domingo, 21 de dezembro de 2014

Desmascarando os mercadores da natureza

Uma tragédia que se revela nos territórios

Por Winnie Overbeek

Ao apresentar essas experiências práticas - uma na Ásia, outra na África e a última na América Latina, a proposta é a de trazer elementos palpáveis e concretos para o debate sobre os mecanismos de economia verde que, muita vezes, fica no plano da abstração ou é inacessível devido à sua linguagem intrincada e aos fundamentos obscuros. E, principalmente, explicitar seus impactos e efeitos sobre os povos indígenas.
Nesse sentido, questiona-se, por exemplo: Os créditos de carbono, que favorecem empresas poluidoras e agentes do capital financeiro, também são benéficos para as populações indígenas que vivem e dependem das florestas? É justo chamar os projetos-piloto de Redd de projetos “modelo”? Até que ponto as vidas dos povos e comunidades envolvidos com esta política corresponde com a abundante propaganda que projeta a economia verde como a solução para as mudanças climáticas, a destruição ambiental e a pobreza?
Vejamos o que mostra a realidade:

Indonésia – Sem direito à terra, sem florestas
Na ilha e província de Kalimantan, localizada no sudeste asiático, entre 2009 e 2013, foram investidos mais de US$ 30 milhões num projeto de Redd denominado Kalimantan Forest Climate Partnership(KFCP). Resultado de uma parceria entre os governos da Indonésia e da Austrália, o KFCP pretende compensar as altas emissões australianas de carbono, resultado de uma economia muito dependente da mineração e com alto consumo de carvão mineral, através da proteção de uma área de 120 mil hectares, que inclui o território de comunidades indígenas Dayak. Apoiado por ONGs internacionais, como WWF, Wetlands e Care, este projeto foi apresentado ao mundo como um “modelo”. No entanto, em 2013, após quatro anos de intensos protestos locais, nacionais e internacionais contrários ao projeto, ele foi suspenso.

Quais foram os motivos que levaram um projeto “modelo” a ser suspenso apenas quatro anos após o seu início?
Na região onde o KFCP foi implementado havia, de fato, um alto índice de desmatamento, causado pela expansão da monocultura em larga escala da palma africana (dendê), pela extração de madeira e pela mineração. As comunidades indígenas que moram dentro da área do projeto Redd haviam solicitado, há bastante tempo, que as autoridades tomassem medidas para acabar com esse desmatamento, realizado por empresas com forte influência política. No entanto, além de não ter focado nas causas do desmatamento, o KFCP causou um profundo descontentamento entre os indígenas ao interferir nos seus modos de vida. Sete comunidades, totalizando 2.600 famílias, foram diretamente afetadas pelo KFCP.
Apesar da coordenação do projeto ter afirmado, reiteradamente, que teve o consentimento da comunidade para o projeto, a comunidade nega veementemente qualquer ato neste sentido. Ao contrário, ela queixa-se de que o KFCP foi implementado “de cima para baixo” e que a coordenação conseguiu apenas a assinatura dos chefes que representam o governo da Indonésia em cada comunidade – posições que seriam similares às ocupadas, antigamente, pelos chefes da Fundação Nacional do Índio (Funai) nas aldeias no Brasil. Os indígenas contam que foram realizadas reuniões mas apenas para a “socialização em Redd”. No entanto, mesmo depois de várias reuniões, eles disseram que ainda não entendiam o que era Redd.
De qualquer modo, eles não se negaram a participar do projeto porque receberam promessas de emprego e dinheiro. O emprego, de fato, aconteceu, mas apenas de membros de algumas famílias. Empregados no reflorestamento, eles ganharam cerca de R$ 200 para plantar 500 árvores (por família) - sendo que uma parcela era paga antes e a outra depois do plantio. No entanto, tiveram que, com este pagamento, arcar ainda com os custos envolvidos na atividade, como o do viveiro e do transporte das mudas. Além disso, o projeto definiu os tipos de árvores que deveriam ser plantadas nas suas áreas tradicionais e as sugestões dos indígenas para plantarem árvores mais adaptadas às condições locais foram ignoradas.
Além da baixa remuneração, os indígenas tinham menos tempo para dedicarem-se às atividades tradicionais de subsistência, como a pesca, a agricultura e a coleta de borracha e de outros produtos da floresta. Para piorar a situação, menos da metade das árvores plantadas sobreviveram. Para os Dayak, essas árvores eram do projeto, não da comunidade.
Enquanto as árvores do reflorestamento morriam, o desmatamento em áreas próximas continuava, sem parar, destruindo a floresta. E os indígenas perguntaram: “por que em vez de plantar mudas que morriam, o projeto não focava em evitar o desmatamento?” e “este não é justamente o propósito do Redd?”.
Eles passaram, então, a entender que essa destruição é feita para atender planos empresariais, como a expansão do monocultivo de palma africana que, por ser uma atividade prioritária para o governo, não é coibida por este. A falta de transparência em relação à gestão financeira e a impossibilidade de participarem das decisões relativas ao projeto - e, portanto, às suas próprias vidas - também foram denunciadas pelos Dayak.
Mas o que talvez seja ainda mais grave é que, com o projeto Redd, as reivindicações da comunidade perante as autoridades ficaram relegadas. A principal delas é o reconhecimento e a demarcação das suas terras tradicionalmente ocupadas. Por conta própria e contando com a ajuda de uma organização indigenista, várias comunidades já fizeram, a mão, mapas que identificam os limites do território das comunidades, evidenciando as áreas das aldeias, das florestas que utilizam, dos rios onde pescam e outras para o plantio.
Antes da implementação do KFCP, os Dayak estavam esperançosos no sentido de avançarem em sua luta pela terra, já que – em um país que não reconhece os direitos territoriais dos povos tradicionais - a província de Kalimantan tem um governador indígena que, inclusive, criou uma legislação reconhecendo estes direitos. No entanto, desde a implementação do projeto KFCP nada mais avançou em relação à demarcação da terra dos Dayak porque a coordenação do projeto considera que avançar com a questão dos direitos ao território era algo desnecessário.
Enquanto isso, dentro da terra tradicional indígena, o cultivo do dendê, a exploração da madeira e a mineração continuam expandindo e, obviamente, destruindo a floresta.
Quênia – Incêndios expulsam o povo de sua terra ancestral
Com uma população de pouco mais de 30 mil pessoas, o povo indígena Sengwer vive desde tempos imemoriais nas montanhas de Cherangany, no Quênia, em uma das principais áreas de floresta e captação de água do país. Apesar da Constituição Queniana, de 2010, conceder-lhes direitos inalienáveis às suas terras ancestrais, o governo os considera como “refugiados internos” e vem realizando um violento processo de expulsões massivas e deslocamentos forçados.
Nos últimos anos, organizações sociais quenianas e internacionais denunciam que o Serviço Florestal do Quênia e uma unidade paramilitar da polícia vêm, sistematicamente, expulsando os Sengwer das suas casas, além de queimá-las e destruir seus pertences As violações são tão graves a ponto dessas organizações afirmarem que trata-se de uma situação de genocídio desta minoria étnica de caçadores e coletores. Segundo afirmou uma liderança Sengwer: “o governo do Quênia está forçando-nos no caminho da extinção”.

Mas o que o Redd tem a ver com toda esta drástica realidade?
Em 2007 a região onde vivem os Sengwer foi incluída no Projeto de Manejo de Recursos Naturais (NRMP, sigla em inglês). Elaborado com o apoio financeiro do Banco Mundial, ele prevê a implementação do Redd no Quênia. Iniciaram-se, então, ações de pressão sobre os indígenas para que abandonem suas terras, e as tentativas têm ficado cada vez mais violentas.
Em uma atitude bastante cínica, o Banco Mundial ofereceu ajuda ao governo, colocando-se à disposição para compartilhar seus conhecimentos em relação às “melhores práticas” de assistência às pessoas afetadas para o que eles chamam de “reassentamento involuntário”. É importante ressaltar que o Banco Mundial é um histórico financiador de políticas e práticas extremamente poluentes, como a extração de combustíveis fósseis, além de ser um dos maiores financiadores das políticas de crédito de carbono.
Em 2013, os Sengwer entraram na justiça e obtiveram uma liminar que assegura o fim das violentas remoções até que a questão dos direitos dos indígenas sobre suas terras seja resolvida. No entanto, o governo queniano ignora esta ordem judicial e continua destruindo as casas das famílias indígenas com o objetivo de expulsá-los de suas terras ancestrais para implementar o projeto de Redd.
O governo justifica a expulsão dizendo que a única forma de conservar as florestas é expulsar todas as pessoas da área porque, garantem, elas são as responsáveis pela destruição – o que é uma tremenda distorção da realidade. Devido à sua profunda integração com a natureza, os Sengwer sempre preservaram as florestas e todo o ecossistema das montanhas Cherengany. No entanto, agora estão sendo aniquilados em seus territórios imemoriais sob o pretexto da “conservação” devido a um projeto de Redd. O chefe do departamento. de conservação do Serviço Florestal do Quênia, Solomon Mibei, admite: “O mecanismo Redd+ é uma opção futura”. Ele também informou que já começaram a fazer oficinas com as comunidades do entorno da área sobre “finanças de carbono”.
Peru – Solidariedade às avessas: repressão e falta de alimento
Há décadas o desmatamento na Amazônia peruana é impulsionado por um extenso número de projetos de extração de petróleo e de minério. Supostamente para combater o desmatamento, atualmente há também dezenas de projetos de Redd. O Project Pur (cuja tradução é Projeto Puro), desenvolvido na região amazônica de San Martin desde 2010 pela organização francesa Alter Eco, é também considerado um “modelo”. Ele foi implementado em uma região habitada por comunidades campesinas, em parte oriundas de outras regiões afetadas por grandes projetos petroleiros e minerários, e também pelos indígenas Shambuyaco e Yurilamas.
Um estudo de caso da organização Amigos da Terra França (ATF) mostra que essas populações não foram bem informadas e nem consultadas sobre o projeto “Puro”. Um morador afirma: “Eles nunca fizeram um encontro conosco. Às vezes, havia encontros, mas poucas pessoas sabiam. Está errado afirmar que todos nós concordamos com o projeto”.
O projeto foi concebido pelo empresário francês Tristan Lecomt, que fez sucesso com o comércio “solidário”, inclusive no Peru. Entidades locais que o empresário já conhecia desde a realização deste trabalho “solidário” foram usadas para montar uma organização chamada Fundación Amazonia Viva, com o objetivo de focar na conservação florestal e no reflorestamento. Através dos membros dessa fundação foram solicitadas as concessões para a conservação florestal de uma área total de 300 mil hectares, chamada de Biocorredor Martin Sagrado, onde está implementado o Project Pur. Nem mesmo essas organizações locais entendem o que é Redd. No entanto, seus representantes afirmam que queriam atender ao pedido do empresário.
Como o documento que descreve o Projeto Puro aponta as práticas agrícolas das comunidades como sendo 70% responsáveis pelo desmatamento na região, a restrição de uso da terra para as comunidades é um dos seus mais severos impactos. Ele também prevê, caso seja necessário, medidas repressivas: “O projeto propõe reforçar relações entre a equipe da Fundação Amazônia Viva, a polícia e os militares para criar um grupo capaz de prevenir mais ocupação da floresta, desmatamento ilegal, o uso do fogo para preparar a terra e a caça (...)”.

Um dos benefícios apresentados é o reflorestamento, que o projeto afirma desenvolver com o povo Shambuyaco. Os indígenas ganham 1 sol peruano (0,27 euros) por árvore, mas há um desconto de 20% no pagamento para arcar com os custos administrativos e de transporte da cooperativa. Além disso, os direitos sobre o carbono são todos transferidos para o Projeto Puro.
Houve uma tentativa de implantação de um projeto de Redd também na comunidade Shambuyaco, mas uma liderança comentou que o período proposto, de 40 anos, era tempo demais, além do contrato ter sido escrito em língua estrangeira.
Soma-se a este contexto o fato de que o projeto não contribui em nada com a regularização do território das comunidades indígenas. Uma representante de uma federação regional afirmou que: “Nós não temos uma documentação que nos dá direito sobre nossas terras, como povos indígenas. É injusto porque sempre cuidamos desta terra, que nos alimenta, que nos oferece caça e plantas medicinais, com as quais podemos nos curar. Não queremos esta área de conservação, queremos nosso direito sobre a terra garantido, primeiro”.
Este e muitos outros projetos de Redd têm sido certificados com um selo de “qualidade”. Neste caso, a certificação foi feita pelo SCS Global Services, que certificou o projeto conforme os Padrões de Clima, Comunidade e Biodiversidade (CCB). Ao serem questionados sobre os motivos de não visitarem as comunidades mais afetadas pelos projetos, cujo acesso é mais distante e difícil, os representantes dessa certificadora disseram que trabalham por amostra. Porém, curiosamente, a “amostra” selecionada incluiu exatamente as comunidades menos afetadas pelo projeto. Dos custos do Projeto Puro, 96% são gastos com administração e outras despesas de terceiros, como estes da certificação.

Resistência, para mudar a história
Em cada visita às comunidades afetadas por projetos Redd, a história se repete. Uma história de violações de múltiplos direitos. Primeiro, constata-se a falta de informações e entendimento sobre o projeto, sobre o Redd e suas implicações. Mesmo assim, carentes de políticas públicas e por não terem seus direitos respeitados, as comunidades acabam aceitando o projeto em função das promessas de melhoria de vida. Posteriormente, com o não cumprimento das promessas, a comunidade se frustra. O projeto proíbe as atividades tradicionais, principalmente as agrícolas. Não há avanços nas demandas mais importantes das comunidades, especialmente no reconhecimento dos direitos ao território. E, na maioria dos casos, o desmatamento não pára.
Felizmente, por outro lado, a revolta com a imposição de projetos de economia verde é crescente. Também aumentam as articulações para mudar essa realidade e fortalecer a resistência local, no sentido de priorizar as verdadeiras soluções para os problemas da humanidade. A criação da rede “Diga Não ao Redd na África” (NRAN) e de outras articulações na América Latina e na Ásia são alguns exemplos desse processo. Nosso desafio é fortalecer essa resistência ao avanço do capital sobre a natureza e contribuir para a recomposição da solidariedade entre as comunidades que o Redd e outros mecanismos esforçam-se para destruir.

Winnie Overbeek é coordenador internacional do Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM, sigla em inglês)

Leiam o Jorna PORAMTIM que trás ricas matérias que ajudam a entender a economia verde e a desmascarar Os mercadores da natureza

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Povos da floresta e territórios: serviços ou direitos?

Por Cristiane Faustino e Fabrina Furtado

         
Faltando um ano para ser concluída a elaboração do acordo global sobre clima, cujo prazo é dezembro de 2015, a Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (CQNUMC), de Lima, é um momento chave de negociações. O acordo em discussão criará um regime internacional sobre o clima, determinando obrigações para os países-membro (as Partes) da CQNUMC, e entrará em vigor em janeiro de 2020. Neste debate alguns setores são priorizados, entre eles, o tema das florestas ou a redução do desmatamento e degradação florestal, considerado um “setor” onde as emissões de gás carbônico (CO2), que contribuem para a mudança do clima, podem ser reduzidas de forma mais rápida, mais barata e com benefícios para todos os envolvidos.
Isso significa, na prática, decisões sobre o mecanismo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd), mais especificamente sobre o seu financiamento, o papel dos mercados e se haverá compensação por Redd. Fortalecer os mecanismos de Redd já é praticamente consenso, mas os países precisam decidir se os créditos gerados pela redução do desmatamento e da degradação serão financiados pelo mercado de carbono ou por outros instrumentos de mercado, e se o investimento de um país em tal iniciativa significará que o mesmo possa usá-lo para diminuir/compensar suas obrigações de redução de emissões.
Pelos mecanismos de compensação e pelo mercado de carbono, um país ou estado não precisaria efetivamente diminuir suas emissões, mas poderia “comprar” essa redução (pelo menos no papel), neste caso por não-desmatamento, de outro país, ou seja, comprar o direito de poluir. Para quem não acompanha os pontos e vírgulas das negociações, isso tudo pode parecer complexo e, às vezes, quase abstrato, mas como não existem florestas sem gente e essas gentes não vivem sem as florestas, esta é uma questão que afetará, e já afeta, a vida das populações tradicionais e indígenas.
Neste debate, vale tomar como emblema o caso brasileiro do Acre, que é considerado referência nas negociações sobre clima. Atualmente, a chamada economia verde no estado é vista nos meios oficiais como uma experiência que harmoniza crescimento econômico e conservação ambiental, e é onde existe o programa jurisdicional de Redd considerado o mais avançado do mundo. O Sistema de Incentivos aos Serviços Ambientais (Sisa), lei estadual acreana aprovada em 2010, é definido como “um conjunto de princípios, diretrizes, instituições e instrumentos capazes de proporcionar uma adequada estrutura para o desenvolvimento de um inovador setor econômico do Século XXI: a valorização econômica da preservação do meio ambiente por meio do incentivo a serviços ecossistêmicos”. Os “serviços e produtos ecossistêmicos” citados são: o sequestro, a conservação, manutenção e o aumento de estoque e a diminuição do fluxo do carbono; a conservação da beleza cênica natural; a conservação da sociobiodiversidade; a conservação das águas e dos serviços hídricos; a regulação do clima; a valorização cultural e do conhecimento tradicional ecossistêmico; e a conservação e o melhoramento do solo. Nesse sentido, estão sendo desenvolvidos cinco programas relacionados: Carbono Florestal (ISA Carbono); Sociobiodiversidade; Recursos Hídricos; Regulação do Clima; e Valorização Cultural e Tradicional. O Programa ISA Carbono foi o primeiro a ser desenhado e implementado e busca alcançar a meta voluntária do governo do Acre de redução de emissões por desmatamento e degradação florestal[1].
         Para avançar com o Sisa, o governo do Acre já recebeu financiamento do Fundo Amazônia, gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do banco alemão de desenvolvimento KfW, da, também alemã, agência de cooperação internacional GIZda organização conservacionista WWF-Brasil e da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, em sua sigla em inglês). Para o futuro, o governo do Acre pretende garantir recursos do mercado de carbono e de outros serviços ambientais, voluntários e oficiais.
Ainda nesse terreno, em novembro de 2010, os governos do Acre, da Califórnia (Estados Unidos) e de Chiapas (México) assinaram um memorando de entendimento para discutir as bases de um acordo de comércio de créditos oriundos de Redd. Porém, as organizações da sociedade civil dos Estados Unidos lutam contra modificações no marco jurídico da Califórnia que permitam a lógica do mercado de carbono e da compensação[2]Para o estado do Acre, serão estratégicas as definições da CQNUMC sobre a oficialização da relação entre Redd e mercado.
         Além de ser necessário realizar uma análise mais aprofundada em termos dos efeitos e impactos do Sisa sobre as demais políticas de Estado e sobre a própria sociedade como um todo, falta, avaliam inclusive alguns dos seus apoiadores, um debate mais amplo e qualificado. O governo estadual afirma que a consulta e participação para a elaboração e implementação do Sisa foram, e continuam sendo, amplas, mas algumas organizações locais, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), argumentam que as mesmas não contemplam a diversidade de perspectivas e pensamentos críticos no estado.
         Outras preocupações estão relacionadas à incidência da lei sobre os territórios federais, como as terras indígenas, as reservas e as florestas públicas, podendo haver sobreposição de poderes, o que colocaria em xeque a constitucionalidade da mesma; ao receio de que o Sisa elimine a cultura extrativista, caso as comunidades sejam proibidas de realizar atividades tradicionais de subsistência, como a extração de látex das seringueiras e as queimadas para roçados; e à privatização do meio ambiente, definido como bem de uso do povo (público) pelo art. 225 da Constituição Federal, quando  instala-se a compra e venda dos chamados serviços ambientais.
            “Querem a gente acuado”
Enquanto o Sisa é institucionalizado, projetos privados de Redd já começam a gerar conflitos nos territórios, como o projeto Purus e os projetos Russas e Valparaíso, todos em vias de registro no Sisa. No caso do Purus, localizado no interior do município de Manoel Urbano, as preocupações estão relacionadas à falta de entendimento sobre o projeto por parte da comunidade; à divisão da comunidade e ao acirramento de conflitos; à impossibilidade de realizar uma série de atividades importantes para a subsistência, sob pena de criminalização; ao fato de que o incremento na renda será mínimo, se efetivamente ocorrer, para quem participa voluntariamente do projeto; e à constatação de que as ações sociais propostas são, na verdade, de responsabilidade do Estado e direitos constitucionais da população, que não podem estar associados e muito menos condicionados à execução do projeto. Receosa com as perdas e insegura quanto às oportunidades e melhorias prometidas pelos proponentes, a comunidade tenta agora sair do projeto e garantir a regularização da terra. Como expressou um seringueiro impactado pelo projeto “Eles querem que nós fique aqui dentro, acuados, num canto, sem poder fazer nada pra, daqui uns dias, a gente não ter nenhum roçado para plantar nossa roça”.
         No caso dos projetos Russas e Valparaíso, localizados no município de Cruzeiro do Sul, os comunitários estão preocupados com a falta de informação sobre o significado do projeto; as restrições sobre o uso da terra e da floresta; o futuro; as promessas de regularização fundiária em troca da aprovação do projeto; a ameaça de expulsão, no caso do não acordo; a individualização do processo de regularização (mediante contratos individuais de titulação da terra); e a falta de apropriação da comunidade em relação aos termos dos contratos com proprietários de terras e empresas estrangeiras.
         Segundo informações do governo do estado, esses projetos não serão registrados no Sisa enquanto o proprietário (e não o próprio Estado) não regularizar a situação. Entretanto, os projetos continuam em andamento. No caso do Purus, por exemplo, em junho de 2013, a Federação Internacional de Futebol (Fifa) declarou seu apoio ao Projeto Purus, como instrumento para “neutralizar” a emissão de carbono durante a Copa do Mundo. De acordo com a Fifa, os projetos (Purus e mais dois) “passaram por um rigoroso processo de licitação e cumprem os padrões definidos pela International Carbon Reduction and Offsetting Alliance (Icroa), tendo sido realizada a seleção final por um painel independente de ONGs ambientais” (FIFA, 2014).
Do ponto de vista socioambiental é preciso considerar, de antemão, as enormes contradições existentes entre a destruição ambiental/desigualdade social e as soluções de mercado, tendo em vista que a degradação ambiental e os problemas sociais dela decorrentes estão vinculados à própria lógica mercantil de acumulação, em detrimento da preservação do meio ambiente e da garantia dos direitos dos povos. Nessa lógica de “economia verde”, a natureza é percebida como um estoque de carbono e de outros “serviços” e os sujeitos de direitos são reduzidos a fornecedores ou compradores de serviço.
Além disso, transfere-se a “culpa” da degradação ambiental para os sujeitos comunitários, cujas práticas são de baixo impacto ambiental. Ao impor, de forma simplista e descolada da realidade e das necessidades comunitárias, a ideia absoluta de “floresta em pé”, desvaloriza-se e coloca-se em risco os diferentes modos de ocupação e uso feitos pelas comunidades tradicionais e pelos povos indígenas. Ao optar por desenvolver políticas dessa natureza, o governo faz uma escolha direcionada e expõe a população aos riscos que advêm desta opção, num contexto de enormes desigualdades entre os sujeitos envolvidos: comunidades, por um lado, e fazendeiros e empresas, por outro.
         Ao mesmo tempo, os principais agentes da degradação ambiental, como os fazendeiros e as empresas, recebem incentivos financeiros e compensação, como se estivessem prestando um serviço para a sociedade, que deve pagar pelo mesmo. Desse ponto de vista, os efeitos da economia verde expressam-se no processamento das injustiças e desigualdades históricas que, além de situar as comunidades em lugar desprivilegiado na relação, parte do pressuposto de sua culpabilização e legitima a penalização de sua existência. 
          De fato, no caso dos projetos de Redd no Acre, o processo ocorre em um contexto de muitas desigualdades, aprofundadas pela falta de informação e formação adequadas das comunidades sobre questões fundamentais que afetam as suas vidas. Isso favorece a atuação das empresas e a imposição dos projetos nas comunidades. Além disso, frente à insegurança da posse, as comunidades locais ficam fragilizadas e passíveis de serem coagidas a aceitar as propostas externas como redenção de suas necessidades em detrimento de sua autonomia.
         A situação imposta a essas comunidades é o de duas perversas opções: 1 - perda da floresta e dos seus territórios e ausência de políticas públicas; 2 - projetos de Redd. A regularização territorial e as políticas de direitos aparecem como moeda de troca para as comunidades aceitarem os projetos. Por outro lado, a responsabilidade da regularização da situação de posseiros, direito da população e dever do Estado, é “transferida” para o “proprietário” da terra/do projeto, diretamente e em posição privilegiada, interessado na sua exploração mercadológica. Agravante dessa situação é a ausência de metodologias de trabalho que possibilitem uma apropriação qualificada por parte das comunidades da linguagem e das informações “técnicas” apresentadas pelos proponentes e executores dos projetos.
Consolidação das injustiças
Nessas ponderações, importa considerar que num contexto de desigualdades sociais e ambientais, que marcam não só o estado do Acre, mas o Brasil e outros países do Sul global, o caminho do mercado para enfrentar os fatores das mudanças climáticas mostra-se como uma solução problemática, uma vez que não enfrenta as injustiças e a degradação socioambientais, mas consolida-se por meio delas, ao passo em que pode comprometer direitos conquistados e agravar violações crônicas, como a concentração fundiária e a negação dos direitos políticos, culturais, econômicos e ambientais das populações.
Em seus territórios históricos, os povos da floresta não podem ser excluídos dos processos de decisão sobre seus próprios futuros ou serem considerados obstáculos ao desenvolvimento e progresso. No que se refere ao tema das mudanças climáticas e ao significado das florestas é absolutamente legítimo e necessário que às comunidades e aos povos que com elas convivem, seja garantido o direito de pensar, opinar e decidir. Entretanto, a compreensão plena das comunidades sobre a situação exige uma participação ativa na própria concepção da política, garantindo o direito de rejeitar processos que provoquem perdas, danos e aumento das vulnerabilidades. Também exige que o acesso às informações, aos recursos e às instituições nacionais e internacionais sejam garantidos mediante processos democráticos e não ocorram como fatores de favorecimentos, privilégios e reprodução de desigualdades.
Aos chefes de Estados da COP cabe desprenderem-se de uma lógica que situa as soluções dos problemas socioambientais e do clima sempre integradas ao atual sistema de produção e consumo hegemônico. Pois talvez seja necessário fazer justamente o contrário, ou seja, a sociedade ocidental se “abrir” para aprender com os povos e as populações tradicionais, especialmente sobre como viver de um modo mais respeitoso e harmônico com todas as formas de vida. No mais, a diversidade sociocultural e a garantia dos direitos dos povos é, de antemão, a melhor e mais sustentável forma de conter e enfrentar não só as mudanças climáticas, mas toda a crise civilizatória que coloca em risco a própria existência humana no planeta.


Cristiane Faustino e Fabrina Furtado foram, respectivamente, relatora e assessora da Relatoria de Direito Humano ao Meio Ambiente da Plataforma Dhesca Brasil, entre maio de 2012 e maio de 2014.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Violações de direitos causadas pela economia verde no Acre serão denunciadas na COP20

Um relatório preliminar que sistematiza diversas violações de direitos humanos causadas pela economia verde no estado do Acre será apresentado na 20ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 20) e na Cumbre de los Pueblos Frente al Cambio Climático. Estes eventos acontecem em Lima, no Peru, até o próximo dia 12, sendo que a Cumbre irá começar no dia 9. O relatório foi realizado pela Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma de Direitos Humanos, e é resultado de uma Missão de investigação e incidência realizada nos meses de setembro, novembro e dezembro de 2013.

O Acre é considerado uma referência mundial na implementação de políticas vinculadas ao clima. A chamada economia verde no estado é vista nos meios oficiais como uma experiência que harmoniza crescimento econômico e conservação ambiental, e é onde existe, desde 2010, o que é considerado como o programa jurisdicional do mecanismo de Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd), mais avançado do mundo: o Sistema de Incentivos a Serviços Ambientais (Sisa).

No entanto, ao visitar projetos de Manejo Florestal, territórios indígenas e dois projetos privados de Redd em processo de registro no Sisa e ouvir as denúncias dos comunitários, seringueiros e indígenas vinculados aos projetos de economia verde, a Missão realizada pela Relatoria de Meio Ambiente constatou uma outra realidade, marcada por impactos sociopolíticos, econômicos e ambientais negativos, em especial sobre os territórios e as populações tradicionais. Dentre outras, foram constatadas violações do direito à terra e ao território e violações dos direitos das populações em territórios conquistados.

Dercy Teles de Carvalho Cunha, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri e posseira no Seringal Boa Vista, exemplifica os impactos destes projetos sobre a vida dos comunitários: “é a perda de todos os direitos que os povos têm como cidadão. Perdem todo o controle do território. Não podem mais roçar. Não podem mais fazer nenhuma atividade do cotidiano. Apenas recebem uma Bolsa para ficar olhando para a mata, sem poder mexer. Aí, tira o verdadeiro sentido da vida do ser humano".

O relatório também denuncia que, em um contexto de extrema desigualdade, aprofundada pela falta de informação das comunidades sobre os projetos a serem implantados nos seus próprios territórios, as comunidades acabam sendo coagidas a aceitar as propostas externas e “de cima para baixo” como redenção de suas necessidades de políticas públicas, em detrimento de sua autonomia.

Desse modo, uma das conclusões do relatório é a de que “o drama imposto a essas comunidades é o de duas únicas e perversas opções: a perda da floresta e dos seus territórios e ausência de políticas públicas e os projetos de manejo, bolsa verde ou Redd”.

O relatório preliminar será apresentado por representantes do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Amigos da Terra Brasil e Movimento Mundial de Florestas Tropicais (World Rainforest Movement) em eventos programados tanto para a COP como para a Cumbre. Indígenas dos povos Apolima-Arara e Jaminawá estarão presentes e darão seus testemunhos sobre os impactos que vêm sofrendo desde a implementação dos projetos e da política de economia verde em seus territórios ancestrais.

O relatório preliminar está disponível em espanhol e inglês. http://www.plataformadh.org.br/files/2014/12/informe_preliminar_economia_verde.pdf
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Serviço

O quê: o relatório preliminar será disponibilizado durante o seminário: Financeirização da natureza e extrativismo: reflexões e desafios para a defesa dos territórios e a soberania dos povos

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

E ainda querem apresentar o Acre como modelo na COP 20, em Lima.... ERA UMA VEZ UMA FLORESTA


No marco da economia 'verde', seus promotores pretendem fazer-nos crer que é possível um 'crescimento sustentável' da economia, que pode 'dissociar-se da natureza' com as formas de produção capitalista, ou que é factível 'compensar' ou 'mitigar' a contaminação ou a destruição de um lugar com a 'recriação' ou 'proteção' de outro. Sob uma lógica injusta e colonialista, a economia 'verde' subjuga a natureza e os povos autônomos ao impor restrições sobre o uso e controle de seus territórios para encher os bolsos de alguns poucos, inclusive quando as comunidades são as que mantém títulos de propriedade.

http://lindomarpadilha.blogspot.com.br/2014/12/para-enfrentar-o-capitalismo-e-defender.html

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Para enfrentar o capitalismo e defender a vida e os territórios

COP20, Lima, Dezembro de 2014

Por ocasião das negociações da ONU sobre mudanças climáticas em Lima, no Peru conhecidas como a COP20 -, advertimos que rechaçar REDD+ e os 'serviço ambientais', no contexto da 'economia verde', é uma parte central da nossa luta contra o capitalismo e as indústrias extrativas e em defesa dos territórios, da vida e da Mãe Terra.

Os acordos das Nações Unidas sobre o clima têm falhado em reduzir as emissões de gases que geram o aquecimento global. De fato, os mecanismos e políticas surgidos a partir destes acordos, entre os quais está REDD+, tem permitido continuar, legitimar e intensificar atividades destrutivas como são mineiras, petroleiras, gasíferas e carboníferas, as monoculturas florestais e o agronegócio, entre outros. Estas indústrias, que são as principais causadoras da crise climática, tem adotado discursos de 'sustentabilidade', 'desmatamento zero', 'responsabilidade socioambiental', 'dissociação' ou 'projetos de baixo carbono', sob o guarda-chuva de uma economia "verde". Mas sabemos que mais além da propaganda para lavar sua imagem, o modelo extrativista e o capitalismo global institucionalizado sempre resultam no saqueio de Mãe Terra, assim como no despojo, violência, destruição e criminalização das comunidades, povos, terras e territórios.

No marco da economia 'verde', seus promotores pretendem fazer-nos crer que é possível um 'crescimento sustentável' da economia, que pode 'dissociar-se da natureza' com as formas de produção capitalista, ou que é factível 'compensar' ou 'mitigar' a contaminação ou a destruição de um lugar com a 'recriação' ou 'proteção' de outro. Sob uma lógica injusta e colonialista, a economia 'verde' subjuga a natureza e os povos autônomos ao impor restrições sobre o uso e controle de seus territórios para encher os bolsos de alguns poucos, inclusive quando as comunidades são as que mantém títulos de propriedade.

Um dos pilares fundamentais do novo capitalismo global são os 'serviços ambientais'. Eles significam a submissão, financerização, mercantilização, servidão e escravização da natureza à lógica do capital. O mercado de carbono, a compensação de biodiversidade ou os mercados de água são parte desta forma de capitalismo. Os 'serviços ambientais' são, em si mesmo, interdependentes do modelo econômico hegemônico.

Uma das suas formas é o programa para a Redução das Emissões derivadas doDesmatamento e da Degradação das florestas (REDD), e da conservação, manejo sustentável e aumento de 'reservas' de carbono (REDD Plus ou REDD+), e agora também, a agricultura chamada 'climaticamente inteligente'. Os impulsores de REDD+ esperam que a COP20 em Lima sente as bases para incluí-lo formalmente no próximo acordo internacional sobre o clima em 2015 durante a COP21 em Paris. De todas maneiras, desde vários anos existem projetos e programas deste tipo, e que estão em constante expansão. Várias empresas, ONG e governos, assim como os fundos de carbono do Banco Mundial e da ONU, estão empenhados em seguir adiante com esse negócio.

Na prática, dado que as florestas se encontram principalmente em terras indígenas e que os camponeses e camponesas alimentam ao mundo, estes esquemas convertem os territórios indígenas e as terras agrícolas tanto em 'sumidouros' de dióxido de carbono como em 'bancos' de água ou biodiversidade.

Por outro lado, do ponto de vista de combater o desmatamento o mecanismo é também absurdo, pois quanto mais desmatamento e ameaça às florestas haja, mais projetos de REDD+ podem ser justificados e levados a cabo com o objetivo de vender a 'escassa' mercadoria do carbono.

Assim, com REDD+ a capacidade das florestas e solos de absorver carbono e retê-lo, das plantas de fazer fotossíntese, de criar a água, de cultivar ou criar biodiversidade está sendo quantificada, monetarizada, apropriada, privatizada e financeirizada como qualquer mercadoria. O comercio de 'serviços ambientais' também impulsiona a impunidade dos contaminadores e destruidores porque ao invés de cumprirem leis que os proíbe contaminar e desmatar, podem 'compensar', além de evitar combater a mudança climática, pois não se ataca o que a provoca. A imperante necessidade de não extrair mais combustíveis fósseis, de deter a agricultura e as monoculturas industriais ou de assegurar o respeito aos direitos dos povos indígenas, que dependem, vivem e são parte das florestas, e dos camponeses e camponesas, de manejar, manter e controlar seus territórios, não são temas nas agendas das negociações, de modo que a espiral continua e aumenta.

Um claro exemplo nefasto dos projetos tipo-REDD+ é aquele firmado entre os estados da Califórnia no Estados Unidos, Chiapas no México, e Acre no Brasil, que pretende que as industrias que contaminam na Califórnia o possam continuar fazendo em troca da compra de créditos de carbono de atividades REDD+ no Acre e em Chiapas. Se bem o Acre seja geralmente apresentado ao mundo como o 'modelo da economia verde', a realidade é outra: a exploração de madeira e o comércio de carbono vem deixando devastação nos territórios e viola os direitos dos povos da floresta (1), como está sendo reportado pela Plataforma DHESCA (de direitos humanos, econômicos, sociais culturais e ambientais), depois da sua missão no Acre em 2013 (2). Outros exemplos incluem o caso da comunidade N'hambita em Moçambique, que assinou um contrato com a empresa inglesa Envirotrade para que esta comercializasse créditos de carbono REDD+, pelo quê seus habitantes, em lugar de alimentos, terão que 'cultivar carbono' em seus territórios durante 99 anos (3). Outros exemplos como no Quênia (4), Congo (5), Papua Nova Guiné (6), Camboja (7), Brasil (8), e mais casos, demonstram como projetos REDD+ podem significar despejos forçados, prisões e despojo de territórios.

Já são numerosas as comunidades que tem sido pressionadas ou enganadas a firmar contratos que supõe a perda de seus direitos sobre suas terras e territórios ancestrais (9). Os projetos tipo-REDD+, além disso, não garantem que as empresas extrativas não ingressem nos territórios. Por exemplo, 'Socio Bosque', o programa tipo-REDD+ do Equador, onde as comunidades estão obrigadas a cuidar a floresta por 20 ou 40 anos para que o Estado possa assegurar-se que os 'serviços ambientais' estejam conservados e possam ser comercializados, permite a extração de petróleo ou a mineração nestas zonas (10).

Não obstante, REDD+ anuncia querer combater o desmatamento, garantir a participação local, melhorar a gestão das florestas, melhorar as condições de vida e desenvolvimento das populações locais e, em certas ocasiões, inclusive implementar os direitos territoriais, além de alegar combater as mudanças climáticas. Mas os incontáveis programas nacionais e sub-nacionais, acordos bilaterais e multilaterais e os projetos REDD+ a nível mundial demonstram cada vez mais que estas são mentiras e que seu objetivo é o de acumular mais capital e controlar territórios. As comunidades afetadas por projetos REDD+, seja de forma direta ou indireta - através das empresas contaminadoras que se beneficiam com os créditos de carbono gerados por tais projetos, ou através do Estado, no tem sido realmente informadas do que significa este tipo de compromissos. Os projetos REDD+ já estão definidos por seus promotores antes de serem apresentados às comunidades, roubando-lhes na prática a opção real de aceitar ou não o projeto, ou simplesmente são enganadas e caem na 'redd', vendo as promessas não serem cumpridas.

Da mesma foram que REDD+, a chamada agricultura 'climaticamente inteligente', em lugar de ser uma solução para as mudanças climáticas, é uma tentativa a mais das corporações de biotecnologia e do agronegócio para patentear e controlar as sementes e as terras agrícolas.

Este mecanismo incitado pela FAO e o Banco Mundial, entre outros, aponta a que as campesinas e campesinos adotem determinadas práticas de cultivo e utilizem sementes transgênicas 'prontas para o clima', despojando-lhes de seus campos, de sua autonomia, soberania alimentar e conhecimentos ancestrais. A Via Campesina denunciou que a agricultura 'climaticamente inteligente' é a continuação de um projeto iniciado com a revolução Verde na década de 1940 e que continuou nos anos 70 e 80 com os projetos de Redução da Pobreza do Banco Mundial que dizimaram as economias campesinas particularmente no Sul, provocando a perda da soberania alimentar e os tornando dependentes do Norte para poder alimentar a sua população" (11). Hoje, por exemplo, um programa do Banco Mundial no Quênia busca gerar créditos de carbono ao exigir 'praticas sustentáveis de manejo de terras', as quais incluem o uso sementes de una variedade de milho híbrido que a Syngenta vende localmente, pressionando para que os camponeses e camponesas abandonem suas espécies nativas (12). Os partidários dessa perigosa falsa solução querem converter os campos, solos e cultivos em créditos de carbono, o que levaria a um incremento na usurpação de territórios e no despojo de direitos.

Inclusive as monoculturas de árvores estão sendo camufladas como 'climaticamente inteligentes'. O avanço das plantações em grande escala de árvores de eucaliptos,pinus, acácias, palma africana e outros é em realidade um processo de aprofundamento da acumulação de capital impulsionada pelas corporações sobre os territórios. As plantações são consideradas como 'sumidouros' de carbono e por tanto aptas para beneficiarem-se de créditos de carbono. Assim, em Aceh, no norte da Indonésia, um projeto REDD+ com 770,000 hectares foi desenvolvido pela ONG Fauna & Flora Internacional, a empresa broker de carbono Carbon Conservation e o então governador de Aceh. O documento do projeto afirma que uma forma de 'compensar' a perda de florestas na área designada para o projeto REDD+ seria através das plantações de palma africana, para as quais se estimou a 'capacidade de absorver carbono', para poder antecipar assim quantos créditos de carbono poderia gerar o projeto. Por sua vez, as comunidades locais na área do projeto tem afirmado em numerosas ocasiões não haver sido devidamente consultadas sobre o projeto ou não ter recebido nenhum beneficio, senão ao contrário, a questão da propriedade de suas terras segue sendo um grave problema sem resolver (13).

Empresas como a petroleira Shell ou a mineira Rio Tinto, de plantações florestais e papel e celulose como Green Resources e Suzano, agroindustriais como Wilmar, Monsanto e Bunge, organismos multilaterais como PNUD ou FAO, trasnacionais da conservação como Wildlife Works, WWF, The Nature Conservancy ou Conservação Internacional, empresas consultoras, bancos públicos e privados e muitos governos elaboram, apóiam e financiam projetos e programas REDD+ e de agricultura 'climaticamente inteligente'. Estes mecanismos minam as verdadeiras soluções à crise climática pois são uma distração às mudanças necessárias nas formas de produção e consumo e rumo a economias e sociedades livres de combustíveis fósseis.

Não devemos deixar-nos enganar pelas mentiras e propagandas grosseiras. Sabemos que as negociações sobre o clima, cada vez mais controladas pelo poder corporativo, não tratam de salvar o clima, nem proteger as florestas e as terras, nem erradicar a pobreza ou respeitar os direitos dos povos indígenas. Pelo contrário, protegem covardemente a corporações depredadoras, reforçando um modelo destrutivo e patriarcal. O que é ainda pior, manipulam informação para culpar pequenos agricultores e agricultoras e povos que vivem e dependem das florestas como se fossem os principais causadores das mudanças climáticas por criar parcelas para a agricultura de subsistência, quando na realidade foram justamente os e as habitantes tradicionais dos territórios que permitiram a conservação das florestas, das fontes de água e dos ecossistemas.

Não podemos permitir que as falsas soluções para as mudanças climáticas, climático, como REDD+ e a chamada agricultura 'climaticamente inteligente', destruam o equilíbrio da Mãe Terra. Devemos nos opor a este tipo de programas e aos 'serviços ambientais' que buscam perpetuar o capitalismo.

Devemos seguir impulsionando a transformação do atual modelo de produção e lutar contra as políticas impostas sobre os povos que priorizam a reprodução do capital por cima da reprodução da vida. São as lutas de indígenas, camponeses e camponesas, residentes urbanos, pescadores e pescadoras, mulheres, homens e jovens em defesa dos direitos e dos territórios que vêm guiando o caminho. São os povos que se opõem a extração petroleiras e mineira, aos serviços ambientais, aos projetos agroindustriais e de monoculturas, os que estão dando passos certeiros frente às mudanças do clima. A esses povos, em lugar de criminalizá-los, há que respeitá-los e reconhecer seus esforços por contribuir a uma transformação global.
Devemos nos organizar pela defesa dos territórios indígenas, pela defesa das populações que vivem, dependem e são parte das florestas, pela defesa da autonomia sobre o controle de seus territórios, pela defesa da Mãe Terra.

Por essas razões dizemos SIM à defesa dos territórios,

à defesa das populações que vivem, dependem e são parte das florestas,
a sua autonomia sobre seus territórios, e
à defesa dos direitos da natureza.

BASTA DE PROJETOS EXTRATIVOS,

NÃO AOS SERVIÇOS AMBIENTAIS,

LUTAR CONTRA REDD+ TAMBÉM  É COMBATER O CAPITALISMO !

NÄO À CRIMINALIZAÇÄO DOS POVOS QUE DEFENDEM SEUS TERRITORIOS !

JUNTE-SE A MARCHA DA Cúpula DOS POVOS !

Assinam, inicialmente:

Acción Ecológica, Ecuador
Aliança RECOs - Redes de Cooperação Comunitária Sem Fronteiras
Amigos de la Tierra América Latina y el Caribe (ATLAC)
Amigos de la Tierra, Brasil
Asamblea Nacional de Afectados Ambientales, México
Carbon Trade Watch
Ceiba / Amigos de la Tierra, Guatemala
Censat / Amigos de la Tierra, Colombia
Cesta / Amigos de la Tierra, El Salvador
Coeco Ceiba / Amigos de la Tierra, Costa Rica
Conselho de Missão entre Povos Indígenas, Acre e Sul do Amazonas, Brasil
Conselho Indigenista Missionário, Brasil (CIMI)
Grupo de Estudos em Produção do Espaço Amazónico (UFAC)
Instituto Transnacional (TNI)
Marcha Mundial de las Mujeres
Movimento Mulheres pela P@Z!    
Movimiento Mundial por los Bosques Tropicales (WRM)
Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental (UFAC)
Oilwatch América Latina
Oilwatch Internacional
Otros Mundos Chiapas / Amigos de la Tierra, México
Red Latinoamericana contra los Monocultivos de árboles (RECOMA)
REDES / Amigos de la Tierra, Uruguay
Redmanglar Internacional
Regional Latinoamericana de la UITA
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Xapuri - Acre, Brasil

Para unir-se a esse chamado, enviar nome da organização e país para NoREDDCop20@wrm.org.uy

NOTAS:

2.    Plataforma DHESCA Brasil, http://www.escr-net.org/es/node/364729
4.    REDD-monitor. Illegal evictions of the Embobut Forest in Kenya. 15 de Janeiro 2014.
6.    The Economist"Money grows on trees". 6 de Junho de 2009.
7.    Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM). Um projeto de redução de desmatamento no Paraná, Brasil, e a perseguição das comunidades. Boletim 169. Agosto 2011.
8.    Ver por exemplo: Amigos da Terra Internacional, The Great REDD Gamble , 2014 emwww.foei.org
9.    CEDIB. PETROPRESS 21. Agosto de 2010. Industrias extrativas e o programa REDD. O que peca e reza, empata. 
10.  Via Campesina. Desmascarando a Agricultura Climaticamente Inteligente. Setembro de 2014
11.  Institute for Agriculture and Trade PoliciesAn Update on the World Bank's Experimentation with Soil CarbonOutubro de 2012.