Primeira assembleia do povo Madjá do
Rio Envira, Feijó, Acre.
Lindomar Dias
Padilha
Com o tema TERRITÓRIO
PROTEGIDO: Soberania Alimentar e Espaço de Políticas Públicas foi realizada a I
Assembleia do povo Madijá do Rio Envira, no município de Feijó, no estado do
Acre nos dias 30 de abril a 02 maio. Todas as aldeias das três terras indígenas
localizadas no Médio e Alto Rio Envira: T.I Jaminawa/Envira, que acolheu os
representantes delegados, T.I Igarapé do Pau e T.I Kulina do Rio Envira além de
outras três lideranças da Aldeia Macapá, município do Envira, AM. Ao todo 150
lideranças se juntaram à comunidade da aldeia “Jaminawa” para discutir seus
problemas, compartilhar experiências, encontrar caminhos, exigir direitos e
respeito. Abrir os olhos!
A assembleia Madjá do Rio
Envira, faz parte de um conjunto de assembleias regionais e locais que o povo
Madijá vem realizando com apoio do Cimi Regional Amazônia Ocidental no intuito
de refletir sobre a dramática situação de violências, assassinatos, suicídios e
quase que total abandono do poder público, vivida por este povo que é um grande
povo com sua história escrita com suas próprias “tintas” na história dos povos
indígenas da Amazônia Ocidental e mesmo na história do Brasil. Já foram
realizadas quatro assembleias locais (por terras e aldeias mais próximas)
restando ainda mais duas a serem realizadas. Uma na Aldeia Macapá, município de
Envira, AM e outra no Alto Rio Purus, município de Santa Rosa do Purus, AC. Ao
final de todas essas assembleias, será realizada uma assembleia mais ampla e
que reunirá todos os encaminhamentos, propostas e decisões tiradas nas
assembleias locais.
Entretanto todos os
documentos, encaminhamentos, propostas e decisões tomadas já durante a assembleia
Madijá do Rio Envira, foram encaminhadas às autoridades e as reivindicações e
demandas serão acompanhadas e seu cumprimento exigido. Os Madijá decidiram
retomar a sua história em suas mãos e exigem respeito!
Caminhos
e encontros:
Caudalosos e sinuosos são
os rios que acolhem e transportam as histórias e a vida do povo Madijá e os Madijá,
acolhidos, acolhem os rios e a partir deles seguem escrevendo e vivendo suas
histórias. Histórias de rios, presente e graça de Tamaco e Quira, criadores do
povo que é gente em si, nos rios e em tudo que a natureza, com seu sopro
refrescante os presenteia e eles mesmos, como se fosse gesto de gratidão, nos
presenteiam com sua singular existência. A dádiva que os criou nos é entregue
por eles para que sejamos melhores e gratos.
Foi entendendo ser este
navegar preciso que o povo Madijá se pós a caminho e no mesmo entendimento de
navegar em solidariedade foi que o Cimi Regional Amazônia Ocidental se juntou
neste navegar pelas calhas dos Rios Juruá, Envira Purus e dezenas de paranás e
igarapés, revisitando “parentes” e contribuindo na construção de barcos, canoas
e remos capazes de trazer de volta a dignidade e o respeito devido a este
grande povo, o que também chamamos de liberdade!
Madijá e Cimi iniciaram a
navegação rumo ao município de Eirunepé, no Amazonas, descendo até o médio
Juruá onde ancoraram na Terra Indígena Madijá do Médio Juruá, aldeia Eirú, no
Rio Eirú. Diferente das caravelas dos invasores, os barcos Madijá traziam
esperança e muita força e disposição para lutar e celebrar com os parentes. Foi
a primeira assembleia local de retomada da história nas mãos. A esta se
seguiram mais duas: Na Aldeia Piau, Município de Ipixuna, AM e Aruanã, no
município de Envira, AM. Todas no mesmo espírito, considerando
alquimias e rituais até que...
Numa manhã chuvosa de
final de inverno amazônico, uma terça feira, 25 do mês dedicado aos povos
indígenas, vimos as cordas que prendiam o nosso batelão (barco feito em
madeira) serem desamarradas libertando-nos para um navegar rio acima, rumo ao
território do povo Madijá da Terra Indígena Jaminawa/Envira, Aldeia Jaminawa. O
batelão seguiu nos conduzindo por quatro dias. Quatro dias pode parecer um
tempo longo, mas nada se comparado à ansiedade por rever amigos e encontrar a
verdadeira história, prestes a ser desvendada diante de nossos olhos que também
precisavam ser abertos e desnuviados para enxergarmos os caminhos. Tal qual o
seringueiro que “na estrada de seringa parte sempre do ponto de chegada”, assim
nós, partíamos rumo ao nosso próprio encontro.
Como disse Euclides da
Cunha em suas andanças por estas bandas: “Quando
nos vamos pelos sertões em fora, num reconhecimento penoso, verificamos,
encantados, que só podemos caminhar na terra como os sonhadores e os
iluminados”. Tanto mais agora que rumamos ao paraíso Madijá feito inferno
pelo colonizador.
O batelão deslizava sobre
as águas caudalosas e barrentas do velho Rio Envira de “Santa Maria da
Liberdade” e tantas santas e mártires, Almas do Bom Futuro! Para trás, ficava o
rastro dos motores em forma de maresia que seguiam em ondas até se chocarem com
as barrancas do Rio. Barrancas que outrora e ainda hoje emprestam seu nome para
titular e condecorar os malfeitores e asquerosos “coronéis de barranco”,
algozes ontem e hoje dos Madijá e tantos outros povos. A cidade de Feijó cada
vez mais distante, assim como o Estado Brasileiro que nunca chega nesses altos
rios! Logo, estávamos indo em direção aos Madijá, mas para chegarmos
efetivamente ao Estado brasileiro. È preciso chegar ao ponto de onde partimos!
Que encontro! Histórico
encontro com a história! Ao chegarmos à Aldeia Jaminawa começamos a abrir
nossos olhos, mas foi Almir Kulina quem disse: “De hoje em diante o povo Madijá
está abrindo os olhos” (Almir Kulina, cacique Madjá da Aldeia Igarapé
do Anjo, T.I Kulina do Rio Envira). Os Madijá estavam abrindo os nossos olhos,
ouvidos, corações e almas e achavam que nós, caboclos de tantas e incertas
origens, é que estávamos os ajudando a abrirem os olhos.
Opa! Auto lá! Pegue a
poranga e vamos para a estrada (de seringa) que Madijá abriu os olhos! E todos começamos a enxergar o abandono do
Estado brasileiro no território, na saúde, na educação, na soberania alimentar
e nas políticas públicas. Os Madijá (e nós ainda arigós) enxergaram, construíram
documentos, exigiram respeito e rumaram conosco, após três dias de assembleia,
em direção a Feijó, ponto de partida, Estado brasileiro.
Durante nosso encontro começamos a
abrir os olhos e entendemos que estamos sendo o tempo todo vítimas de racismo,
preconceito e sofrendo com o descaso das autoridades públicas. Nós, Madijá,
estamos abandonados e sofrendo muito com a violência contra nosso povo e por
isso decidimos que não vamos mais aceitar que isso continue acontecendo e por
isso vamos buscar nossos direitos e exigir que as autoridades e todos os nawás
(que não são indígenas) nos respeitem. Vamos exigir que em cada setor nossos
direitos sejam respeitados e cumpridos e que o Ministério Público acompanhe e
exija junto conosco o cumprimento de todas as ações e exigências nossas porque
é nosso direito. (documento final da assembleia Madijá do Rio Envira, 03,05,
2023).
Era como se os Madijá nos
dissessem: Agora que vocês vieram e viram, nos ajude para que todos vejam e
nossos direitos venham. Se nossos direitos não veem, vamos busca-los como quem
sai na madrugada para colher o látex da seringa ou quem toma o remo e a canoa
para ir se encontrar com o rio que acolhe, fornece alimento e nos conduz como
quem conduz a própria história.
Como sabiamente o dito
popular diz que quem conta um conto aumenta um ponto, terminou a Primeira Assembleia
do povo Madjá do Rio Envira, Feijó, Acre, mas acrescentou-se mais um ponto na
história de travessia do povo Madijá rumo ao alvorecer com cantorias de
pássaros entoando hinos e festejando finalmente a liberdade! Quem quiser, pode
chamar a este alvorecer de Bem Viver.
Nordestinos
que vinham trabalhar na extração do látex da seringa, mas que não estavam
acostumados a navegar pelos rios da região. Diz-se também dos desconhecedores
da realidade local.