Por rupturas sistêmicas diante do colapso climático e em defesa da Terra e dos Povos
O Brasil vai sediar em novembro, na cidade de Belém (PA), a COP 30. Este processo de negociação entre países, iniciado em 1995 pela Conferência das Partes (COP), no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), não conseguiu até o momento assegurar compromissos e soluções eficazes para combater as mudanças climáticas. O motivo principal está nas resistências dos Estados e dos poderes econômicos globais em enfrentar as causas estruturais do colapso ambiental que ameaça a vida no planeta.
O colapso ambiental tem raiz histórica e tem causa principal. Ele é resultado da lógica predatória do modelo econômico capitalista, cujas condições de existência emergiram a partir do processo de invasão colonial do que hoje conhecemos como América. O projeto mercantilista imposto pelos colonizadores e suas matrizes nasceu sob o signo da violência, da expropriação territorial, da destruição da natureza, da mão de obra escrava e do genocídio de povos. Com sua falsa perspectiva de crescimento ilimitado em um planeta finito, está provocando a exaustão de todas as fontes da vida. Esse é o marco que precisa ser enfrentado por toda a humanidade e, principalmente, pelos Estados, através de decisões políticas, éticas e econômicas firmes e que passam pela necessidade urgente de rupturas sistêmicas.
Está suficientemente demonstrado que as mudanças profundas nas condições do clima têm uma relação direta com a forma do uso do solo e do subsolo. A expansão do agronegócio e da economia de extração de hidrocarbonetos, gás e minérios, com toda a malha de projetos de infraestrutura energética e de transportes a eles associada, transformou os modos de ocupação e de apropriação da terra, em continuidade ao processo colonial, enquanto os territórios dos povos indígenas e de comunidades tradicionais foram, e continuam sendo, sistematicamente assediados e esbulhados.
Atualmente, em uma nova fase de expansão do Capitalismo, novos mercados de ações tingidos de verde trazem falsas soluções a partir da financeirização da natureza e da vida como um todo. “A estratégia de compra-venda de ‘créditos de emissão’ pode levar a uma nova forma de especulação, que não ajudaria a reduzir a emissão global de gases poluentes. Este sistema parece ser uma solução rápida e fácil, com a aparência dum certo compromisso com o meio ambiente, mas que não implica de forma alguma uma mudança radical à altura das circunstâncias. Pelo contrário, pode tornar-se um diversivo que permite sustentar o consumo excessivo de alguns países e setores”, já nos alertava o Papa Francisco, uma década atrás, na encíclica Laudato Si’ (LS, 171).
Da mesma forma, o que os Estados e as grandes corporações apresentam como “transição energética” não é mais do que uma nova forma de transação de energia do Sul Global para os centros de poder econômico e uma substituição da dependência do petróleo por uma nova fase de exploração mineral intensiva, afetando novamente os territórios dos povos originários, quilombolas e comunidades tradicionais.
O Brasil chega à COP 30 no momento de maior retrocesso na política indigenista e na política ambiental desde a Constituição de 1988. A demarcação dos territórios indígenas, política fundamental para o enfrentamento do colapso ambiental, permanece estagnada pela vigência da Lei 14.701, flagrantemente inconstitucional, que inviabiliza as demarcações e abre os territórios à exploração econômica de terceiros. Ao mesmo tempo, o avanço no Congresso do PL 2159/2021, o chamado “PL da Devastação”, desmantela a política de proteção ambiental. A COP 30 se instala, justamente, neste contexto de profunda e inaudita desconfiguração dos direitos territoriais dos povos indígenas, conquistados na Constituição Federal de 1988 e balizados em instrumentos internacionais de direitos humanos.
A escolha de Belém do Pará, no coração da Amazônia brasileira, para sediar a COP 30 em 2025 carrega um profundo paradoxo que não pode ser invisibilizado. A Amazônia real dos territórios continua a sangrar sob a pressão da grilagem, do garimpo, do desmatamento e dos grandes projetos de infraestrutura que seguem validando a mesma lógica desenvolvimentista de sempre. É sobre esta região que as frentes econômicas do agronegócio, a mineração e a exploração de petróleo continuam avançando, rasgando os territórios com estradas de ferro e de asfalto para o escoamento das commodities que o mercado internacional almeja. Os grandes rios da bacia amazônica estão hoje comprometidos com projetos de hidrelétricas, hidrovias e pela contaminação do mercúrio. E as falsas soluções do mercado de carbono e a financeirização da Natureza se configuram como a nova forma da apropriação dos territórios pelo capital.
A COP 30 não pode ser mais um momento perdido. Precisamos de decisões urgentes, ousadas e enérgicas que promovam uma mudança radical de rumo. Não existem duas crises, uma social e outra ambiental, mas uma única crise socioambiental, como afirmou o Papa Francisco. Uma crise civilizacional que exige de todos, e particularmente dos Estados e das grandes corporações, as medidas necessárias e a ruptura sistêmica imprescindível.
É fundamental uma ampla mobilização crítica da sociedade civil, das organizações sociais e dos movimentos populares, do mundo acadêmico e das Igrejas que permita uma participação efetiva na tomada de decisões. É imprescindível que o Estado brasileiro e todos os Estados participantes apresentem compromissos concretos em suas Contribuições Determinadas em nível Nacional (NDCs). Diante desta encruzilhada histórica, o Cimi se une aos povos e a toda a sociedade comprometida com a justiça para defender ações firmes e estruturantes. Essa transformação exige rupturas profundas, como:
- A demarcação integral de todos os Territórios Indígenas, Quilombolas e Tradicionais.
- Uma transição energética que seja verdadeiramente justa, construída desde os povos, dos povos e para os povos.
- A criação de mecanismos transparentes para a restituição financeira das dívidas históricas ligadas à exploração de pessoas e territórios.
- A implementação de políticas públicas robustas para a proteção ambiental e a regularização e distribuição agrária.
- A garantia da primazia dos direitos humanos e da natureza sobre os interesses corporativos.
- A reparação histórica integral pela violência colonial, incluindo a anulação das dívidas externas ilegítimas destes povos e a transferência dessa responsabilidade ao Norte Global, como parte de suas dívidas ecológicas.
- O engajamento do Estado brasileiro no reconhecimento do Ecocídio como crime junto aos Tribunais Internacionais, para que os destruidores do planeta sejam responsabilizados.
- Reafirmamos a soberania alimentar e a agroecologia como o único caminho possível para um futuro com comida de verdade, justiça no campo e respeito aos ciclos da natureza.
Este é um chamado à peregrina rebeldia e à insurgência da Esperança. Um apelo a todos e todas que se recusam a aceitar um futuro de cinzas. É hora de construir nas ruas, nas praças, nas aldeias e nos territórios a força popular capaz de fazer acontecer uma agenda real de ruptura e transformação. A resposta não virá dos palácios nem dos acordos corporativos. Ela está sendo semeada historicamente na resistência dos povos que defendem seus territórios com o próprio corpo e na sabedoria ancestral que nos ensina a coexistir com a Terra.
A Terra é Mãe. A ela pertencemos, e não está à venda!
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
13 de outubro de 2025