perigosa e acidentes podem acontecer”.

10 – Várias outras denúncias foram feitas por indígenas. Só o Sr. Francisco Siqueira Arara, cacique do povo Apolima-Arara, fez mais de dez denuncias de ameaças que vem sofrendo, sempre envolvendo questões relacionadas à terra.

Por fim, entendemos nós, CIMI e CPT, que medidas precisam ser tomadas e que é urgente a garantia o território as comunidades dos ribeirinhos e seringueiros e a demarcação das terras indígenas cujos processos estão paralisados desde o ano de 2000, como forma de devolver a paz ao campo e garantir a vida de quem ali vive.

FARRA COM RECURSO DA SAÚDE INDÍGENA NO ACRE


MPF/AC denuncia servidores da Funasa e empresária por fraude em licitações

 

Nas fotos tiradas por este blogue, manifestação de indígenas que se mantiveram acampados na sede da Funasa por nove (09) meses onde, entre outras coisas, denunciavam o saque aos cofres e a farra com o dinheiro destinado à saúde dos povos indígenas. Pediam ainda a imediata retirada do chefe do Distrito, Senhor Costa. Até hoje nada tinha acontecidao. Costa, bem este ainda continua mandando e desmandando amparado por apadrinhamento político
 
Indígenas denunciando a farra com dinheiro da saúde e pedindo a saida de Costa do DSEI 
O Ministério Público Federal no Acre (MPF/AC) denunciou oito servidores da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e uma empresária, proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda., por terem fraudado licitações no ano de 2007 e causado prejuízo de mais de R$ 1 milhão aos cofres públicos.

A denúncia, de responsabilidade do procurador da República Paulo Henrique Ferreira Brito, afirma que os acusados teriam, em um dos casos, dispensado licitação ilegalmente, além de frustrar o caráter competitivo do processo licitatório, favorecendo a empresa Souza & Pastor Ltda. Os denunciados ainda superfaturaram preços e assinaram a prorrogação ilegal do contrato, gerando um prejuízo de R$ 152 mil.

Em outro caso, o grupo, sempre favorecendo a empresa Souza & Pastor Ltda., fraudou outro processo licitatório, gerando prejuízo de quase R$ 890 mil. Desta feita, houve direcionamento para a contratação da empresa Souza & Pastor Ltda., com inclusão de previsões no Edital que somente a empresa poderia cumprir, existindo, ainda, a desclassificação ilegal de concorrentes que ofertaram preço bem abaixo do contratado.
Fotos de Lindomar Padilha


Os contratos referem-se ao fornecimento de refeições para a Casa de Saúde Indígena (Casai), então administrada pela Funasa. A denúncia ainda relata a combinação da Souza & Pastor Ltda. com outras duas empresas que tem a mesma formação societária e teriam concorrido com valores totalmente fora da realidade do mercado para permitir que a Souza & Pastor Ltda. vencesse a licitação.

A denúncia descreve a conduta e responsabilidade do então coordenador regional da Funasa José Carlos Pereira Lira, bem como dos servidores Waldemiro Queiroz da Silva, Maria Angélica da Costa Camillo, Luiz de Souza Santos, Evânia Salete Pereira de Araújo, estes do setor de licitações, além do chefe da Divisão de Administração Alberto Alencar de Almeira, e também  dos servidores Ademir Menezes de Farias e Alzira Farias Camelo, além da empresária Iris Pastor de Souza, proprietária da empresa Souza & Pastor Ltda.

Caso condenados pela Justiça Federal, os acusados poderão receber, de acordo com a responsabilidade individual de cada um, penas que podem chegar a 19 anos de prisão.

Com informações de AC 24 Horas

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

O Acre não tem moral para sediar o encontro de profissionais que têm como princípio a liberdade de imprensa

Fabio Pontes
Rio Branco, Acre, 29 de agosto de 2012

Ao senhor presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Celso Schröder

Olá meu caro companheiro de profissão Celso Schröder, presidente da conceituada e importante entidade de representação da nossa classe, a Federação Nacional dos Jornalistas, Fenaj. É com muita honra e orgulho que venho me dirigir a vossa excelência para fazer um pedido: transfira para outro Estado deste país a realização do 35º Congresso Nacional dos Jornalistas.

O motivo é bem simples: o Acre não tem condições morais e éticas para sediar um evento desta magnitude. O Acre não tem moral para sediar o encontro de profissionais que têm como princípio a liberdade de imprensa, algo que não existe em nosso Estado. Há 13 anos o governo do Partido dos Trabalhadores, que irá bancar os custos do congresso, usa dinheiro público para tirar da população pobre do Acre seu direito de liberdade de imprensa.


Como o senhor e a Fenaj vão tratar de liberdade informação num Estado como esse? O Acre ficará constrangido em debater a liberdade de informação, sendo que ao mesmo tempo seu povo não tem o direito de reclamar do governo, onde jornalistas são perseguidos ao ousarem fazer reportagens críticas e de fiscalização de atos dos poderosos.


Ah, o senhor dias desses esteve aqui pelo Acre e visitou a Assembleia Legislativa. Esta também usa o dinheiro do cidadão acreano para impedir críticas e questionamentos por parte dos jornalistas. Já estamos com três meses de Lei de Acesso à Informação e até agora a Assembleia do Acre continua uma caixa-preta; ninguém sabe como seu orçamento é gasto. A Assembleia não tem condições morais de receber a diretoria da Fenaj em suas dependências.


Por fim cabe a lamentável situação da diretoria do Sindicato dos Jornalistas do Acre, o Sinjac. Toda a diretoria está presa ao governo petista. O nosso presidente Marcos Vicentti é assessor de imprensa do candidato do PT à Prefeitura de Rio Branco, Marcus Alexandre. Dele para baixo todos estão muito bem acomodados em cargos do Estado, recebendo gordos salários e desconhecendo a realidade dos poucos jornalistas que atuam em redação.


Por exemplo, meu caro presidente da Fenaj, já estamos em agosto e até agora não temos notícias da negociação de reajuste de nosso piso, que deveria ter ocorrido em maio. Como o senhor pode ver, estamos numa situação deplorável aqui no Acre. Nossos jornalistas não estão empolgados e muito menos motivados para receber o congresso da Fenaj.


Ainda há tempo de o senhor mudar o local de vento, transferir para outro Estado. Como disse, o Acre não tem condições morais e éticas para um encontro desta envergadura e de suma importância para o fortalecimento da democracia e da liberdade de informação.

Desde já agradeço a sua compreensão


Atenciosamente
Fabio Pontes 
Jornalisata

As religiões segundo os dados do Censo 2010: desafios e perspectivas

As religiões no Brasil tendem a compor futuramente um campo complexo e difuso de filiações e trânsitos dos fiéis entre elas, com tendências ao acirramento da concorrência religiosa, antecipa José Rogério Lopes.

Por: Thamiris Magalhães

Em relação ao perfil do católico que emerge do Censo 2010 e dos traços mais característicos deste perfil, José Rogério Lopes afirma, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, que, segundo os dados do Censo, trata-se de um perfil popularizado, concentrado nos estratos de baixa renda e escolaridade. “O crescente avanço dos carismáticos entre os católicos tem acentuado um perfil espiritualista, mas conservador, com foco nas interações midiáticas e em grandes eventos”, diz. E acrescenta: “Por outro lado, é importante considerar que o catolicismo tem historicamente uma dinâmica plural de identificações e filiações, característica dos consensos hegemônicos, que libera os católicos de filiações rígidas e disciplinadoras. Assim, mesmo considerando as tendências conservadoras acima citadas, o perfil do católico ainda se caracteriza por uma composição variada e multifacetada”.

José Rogério Lopes é graduado em Pedagogia pela Universidade de Taubaté, mestre e doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. É professor titular do PPG em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. De sua autoria, destacamos A imagética da devoção; a iconografia popular como mediação entre a consciência da realidade e o ethos religioso (Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2010). É um dos organizadores de Diversidade religiosa, imagens e identidades (Porto Alegre: Armazém Digital, 2007).

Confira a entrevista. 

IHU On-Line – Quais são as principais características do mapa religioso brasileiro que emergem do Censo 2010? Como o senhor enxerga o futuro das religiões daqui para frente?

José Rogério Lopes – As características principais seguem uma tendência que vem se acentuando nas duas últimas décadas. O declínio dos católicos e o avanço crescente dos evangélicos. Dos 24.6% de queda do catolicismo, desde 1980, 19.7% decresceram desde 1991. No mesmo período, o número de evangélicos dobrou. Como o campo institucional dos evangélicos é mais diversificado, acelerou-se o processo de diferenciação religiosa no país. Para se ter ideia, no campo evangélico, que dobrou, os pentecostais triplicaram o número de adeptos no período de duas décadas, apesar da queda percentual de crescimento na última década (de 4.6% na década de 1990 para 2.7% na década de 2000).

Números

Os dados preliminares do Censo mostram também uma concentração dos que se declaram religiosos nas camadas menos escolarizadas (39.8% de católicos; 42.3% de pentecostais e 33.7% de evangélicos não determinados) e com baixa renda (66% de católicos; 75.3% de pentecostais e 69.6% de evangélicos não determinados), dispersados em regiões periféricas dos grandes centros e nas regiões nordeste e centro-oeste. Nessas mesmas camadas também aumentou muito o número dos que se declaram sem religião.

População cristã

Outro dado importante refere-se à soma da população cristã no país. Apesar de ligeira queda, elas atingem ainda o percentual de 86,8% da população, enquanto as demais religiões somam, juntas, 5%, e os sem religião chegaram a 8%, em um crescimento acelerado.

Aprimoramento

Essa diversificação institucional religiosa, porém, possui também características metodológicas e regionais que merecem mais atenção. Foi a primeira vez que o Censo aprimorou a tipologia de identificação da população, acrescentando ateus e agnósticos entre os sem religião. A mídia tem complementado esse aprimoramento com o uso de aplicativos na análise dos dados – como o Tableau Public – que permite realizar agrupamentos aprimorados dos dados, como fizeram os jornais Folha de S. Paulo e o Estado de São Paulo, nas matérias sobre o assunto.

Considerando a aceleração das mudanças dessas características, na série histórica recente, as religiões no Brasil tendem a compor futuramente um campo complexo e difuso de filiações e trânsitos dos fiéis entre elas, com tendências ao acirramento da concorrência religiosa.

IHU On-Line – Qual é o perfil do católico que emerge do Censo 2010? Quais são os traços mais característicos deste perfil?

José Rogério Lopes – Segundo os dados do Censo, trata-se de um perfil popularizado, concentrado nos estratos de baixa renda e escolaridade, indicados anteriormente. O crescente avanço dos carismáticos entre os católicos tem acentuado um perfil espiritualista, mas conservador, com foco nas interações midiáticas e em grandes eventos. Por outro lado, é importante considerar que o catolicismo tem historicamente uma dinâmica plural de identificações e filiações, característica dos consensos hegemônicos, que libera os católicos de filiações rígidas e disciplinadoras. Assim, mesmo considerando as tendências conservadoras acima citadas, o perfil do católico ainda se caracteriza por uma composição variada e multifacetada.

IHU On-Line – Muitos jovens, a partir dos dados do Censo, declararam não possuir religião, porque não encontram a verdade em nenhuma delas. Nesse sentido, como o senhor avalia o real papel das religiões? E como os jovens começam a ver, compreender e vivenciar a religião no mundo atual?

José Rogério Lopes – A “busca da verdade” torna-se, cada vez mais, um caminho com várias possibilidades. Essa justificativa indicada pelos jovens tem a ver também com o fato de que o crescimento da diversificação religiosa aumenta a “oferta de verdades”, mesmo quando esse aumento é produzido de forma mimética, como entre os evangélicos pentecostais e, sobretudo, os neopentecostais.

Trânsito religioso

Essa oferta crescente evidencia que o pluralismo religioso é concorrencial e as doutrinas religiosas apelam constantemente para a cooptação ou a fidelização dos fiéis. Assim, a concorrência religiosa que exterioriza essa variedade de verdades pode aparentar-se a uma prateleira de supermercado, como que expondo mercadorias à espera de clientes (o que favorece um trânsito religioso). Mas a crescente oferta de verdades tende a produzir uma reflexividade entre aqueles que a buscam. Afinal, entre tantas verdades, como escolher uma? Como já indicou o pensador americano Alvin Toffler , no livro O choque do futuro (4ª ed. Rio de Janeiro: Arte Nova, 1972), essa ilusão de uma miríade de escolhas acaba embotando a capacidade de discriminação dos indivíduos.

“Religião em trânsito”

Nesse sentido, o papel das religiões passa também por reflexividades institucionais endógenas, em contraste com “ameaças” exógenas diversas. Embora concorde com o pensador francês Luc Ferry  (O que é uma vida bem sucedida. Rio de Janeiro: Difel, 2004), na ideia de que a religião ainda tem um papel importante na definição do que seja uma boa vida, desde a composição de parâmetros éticos e ideais de realização pessoal e coletiva, a definição desse papel depende da dinâmica dessa reflexividade institucional em desenvolvimento e das orientações que as religiões passarão a adotar (o que evidencia um modelo de “religião em trânsito”, como indicado pelo antropólogo Ronaldo de Almeida ).

Já o aumento crescente de jovens em segmentos religiosos conservadores e desapegados da vida cotidiana (Toca de Assis  e Arautos do Evangelho , no catolicismo, por exemplo) mostra que a vivência dos jovens, em matéria de religião, tem se orientado por experiências com forte apelo corpóreo e espiritualista, de fundo disciplinador e comunitarista.

IHU On-Line – Qual o principal desafio que as religiões enfrentam atualmente? 

José Rogério Lopes – Vejo dois desafios importantes. O primeiro refere-se à necessidade das tradições religiosas traduzirem suas místicas, seus princípios éticos e seus sistemas doutrinários em linguagens acessíveis e atrativas às novas experiências sociais (que muitos autores têm tratado como “novas gramáticas sociais”), sem perder suas “estruturas de plausibilidade”, como bem argumentou Peter Berger, frente aos desafios do secularismo . Nesse caso, o Simpósio que o Instituto Humanitas Unisinos – IHU promoverá sobre Igreja, Cultura e Sociedade. A semântica do Mistério da Igreja no contexto das novas gramáticas da civilização tecnocientífica  pode ser um marco importante de análise. O segundo desafio é encontrar mediações para ampliar o diálogo inter-religioso, em um campo de concorrência acirrada entre tradições ou denominações religiosas.

IHU On-Line – Que pistas os resultados trazidos pelo Censo podem nos oferecer com relação à sociedade atual e a do futuro?

José Rogério Lopes – Nos dois casos propostos para análise, vou me autorizar a reproduzir uma introdução que elaborei para um livro organizado por amigos.

Os resultados do último Censo permitem reconhecer que o campo religioso contemporâneo carrega a marca da pluralidade e se define, mais do que antes, pelas problematizações que tal pluralidade provoca. Isso porque os reptos constantes que as diversas denominações religiosas dirigiram, e ainda dirigem, à predominância católica no Brasil, têm flexibilizado as fronteiras e os padrões sociais das práticas religiosas, e modificado o cenário institucional religioso.

Simultaneamente, vimos emergir nesse mesmo campo religioso de pluralismo concorrencial, nas últimas décadas, processos de significação individuais e coletivos que, combinados com estruturas de sentimentos abertas a novas percepções, rearranja de forma reflexiva os modelos prevalecentes de religiosidade. Reagindo a esse reordenamento, as antigas tradições religiosas se atualizam seletivamente, ora incorporando, ora desincorporando representações e crenças diversas. E seguindo a máxima de que nada se perde, tudo se transforma, essas mudanças têm deixado lacunas sobre as quais os atores religiosos contemporâneos fabricam novos modelos, ou também atualizam os antigos.

Nesse quadro de atualizações e fabricações religiosas inacabadas (que tenho denominado de campo performático-religioso), as experiências religiosas populares têm ganhado força, novamente, pela sua capacidade performática de produzir estratégias e gerir identidades em negociação com alteridades distintas.
Enquanto as institucionalidades religiosas se atualizam vagarosamente, em virtude de suas premências normativas (isso repercutiu, no último Censo, na constatação da queda dos fiéis da Congregação Cristã no Brasil, por exemplo), foi agindo em um plano transgressor, subversivo ou residual às normas religiosas, mesmo sub-repticiamente, que as experiências religiosas populares se atualizaram e passaram a reivindicar reconhecimento, no campo religioso.

IHU On-Line – A Igreja Universal também perdeu 10% dos fiéis na última década. Isso está relacionado com que fatores? 

José Rogério Lopes – Vários fatores estão envolvidos nessa queda. Destacaria três. As cisões no interior da Igreja Universal do Reino de Deus - IURD, tendo como exemplo a saída de bispos da Igreja que foram para a recém-fundada Igreja Mundial do Poder de Deus, arrastando milhares de fiéis; a difusão de uma ética indolor, pragmática e experimental – como indicada por Gillles Lipovetsky , em A sociedade pós-moralista. O crepúsculo do dever e a ética indolor dos novos tempos democráticos (Barueri: Manole, 2005) – na experiência de pertencimento religioso, que desobriga os fiéis do cumprimento de deveres absolutos e exteriores e reforça o processo de individualização e autonomia deles (perspectiva que atinge outras lógicas de pertencimento religioso contemporâneo); e a expansão da privatização religiosa, que era característica de católicos e, mais recentemente, de algumas denominações de protestantes históricos, que se define pela religiosidade vivida “à minha maneira”, como declaravam categorias de indivíduos, no Censo de 2000.

Hibridismo

Esses fatores permitem inferir que o crescimento religioso de uma denominação religiosa, sobretudo nos centros metropolitanos, como apontado pelos últimos Censos, está associado à crescente diferenciação de seus fiéis, pelo caráter contrastivo que sua concentração produz. Aqui, evidencia-se um hibridismo que se caracteriza pela intercorrência de escalas de crescimento religioso e urbano, como fenômenos que se interpenetram em fluxos constantes e que se arranjam em composições variadas. Esse fenômeno ainda carece de análise.

Outra explicação desse decréscimo diz respeito ao jogo de forças travado pela concorrência religiosa, no campo evangélico e pentecostal, com repercussões midiáticas que geram alianças conjunturais e repercussões na opinião pública, como ocorreu na última década, muito bem analisadas por Ricardo Mariano. 

IHU On-Line – Por que as regiões Nordeste e Sul ainda concentram o maior número de católicos?

José Rogério Lopes – Porque essas regiões estão dispostas em tradições populares e étnicas, respectivamente, da formação da sociedade brasileira, o que corresponde de forma apropriada com os resultados preliminares do Censo 2010, aqui em discussão.

IHU On-Line – Como pode ser definido o conceito de “desafeição religiosa”? Em que consiste? O que ela significa?

José Rogério Lopes – O conceito permite caracterizar uma indefinição crescente da identificação confessional declarada pelos informantes, sobretudo justificada por “uma insatisfação dos fiéis com os serviços prestados pelas suas igrejas”, como afirmou o sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, em entrevista ao IHU (5 de julho de 2012) . Essa desafeição refere-se a uma mudança geracional que afeta as tradições religiosas (a diminuição crescente do número de jovens católicos e dos protestantes históricos), e que se reforça no aumento acelerado dos que se declaram sem religião nas décadas recentes.

O menino de arame farpado

Dagnon Odilon da Silva*

Aquela pedra do menino
Mudo e calado
Aquele homem
Amarrado com arame farpado,
Imóvel como o coração do latifúndio,
Triste, como o coração dos marginalizados,
Fragilizado, como a minha fé.
 
O silêncio constante do vazio,
Esperando o grito: liberdade!
 
Aquela pedra do menino de arame farpado,
Marcado pela riqueza do rei do gado,
Rasgada como a mente dos produtores de soja,
Empobrecida no que realmente é viver.
 
Lutador, realmente, no quesito sobreviver.
A pedra do menino mudo e calado,
Chorando o sangue
Que jorra das plantações do trabalho escravo.
 
Não és de pedra, talvez de madeira, de carne.
De sangue estás manchado, calado, sofrendo,
Com as dores dos mártires do cerrado.

*Agente da CPT em Barra do Garças (MT) e educador da Campanha Nacional da CPT de Combate ao Trabalho Escravo.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Adams, da AGU, foge de indígenas

 Por: Egon Heck e Laila Menezes

"Então diga para ele vir aqui. Queremos olhar no olho dele e dizer pra ele rasgar essa portaria”, bradou Maria das Flores Krahô, inquirindo o vice de Adams. Rafael, apontando com o dedo e gesticulando com veemência: "Foi o senhor que assinou esse papel? Foi o senhor que escreveu isso? Não foi. Então nós queremos falar com ele que fez, o Adams". Inquirições e pedidos de revogação (acabar, rasgar, terminar...) foram feitos por mais de uma dezena de indígenas dos povos Xerente, Krahô, Apinajé, Karajá de Xambioá, Avá Canoeiro, Tapuia, Krahô-Kanela, Krikati e Xavante que vieram ao prédio da Advocacia Geral da União (AGU) com o único objetivo de dizer ao ministro Adams que revogue a Portaria 303, por ele assinada e publicada dia 17 de julho deste ano.

Portas trancadas

Ao chegar ao prédio da AGU, a delegação de indígenas dos estados de Tocantins e Goiás, encontraram as portas fechadas. Em vão tentaram com que elas fossem abertas para que pudessem se encontrar o ministro da AGU. Movidos pela decisão de falar com quem assinou a portaria, vieram preparados para passar aí a noite se preciso fosse.

Com o passar do tempo foi se aglomerando gente em frente à portaria. Não tardaram a chegar policiais. Os indígenas conseguiram impedir o fechamento total de uma das portas, o que começou a gerar temor nos funcionários do prédio que só acalmaram quando chegaram negociadores da Funai e da Secretaria Especial da Presidência da República e o vice da AGU. Todos se dirigiram ao refeitório, onde se iniciou uma reunião de mais de duas horas. A maioria dos indígenas ficou em pé, indignados, exigindo a presença do ministro da AGU no local para ouvi-los e receber um documento.

Negociação e protesto

Nas falas duras, não faltaram as gesticulações, o dedo em riste, a batida forte das bordunas sobre a mesa e o rasgar da portaria em frente aos representantes do governo. O Avá Canoeiro Davi, enquanto rasgava a portaria, pedia para que dissessem ao Adams que o seu povo está aguardando a demarcação de suas terras. Diego Avá Canoeiro complementou enviando um recado a Kátia Abreu de que a portaria seria revogada.

As mulheres foram as que fizeram as falas mais veementes: "Chame o Adams. Vamos ficar aqui até que ele venha. Nem que precise ficar a noite toda aqui. Trouxemos nossa boroca para dormir aqui. E vocês vão ficar aqui também”. Quando os guerreiros ameaçaram fechar a porta, rapidamente seguranças se postaram ao lado das mesmas.

As lideranças pediram que ligassem ao ministro pedindo que ele viesse até ali, ao menos por uns cinco minutos para receber o documento e eles poderem olhar no olho dele e falar seus sentimentos contra a "portaria da morte dos povos indígenas".

Após muitos desabafos e unânime pedido de revogação da portaria e diante da relutância do ministro da AGU de vir ao local, dizendo estar em reunião com a presidente Dilma, as lideranças concordaram em marcar um dia e horário para essa conversa. Ficando definido um encontro para quarta-feira, dia 22, às 10hs30min., no Ministério da Justiça ou no Palácio do Planalto.

Logo apos a mobilização na AGU a delegação indígena se dirigiu ao Supremo Tribunal Federal, onde o ministro Ayres Brito estava assinando uma liminar que permitia o retorno das obras da hidrelétrica de Belo Monte.

domingo, 26 de agosto de 2012

Ditadura: O esquecido reformatório Krenak, em Minas Gerais, era o centro de repressão aos índios durante o regime


Por André Campos
Carta Capital

Em maio de 2012, o Supremo Tribunal Federal anulou os direitos de propriedade dos fazendeiros que ocupavam a maior parte da Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, criada em 1926 e repassada a agricultores por meio de títulos de posse emitidos pelo estado da Bahia. Uma querela fundiária associada a sazonais escaladas de violência na região, das quais o pataxó Diógenes Ferreira dos Santos é um dos protagonistas. "Eu não gosto nem de falar, porque ainda me dá ódio." 

Santos fala tanto do passado quanto do presente. Na década de 1960, era criança quando dois policiais expulsaram a sua família das terras onde viviam, acionados, diz o pataxó, por um fazendeiro que reclamava a propriedade. A família migrou para uma fazenda próxima, onde trabalharam por cinco anos, até serem novamente expulsos. Foi quando decidiram voltar ao antigo lar na área Caramuru-Paraguaçu. 

Bastaram 15 dias para os policiais regressarem, desta vez com a missão de escoltar Santos e o pai até a cidade. "Ficamos seis dias presos na delegacia de Pau Brasil", relembra. "Até que veio a ordem de nos levarem para o Krenak, que eu nem sabia o que era.

Ainda hoje, poucos sabem o que foi o Krenak, ou melhor, o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, experimento estatal que, quatro décadas depois, permanece como um dos segredos da atuação da ditadura para "manter a ordem" nas terras indígenas brasileiras. 

O reformatório comecou a funcionar em 1969 em uma área rural do município de Resplendor (MG). A administracão cabia a policiais militares, a quem, meses antes, a Fundação Nacional do Índio (Funai) havia entregue, por meio de um convênio, a gestão das terras indígenas em Minas Gerais. 

Em boletim informativo da Funai de 1972, há uma das poucas menções oficiais a respeito do reformatório. Segundo o texto, tratava-se de uma experiência de "reeducação de índios aculturados que transgridem os princípios norteadores da conduta tribal, e cujos próprios chefes, quando não conseguem resguardar a ordem na tribo, socorrem-se da Funai visando restaurar a hierarquia nas suas comunidades". 

"O reformatório não teve sua criação publicada em jornais ou veiculada em uma portaria", escreve o pesquisador José Gabriel Silveira Corrêa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autor de um dos poucos estudos sobre a instituição. "Seu funcionamento e a própria "recuperação" lá executada passavam pela manutenção do sigilo.

Por aqueles com a vida marcada pelos acontecimentos em Resplendor, aos termos "reformatório" e "centro de reeducação" acrescenta-se outra denominação. "Naquela época, onde eu vivia, todos os índios conheciam o Krenak", revela a pankararu Cleonice Maria da Silva. "Era, na verdade, uma cadeia. 

Moradora de Araçuaí (MG), Cleonice viveu uma trajetória errante, marcada por um fato definidor em sua infância. Em 1969, após uma briga violenta com outros integrantes da etnia, seu avô e seu tio foram levados pela polícia da Terra Indígena Pankararu, no sertão pernambucano, sem maiores explicações aos familiares. Pouco tempo depois, a mãe de Cleonice saiu pelo mundo à procura do pai, de quem não recebia notícia. 

Com a filha a tiracolo, passou por Brasília e por aldeias na Ilha do Bananal (TO), onde havia uma base da Força Aérea Brasileira. "Lá pousavam aviões transportando presos entre a ilha e o Krenak. Lembro da minha mãe mandando recados ao meu avô através desse pessoal. 

Carta Capital teve acesso a documentos da Funai datados de 1969 a 1975 que revelam um cenário de graves violações aos direitos humanos no cotidiano do presídio indígena da ditadura. 

Pela manhã, após o desjejum, os "confinados" eram levados para trabalhos rurais, que prosseguiam depois do almoco. Formas de tratamento degradante, como, por exemplo, escassez no fornecimento de comida, calçados e vestimentas, são descritas em ofícios internos do órgão indigenista. "À tarde eles chegam do serviço, tomam banho e vestem a mesma roupa molhada de suor", escreve o cabo da PM Antônio Vicente, um dos responsáveis locais, ao pedir providências a seus superiores.

Relatórios mensais descreviam a evolução no comportamento dos detentos. "Elemento trabalhador, educado e obediente. No corrente mês não praticou nenhuma indisciplina ou ato que possa desabonar sua conduta" escreve o cabo Vicente sobre um índio kaingang. Já outro, da etnia karajá, é descrito como lerdo, preguiçoso e de pouca vivacidade. "Um elemento fraco, parecendo até mesmo ser um retardado. Não se interessa em aprender nenhuma profissão e, se pudesse, não faria nenhum serviço." 

Ex-integrante do Conselho Indigenista Missionário em Minas Gerais, a pedagoga Geralda Chaves Soares conheceu, durante sua trajetória profissional, diversos ex-internos do Krenak. Deles ouviu relatos de tortura típicos dos porões da ditadura, incluindo índios acoitados e arrastados por cavalos. "Uma das histórias contadas é a de dois urubu-kaápor que, no Krenak, apanharam muito para confessar o crime que os levou até lá", exemplifica. "O problema é que eles nem falavam português." 

Dado o caráter sigiloso de suas atividades, é difícil mensurar quantos indígenas passaram pelo "centro reeducacional". Com base em referências dispersas em arquivos da Funai, é possível identificar ao menos 120 indivíduos, entre eles algumas mulheres, de 25 etnias. Homicídios, roubos e o consumo de álcool nas aldeias estão entre os principais motivos alegados para temporadas corretivas. Outras situações comuns eram as brigas internas, uso de drogas, prostituição, conflitos com servidores públicos e atos descritos como vadiagem. 

Em 1971, por exemplo, um urubu pederastia" em sua aldeia. Segundo documentos da Funai, o índio tentou se matar: cortou o abdome com uma gilete, mas foi socorrido a tempo. Meses depois fugiu do reformatório. Acabaria recapturado. 

Em Resplendor, em paralelo à chegada dos "delinquentes", dezenas de índios krenak habitavam as terras vizinhas ao reformatório. Submetidos à tutela dos mesmos policiais responsáveis pela instituição correcional, não tiveram facilidades. "Se percebiam alguém com cheiro de pinga, prendiam mesmo. Seis meses, por causa de uma dose de cachaça", relembra Zezão Krenak, um dos remanescentes. 

Na Terra Indígena Krenak, homologada em 2001 no município, muitos ainda têm histórias para contar sobre o período. "Uma vez fiquei 17 dias preso porque atravessei o rio sem ordem, e fui jogar uma sinuquinha na cidade", rememora José Alfredo de Oliveira, patriarca de uma das famílias locais, num exemplo típico do que era considerado vadiagem. 

Assim como em outras regiões do País, os krenak só podiam deixar o território tribal com a autorização do chefe local da Funai. Mesmo a caça e a pesca fora dos postos indígenas, não raro pequenos e impróprios para prover a alimentação básica, podiam resultar em temporadas no presídio. 

No início dos anos 1970, a área do reformatório vivia dias de intensa disputa, reivindicada por posseiros que arrendaram lotes nos arredores. Como saída para o impasse, o governo de Minas Gerais e a Funai negociaram uma permuta entre as terras e a Fazenda Guarani, localizada em Carmésia (MG) e pertencente à PM mineira. Em 1972, o reformatório mudou de lugar. 

No mesmo período mudou o chefe da Ajudância Minas-Bahia, coordenação regional da Funai responsável pelo reformatório. Quem assumiu o posto foi o juruna João Geraldo Itatuitim Ruas, um dos primeiros servidores de origem indígena a ocupar cargos de comando no órgão federal. "Imagina o que era, para mim, ouvir a ordem do dia do cabo Vicente, botando todos os presidiários ern fila indiana, antes de tomarem um café corrido, e falando que seria metido o cacete em quem andasse errado. E que, para aquele que fugisse, havia quatro cachorros policiais, treinados e farejadores, prontos para agir. 

Ruas afirma ter procurado o ministro do Interior Maurício Rangel Reis, morto em1986, para discutir o fim da instituição correcional. Saiu do encontro, diz, sob ameaça de demissão. Mesmo assim, conta ter começado a enviar, de volta às aldeias de origem, diversos dos confinados. Perderia o cargo pouco tempo depois. 

As últimas denúncias sobre o uso da Fazenda Guarani como depósito de índios são do início dos anos 1980. No local vive hoje um pequeno grupo pataxó fugido de conflitos fundiários na Bahia. 

Longe de uma experiência isolada, o reformatório Krenak representa a ponta do iceberg de um modelo de vigiar e punir imposto às aldeias durante a ditadura. Em 1969, nasceram as Guardas Rurais indígenas (Grins), milícias armadas e integradas exclusivamente por índios, responsáveis por ações de policiamento nas áreas tribais. 

Cabia a elas, segundo uma portaria da Funai, impedir o ingresso de pessoas não autorizadas e a exploração criminosa dos recursos naturais nas aldeias. Também eram responsáveis por "manter a ordem interna", coibir o uso de bebidas alcoólicas e evitar "assaltos e pilhagens nas povoações e propriedades rurais". 

Em fevereiro de 1970, os primeiros 80 Grins se formaram em Belo Horizonte. Vestidos com o uniforme oficial da guarda, em patrióticos tons verde e amarelo, representantes de diversas etnias cantaram o Hino Nacional, juraram à bandeira e fizeram demonstrações das técnicas aprendidas no curso. O evento foi noticiado em todo o Brasil. 

Não demoraria muito para que as Grins voltassem aos jornais. Quatro meses depois, surgiram relatos de arbitrariedades cometidas pelos índios soldados, na Ilha de Bananal. Um cabo acusado de vender bebida aos índios, teria sido obrigado a praticar orgias sexuais na aldeia. A guarda teria tentado ainda instituir uma casa de prostituição de índias no local. 

Ao enxertar uma nova autoridade nas aldeias, estranha às tradições locais, os mentores da guarda reacenderam conflitos entre etnias. Por vezes, guardas de uma determinada tribo diferente eram colocados para controlar uma totalmente distinta. "Chegou-se ao desplante de criar as vilas Grins nas reservas, com luz e água encanada", completa Ruas, sobre a segregação. "Um Grin ganhava 400 cruzeiros e a professora, 80.
Ofícios da própria Ajudância Minastatal sobre atitudes inaceitáveis. Um dos casos registrados foi o de um maxacali, que em maio de 1971, forçou relações sexuais com uma índia após ameaçar prender o marido dela. 

Alguns Grins foram recrutados diretamente entre ex-internos do Krenak considerados leais, esforçados e disciplinados. "O elemento está se recuperando dia a dia, tem trabalhado muito bem em todos os serviços braçais. Está ansioso para ser colocado na Guarda Rural Indígena", atesta ofício sobre um índio fulni-ô há 14 meses no reformatório. 

Eu gostava de ser policial, pois recebia as roupas e os materiais. Só que os índios não gostavam. Polícia não é cultura do índio, é do pessoal branco", comenta Totó Maxacali, um ex-miliciano, em sua casa na Aldeia Verde, município de Ladainha (MG). 

A falta de informacões sobre o reformatório e a milícia incomoda novas lideranças como Douglas Krenak, ex coordenador do Conselho dos Povos indígenas de Minas Gerais, ele também vítima indireta do sistema. "Meu avô foi arrastado aqui com o cavalo de um militar, amarrado pelos pés, porque tinha saído da aldeia", conta. 

Casos de desaparecimento também são relatados. Um deles é o de Dedé Baenã, índio originário do sul da Bahia cujo sumiço é narrado por moradores em sua região de origem. Um ofício da Funai confirma que, em 1969, Dedé foi levado a Resplendor a pedido de um funcionário do órgão, sob a acusação de ser um "índio-problema" com vasto histórico de agressões a "civilizados". Nunca mais foi visto.
Sobraram poucos documentos oficiais e quase não existem relatos na mídia. Ao menos 120 indígenas passaram pelo Krenak 

Os confinados enfrentavam trabalhos forçados e racionamento de comida. Muitos apanhavam ou eram arrastados por cavalos.

Campo de concentração. Qualquer motivo bastava para as prisões. Milícias de índios vigiavam índios