quarta-feira, 29 de junho de 2011

O Boi Garantido (vencedor de Parintins) cantou contra Belo Monte

Versos Amo Boi Garantido Tony Medeiros 2011

Da Amazônia pro mundo.
Eu quero denunciar o Rio Xingu do Kuarup
O Homem quer repressar e sepultar a Cultura.
Nós não podemos deixar o Rio Xingu é o Berço da Tradição Milenar.
ACORDA  HUMANIDADE PRA DEFENDER COM AMOR, O BELO MONTE E O MUNDO DO HOMEM DESTRUIDOR .
SALVE O RIO XINGU E TUDO QUE DEUS DEIXOU ..
SALVE O NOSSO PLANETA E TUDO QUE DEUS DEIXOU.

terça-feira, 28 de junho de 2011

O Brasil é plurinacional

Elaine Tavares
Adital

Há um grande debate inaugurado na América Latina desde o final dos anos 80, que é o da discussão do conceito de plurinacionalidade, e que vem sendo travado pelas comunidades indígenas de países como a Bolívia, o Equador, a Colômbia, o Chile. Em dois deles (Equador e Bolívia) já se expressou até mesmo nas novas Constituições, garantindo o direito dos povos originários a organizar suas vidas do jeito que melhor lhes convém, sem as imposições de culturas alienígenas, recuperando elementos ancestrais de sua cosmovisão e até a sua autonomia jurídica. Mas, no Brasil, esse tema aparentemente não significa nada. No que diz respeito aos povos autóctones, o que se fala é que aqui as etnias originárias foram em grande parte dizimadas e que o que resta desta gente não é suficiente para pensar um tema como esse. Pois eu arriscaria dizer que esta é uma falsa argumentação. A plurinacionalidade é um tema que, no Brasil, tem muito para se debater. A própria Constituição de 1988, chamada de "cidadã”, inclui elementos que podem desembocar na proposta de um Estado Plurinacional. Basta que as gentes organizadas dêem consequência ao processo de luta que segue em curso.
A luta indígena por um espaço de poder-ser
É certo que a resistência indígena neste espaço geográfico que os europeus em algum momento chamaram de América Latina - o que foi incorporado pela gente local - não é coisa de agora. Desde que perceberam que os brancos barbudos não eram os deuses anunciados nas lendas, milhares de originários lutaram para retomar suas vidas, mas foram sistematicamente vencidos. Ainda assim, estão na lembrança as grandes investidas de Guaicaipuru, Tupac Amaru, Tupac Katari, Sepé Tiaraju e outros tantos heróis autóctones. Durante estes mais de 500 anos de dominação, em todas as partes de Abya Yala (o nome mais antigo do mundo então conhecido pelos povos que aqui viviam), as gentes originárias lutaram e resistiram. Logo, as mobilizações que hoje assomam em todo o território não são novas e muito menos exclusivas do tempo atual.
Mas, para efeitos desta discussão sobre o estado plurinacional, a presença maciça e visível dos indígenas nessa "nova onda de movimentos autóctones” pode-se dizer que tem suas origens recentes no ano de 1990, quando os povos indígenas do Equador decidiram ocupar igrejas e outras instituições governamentais no que ficou conhecido como "primeiro grande levantamento nacional” da era pós-crise dos anos 80 naquele país. O grito pelo reconhecimento das nacionalidades, território e participação política nasce justamente do esgotamento das políticas econômicas que haviam baseado sua estratégia no modelo agro-exportador, sendo o indígena a mão-de-obra quase escrava nas famosas ‘haciendas’. Também é importante observar que esse movimento não brota do chão, ele é fruto da crescente organização das nacionalidades, que vinha sendo gestada sistematicamente desde os anos 60.
Pouco mais de três anos depois do levantamento no Equador, das entranhas do México profundo assomou outra movimentação. Um grupo armado, reivindicando o nome e o sonho de Emiliano Zapata, se insurge em Chiapas, esquecido reduto indígena conhecido apenas por sua "insuperável” pobreza. Naquele primeiro de janeiro de 1994, homens e mulheres autóctones, com as caras cobertas por palicates (espécie de lenços) ou pasamontañas (gorros que cobrem o rosto todo), diziam sua palavra armada: "Ya basta! Nunca más el mundo sin nosotros”. Era mais um elemento da insurgência originária que hoje dá uma nova conformação à América Latina.
Os movimentos do Equador e do sul do México abrem as comportas para uma série de lutas que adormeciam nos anos 90, quando as idéias dominantes tentavam impor a ideológica ideia de que havia chegado o fim das grandes narrativas. Os doze dias de combate empreendidos pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional e a subseqüente negociação que levou ao que ficou configurado como "paz armada”, mostraram a todos os povos indígenas deste continente que o modelo capitalista de organização da vida imposto pelos dominadores não precisava ser o único possível. Então, das profundezas das tradições mais secretas e sagradas dos povos antigos, re-começaram a vicejar desejos, esperanças e novas formas de organizar a vida. A América Latina dava passagem para Abya Yala, a terra do esplendor.
Esse nome dado pelos Kuna ao mundo por eles conhecido antes da chegada dos invasores europeus em 1492 começou a ser falado nas imensidões da grande pátria. E os povos autóctones se puseram de pé. Recuperar suas vidas, sua cultura, suas tradições e reinventar seu modo de organizar a vida passaram a ser não mais um sonho perdido na memória ancestral. Era possível aqui e agora. Não como retorno a um passado cristalizado ou a tradições ultrapassadas, mas como possibilidade de recuperar dialeticamente o jeito único, autóctone, de se viver em Abya Yala, na forma abyayálica de ser, o que na conceituação dos povos indígenas significa redefinir o modelo de desenvolvimento, usando elementos como solidariedade, reciprocidade, cooperação, equilíbrio. O sumac kawsay, o sumac kamaña, o bem viver.
Esses são conceitos que não encontram compreensão na intelectualidade de esquerda latino-americana, tal como expressa Gonzalo Guzmán, dirigente da organização ECUARUNARI, do Equador, nascida em 1972, num despertar da nação kichua. "A proposta do Socialismo do Século XXI, no que diz respeito ao projeto de desenvolvimento, não nos contempla. Temos nossa própria proposta e vamos disputá-la”. É que os indígenas têm bem claro que, ao longo destes 500 anos, mesmo a esquerda e os socialistas sempre estiveram respaldando, de alguma forma, o modelo de desenvolvimento de matriz eurocêntrica, moderna. Mesmo agora, quando surgem as discussões de um novo jeito de ser do socialismo no século XXI, não há incorporação do pensamento indígena. Por isso, os povos autóctones - principalmente os do Equador e Bolívia - insistem em apresentar seu modelo de vida. E assim tem sido a articulação que hoje já se expressa em quase todo o território da antiga "terra nova”. Realizadas quatro grandes Conferências dos Povos de Abya Yala, as comunidades originárias definem estratégias, realizam alianças, reinventam territórios, cunham conceitos e avançam no sentido de ver respeitado seu modo de vida política, econômica, cultural e artística.
O ano de 2000 viu os Aymara, da Bolívia, levantarem bandeiras e fazerem luta conta a privatização da água e, depois, em 2003, iniciarem o processo que culminaria com a derrocada de Sánchez de Lozada e a ascensão de Evo Morales ao cargo de presidente do país. Um presidente da etnia aymara, comprometido com a vida de seu povo. Um homem que ousou chamar uma Assembleia Constituinte, na qual o conceito de estado plurinacional foi instituído, dando vida nova às nacionalidades originárias. Hoje, na Bolívia, os indígenas têm direitos, constituíram eles mesmos esses direitos, seja como deputados constituintes ou como povo em luta, nas ruas. Em que pese todas as críticas ao governo de Evo, esta foi uma conquista das gentes indígenas que ainda precisará de muito tempo para se consolidar, visto que o racismo é algo muito potente na Bolívia. Exemplo disso foi a revolta da "meia-lua”, região tipicamente branca e latifundiária, que chegou a falar em separatismo. Racismo e interesses econômicos fazem um casamento explosivo no país.
Ainda no Equador, foram as comunidades autóctones as protagonistas da ascensão e queda de Lucio Gutierrez na presidência do país, em 2005. As gentes votaram nele para que conduzisse o país a uma nova ordem. Ele as traiu e foi derrubado sem dó. Mais adiante, as nacionalidades apoiaram a eleição de Rafael Correa, que, se não é indígena pelo menos dizia respeitá-los, e, igualmente chamou uma nova Constituinte, na qual o estatuto do estado plurinacional foi conquistado. E ali também foram os indígenas os que se constituíram sujeitos e construíram as novas leis. Hoje, amparados nesse conceito de plurinacionalidade, eles lutam pela preservação dos recursos naturais e pelo direito de se autodeterminarem, travando batalhas contra o governo que eles mesmos elegeram. Porque, por enquanto, estes povos ainda não constituíram um projeto global de nação que possa se apresentar como uma proposta de poder.
Em outros países como a Colômbia e o Peru, governados por presidentes sem compromisso popular, a luta pela ideia do estado plurinacional tem sido intensa, embora sem resultados concretos porque os movimentos ainda não lograram uma organização mais articulada em nível nacional. Também em Honduras, El Salvador, Paraguai e Chile os povos autóctones estão travando grandes e significativas batalhas. E é exatamente isso que torna os dias de hoje um tempo único, porque, pela primeira vez, dezenas de nacionalidades estão em luta, pela mesma coisa, ao mesmo tempo. E, não bastasse isso, não estão em luta sozinhos em seus países, mas numa articulação continental. Até porque as grandes lutas travadas pelas nacionalidades têm sido fundamentalmente contra as indefectíveis transnacionais, responsáveis pela ocupação, no mais das vezes ilegais, das terras autóctones, para implantação de grandes empreendimentos destruidores da natureza, tais como a plantação de pinus ou a construção de grandes barragens. Ou seja, é uma luta contra o capital.
Em todos os cantos deste continente imenso, que se estende desde o sul da Argentina até a ponta do Alaska, as gentes autóctones querem ser chamadas pelos seus nomes – rejeitando o "genérico” termo índios. Querem seu direito à cultura, à participação política, ao território, à autonomia, à autodeterminação. Como Tupac Amaru, Tupac Katari, Guaicaipuru, Cautlemoc, Sepé Tiaraju, Vaimaca, esse povo todo levanta a cabeça e repete no mesmo tom dos zapatistas de Chiapas: "Ya basta! Nunca más el mundo sin nosotros”. A nós, cabe conhecê-los.

Esta luta gigantesca e articulada dos povos pela idéia de "poder-ser”, recuperando sua cultura, sua cosmovisão e seu território, também se expressa no Brasil. O que ocorre é que, por ter uma dimensão continental, o país vê diluída essas manifestações, que acabam aparecendo na mídia comercial como simples "problemas isolados”, falhas na matrix, ou patologias sociais. Analisando os principais jornais de cada estado brasileiro, em uma checagem diária, o que se vê sobre a questão indígena não passa de notícia pontual: problemas relacionados à saúde, ações da Funai, casos de violência do estado contra os indígenas, ou de jagunços por questões de terra. Tudo é muito fragmentado e não há qualquer contextualização, como se as nacionalidades estivessem "normalmente” integradas à vida nacional. Não há reportagens sobre a questão indígena e, mesmo na chamada semana do índio, que ocorre próxima ao dia 19 de abril, tudo o que se vê são as mesmas velhas cantilenas de mostra de problemas sem uma discussão mais profunda. O índio no Brasil parece ser coisa exótica apenas.
Mas, se olharmos com cuidado a região da Amazônia, do Mato Grosso, da Bahia e até de Santa Catarina, pode-se observar que as comunidades originárias estão na mesma luta dos demais povos da América hispânica, articuladas com todas as nacionalidades da grande Abya Yala, buscando as mesmas coisas: território, autodeterminação e recuperação da cultura. Mas, se assim é, por que então a ideia de estado plurinacional não aparece por aqui?
O Estado-Plurinacional
A história do continente é marcada pela violência da invasão europeia, que se expressou na exploração predadora e no colonialismo. Durante mais de 300 anos as comunidades originárias foram dizimadas, escravizadas e submetidas à opressão. Quando iniciaram as guerras de independência, fruto das ideias liberais que varriam o mundo, os chamados criollos (espanhóis nascidos na América) foram a força hegemônica. Apesar de muitas vezes utilizarem instrumentalmente os desejos de liberdade dos povos originários – e, em alguns casos até terem sua ajuda - ao final do processo, com a derrota política de Bolívar, as propostas de integração continental, de fim da escravidão e de respeito aos povos originários se perderam. Assim, apesar da vitória da independência, os povos autóctones ficaram a reboque das repúblicas criollas nascentes - marcadamente dominadas por uma oligarquia rural - e seguiram mergulhados na submissão, uma vez que essas oligarquias não tinham qualquer pretensão de incluí-los na vida das novas nações. Não bastasse isso, os generais vencedores esquadrinharam o território, demarcando fronteiras artificiais, sem levar em conta as nacionalidades que por centenas de anos ali viviam, tal como aconteceu com a nação Mapuche, Aymara e a Guarani. Na região onde hoje é o Uruguai, mesmo tendo sido fundamentais na conquista da independência, lutando lado a lado com Artigas, os povos Charrua, Tapes e Minuano foram chamados para uma armadilha pelo então presidente Fructuoso Rivera, e acabaram massacrados pelas armas do exército. Os chamados "índios” eram vistos como seres de segunda categoria e a melhor saída encontrada, quando não lograram a dizimação, foi a tutela. Trezentos anos depois da conquista eles ainda eram considerados incapazes de gerir a própria vida.
No Brasil, além de não ter acontecido qualquer ruptura verdadeiramente radical no processo de separação de Portugal, a proposta para os originários variou entre destruição, segregação nas chamadas "reservas” ou integração, dentro do projeto de construção de uma única nacionalidade, na qual todos poderiam ser chamados de "brasileiros”. Ainda hoje, na concepção de muitas das entidades que trabalham com os povos originários, se expressa a idéia de que o Brasil é muito grande e as mais de 200 nacionalidades que aqui vivem têm realidades sociais e históricas muito diferenciadas. Assim, não colocam na sua pauta de luta a proposta de um estado plurinacional, aceitando a ideia de uma nacionalidade única, a brasileira. "São Pataxó, mas são brasileiros”, diz Saulo Feitosa, do Conselho Indigenista Missionário, CIMI. Segundo ele, a Constituição brasileira de 1988 conseguiu avançar no que diz respeito ao reconhecimento das diversas culturas que aqui fazem morada, embora, na época, tenha sido levantada a perspectiva do estado plurinacional. "Hoje, no Brasil, não há, junto às comunidades, a perspectiva de um estado independente. Elas conquistaram a autonomia, mas o estado os protege”.
Essa afirmação certamente não aprofunda o que seja a idéia de estado plurinacional que hoje caminha por Abya Yala. Nenhuma nacionalidade propõe a separação do estado-nação onde está fincada, muito menos a segregação da nacionalidade dita "nacional”. A proposta é garantir uma vida política ativa dentro desses estados, apontando para a necessidade da criação de normas democráticas que dêem concretude à autodeterminação. Na Constituição equatoriana, por exemplo, em seu artigo primeiro, isso aparece bem claro: "O Equador é um estado social de direito, soberano, unitário, independente, democrático, pluricultural e multiético”. Ou seja, as nacionalidades adquirem autonomia, mas seguem configurando um espaço geográfico único, tal como reafirma o artigo 83, do capítulo que trata dos povos indígenas e dos negros: "os povos indígenas, que se autodefinem como nacionalidades de raízes ancestrais, e os povos negros ou afroequatorianos formam parte do Estado equatoriano, único e indivisível”. Também a Bolívia, na sua nova Constituição, promulgada em outubro de 2008 , propõe no seu artigo primeiro: "A Bolívia se constitui um Estado Unitário Social de Direito, Plurinacional Comunitário, livre, independente, soberano, democrático, intercultural, descentralizado e com autonomia. A Bolívia se funda na pluralidade e no pluralismo político, econômico, jurídico, cultural e lingüístico, dentro do processo integrador do país”.
Conforme estudos da equatoriana Ileana Almeida[1], o conceito de estado plurinacional aparece ainda de forma muito maleável na América Latina e por isso é também susceptível de mal entendidos. Ela explica que, para os originários, o estado plurinacional não significa em absoluto a assunção da idéia separatista, e sim a possibilidade de, dentro do estado já constituído, alcançar o autogoverno democrático, ou seja, viver com suas próprias regras, garantindo diversas formas e graus de autonomia. E, nesse acaso, a autonomia compreendida não como marginalidade e abandono (como se vê na maioria dos países), mas como orientadora da livre expressão da identidade dos povos. Nesse contexto, a noção de território é de fundamental importância porque, para as nacionalidades originárias, a terra não é só um espaço físico, onde eles vivem, dormem, comem e amam. A terra faz parte da cosmovisão, é morada dos deuses, está intrinsecamente ligada à vida mesma. Daí que a posse real do espaço físico define também essa relação. Ter o domínio da terra é poder governar, de maneira livre, coletiva e comunitária, o que na terra tem.
Por isso, não basta ser como é no Brasil e em outros países, onde os povos têm a terra em usufruto. Ela segue pertencendo à união, é governada por quem não tem qualquer conhecimento da cosmovisão que rege os povos, daí os frequentes desalojos por empresas transnacionais, empresários ou fazendeiros que, em nome do "progresso nacional”, invadem terras e exploram as riquezas. Os chamados "nacionais” sempre se colocam contra os indígenas em momentos como esses, acusando-os de barrarem o desenvolvimento. O caso da demarcação da área Raposa Terra do Sol, em Roraima, que abriga várias nacionalidades do tronco Caribe, é um exemplo concreto. Durante o processo de demarcação, sempre transpassado pelos interesses das gentes poderosas interessadas na riqueza das terras, o tema foi colocado como um obstáculo ao crescimento do país. "Para que tanta terra para essa gente primitiva”, eram as argumentações esdrúxulas que se ouviam nos meios de comunicação. A área da Raposa tem 1.743.089 hectares e está repleta de riquezas minerais e biomedicinais. Mas, os povos que ali vivem não compartilham da visão de que elas devem ser esgotadas. A cosmovisão dos povos amazônicos está centrada na floresta, na água. Ali vivem seus deuses, as forças vitais, e a idéia de "desenvolvimento” dessas nacionalidades em nada se assemelha ao desenvolvimento capitalista predador.
Então, se a proposta é minimamente respeitar a Constituição brasileira de 1988, por que não cumpri-la, como diz o artigo 231: "São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.” Seria talvez por causa do que diz o parágrafo 6, o qual, apesar de asseverar que as terras são inalienáveis, completa: "ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé”. Ou seja, se a União quiser, pode fazer uso da terra dos originários a seu bel prazer. É certo que a Constituição estipula a necessidade de diálogo com os povos envolvidos, mas isso não significa, em absoluto, que eles sejam realmente ouvidos. Basta observar as manifestações que são feitas em Brasília, sem qualquer resultado prático, como se pode ver no caso da usina Belo Monte que segue sendo construída apesar de todo o rechaço por parte dos povos indígenas e dos ribeirinhos. Na prática, a opinião dos indígenas não vale nada.
O que se observa, na realidade cotidiana, é que, no mais das vezes, a mentalidade colonizada, branca e racista, crê que as gentes originárias não têm capacidade para governar seu próprio espaço e que as terras nas mãos delas serão logo depredadas, vendidas ou trocadas por cachaça e badulaques – como se sob a posse dos brancos isso não acontecesse. É o mesmo olhar superior dos invasores, que omite os séculos de vivência harmoniosa com a natureza, tempo em que as pessoas modificavam, sim, a paisagem, mas sempre dentro de limites muito demarcados de respeito e cuidado. Mesmo nas culturas que lograram constituir impérios, a natureza nunca foi vista como mercadoria ou espaço de simples exploração. Os conceitos de Pachamama, Yvy Rupã, Wallmapu, e outros que estão colados às mais diversas nacionalidades, são todos conceitos que definem uma unidade inseparável entre a terra e os que vivem nela. Então, quem estaria mais apto para cuidar do espaço geográfico? Os originários ou a cultura capitalista que tudo destrói como bem mostra a quase irreversível degradação ambiental provocada por essa forma de organizar a vida?
As nacionalidades que lutam pelo estado plurinacional não negam a nação, embora entendam que as nações que existem hoje na América Latina definem sua existência como uma comunidade histórica, dentro do desenvolvimento capitalista, o qual buscam destruir. Já as nacionalidades são anteriores a esta construção de inspiração europeia, fruto do colonialismo. Por isso o conceito de estado plurinacional aparece como perigoso ao sistema. Porque ao abrir-se à idéia de existência de nacionalidades dentro da nação, acaba também garantindo poder a esses povos, permite que participem ativamente da vida da nação, o que fatalmente os transformará num ponto de tensão junto ao poder constituído. Isso se constitui um problema para o estado capitalista, e não foi à toa que o debate constitucional equatoriano e boliviano foi ferrenhamente disputado.
Assim, levando em consideração as contradições que permanecem tensionadas, por enquanto, nação e nacionalidades aparecem como coisas inseparáveis, o que faz com que a maioria dos movimentos envolvendo os povos ancestrais busque também mudanças profundas na vida da nação constituída. Esse é um debate que os intelectuais de direita sequer consideram, e os de esquerda, em maioria, ainda não lograram compreender, o que faz com que o assunto permaneça praticamente apenas dentro dos movimentos indígenas. Romper com o preconceito e abrir-se a novos (velhos) paradigmas é fundamental para que a esquerda latino-americana possa partilhar destas demandas e incorporá-las aos seus programas e estudos. Observar esse território com olhos mais latino-americanos e menos europeus, pode ser um começo singelo, tal como apontou, nos anos 30 do século passado, o intelectual peruano José Carlos Mariátegui.
A realidade brasileira
O Brasil tem hoje 250 nacionalidades diferentes, com realidades históricas e sociais igualmente diversas. Afirma o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) que 60 delas sequer fizeram contato e outras tantas estão bastante distantes do mundo branco. Por conta dessa diversidade, muitos acreditam ser quase uma bobagem falar em estado plurinacional por aqui. Mas, longe disso se constituir em um obstáculo, deveria ser visto mais como um elemento de impulsão. Se estes povos lograram viver até hoje longe da cultura invasora, o que não teriam de histórias para ensinar sobre como viver no mundo? E aqui que fique bem claro, não se trata de professar a fé ingênua de que as culturas originárias devam permanecer puras e distantes dos olhos cobiçosos dos brancos. A ideia do estado plurinacional justamente trabalha com a proposta de que as comunidades, nos seus mais diversos graus de organização, têm todas as condições de decidir sobre seu destino e constituir suas maneiras próprias de viver e organizar a vida sem a necessidade de serem tutelados.
Paulino Montejo, que atua no movimento Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, reconhece que entre as nacionalidades originárias que vivem no Brasil o termo "estado plurinacional” não aparece nos debates, embora a Constituição defina de forma muito clara o caráter multiétnico do país, reconhecendo o direito à organização social dos povos. "É um ponto de partida para a compreensão de que somos multiétnicos e multiculturais”. Paulino está convicto de que o texto constitucional acaba de vez com a visão integracionista que imperou no país por séculos, mas concorda que o aparato estatal ainda não incorporou esse conceito. "A gente dos órgãos estatais ainda acreditam que os índios são menores de idade, precisando ser tutelados”.
Mas se a palavra "estado plurinacional” não aparece na discussão das nacionalidades originárias que vivem no território hoje chamado de Brasil, isso não significa que não haja luta para garantir a autodeterminação. Há uma articulação para que o Congresso Nacional – que engavetou um substitutivo que aprofunda os direitos indígenas – possa tirar do limbo essa proposta e discuti-la com as gentes. "Foi produzido um documento, com novas propostas, para um novo estatuto dos povos indígenas e isso já foi encaminhado à Câmara. Agora, estamos lutando por uma Comissão Especial que encaminhe o debate e a aprovação”. Paulino entende que a partilha de informações com as nacionalidades de outros países, que já avançaram um pouco mais no debate da plurinacionalidade, tem de alguma forma trazido esse tema para dentro da discussão no Brasil, e o processo tende a se aprofundar.
De qualquer forma, as nacionalidades originárias do Brasil sabem que não será possível importar modelos ou seguir exemplos de povos como os do Equador ou Bolívia. Existem especificidades que exigem propostas criativas e diferentes. O que talvez precise avançar é o reforço da ideia de que o Brasil também é multiétnico e pluricultural. Já os passos que serão dados e os progressos nessa direção dependerão da correlação de forças que se expressa na sociedade brasileira, marcada pelo racismo. Como bem lembra Paulino Montejo, da ABIPI, os povos originários no Brasil estão ainda muito imbricados na luta pela terra, contra a usurpação de seu território, e sofrem a completa falta de estrutura e infinitas limitações materiais, além de terem de enfrentar a dificuldade de se articular num país continental. "Mas isso não significa que não esteja sendo travada uma luta intensa pela autodeterminação”.

Os negros e os quilombolas
Dentro da lógica do estado plurinacional, pelo menos no Brasil, se expressa uma complexidade, talvez a mais significativa, que precisa ser mais discutida: a do povo negro. Com uma história de sequestro e escravidão, essa multidão - mais de 25 milhões - foi arrancada à força do chão natal, nas mais variadas regiões do continente africano. Seus descendentes, tal e qual os povos originários, ao longo destes mais de 500 anos de escravidão, foram amalgamando na memória a herança de sua cosmovisão originária. Mais concretamente podemos falar dos quilombos, que se formaram nos primórdios da escravidão como uma das mais importantes lutas anticoloniais. Eram espaços de resistência negra, lugar no qual os escravos construíram histórias de liberdade e autodeterminação, podendo cultuar seus deuses e praticar suas formas de organizar a vida. Atualmente existem mais de duas mil comunidades quilombolas, em 24 Estados da nação. Mas, por ter sido uma sistemática vítima do racismo da sociedade brasileira, esta cultura sempre tendeu a sobreviver como resistência, muitas vezes perdendo parte de sua herança ancestral.
A questão das comunidades quilombolas começou a ser definida legalmente já na Constituição Federal de 1988, por conta da mobilização do movimento negro. Assim diz o Artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: "Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos.” Esse foi um direito que acabou se concretizando, mas, na verdade, não avança muito no que diz respeito a sua autonomia, coisa que é absolutamente uma característica dessas comunidades desde os tempos imemoriais. A luta pela autonomia e por uma organização livre ainda está se fazendo muito lentamente, sem amparo na lei e sem respaldo político. No geral, se reconhece o direito das famílias à terra, mas não se discute ou se aceita muito bem a proposta de uma auto-organização em outras bases, que respeite a cultura tradicional baseada no coletivismo, numa justiça e prática religiosa próprias, e com uma organização baseada na eleição direta de seus dirigentes.
Vanda Gomes Pinedo, do Movimento Negro Unificado, lembra que na década de 90 do século passado, o militante argentino Juan Pinedo trouxe para o Brasil esse debate da ideia de nacionalidade, na qual questões como território e etnia estão visceralmente imbricadas. Mas, em nível nacional isso acabou causando vários conflitos. "É que naquela década vivíamos a explosão das ONGs, financiadas com dinheiro europeu ou estadunidense, e esse debate foi abafado. As propostas das ONGs eram outras e não tinham como ponto central a autonomia do povo negro”. Foi neste contexto que alguns movimentos mais radicais iniciaram, em 1992, a discussão da construção de um Projeto Político do Povo Negro para o Brasil, com a compreensão de que o território não é só uma coisa material, é também cultura. "Mas, ainda assim, esse é um tema difícil para nós, porque com a escravidão o negro perdeu muito da língua materna, dos costumes e isso acaba dificultando a discussão. Os povos indígenas, de alguma forma, conseguiram manter partes dos seus territórios ou podem lutar par recuperá-los, mas nós, os negros, tivemos nossas nacionalidades pulverizadas. Precisaríamos primeiro reconstituir essa territorialidade para então pensar melhor nossa posição aqui”.
Na verdade, o que Vanda anuncia é a necessidade de se começar a pensar o tema do negro – e também da mestiçagem - como um dos nós centrais da identidade brasileira, porque, afinal, a inserção do negro no Brasil rompeu com as barreiras do quilombo. Com a abolição, milhões de homens e mulheres negros foram também ocupando as cidades e forjando uma nova conformação identitária. O censo de 2010 mostrou que, hoje, mais da metade da população brasileira se diz parda (mestiça) ou negra, o que torna esta a etnia preponderante no Brasil, logo, devendo assumir a sua posição de indicadora de caminhos. Na lógica do capitalismo dependente que toma conta do país, o lugar do negro, apesar de ser maioria, ainda é o da marginalidade, da pobreza, da exclusão da vida digna. Pensar-se como "nacionalidade” poderia fazer com que houvesse tensão suficiente para fazer avançar o debate sobre seu papel na sociedade brasileira e sua condição de, autonomamente, propor novos caminhos para esta nação.
Mas, estas veredas ainda precisam ser abertas. Vanda avalia que houve um grande esvaziamento do movimento negro nos últimos dez anos, muito por conta das divergências partidárias, o que mostra que o governo de Luis Inácio também influiu negativamente nessa articulação. Muitas lideranças importantes foram cooptadas para ocupar cargos no governo, deixando a militância sem constituir novas lideranças. Em consequência, o Projeto do Povo Negro também caiu no esquecimento e até o Congresso que estava pensado para 2010 não aconteceu por conta da desmobilização. Mesmo o Estatuto da Igualdade Racial não é considerado um grande avanço, porque ele de nada adianta se não há um movimento forte a impulsionar as conquistas.
Desmontado pela política das ONGs e pela acomodação no governo petista, as lideranças do que ainda resta de movimento negro no Brasil estão em grande desvantagem no debate sobre a plurinacionalidade. Porque precisam empreender grandes esforços para manter minimamente o que de mais próximo têm de um espaço geográfico próprio, que são os quilombos. "Apesar de existirem em quase todos os estados, há muito pouco do pensamento africano sendo trabalhado nos quilombos. O que temos é algo da forma de produzir e alguns laços culturais muito tênues. Temos observado um avanço significativo das religiões evangélicas dentro dos quilombos, o que também ajuda a destruir as lembranças da religiosidade africana. Tudo isso vai levando também a uma perda sistemática do território, pois as pessoas vão se integrando à vida fora do quilombo”. Não bastasse isso, ainda precisariam avançar significativamente no debate da sua condição subalterna –mesmo quando maioria numérica- na sociedade brasileira.
Em Santa Catarina, o MNU trabalha nos dez quilombos certificados, embora existam pelo menos mais dez, também seguidos de perto pelo movimento. Um deles, o da Invernada, tem sido acompanhado sistematicamente por mais de dez anos e ainda assim os avanços são muito poucos. "Temos trabalhado a música, a identidade, o modo de vida, mas não é coisa fácil. No Morro do Fortunato o quilombo conseguiu eliminar as cercas, as casinhas ficam próximas e as pessoas se comunicam gritando umas para as outras. Isso faz parte da cultura africana. Lá, por estar em cima de um morro, mais distante da cidade, a comunidade tem conseguido avançar”.
A coordenadora nacional do MNU sabe que esta é uma luta inconclusa e difícil. "Nós temos maioria negra no país, mas também tivemos 500 anos de dominação, décadas de ditadura e há muito pouco tempo conseguimos conhecer nossa história. Nós agora estamos recuperando isso, mostrando que tivemos guerreiros, vencedores, que temos um pensamento próprio, uma cultura. Isso precisa ser construído todos os dias, nas escolas, na família, nos meios de comunicação. Nossa empreitada é fortalecer essa identidade, e só depois disso podemos lutar por território”. Segundo Vanda, os negros ainda estão num processo de tentativa de inclusão no mundo capitalista que aí está. Romper com essa idéia é tarefa difícil demais, mas não impossível.
Marilu Lima, coordenadora do Projeto Antonieta de Barros, da Assembléia Legislativa de Santa Catarina, que procura oferecer instrumentos para os jovens negros estudarem e entrarem no mercado de trabalho, é uma das que percebe que negros estão mais preocupados agora com a inclusão no sistema e por isso não conseguem passar de determinado ponto. "Isso não significa o fracasso do negro, mas sim do sistema capitalista”. Na verdade, ela admite que questões como autonomia cultural e política – elementos da idéia da plurinacionalidade - ainda não conseguiram entrar na agenda do movimento negro. O projeto, que leva o nome da primeira negra a se eleger deputada estadual em Santa Catarina, Antonieta de Barros, ocupa mais de 200 adolescentes numa proposta de estágio. Mas, no fundo, acaba sendo apenas uma forma de garantir a sobrevivência.
Kleber Bitencout é um jovem negro que atua no projeto da AL de Santa Catarina. Ele admite que aquele é um espaço de expansão do negro dentro do sistema. Morador da Comunidade do Mocotó, em Florianópolis, ele faz parte de um grupo de estudos no qual os jovens discutem temas como cotas, educação, violência. "Não chegamos a discutir coisas como plurinacionalidade”. E, na verdade, como já admitiu Vanda, o próprio Movimento Negro não tem isso na sua agenda.
Segundo Kleber o racismo é coisa tão presente na vida dos negros que fica bem difícil avançar na discussão de outro modo de organizar a vida. Ele lembra que mesmo sendo um estudante universitário, não está imune dos ataques de racismo. "Tive um professor que dizia: eu mandaria esses negros todos de volta para África. Assim como também já sofri discriminação por ser quem sou. Por estar sem documento fui confundido com um assaltante. É o racismo. A gente está todo o dia lidando com isso”.

Há muito que avançar no Brasil
A partir de um acompanhamento sistemático de jornais nacionais, em cada estado brasileiro, temos observado que tanto a questão indígena como as que envolvem o negro, muito pouco aparecem. No caso dos povos originários são ações muito pontuais, como as relacionadas à saúde, algum tipo de violência contra indígenas, casos de demarcação de terra. No que diz respeito aos negros, um ou outro caso de racismo, desconectado da totalidade da questão, ou alguma reportagem sobre população carcerária e marginalidade. Não há um debate real sobre os elementos que envolvem a quase exclusão destas importantes culturas da vida nacional. Não se fala muito sobre as políticas públicas ligadas a elas e muito menos sobre a possibilidade de se organizarem como nacionalidades autônomas e livres.
O fato é que a cultura invasora, europeia, branca, impôs anos e anos de submissão com esse projeto de capitalismo dependente e subdesenvolvido, que levaram a um profundo sentimento de inferioridade. A difusão de que o belo é ser branco, o culto é ser formado pelas escolas tradicionais e o bom é ser cristão levaram as populações autóctones e as comunidades negras a sentirem suas crenças e cultura como coisa errada e inferior, criando um caldo perfeito para a dominação. Hoje, os movimentos originários em toda a América Latina estão em processo de libertação dessa visão colonial, ainda dependente e preconceituosa, gestando assim um campo fértil para o nascimento de uma identidade latino-americana fora dos padrões impostos pela cultura alienígena. É a possibilidade concreta de se fazer aquilo que ensinava o educador Simón Rodríguez ao dizer: ou inventamos ou erramos! Para os povos originários é chegada a hora de inventar. Cabe também à comunidade negra encontrar caminhos de libertação que possam garantir o fim do racismo e a retomada de uma vida em consonância com suas heranças ancestrais, tendo como sul propostas mais generosas como o socialismo, ou o sumak causay ou qualquer outra "inventada” pelas gentes daqui.

[1] Almeira, Ileana. El Estado Plurinacional. Valor histórico y
libertad política para los indígenas ecuatorianos. Abya Yala: Quito,
2008.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Crise terminal do capitalismo?

Tenho sustentado que a crise atual do capitalismo é mais que conjuntural e estrutural. É terminal. Chegou ao fim o gênio do capitalismo de sempre adaptar-se a qualquer circunstância.
Estou consciente de que são poucos os que representam esta tese. No entanto, duas razões me levam a esta interpretação.
A primeira é a seguinte: a crise é terminal porque todos nós, mas particularmente, o capitalismo, encostamos nos limites da Terra. Ocupamos, depredando, todo o planeta, desfazendo seu sutil equilíbrio e exaurindo excessivamente seus bens e serviços a ponto de ele não conseguir, sozinho, repor o que lhes foi sequestrado.
Já nos meados do século XIX Karl Marx escreveu profeticamente que a tendência do capital ia na direção de destruir as duas fontes de sua riqueza e reprodução: a natureza e o trabalho. É o que está ocorrendo.
A natureza, efetivamente, se encontra sob grave estresse, como nunca esteve antes, pelo menos no último século, abstraindo das 15 grandes dizimações que conheceu em sua história de mais de quatro bilhões de anos.
Os eventos extremos verificáveis em todas as regiões e as mudanças climáticas tendendo a um crescente aquecimento global falam em favor da tese de Marx. Como o capitalismo vai se reproduzir sem a natureza? Deu com a cara num limite intransponível.
O trabalho está sendo por ele precarizado ou prescindido. Há grande desenvolvimento sem trabalho. O aparelho produtivo informatizado e robotizado produz mais e melhor, com quase nenhum trabalho. A consequência direta é o desemprego estrutural.
Milhões nunca mais vão ingressar no mundo do trabalho, sequer no exército de reserva. O trabalho, da dependência do capital, passou à prescindência.
Na Espanha o desemprego atinge 20% no geral e 40% e entre os jovens. Em Portugual 12% no pais e 30% entre os jovens. Isso significa grave crise social, assolando neste momento a Grécia.
Sacrifica-se toda uma sociedade em nome de uma economia, feita não para atender as demandas humanas mas para pagar a dívida com bancos e com o sistema financeiro. Marx tem razão: o trabalho explorado já não é mais fonte de riqueza. É a máquina.
A segunda razão está ligada à crise humanitária que o capitalismo está gerando. Antes se restringia aos países periféricos. Hoje é global e atingiu os países centrais. Não se pode resolver a questão econômica desmontando a sociedade.
As vítimas, entrelaçadas por novas avenidas de comunicação, resistem, se rebelam e ameaçam a ordem vigente. Mais e mais pessoas, especialmente jovens, não estão aceitando a lógica perversa da economia política capitalista: a ditadura das finanças que via mercado submete os Estados aos seus interesses e o rentismo dos capitais especulativos que circulam de bolsas em bolsas, auferindo ganhos sem produzir absolutamene nada a não ser mais dinheiro para seus rentistas.
Mas foi o próprio sistema do capital que criou o veneno que o pode matar: ao exigir dos trabalhadores uma formação técnica cada vez mais aprimorada para estar à altura do crescimento acelerado e de maior competitividade, involuntariamente criou pessoas que pensam.
Estas, lentamente, vão descobrindo a perversidade do sistema que esfola as pessoas em nome da acumulação meramente material, que se mostra sem coração ao exigir mais e mais eficiência a ponto de levar os trabalhadores ao estresse profundo, ao desespero e, não raro, ao suicídio, como ocorre em vários países e também no Brasil.
As ruas de vários países europeus e árabes, os “indignados” que enchem as praças de Espanha e da Grécia são manifestação de revolta contra o sistema político vigente a reboque do mercado e da lógica do capital.
Os jovens espanhois gritam: “não é crise, é ladroagem”. Os ladrões estão refestelados em Wall Street, no FMI e no Banco Central Europeu, quer dizer, são os sumo-sacerdotes do capital globalizado e explorador.
Ao agravar-se a crise, crescerão as multidões, pelo mundo afora, que não aguentam mais as consequências da super-exploracão de suas vidas e da vida da Terra e se rebelam contra este sistema econômico que faz o que bem entende e que agora agoniza, não por envelhecimento, mas por força do veneno e das contradições que criou, castigando a Mãe Terra e penalizando a vida de seus filhos e filhas.

Leonardo Boff é autor de Proteger a Terra-cuidar da vida: como evitar o fim do mundo, Record 2010

domingo, 26 de junho de 2011

O espetáculo desenvolvimentista e a tragédia da mortalidade infantil indígena

Este texto foi escrito  em Janeiro deste ano e basta darmos uma rápida olhada para percebermos que a situação só piorou. No Acre os indígenas estão acampados há mais de oito meses exigindo melhorias na assistência à saúde e nada é feito. Enquanto isso os escândalos envolvendo uso indevido de recursos destinados à saúde indígena continuam por todo o país. Reproduzo este texto com sentimento de indignação e como cobrança das autoridades brasileiras.

Iara Tatiana Bonin*
 
Amanhece. Entre os diversos sons daquela manhã destaca-se um choro que atravessa a aldeia guarani de Itapuã. Mais uma criança nasce anunciando a vida em seu contínuo recomeço. Para alguns povos indígenas o nascimento antecipa o futuro e mostra que as divindades ainda acreditam que a existência humana vale à pena. Acolher as crianças, permitir que sejam felizes e que desejem permanecer entre os vivos é uma preocupação que, mais do que algo mítico ou ritual, se concretiza em práticas cotidianas de afeto e de atenção. Estes novos seres, que assumem a forma humana e se inserem no mundo, asseguram a continuidade e a vida na terra. Por isso mesmo as crianças são bem acolhidas e sua socialização é uma responsabilidade coletiva, da qual toma parte os pais, os avós, os líderes religiosos, enfim, uma comunidade educativa.

Na cultura ocidental contemporânea um nascimento pode adquirir diversos significados, e em geral também simboliza a esperança no futuro. Tanto é assim que, quando se projeta um mundo melhor, mais justo, mais humano, afirma-se que este é o legado a se deixar aos filhos. Acolher as crianças, protegê-las e torná-las partícipes de um conjunto de conquistas sociais são esforços empreendidos por qualquer cultura que não vislumbra para si o extermínio. No caso brasileiro, muitas leis, tratados, estatutos e normas foram criados para regular as relações sociais e para assegurar às crianças um amplo conjunto de direitos.

Mas apesar do aparato legal voltado à proteção e ao bem estar infantil, verificamos que as estruturas econômicas e políticas não funcionam para garantir a vida em sua concretude, e sim para resguardar a existência de um modelo cuja marca mais significativa é a concentração de bens e de capitais. A situação vivida pelos povos indígenas é ainda mais grave. Logo ao nascer as crianças se deparam com circunstâncias que dificultam ou inviabilizam o próprio existir – terras invadidas e depredadas, confinamento, inadequadas condições de assistência e de proteção à saúde, proliferação de doenças, desnutrição, fome, e toda espécie de violências decorrentes das relações de intolerância e de desrespeito aos seus estilos de vida.

De nada valem, portanto, os belos discursos sobre a necessidade de proteção às crianças e as proposições em tramitação no Congresso Nacional, tal como o Projeto de Lei 1057/2007 (que propõe o combate a práticas indígenas consideradas nocivas, em especial o infanticídio) se efetivamente não se assegurarem as condições para que elas possam crescer e viver com dignidade. Vale ressaltar que a falta de terras apropriadas e de condições adequadas de vida não são tidas como “práticas nocivas” a serem extirpadas de nosso atual modelo econômico e político. O referido projeto pode ser visto como um instrumento de criminalização das comunidades indígenas e um paliativo para evitar que se enfrente o real problema: a incapacidade política do governo em demarcar as terras indígenas, a falta de ações governamentais eficazes, que possam garantir às crianças indígenas o direito à proteção, à saúde, à educação, aos recursos sociais e ambientais.

Olhando para trás, depois do longo período em que o país foi governado pelo presidente Lula, é importante indagar sobre as formas como se tem cuidado e protegido as crianças de hoje, uma vez que se pretende alcançar um lugar de destaque no futuro. O que mais se escutou, nos meses finais do governo Lula, foram discursos celebrativos, relacionados a certos avanços estruturais e econômicos. No entanto, para além da euforia que se estabeleceu em torno de supostas conquistas, é fundamental nos darmos conta de um quadro desolador que afeta muito particularmente as crianças, em diferentes povos indígenas. Desta situação pouco se tem notícias, porque tais informações são mantidas apenas nos bastidores de um espetáculo (o do suposto crescimento) que nos é apresentado com uma bela moldura desenvolvimentista.

Vale do Javari/AM

A terra indígena Vale do Javari foi homologada em 2001 e possui 8,5 milhões de hectares. Nela vivem os povos Marubo, Korubo, Mayoruna, Matis, Kulina, Kanamari, além de outros em situação de isolamento e risco que, de acordo com dados da FUNAI, são cerca de 20 diferentes etnias.

Apesar das insistentes denúncias e reivindicações feitas há quase uma década pelo Conselho Indígena do Vale do Javari – CIJAVA, não há uma ação efetiva do poder público para conter as doenças que afetam diretamente a vida destas populações. A distância geográfica soma-se ao descaso, à má gestão de recursos públicos e aos desvios de verbas, conforme denuncia o Centro de Trabalho Indigenista em um relatório divulgado em dezembro de 2010.

A omissão do poder público, em especial no que tange ao atendimento de saúde, tem como consequência a morte de centenas de pessoas. Dados relativos aos últimos 11 anos indicam a ocorrência de mais de 325 óbitos resultantes de desassistência - 210 óbitos de crianças menores de 10 anos. Mais grave ainda, quase metade dessas crianças eram da etnia Kanamari e pertenciam a uma mesma comunidade. A mortalidade infantil no Vale do Javari é superior a 100 mortes para cada mil nascidos vivos, índice cinco vezes maior que a média nacional, que não chega a 23.

O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Vale do Javari atende uma população de cerca de quatro mil índios. E um dado avassalador registrado pelo CTI, que também se relaciona aos altos índices de mortalidade infantil, é o decréscimo da população desta área indígena, que está em torno de 8%. Há povos que sofrem muito mais fortemente os efeitos desta situação: “proporcionalmente ao seu tamanho populacional, os Kanamary do Vale do Javari perderam 16% de sua população. Junto com os Korubo, um grupo de contato recente que perdeu 15% da sua população no período, são os povos mais afetados pela grave situação de saúde na região. Os Mayoruna e Matis perderam cada 8% de sua população total, e os Marubo e Kulina, 7%” (dados divulgados pelo CTI em dezembro de 2010).

Doenças como hepatite, pneumonia, infecções respiratórias, meningite, tuberculose são responsáveis pela maioria das mortes. Além disso, malária é uma enfermidade recorrente na região, quase sempre contraída diversas vezes pela pessoa, o que desencadeia problemas orgânicos crônicos. Há ocasiões em que quase toda uma aldeia é contaminada, dificultando a busca de alimentos, o plantio, a caça e outras atividades produtivas. Este cenário de escassez alimentar, adoecimentos e perda das condições do bem viver responde pela prática de mais de 19 suicídios neste período, 15 deles cometidos por jovens Kanamari.

É forçoso reconhecer que a situação vivida pelos povos indígenas nesta região é resultado do descaso do governo brasileiro e da falta de planejamento de ações de longo prazo. O quadro de doenças e de epidemias vem sendo sistematicamente denunciada, inclusive em meios de comunicação internacionais. E, nestas circunstâncias tão dramáticas, a omissão bem poderia ser entendida como crime de genocídio, uma vez que, mesmo contando com destinação orçamentária específica (e não plenamente executada em 2010) o governo brasileiro não assegurou o provimento da atenção necessária à saúde destes povos.

Campinápolis/MT

A terra indígena Parabubure, do povo Xavante, localizada a 562 km de Cuiabá, apresenta também uma taxa de mortalidade infantil alarmante. Segundo noticiou o sítio Notícias NX, das 200 crianças nascidas no ano de 2010, 60 morreram em decorrência de doenças respiratórias, parasitárias e infecciosas, o que corresponde a 40% do total de nascimentos do período. Esta terra indígena está registrada desde 1987, mas a comunidade Xavante sofre com a falta de assistência adequada em saúde, já tendo casos de mortes por desassistência denunciados pelo Cimi no Relatório de Violência contra os Povos Indígenas de 2009.

As mais de 100 comunidades situadas na região do Médio Araguaia reclamam a falta de veículos, de medicamentos e de equipes técnicas para atender as mais de sete mil pessoas que vivem ali. A situação é precária, não há médicos, enfermeiros e nem meios de transporte para levar os doentes à cidade, conforme reportagem publicada no Diário de Cuiabá/MT, em 15/10/2010.

Tal como ocorre na terra indígena Vale do Javari, os índices de mortalidade infantil na aldeia Xavante de Campinápolis chegam a quase 100 óbitos para cada 1.000 crianças que nascem. Em outubro deste ano lideranças indígenas acamparam na sede da Funasa, protestando contra a falta de uma política adequada de atenção à saúde indígena. Apesar das diferentes formas de mobilização e de luta dos povos indígenas, no dia a dia o que eles encontram é o abandono e a omissão.

Mato Grosso do Sul

O estado de Mato Grosso do Sul, que abriga uma população estimada em 40 mil Guarani-Kaiowá, é recordista em violências contra os povos indígenas, e concentrou a maioria dos assassinatos de indígenas no país em 2009: das 60 ocorrências registradas no Relatório de Violências Contra Povos Indígenas, organizado pelo Conselho Indigenista Missionário, 33 foram praticados neste estado da federação. Ali, as comunidades indígenas são obrigadas a viver em beira de estradas, são expulsas de seus acampamentos e sofrem todo tipo de abusos. Além disso, registraram-se 19 casos de suicídio no mesmo ano naquele estado, e este índice é 10 vezes superior à média nacional.

A dura realidade vivida pelos Guarani-Kaiowá em Mato Grosso do Sul está diretamente relacionada com a situação de confinamento em terras insuficientes e sem condições ambientais adequadas. Na reserva de Dourados, por exemplo, eles estão submetidos a circunstâncias desumanas e indignas, que se revertem em doenças, em suicídios e em um alto índice de mortalidade infantil. Para se ter uma idéia da dramática situação, basta uma leitura das manchetes dos jornais da região: "Indígena de 18 anos é encontra morta em aldeia de Dourados"; "Identificada indígena assassinada a pedradas"; "Adolescente indígena é assassinado a faca em Amambai"; "Indígena de 14 anos comete suicídio em Sete Quedas"; "Indígena é morto com golpes de faca em Dourados"; "Índio morre com machadada no rosto após confusão em aldeia"; "Mãe de 82 anos e filha são mortas a golpes de facão".

Como é possível construir uma vida digna e adequada para as crianças Guarani-Kaiowá, em condições tão absurdas e desumanas? A violência cotidiana, o confinamento, as condições precárias de vida aniquilam as formas tradicionais de acolhimento e de integração das crianças ao mundo social indígena. Não bastasse tudo isso, de acordo com os dados do Distrito Sanitário de Mato Grosso do Sul a mortalidade infantil nas áreas indígenas é de 41 mortes de crianças menores de cinco anos para cada 1000 nascidas vivas.

Jordão/AC

Uma pesquisa realizada pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo demonstrou que a desnutrição infantil no município de Jordão, no Acre, atinge níveis muito superiores ao que se registra no restante do Brasil, e se aproxima dos estimados para a África subsaariana. A diferença é que, no caso da cidade acreana, não se trata de falta recursos naturais ou alimentares na região, e sim das péssimas condições de vida e da desigualdade no acesso aos bens e recursos.

Esta pesquisa, realizada pelo enfermeiro Thiago Santos de Araújo, considerou um total de 478 crianças de até cinco anos de idade da zona urbana e rural. Após fazer as medições de peso e altura, ficou constatado que 35,8% delas apresentaram déficit de crescimento, principal indicador da desnutrição. O valor encontrado é alarmante, principalmente quando comparado com a média do Brasil, de 7% e da região norte, de 14,8%. “É como se tivéssemos uma realidade africana em plena floresta amazônica, mostrando que a riqueza natural lá encontrada não consegue superar as condições sociais que influenciam na determinação desse problema”, pondera o autor do estudo. Crianças indígenas apresentaram os maiores índices de desnutrição, quase 60%.

As escolhas do governo brasileiro e seus efeitos

Os casos aqui registrados, em diferentes pontos do país, mostram alguns efeitos das escolhas feitas pelo governo brasileiro, sob o comando do presidente Lula. Privilegiando interesses econômicos e políticos específicos, o governo colabora para tornar hostis as relações estabelecidas com setores sociais desfavorecidos, em especial as populações indígenas. A demarcação das terras, dever do Estado, não se tornou prioridade e muitos dos procedimentos demarcatórios se encontram paralisados. Poucas foram as terras regularizadas nos dois mandatos do presidente Lula: ele homologou apenas 88 terras, sendo que muitas delas tiveram os procedimentos iniciados em governos anteriores.

Assim, enquanto o Brasil segue uma rota supostamente segura em direção ao crescimento e à estabilidade, conforme alardeiam os discursos midiáticos e as estatísticas governamentais, amplia-se o fosso que separa aqueles considerados dignos de viver neste “novo Brasil” e os que estão fadados ao abandono e à exclusão. Os povos indígenas, essas gentes consideradas residuais e desnecessárias nos discursos desenvolvimentistas, são desrespeitadas de muitas formas e tem sido condenadas a viver no “olho do furacão”, atormentadas por intermináveis conflitos, vítimas do descaso do poder público e, não raramente, são ainda culpabilizadas pelas agressões das quais são vítimas.

As escolhas principais do presidente Lula, em quase uma década de governo, estiveram centradas num projeto que se concretizou particularmente no Plano de Aceleração do Crescimento, o PAC. Não por acaso os bancos e as empreiteiras obtiveram maior lucratividade neste longo período. Nos últimos anos, além dos tradicionais conflitos envolvendo a posse e demarcação das terras indígenas, estabeleceram-se ainda outros, decorrentes das grandes obras de infra-estrutura, ou de interesses econômicos regionais e locais que hoje encontram amparo nos discursos de progresso a qualquer custo. E o que move a desenfreada marcha desenvolvimentista é, obviamente, o interesse econômico de grandes empresas, muitas delas visceralmente ligadas a partidos políticos expressivos no cenário nacional, através de investimentos em campanhas eleitorais.

No embalo de uma onda de crescimento mundial, o Brasil soube aproveitar as oportunidades e projetar-se como um país viável, afirmam muitos analistas políticos. Não se pode dizer o mesmo, porém, dos investimentos em políticas sociais. Infelizmente, a marca deste governo neste campo é o assistencialismo, que minimiza os impactos imediatos da desigualdade, mas não configura e nem viabiliza a redistribuição efetiva dos bens ou maior equidade no acesso aos recursos culturais disponíveis.

E há um alto preço a pagar pela projeção do “desenvolvimento econômico” que, na prática, fortalece apenas os grandes capitalistas sem o devido cuidado com o âmbito social. A desregulamentação de certos setores, a fragilização das leis ambientais, o desmonte da legislação trabalhista, o desrespeito aos preceitos constitucionais, a morosidade nos processos de demarcação das terras indígenas parecem ser estratégias deliberadas, assumidas pelo governo, com consequências para a vida de centenas de pessoas, e que, portanto, não podem ser vistas como meros “efeitos colaterais”.

Ao que parece, trata-se de uma escolha e não propriamente de escassez de recursos para assegurar a vida dos povos indígenas. Vale ressaltar que em 2010 o governo liquidou apenas 64,24% do orçamento indigenista e, particularmente nas rubricas relativas à segurança alimentar e nutricional e à proteção e recuperação da Saúde Indígena, foram utilizados apenas 51,36% e 63,69% dos recursos autorizados, respectivamente.

Sejam quais forem as metas econômicas traçadas para o país, a morte de tantas crianças, pertencentes a povos tão massacrados historicamente, não pode ser considerada aceitável. E, sob nenhuma circunstância, a negligência com os direitos desses cidadãos do presente e do futuro pode encontrar amparo em uma sociedade que define a si mesma como democrática.   

Tal como o nascimento, na cultura ocidental contemporânea, a morte também pode adquirir diversos significados – mas a morte que decorre da omissão do Estado não pode, de modo algum, ser esquecida. Não há como calar a voz diante do extermínio lento e gradativo dos povos indígenas. 

 *Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Fonte: Cimi

sábado, 25 de junho de 2011

Pentecostalismo: Ópio do povo ou cultura popular?

por André Corten
Nunca a Igreja Universal do Reino de Deus obtivera tamanha audiência. Em 12 de outubro de 1995, dia da festa da padroeira do Brasil, através da rede brasileira mais importante de televisão, um bispo daquela Igreja tenta convencer seus adeptos sobre a idolatria dos católicos, chutando uma estátua de Nossa Senhora Aparecida. Com isso, pretende implicitamente denunciar a religiosidade de um Estado supostamente laico. Naquele dia, muitos brasileiros que jamais haviam prestado atenção à Igreja Universal do Reino de Deus, ficaram indignados com o sensacionalismo, ao mesmo tempo que muitos deles se sentiram secretamente orgulhosos dessa multinacional de cor brasileira.
Em setenta países do mundo, a Igreja Universal prega uma mesma mensagem, bem sucedida: "Pare de sofrer". Acuada pelas comissões parlamentares que investigam as seitas na França (1995) 1 e na Bélgica (1997)  segundo esta última, ela seria "palco de inúmeros escândalos sexuais", a Igreja Universal do Reino de Deus está em franca expansão na América Latina e na África.

O futuro do cristianismo no Terceiro Mundo. Acuada por comissões parlamentares que investigam as seitas na Europa, a Igreja Universal está em franca expansão na América Latina e na África. Assim, em uma cidade como Kinshasa, no Congo (ex-Zaire), completamente devastada pela miséria, o pentecostalismo também explodiu: "Jesus, Jesus!", urram nas igrejas os fiéis em transe, rolando pelo chão, inflamados por pastores carismáticos às vezes chamados de "vigaristas de Deus ". Eles fazem esquecer a fome, a doença, a promiscuidade, desmascarando "os ataques de bruxaria a que é exposta qualquer vítima de uma decepção pessoal, de melancolia e de incredulidade", segundo o trecho de um sermão proferido na capital do Congo. Fazem os fiéis sonhar com a "prosperidade milagrosa". E se as igrejas invadem as ruas e, ao cair da noite, ecoam de todos os lados cânticos e gritos, também penetram pela televisão, pelos vídeocassetes e até pela Internet. "Se não forem tomadas medidas draconianas, dentro de dez anos a nação congolesa será constituída por uma geração de tarados e psicopatas", afirma o professor Mweze, decano das Faculdades Católicas de Kinshasa.
Além da "influência ameaçadora de um islamismo extremista, em expansão na Ásia e na África", a Igreja católica receia a "concorrência devoradora, nas grandes metrópoles do Terceiro Mundo, das Igrejas evangélicas, das seitas e de um pentecostalismo desenfreado". E no entanto, perguntam teólogos protestantes, "não seria o pentecostalismo o futuro do cristianismo no Terceiro Mundo?" De qualquer maneira, tanto na África quanto na América Latina, fala-se cada vez mais em conversão. As Igrejas multiplicam-se com os mais diversos nomes, alguns deles conhecidos, como Assembléia de Deus ou Igreja de Deus, e outros menos, como Deus É Amor, Igreja Viva, Templo de Sion, Igreja da Vitória etc. O termo "pentecostal" raramente aparece nos nomes; utiliza-se quase sempre a palavra "evangélicas" para as designar.
O fator uniformidade. E no entanto, perguntam teólogos protestantes, "não seria o pentecostalismo o futuro do cristianismo no Terceiro Mundo?" O que se entende por pentecostalismo? Sua especificidade doutrinária (que nada tem de heterodoxo com relação às Igrejas instituídas) considera como atuais os dons do Espírito Santo (falar línguas, cura, profecia, exorcismo etc.) tais como são descritos na narrativa de Pentecostes dos "Atos dos Apóstolos". Nascido do protestantismo e praticamente simultâneo no início do século XX, nas Igrejas negras dos Estados Unidos, África do Sul, Brasil e Chile, o movimento Despertar passou por uma verdadeira explosão a partir da década de 80. Incluindo-se o grupo das Igrejas sionistas e apostólicas, abrange, na África do Sul, mais da metade da população, quando não passava de um quarto há vinte anos. Em países como o Chile e a Guatemala, atrai de 15 a 25% da população. Tanto na África quanto na América Latina, o número de adeptos deste novo proselitismo já ultrapassaria os cem milhões.
No sentido comum do termo, trata-se de "seitas", devido ao proselitismo e às exigências rigorosas exigidas de seus membros. Entretanto, o movimento não atende a vários outros critérios que caracterizam as seitas (principalmente o de caráter ultraminoritário) visto que, no sentido sociológico do termo, não há exclusividade (a fórmula "fora da Igreja, não há salvação" não se aplica: o que conta é a "conversão a Jesus") e o afastamento com relação ao "mundo" é cada vez menos acentuado . Seja ela o que for, essa crença extraordinária pode-se medir pela multiplicação das denominações, que atravessam fronteiras (Quênia, Uganda, Ruanda, Burundi, Tanzânia ou Brasil, Venezuela, Uruguai, Argentina). Aliás, o que chama atenção é a uniformidade. Como explicar a semelhança desses novos cultos em Ruanda, Zimbábue, Costa do Marfim, Bolívia, Brasil, Guatemala e Haiti? Efeito ou manifestação da globalização ?
A crítica da "simplificação". O termo "pentecostal" raramente aparece nos nomes das igrejas; utiliza-se quase sempre a palavra "evangélicas" para as designar Até o final da década de 80, circulava uma única explicação sobre esta explosão, que, nos meios católicos, é resolutamente denominada de "seitas". Faz-se referência ao Relatório Rockefeller de 1969 bem como ao Documento de Santa Fé, plataforma ideológica do presidente norte-americano Ronald Reagan em 1980. Em ambos os casos, trata-se do perigo de infiltração marxista na Igreja católica e dos perigos da teologia da libertação. Aliás, a hierarquia católica também se preocupa. Não é que, desde 1969, com o apoio discreto da CIA, a Universidade de Louvain, na Bélgica, tenta fundar um centro de ética cristã do desenvolvimento para controlar melhor os teólogos latino-americanos, em parte formados por ela mesma? Em conseqüência disso, e para contrabalançar a influência da teologia da libertação no mesmo terreno, a estratégia sugerida por esses relatórios consiste, principalmente, em apoiar as Igrejas evangélicas que começavam na época a se expandir. Há, portanto, um elemento de realidade na opinião obsessiva de que as Igrejas pentecostais constituem o "braço espiritual" do imperialismo norte-americano.
Em 1990, dois livros brilhantes o de David Stoll, um norte-americano de espírito crítico, e o de David Martin, famoso sociólogo britânico, estudioso das religiões  põem um ponto final a essas simplificações. Se é verdade que Washington vê com bons olhos o desenvolvimento desses movimentos evangélicos por introduzirem elementos da cultura norte-americana, contrabalançando a influência mais européia do catolicismo ? não está definitivamente provado que a extraordinária expansão desses movimentos se deva a financiamento dos Estados Unidos. Nem está provado que tenham recebido qualquer apoio financeiro importante (mais importante, em todo o caso, que os destinados às diversas correntes católicas).
A "teologia da prosperidade". O que se entende por pentecostalismo? Sua especificidade doutrinária considera como atuais os dons do Espírito Santo descritos nos "Atos dos Apóstolos" Na realidade, muitas dessas Igrejas são totalmente autônomas. A expansão da Igreja Universal do Reino de Deus fornece mesmo um eloqüente contra-exemplo no que se refere à direção dos fluxos financeiros. No caso, é o dinheiro dos pobres brasileiros que permite a implantação da Igreja em todos os continentes (inclusive nos países do hemisfério Norte).
A homogeneização dos estilos de religiosidade e de doutrina, com base no modelo norte-americano, fornece um argumento mais sólido em favor da tese do "braço espiritual". Em qualquer lugar da África ou da América Latina, grandes cruzadas atraem massas impressionantes de adeptos ou de curiosos aos estádios, programas televisivos de "cura divina", às vezes transmitidos 24 horas sem parar, atingem camadas cada vez maiores da população, e, até nas cidades menores, encontram-se disponíveis nas prateleiras das livrarias evangélicas best-sellers de devoção, traduzidos de edições norte-americanas. Tudo é sempre associado aos nomes de alguns grandes televangelistas como Jimmy Swaggart, Pat Robertson, Kenneth Copeland, Reinhard Bonnke ou Paul Yonggi Cho, alguns dos quais lideram, nos Estados Unidos, a coalizão cristã e fazem parte do círculo íntimo dos presidentes.
Por outro lado, como explica Paul Gifford, que mostrou o parentesco do pentecostalismo com a extrema-direita sul-africana, suas principais doutrinas são parcialmente (e em diversos graus) de origem norte-americana, quer se trate da "teologia da prosperidade"  Deus não ama a pobreza (enriquecer não é um pecado), da libertação e da guerra espiritual o que importa é expulsar Satã de nossos corpos, de nossos espíritos e de nossos países, ou ainda do que Gifford chama de sionismo cristão.
A promessa do enriquecimento rápido. Na África, assim como na América Latina, o número de adeptos do pentecostalismo já ultrapassaria os cem milhões Tanto na África quanto na América Latina, isso justifica a referência constante a Israel* nos sermões, assim como o convite feito aos fiéis para fazer peregrinações a Jerusalém, comparáveis às dos muçulmanos a Meca. Esta guerra espiritual de tom milenar toma também formas inesperadas: na Costa Rica, um famoso pastor pentecostalista sobrevoou o país "da fronteira de Nicarágua à do Panamá, e de Puntarenas a Limón, derramando óleo santo a cada seis quilômetros", para "libertar o território nacional de modo a facilitar a evangelização "
Será que, à medida que o pentecostalismo clássico, o novo pentecostalismo ("neo-pentecostalismo") e as Igrejas do mesmo tipo adaptam os "pobres" às exigências do mercado, se estaria não somente diante do "braço espiritual" do imperialismo norte-americano, mas também do neo-liberalismo triunfante? A julgar pela "máquina narrativa" do pentecostalismo, que divulga seu sucesso mundial, e que é dirigida aos indivíduos (em geral pobres) e não às camadas proletárias enquanto grupo, ele consegue efetivamente amortecer o choque dos programas de ajuste estrutural. E dá aos convertidos o que o Banco Mundial chama de votos, isto é o empowerment (a outorga de direitos) às mulheres e aos homens, a confiança em si mesmo e na capacidade de vencer a adversidade! Permite aos excluídos da sociedade não se deixarem esmagar e "renascer".
Inebriados pela emoção de cultos exuberantes, os crentes atravessam, sem protestar, as novas provas a que a globalização neoliberal os submete. Com a chave da promessa de um enriquecimento rápido, à imagem dos pastores que dirigem um 4x4... Dê e Deus lhe dará em dobro!
Emoção ou felicidade ilusória? Como explicar a semelhança desses cultos no Zimbábue, Costa do Marfim, Bolívia, Brasil, Guatemala e Haiti? Efeito ou manifestação da globalização? Novo "ópio do povo"? Convém não esquecer a primeira parte da famosa frase de Marx: "A religião é o suspiro da criatura oprimida, o calor de um mundo sem coração, e o espírito das condições sociais das quais se encontra excluído o espírito." Nessa perspectiva, é preciso ver que tanto o catolicismo quanto o protestantismo histórico passaram, nos últimos séculos, por uma crescente racionalização, um desencanto, a que Marcel Gauchet chama "uma saída da religião", já não oferecendo o calor nem o consolo. Ora, em contrapartida, novas necessidades religiosas afirmam-se no mundo contemporâneo: necessidade de emoção, do sagrado (principalmente pelo surgimento de forças aterrorizantes), de participação. Na América Latina, o pentecostalismo retoma a devoção e o misticismo popular bastante difundidos no século XIX, expressão popular "pagã" que a Igreja católica pretendeu disciplinar, a partir do último terço do século em questão, pelo chamado processo de "romanização".
Na África, o pentecostalismo alia-se ao profecismo ao mesmo tempo abertura e resistência. Diante do crescimento da racionalização e da "virtualização", os oprimidos do mundo reivindicam o calor da emoção e o sentimento de estar junto; buscam cenários que atestem a atrocidade do mal que os oprime, encontrando nisso um sentido do sagrado. Felicidade ilusória? Muitas vezes, eles se convencem que a ilusão se encontra do lado dos que, não sem irresponsabilidade, prometem revoluções que acabam por oprimi-los ainda mais.
A fantasia de ganhar na loteria. Há um elemento de realidade na opinião obsessiva de que as Igrejas pentecostais constituem o "braço espiritual" do imperialismo norte-americano A "máquina narrativa" do pentecostalismo é dirigida aos indivíduos e não mobiliza camadas sociais. Ao mesmo tempo que mulheres e homens são separados, vivem em um universo holístico onde tudo está em tudo. Impregnados de uma cultura mediúnica crêem na presença de espíritos , continuam a se sentir próximos da natureza e de sua comunidade, que tentam recriar quando se desintegra. Em lugar algum o holístico se manifesta melhor do que no que se denomina de "cura divina". Uma nova abordagem para cada indivíduo de seu corpo, de sua relação com os outros, de suas necessidades espirituais, a "cura divina" não significa uma simples mudança de estado psicológico: ela é uma regeneração. Ela é conseguida por um "novo nascimento" (born again), uma maneira de o indivíduo se reencontrar, mas também de a comunidade se reconciliar. A transição da África do Sul para uma nova sociedade ainda que falte fazer tudo no plano das desigualdades econômicas (cada vez mais explosivas) fez-se por meio dessa concepção de "cura" típica do cristianismo sul-africano.
Os pentecostais irritam espontaneamente os intelectuais. Para estes, o misticismo não passa de gestos grotescos, e os fiéis, crentes atrasados e mesmo oportunistas. Os pentecostais pregam a hipermodernidade (principalmente por meio de redes transnacionais e pelo uso dos meios de comunicação) mas, ao mesmo tempo, parecem atrasados pela crença nos maus espíritos (transfigurados em manifestações de Satã). Mostram-se muito rigorosos (proibição de álcool, tabaco, sexualidade muito restrita etc.) e ao mesmo tempo carnais (às vezes, os cultos assemelham-se razoavelmente a balés sensuais). Reivindicam a aplicação literal da Bíblia, adaptada à experiência de cada um. Apoiada em uma leitura literal sobre a prosperidade de Abraão abençoada por Deus, a "teologia da prosperidade", por exemplo, apresenta-se como a expressão da fantasia popular de ganhar na loteria; ao mesmo tempo, é a afirmação de um direito, o de escapar à humilhação, à miséria e à dependência. Dedicando-se a Cristo, o crente transforma-se em "vencedor".
Pregando a "guerra espiritual". A "máquina narrativa" do pentecostalismo é dirigida a indivíduos: mulheres e homens vivem em um universo holístico onde tudo está em tudo Esta adaptação irrestrita aos sinais da globalização irritou durante muito tempo os antropólogos. Envoltos na autenticidade africana, os africanistas em particular negligenciaram esse fenômeno "americano". Foi preciso que a jovem geração de antropólogos, sociólogos e cientistas políticos (muitas vezes britânicos e franceses) se interessasse pelo assunto para que o fenômeno começasse a ser estudado. Na América Latina, brasileiros, chilenos e argentinos começaram antes, de forma que o fenômeno é hoje melhor conhecido.
A cultura do "mau gosto" e o estilo "supermercado da fé" do pentecostalismo, atualmente já são aceitos sem muito juízo de valor. Quer se goste ou não, percebe-se que se trata de uma expressão da cultura popular. Uma cultura que não quer ficar longe do que se passa no mundo antes, uma cultura de retiro e de refúgio, o pentecostalismo tornou-se uma cultura de adaptação mas que não renega suas tradições, muitas vezes vistas de fora como superstições.
O fenômeno espalha-se por todos os cantos do mundo. Fala-se muito de seu desenvolvimento na Ásia (mesmo na China), mas os estudos são ainda pouco numerosos . Ele é vivido como uma guerra total. "A década de 90 será definitivamente testemunha da guerra espiritual mais intensa que a Igreja terá conhecido em 2000 anos de história", ensina-se nas escolas bíblicas. "Não há zona desmilitarizada!" Os mesmos rituais se observam por toda parte, o mesmo uso da mídia, as mesmas "máquinas narrativas".
Reproduzindo a ideologia dominante. A cultura do "mau gosto" e o estilo "supermercado da fé" do pentecostalismo, atualmente já são aceitos sem muito juízo de valor ou preconceito No entanto, essa padronização está longe de nivelar as culturas. Ela é como a "chave inglesa", que permite apertar os parafusos de formas sempre diferentes. É universal no sentido de que não respeita fronteiras. Mas, uma vez apertados os parafusos, novas configurações surgem. Às vezes, identidades afirmam-se mais restritas que as identidades nacionais, sem serem étnicas, mas freqüentemente são maiores que as fronteiras. O mais curioso é que não se trata aqui de uma geopolítica conduzida de cima para baixo (há milhares de denominações e mesmo as mais importantes são geralmente muito descentralizadas), mas de uma geopolítica conduzida a partir de baixo, por pequenos pastores "de pés descalços" (que tentam simplesmente, ampliando as relações com outros países, obter o respeito de sua família e de seus vizinhos).
Em sua convicção da "cura divina", os crentes inventam uma nova cultura em lugarejos abandonados, em todos os sentidos (inclusive no plano dos cuidados com a saúde). Pode-se muito bem falar de cultura popular, exceto de que ela não é reconhecida como tal pelas elites intelectuais. Mas trata-se de uma cultura de resistência que reproduz, sem o saber, a ideologia dominante. Neste sentido, o pentecostalismo é mesmo o novo ópio do povo. Assim mesmo, é preciso lembrar o contexto em que Marx utilizou a expressão: é a emoção em um mundo sem emoção. (Trad.: Marinilzes Mello)

*O grifo é meu.