sexta-feira, 21 de março de 2025

TEMPO DE DESCARTE

 

Meu tempo é liberdade!

(Sobre a Rose)

Há tempo para o tempo

O viver como passatempo

O não cronos, a arte

Não pode haver tempo de descarte

 

Há o tempo da Vida

Não pode haver o da cida

O tempo é o todo, não uma parte

O tempo da vida, não do descarte

 

Tempo ontem no ritual

No tempo presente, atual

Tempo linear... desastre

Tempo da mentira... descarte

 

Não me dói o tempo da dor

Poderia, porém, ser do amor

Dói o crime do bacamarte

Dói o crime do descarte

 

Mas, viverei no meu tempo!

Sempre!

quinta-feira, 13 de março de 2025

PEGUE A PORANGA QUE MADIJÁ ABRIU OS OLHOS!

Primeira assembleia do povo Madjá do Rio Envira, Feijó, Acre.

 

Lindomar Dias Padilha[1]

Com o tema TERRITÓRIO PROTEGIDO: Soberania Alimentar e Espaço de Políticas Públicas foi realizada a I Assembleia do povo Madijá do Rio Envira, no município de Feijó, no estado do Acre nos dias 30 de abril a 02 maio. Todas as aldeias das três terras indígenas localizadas no Médio e Alto Rio Envira: T.I Jaminawa/Envira, que acolheu os representantes delegados, T.I Igarapé do Pau e T.I Kulina[2] do Rio Envira além de outras três lideranças da Aldeia Macapá, município do Envira, AM. Ao todo 150 lideranças se juntaram à comunidade da aldeia “Jaminawa” para discutir seus problemas, compartilhar experiências, encontrar caminhos, exigir direitos e respeito. Abrir os olhos!

A assembleia Madjá do Rio Envira, faz parte de um conjunto de assembleias regionais e locais que o povo Madijá vem realizando com apoio do Cimi Regional Amazônia Ocidental no intuito de refletir sobre a dramática situação de violências, assassinatos, suicídios e quase que total abandono do poder público, vivida por este povo que é um grande povo com sua história escrita com suas próprias “tintas” na história dos povos indígenas da Amazônia Ocidental e mesmo na história do Brasil. Já foram realizadas quatro assembleias locais (por terras e aldeias mais próximas) restando ainda mais duas a serem realizadas. Uma na Aldeia Macapá, município de Envira, AM e outra no Alto Rio Purus, município de Santa Rosa do Purus, AC. Ao final de todas essas assembleias, será realizada uma assembleia mais ampla e que reunirá todos os encaminhamentos, propostas e decisões tiradas nas assembleias locais.

Entretanto todos os documentos, encaminhamentos, propostas e decisões tomadas já durante a assembleia Madijá do Rio Envira, foram encaminhadas às autoridades e as reivindicações e demandas serão acompanhadas e seu cumprimento exigido. Os Madijá decidiram retomar a sua história em suas mãos e exigem respeito!

 

Caminhos e encontros:

 

Caudalosos e sinuosos são os rios que acolhem e transportam as histórias e a vida do povo Madijá e os Madijá, acolhidos, acolhem os rios e a partir deles seguem escrevendo e vivendo suas histórias. Histórias de rios, presente e graça de Tamaco e Quira, criadores do povo que é gente em si, nos rios e em tudo que a natureza, com seu sopro refrescante os presenteia e eles mesmos, como se fosse gesto de gratidão, nos presenteiam com sua singular existência. A dádiva que os criou nos é entregue por eles para que sejamos melhores e gratos.

Foi entendendo ser este navegar preciso que o povo Madijá se pós a caminho e no mesmo entendimento de navegar em solidariedade foi que o Cimi Regional Amazônia Ocidental se juntou neste navegar pelas calhas dos Rios Juruá, Envira Purus e dezenas de paranás e igarapés, revisitando “parentes” e contribuindo na construção de barcos, canoas e remos capazes de trazer de volta a dignidade e o respeito devido a este grande povo, o que também chamamos de liberdade! 

Madijá e Cimi iniciaram a navegação rumo ao município de Eirunepé, no Amazonas, descendo até o médio Juruá onde ancoraram na Terra Indígena Madijá do Médio Juruá, aldeia Eirú, no Rio Eirú. Diferente das caravelas dos invasores, os barcos Madijá traziam esperança e muita força e disposição para lutar e celebrar com os parentes. Foi a primeira assembleia local de retomada da história nas mãos. A esta se seguiram mais duas: Na Aldeia Piau, Município de Ipixuna, AM e Aruanã, no município de Envira, AM.  Todas no mesmo espírito, considerando alquimias e rituais até que...

Numa manhã chuvosa de final de inverno amazônico, uma terça feira, 25 do mês dedicado aos povos indígenas, vimos as cordas que prendiam o nosso batelão (barco feito em madeira) serem desamarradas libertando-nos para um navegar rio acima, rumo ao território do povo Madijá da Terra Indígena Jaminawa/Envira, Aldeia Jaminawa. O batelão seguiu nos conduzindo por quatro dias. Quatro dias pode parecer um tempo longo, mas nada se comparado à ansiedade por rever amigos e encontrar a verdadeira história, prestes a ser desvendada diante de nossos olhos que também precisavam ser abertos e desnuviados para enxergarmos os caminhos. Tal qual o seringueiro que “na estrada de seringa parte sempre do ponto de chegada”, assim nós, partíamos rumo ao nosso próprio encontro.

Como disse Euclides da Cunha em suas andanças por estas bandas: “Quando nos vamos pelos sertões em fora, num reconhecimento penoso, verificamos, encantados, que só podemos caminhar na terra como os sonhadores e os iluminados”. Tanto mais agora que rumamos ao paraíso Madijá feito inferno pelo colonizador.

O batelão deslizava sobre as águas caudalosas e barrentas do velho Rio Envira de “Santa Maria da Liberdade” e tantas santas e mártires, Almas do Bom Futuro! Para trás, ficava o rastro dos motores em forma de maresia que seguiam em ondas até se chocarem com as barrancas do Rio. Barrancas que outrora e ainda hoje emprestam seu nome para titular e condecorar os malfeitores e asquerosos “coronéis de barranco”, algozes ontem e hoje dos Madijá e tantos outros povos. A cidade de Feijó cada vez mais distante, assim como o Estado Brasileiro que nunca chega nesses altos rios! Logo, estávamos indo em direção aos Madijá, mas para chegarmos efetivamente ao Estado brasileiro. È preciso chegar ao ponto de onde partimos!

Que encontro! Histórico encontro com a história! Ao chegarmos à Aldeia Jaminawa começamos a abrir nossos olhos, mas foi Almir Kulina quem disse: “De hoje em diante o povo Madijá está abrindo os olhos” (Almir Kulina, cacique Madjá da Aldeia Igarapé do Anjo, T.I Kulina do Rio Envira). Os Madijá estavam abrindo os nossos olhos, ouvidos, corações e almas e achavam que nós, caboclos de tantas e incertas origens, é que estávamos os ajudando a abrirem os olhos.

Opa! Auto lá! Pegue a poranga e vamos para a estrada (de seringa) que Madijá abriu os olhos!   E todos começamos a enxergar o abandono do Estado brasileiro no território, na saúde, na educação, na soberania alimentar e nas políticas públicas. Os Madijá (e nós ainda arigós)[3] enxergaram, construíram documentos, exigiram respeito e rumaram conosco, após três dias de assembleia, em direção a Feijó, ponto de partida, Estado brasileiro.        

Durante nosso encontro começamos a abrir os olhos e entendemos que estamos sendo o tempo todo vítimas de racismo, preconceito e sofrendo com o descaso das autoridades públicas. Nós, Madijá, estamos abandonados e sofrendo muito com a violência contra nosso povo e por isso decidimos que não vamos mais aceitar que isso continue acontecendo e por isso vamos buscar nossos direitos e exigir que as autoridades e todos os nawás (que não são indígenas) nos respeitem. Vamos exigir que em cada setor nossos direitos sejam respeitados e cumpridos e que o Ministério Público acompanhe e exija junto conosco o cumprimento de todas as ações e exigências nossas porque é nosso direito. (documento final da assembleia Madijá do Rio Envira, 03,05, 2023).

Era como se os Madijá nos dissessem: Agora que vocês vieram e viram, nos ajude para que todos vejam e nossos direitos venham. Se nossos direitos não veem, vamos busca-los como quem sai na madrugada para colher o látex da seringa ou quem toma o remo e a canoa para ir se encontrar com o rio que acolhe, fornece alimento e nos conduz como quem conduz a própria história.

Como sabiamente o dito popular diz que quem conta um conto aumenta um ponto, terminou a Primeira Assembleia do povo Madjá do Rio Envira, Feijó, Acre, mas acrescentou-se mais um ponto na história de travessia do povo Madijá rumo ao alvorecer com cantorias de pássaros entoando hinos e festejando finalmente a liberdade! Quem quiser, pode chamar a este alvorecer de Bem Viver.



[1] Doutorando em antropologia pela Universidade Federal de Pelotas – UFPEL, mestre em direito pela Universidade Católica de Petrópolis – UCP, especialização em Desenvolvimento Social no Campo,  Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais pela Universidade de Brasília – UNB, filósofo e indigenista.

[2] Nome adotado corriqueiramente para se referir ao povo que se autodenomina Madijá.

[3] Nordestinos que vinham trabalhar na extração do látex da seringa, mas que não estavam acostumados a navegar pelos rios da região. Diz-se também dos desconhecedores da realidade local. 

sábado, 4 de janeiro de 2025

CONJUNTURA 2025

Lindomar Dias Padilha

 

            Esta pequena análise da conjuntura para 2025, foi produzida exclusivamente para a reunião das equipes do Cimi Regional Amazônia Ocidental e, portanto, prioriza aspectos ligados à causa indígena e às lutas populares notadamente na Amazônia, em especial no eixo de expansão “agrocriminosa” da Amacro.

            Sem menosprezar os fortes embates atrelados diretamente à conjuntura macroeconômica, devemos considerar o que aponta, por exemplo, o TROPOSLAB (2024) que desde 2020, o Brasil perdeu seis posições no Ranking Global de Competitividade, luta para manter sua posição no Ranking Global de Inovação, enfrenta um aumento da desigualdade social e sofre com polarizações políticas e intolerância, entre outros problemas estruturais. E mais, empresas e consumidores demonstram preocupação com um cenário de juros mais altos e inflação próxima ou acima do teto da meta.

            Como disse, toda essa questão macroeconômica pode, e certamente irá intervir na dinâmica da conjuntura mais político-social. Entretanto, manterei o foco aqui basicamente em três aspectos principais:

1)           Os intensos ataques da direita disruptiva e de setores conservadores e antidemocráticos, que tentarão avançar em retrocessos contra direitos sociais históricos, incluindo sobretudo direito à terra e ao meio ambiente.

2)           Os ataques ao usufruto exclusivo e à autonomia dos territórios através de projetos de falsas soluções ligados ao mercado de carbono e suposta mudança da matriz energética, temas que serão centrais na COP 30.

3)           Consolidação da Amacro como modelo de desenvolvimento para a Amazônia Ocidental no eixo do desmatamento.

Ataques da direita

            Este ponto merece muito a nossa atenção porque este ano de 2025 não será um ano de eleições gerais, mas será um ano de muita movimentação política especialmente no poder legislativo federal. As presidências da Câmara e do Senado serão assumidas por parlamentares de direita, o que significa que este setor (direita) pautará os projetos de leis anti-indígenas e antidemocráticos. Além disso, a negociata em torno das terras indígenas, liderada por Gilmar mendes, seguirá firme e poderá até ser turbinada pela adesão do Ministério dos Povos Indígenas-MPI e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas-Funai.

            Observamos que a tese do Indigenato, mesmo sendo vitoriosa no Supremo Tribunal Federal, na prática, a vitória foi da tese do marco temporal. Neste ponto específico, ainda bem, parte significativa do movimento indígena alojada na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil-APIB, já percebeu que tanto a Funai quanto o MPI, são representantes do governo e não dos povos indígenas. A adesão ao governo levou parte do que era o movimento indígena, expresso em algumas lideranças, a aderir justamente às negociações de direitos e isso enfraqueceu o movimento e facilitou o avanço de teses anti-indígenas e abriu caminho para a intensificação dos ataques da direita criminosa (mineração, agro).

Ataques ao usufruto e autonomia dos territórios

            Os ataques ao usufruto exclusivo e à autonomia dos territórios (Indígenas, Quilombolas, RESEX, Ribeirinhos e áreas de preservação) também vão se intensificar. Se os ataques da direita nos preocupam, os ataques ao usufruto e autonomia nos preocupam ainda mais porque são patrocinados não só pela direita, mas por uma dita “esquerda” a serviço do capital financeiro que prega a financeirização da natureza. É vergonhosa a negociação em torno dos territórios para que estes venham a se converter em moeda de troca e mesmo para que sejam dados em hipoteca aos mercadores da natureza. A vergonha se torna ainda maior se considerarmos, por exemplo, que a negociata está no coração do poder e para facilitar e dar um ar de “legalidade” se instituiu o Conselho Nacional para Políticas de REDD- Conaredd, entre outros mecanismos de cooptação e compra de consciências.

            Esses ataques terão seu ápice na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Conferência das Partes) - COP, cuja edição de número 30 ocorrerá este ano no Brasil, na cidade de Belém, PA. Paralelo à Conferência das Partes ocorrerá a Cúpula dos Povos, evento que surge a partir da Rio + 20, em 2012 e que se propunha a ser um movimento autônomo da sociedade civil. A ideia inicial era de que a Cúpula dos Povos pudesse, de alguma forma, influenciar as negociações feitas por líderes na COP, mas com o tempo os líderes e os grandes do capital passaram a influenciar a Cúpula, invertendo os papeis.  

            No caso da Cúpula deste ano a situação está muito mais grave, pois, os f promotores da financeirização da natureza vão contar com um apoio gigante: o apoio da máquina do governo federal, incluindo o MPI. O governo brasileiro vai financiar ONGs e movimentos sociais, incluindo povos indígenas, para que estes possam ir à Cúpula dos Povos defender a financeirização da natureza, em especial através do mercado de carbono. Desta forma, teremos na Cúpula dos povos três grupos disputando espaço. Infelizmente, apenas um desses grupos, aliás, o mais fraco, é contrário a Financeirização da natureza, os outros dois atuarão na defesa do mercado. Estarão na defesa do mercado o grupo patrocinado pelo governo brasileiro e o grupo financiado pelas empresas, especialmente as ligadas às petroleiras. Gigantes do petróleo como Saudi Arabian Oil Co. (Saudi Aramco), Exxon Mobil Corp. (EXXO34), Chevron Corp. (CHVX34), PetroChina Co. Ltd. (PTCH34) e Reliance Industries, juntamente com gigantes da mineração segundo TORO (2024) como BHP Billiton (Austrália), Rio Tinto (Austrália), Glencore (Suíça), Vale (Brasil), Freeport-McMoRan (EUA), Anglo American (Reino Unido), Southern Copper (México), Ma'aden (Arábia Saudita), Fortescue Metals (Austrália) e Zijin Mining (China), Já financiam as COP e agora passaram a financiar ONGs para influenciar na Cúpula dos Povos.

            Outro setor que promete influenciar de forma decisiva é o agro. O Agro brasileiro conseguiu, por exemplo, ficar fora da regularização do mercado de carbono demonstrando grande poder de influência dentro do governo. Em artigo publicado em 04/01, O GLOBO (2025), intitulado “como o agronegócio joga contra a COP 30” fica evidente o poder de barganha do Agro crime. Já na COP 21, que ocorreu em Lima, no Peru, o agro brasileiro tentou se juntar a China para emplacar a ideia de que os produtores rurais (de grãos) deveriam ser compensados pelo sequestro de carbono. Agora os sojicultores retornam com a mesma lógica sob a alegação de que, por ser vegetal, a soja também faz o sequestro de carbono e, logo, contribui para a redução ou descarbonização ambiental. Mais ainda, dizem que se for a soja transgênica melhor porque produz mais e mais rápido tendo inclusive duas safras. A primeira vista a ideia pode parecer ridícula e sem sentido (e de fato o é), mas é bem capaz de emplacar devido ao desconhecimento de boa parte da sociedade sobre o tema e tudo aliado às fraudes que são a marca do mercado de carbono e do Agro.

Consolidação da Amacro

            A Amazônia brasileira está passando por transformações territoriais profundas com a expansão de diversas frentes pioneiras, segundo SARKIS (2023) que apresentam atividades econômicas apoiadas na retirada de madeiras, estabelecimento da pecuária, produção de grãos (especialmente soja) e mineração. A Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia) é uma dessas chamadas frentes pioneiras, baseada no modelo da MATOPIBA (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e ironicamente chamada de Zona de Desenvolvimento Sustentável.

A Amacro é uma região formada por 7 municípios do estado do Amazonas: Apuí, Boca do Acre, Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré e Novo Aripuanã. 13municípios do Acre: Acrelândia, Assis Brasil, Brasiléia, Bujari, Capixaba, Epitaciolândia, Manoel Urbano, Plácido de Castro, Porto Acre, Rio Branco, Senador Guiomard, Sena Madureira e Xapuri. E 12 municípios de Rondônia: Alto Paraíso, Ariquemes, Buritis, Campo Novo de Rondônia, Candeias do Jamari, Cujubim, Itapuã do Oeste, Machadinho D’Oeste, Monte Negro, Nova Mamoré, Porto Velho e Rio Crespo. É, portanto, uma imensa área diretamente afetada, sem contarmos as regiões indiretamente afetadas, mas com igual ou similar gravidade. É o caso da região do Vale do Juruá, no Acre, que receberá o impacto da construção da ferrovia e da rodovia ligando o Brasil ao Peru (Pucallpa) como canal para escoar a produção. Destaque ainda maior para a construção do Chamado Chancay (porto de águas profundas) no Peru, para escoar a produção para a Ásia, via oceano Pacífico.

Desde 2015 o tema da área de expansão do agrocrime já tem nos preocupados. A tal ponto que em 2016 propusemos uma articulação entre instituições para fazermos o enfrentamento daquilo que chamávamos à época de AMARONAC. Naquela época eu mesmo PADILHA (2017) em conversa com o amigo e jornalista Alceu Castilho, que mantem o observatório DE OLHO NOS RURALISTAS , por ocasião do II seminário Nacional do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos (CBDDDH), percebemos a necessidade de darmos maior visibilidade a esta região e iniciarmos uma articulação maior com entidades e movimentos que atuam mais diretamente nesta região com o intuito de prevenir e evitar tantas mortes e violências quanto possível.

Naquele mesmo texto, escrevi que para facilitar o processo de articulação e principalmente para divulgação entendemos que seria interessante criarmos uma nomenclatura que expressasse a região da qual estamos falando, por isso estou grafando a região com a sigla AMARONAC.  Sei que a demanda é imensa, mas se não fizermos algo agora, o depois poderá ser tarde demais. (PADILHA 2017).

Infelizmente a ideia de formarmos uma ampla articulação não teve adesão. Nenhuma entidade ou organização aderiu à ideia e a proposta naufragou. De qualquer forma, a Amacro segue sendo motivo de muita preocupação, especialmente pela violência que já tem trazido ao campo e tende a piorar muito neste ano de 2025.

Por fim

            A conjuntura, que nunca foi favorável, tende a piorar muito neste ano de 2025, notadamente para nós da região Amazônica principalmente por causa da COP 30 e da consolidação da Amacro. Mas, é para desesperarmos? Creio que não. Vamos seguir fazendo enfrentamento ao modelo de financeirização da natureza, o que já fazemos desde 2008. Seguiremos denunciando o mercado de carbono e sua farsa e fraude, seja na versão de crédito ou débito de carbono. Seguiremos denunciando as falsas soluções propostas pelo mercado.

            Com relação a Amacro, mais do que nunca temos que nos articular com entidades, ONGs, Igrejas, pastorais, universidades, lideranças indígenas e instituições ligadas à terra em um grupo supra institucional e suprapartidário para fazermos o enfrentamento. Temos que apressar e pressionar muito o poder público para que proceda imediatamente a demarcação das terras indígenas e a dê garantia as que já estão demarcadas, bem como as Reservas Extrativistas e assentamentos.

            Outro ponto que este grupo (que proponho aqui) precisa investir é na denúncia da violência e ameaças ao meio ambiente que a construção de estradas, notadamente a que ligará Cruzeiro do Sul a Pucallpa, e ainda o porto de Boca do Acre.

Resistir é “preciso”!

Referências

O GLOBO, como o agronegócio joga contra a COP 30? Disponível em:  https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/01/como-o-agronegocio-joga-contra-a-cop30.ghtml

PADILHA, Lindomar Dias. AMARONAC: Sul do Amazonas, Rondônia e Acre, na rota do agronegócio e mineração. 2017. Disponível em: https://lindomarpadilha.blogspot.com/2017/10/amaronac-sul-do-amazonas-rondonia-e.html

SARKIS, Vidal, Bruno; Oliveira Neto, Thiago. Desmatamento e as frentes pioneiras na região da Amacro. Revista Presença Geográfica. vol. 10, núm. 1, 2023.

TORO, Quais são as maiores mineradoras do mundo hoje? Vale a pena investir? Disponível em: https://blog.toroinvestimentos.com.br/bolsa/maiores-mineradoras-do-mundo/#:~:text=As%20maiores%20mineradoras%20do%20mundo%2C%20considerando%20o%20valor%20de%20mercado,e%20Zijin%20Mining%20(China).

TROPOSLAB, Inovação: conjuntura, desafios e perspectivas para 2025. Disponível em: https://troposlab.com/inovacao-conjuntura-desafios-e-perspectivas-para-2025/


sexta-feira, 26 de julho de 2024

CARTA DE REPUDIO A REDD EN TERRITORIOS DE PUEBLOS INDIGENAS

 




CARTA DE REPUDIO A REDD EN TERRITORIOS DE PUEBLOS INDIGENAS, COMUNIDADES CAMPESINAS, TRADICIONALES Y AFRODESCENDIENTES DE LATINOAMERICA

Alto Turiaçu Julio 2024


En el territorio indí´gena Alto Turiaçu – Aldeia Ararorenda del pueblo Ka’apor, en el estado de Maranha˜o, Brasil durante los dí´as 9 a 11 de julio, hemos llevado a cabo nuestro 1er encuentro como pueblos indí´genas, campesinos, tradicionales, afrodescendientes, organizaciones de defensa de derechos indí´genas de diferentes paí´ses de la PanAmazoní´a, y de territorios centroamericanos, donde han llegado los proyectos conocidos como REDD+ (Reduccio´n de Emisiones por Deforestacio´n y Degradacio´n de Bosques). En adelante haremos referencia a REDD, incluyendo tambie´n otros nombres que fueron creados siguiendo la misma lo´gica de REDD (por ejemplo, cuando hablan de proyectos de carbono en los bosques, proyectos de soluciones basadas en la naturaleza, o programas de REDD jurisdiccional implementados por gobiernos de estados o provincias y gobiernos nacionales, entre otros).

Luego de tres dí´as de compartir sobre las experiencias vividas y de analizar lo que en realidad significa REDD+ para nuestros pueblos y territorios, concluimos que estamos ante dos proyectos, donde, 1) es el proyecto de muerte que las empresas petroleras, mineras, hidroele´ctricas y de grandes infraestructuras, el agronegocio y ahora los proyectos de compensacio´n como es REDD, junto con los Estados promueven, y 2) un proyecto de vida que es el que llevamos adelante los pueblos y comunidades a trave´s del respeto y cuidado de nuestros territorios.

Ante ello, emitimos la siguiente declaracio´n, para que nuestros hermanos y hermanas de los diferentes pueblos y comunidades no caigan en la trampa:


EL PROYECTO DE MUERTE DE REDD

1.       Rompe la unidad, la armoní´a de nuestros pueblos y genera conflictos, incluso dentro de nuestras propias familias y culturas.

2.       Amenaza la vida de las mujeres, los nin˜os y mayores al privarnos de los medios vida que tenemos en nuestros bosques para alimentarnos y acceder al agua.

3.       Criminaliza los modos de vida de nuestros pueblos y comunidades.

4.       Manipula a nuestros lí´deres para firmar contratos sin el consentimiento de nuestros pueblos.

5.       Busca un mayor beneficio econo´mico para su negocio e incentiva la deforestacio´n, porque a mayor deforestacio´n mayor negocio para las empresas que venden los bonos de carbono.

6.       Se apropia de nuestros territorios y nos arrebata nuestra autonomí´a.

7.       Al igual que otras falsas soluciones a la cata´strofe clima´tica, que las llaman de “exploraciones de petro´leo no convencionales”, “biocombustibles”, “minerí´a responsable u oro verde”, “transicio´n energe´tica”, son un maquillaje verde que permite a las empresas seguir con sus negocios y contaminando.

 

Adema´s:

8.       Los mecanismos de compensacio´n, como REDD, permiten a las empresas continuar contaminando y no reducen la emisio´n de contaminacio´n.

9.       REDD impulsa la creacio´n de nuevas a´reas protegidas, incluso con nuevas modalidades que abarcan hasta a´reas privadas, despoja´ndonos y desterra´ndonos de nuestros territorios.

10.   Rechazamos los objetivos 30x30 que buscan alcanzar metas de conservacio´n afectando nuestros territorios, mientras que protegen intereses de grandes empresas.

11.   Los gobiernos violan la Constitucio´n y cambian leyes que protegen nuestros territorios para facilitar y privilegiar a las empresas de extractivismo y a proyectos tipo REDD.

Los proyectos REDD son proyectos de muerte, porque en vez de proteger esta´n destruyendo la naturaleza y nuestros pueblos.

 

EN NUESTRO PROYECTO DE VIDA

1.       Defendemos nuestros territorios, nuestros rí´os, bosques, sitios sagrados, espí´ritus con los cuales nos relacionamos para que ellos puedan vivir y nosotros y nosotras tambie´n, nuestros conocimientos ancestrales y cultura, nuestras plantas medicinales, materiales para nuestras viviendas, para las artesaní´as que utilizamos para nuestro sustento, nuestros alimentos.

2.       Exigimos y luchamos por el reconocimiento de nuestros territorios mediante la titulacio´n.

3.       Reconocemos y respetamos el derecho de la naturaleza en armoní´a con los pueblos.

4.       Reivindicamos el autogobierno, la autodeterminacio´n y la autonomí´a de los pueblos.

5.       Defendemos y respetamos nuestras formas de vida, que son las que garantizan la defensa y el cuidado de nuestros territorios.

6.       Exigimos efectivizar el derecho fundamental a la consulta libre, previa e informada y al consentimiento, respetando el derecho al veto, considerando el Convenio 169 de la OIT y diversos acuerdos y declaraciones de derecho internacional.

7.       Reconocemos y respetamos los saberes tradicionales como condicio´n fundamental de vida.


8.       Respetamos y luchamos por tener salud y educacio´n diferenciada en nuestras lenguas y culturas.

9.       Luchamos por territorios de paz, libres de empresas y polí´ticas de los gobiernos que contaminan y destruyen.

10.   Trabajamos para generar oportunidades para nuestros jo´venes basados en nuestros conocimientos y saberes.

11.   Nuestros territorios no tienen valor econo´mico. Son financieramente invaluables.

12.   Destacamos el papel central de las mujeres en la defensa de los territorios

13.   Instamos a los organismos de Derechos Humanos que se pronuncien e incidan para el respeto de los derechos territoriales de nuestros pueblos.

 

Desde la colonizacio´n nos han venido matando. Actualmente, son las empresas petroleras, mineras, del agronegocio, hidroele´ctricas y otros proyectos de infraestructura, y los proyectos de compensacio´n de carbono como REDD, que´ junto a polí´ticas de los Estados, continu´an con el etnocidio de nuestros pueblos, matando nuestras culturas, lenguas, identidades, saberes y conocimientos.

Decimos BASTA!     NO a REDD!

Firman:

-  Coordinadora Nacional de Defensa de Territorios Indí´genas Originarios Campesinos y A' reas Protegidas CONTIOCAP - Bolivia

-  JUMU'EHA RENDA KERUHU - Centro de Formaça˜o Saberes Ka'apor, Brasil

-  TUXA TA PAME - Conselho de Gesta˜o Ka'apor, Brasil

-  Associaça˜o das Mulheres Munduruku Wakoborun, Brasil

-  Movimento Munduruku Ipereg Ayu, Brasil

-  Movimento dos Pequenos Agricultores -MPA, Brasil

-  Rede intercomunitaria Almeirim em Aça˜o RICA, Brasil

-  Associaça˜o Comunita´ria dos Trabalhadores Rurais, Extrativistas, Hortifrutigranjeiros da Comunidade Morada Nova do Jarí´ – APROMOVA, Brasil

-  Associaça˜o dos Mines e Pequenos Produtores Rurais e Extrativistas da Comunidade de Repartimento dos Piloes-ASMIPPS, Brasil

-  Proceso de comunidades negras de Colombia PCN, Colombia

-  CORPORACIO' N CLARETIANA NORMAN PEREZ BELLO, Colombia

-  TEJIDO UNUMA DE LA ORINOQUIA, Colombia

-  Frente Nacional de Pueblos Indí´genas -FRENAPI, Costa Rica

-  Talamanca por la vida y por la tierra, Costa Rica

-  FECONAFROPU, Loreto, Peru´


quinta-feira, 4 de julho de 2024

JAMINAWA: Análise do Censo na Cidade de Brasileia, AC

 

Indígenas Jaminawa

EM ESPAÇOS URBANOS NA CIDADE DE BRASILEIA, ACRE

Apresentação

Confira na íntegra aqui


Rosenilda Nunes Padilha1

Lindomar Dias Padilha2


     O atual trabalho, coordenado por Rosenilda Nunes Padilha, na cidade de Brasileia, no bairro Samaúma, periferia, da periferia da cidade de Brasileia, expressa em si uma preocupação e indignação nossa, do Cimi – Conselho Indigenista Missionário, Regional Amazônia Ocidental, na busca por direitos e na defesa integral dos povos indígenas. Neste caso em questão são os Jaminawa que vivem em espaços urbanos na cidade de Brasileia. A história de abandono deste povo por parte das autoridades, fez com que essas pessoas procurassem seu meio de sobrevivência em espaço urbano. Portanto, viver e trabalhar na cidade não é uma opção, é questão de vida, de sobrevivência.

    O Cimi tem atuação na defesa da vida dos povos indígenas há 50 anos. E ao longo desse meio século muitas coisas mudaram. E os povos indígenas também sofreram grandes mudanças. A realidade do povo Jaminawa que sempre foi muito dura, também sofreu transformações, mesmo que não tenham tido êxito na solução de seus principais problemas. Destaco aqui duas dessas mudanças.


    Primeiro: O aumento das migrações para as cidades. Segundo: A não demarcação de seus territórios. Os Jaminawa lutam pela demarcação dos territórios São Paulino, Caéte, Kayapuká, Estirão e Boca do Riozinho (antigo seringal Guanabara). E por último um território urbano, localizado no município de Brasileia, conhecido como bairro Sumaúma que é um bairro indígena, como se fosse uma grande aldeia urbana. Esses territórios, exceto o território urbano, estão com os processos paralisados há anos, por exemplo, o território são Paulino, há disputas fortes entre indígenas e fazendeiros, inclusive com queima de roçados, derrubadas de madeiras e mesmo de casas. No território Estirão localizado no município de Santa Rosa do Purus, por exemplo, todo ano o povo sofre com alagações, perde todas as suas plantações e sempre estão recomeçando a vida do zero. Como explica o cacique Francisco Jaminawa “as terras altas estão tudo nas mãos de fazendeiros, antigamente era tudo terra de Jaminawa, não existia Peru e Brasil, tudo era terra do nosso povo”. De fato, seu Francisco explica bem isso, com lágrimas nos olhos, em sua casinha coberta de palha com chão de Paxiúba.

    O que destacamos é que a história dos Jaminawa está claramente vinculada à busca de seus territórios. A não demarcação e reconhecimento dos territórios do povo Jaminawa faz com que sejam ameaçados, tenham os territórios invadidos e são obrigados a migrar em busca de sobrevivência. É urgente que se proceda a demarcação dos territórios e, no caso dos Jaminawa em Brasileia, é preciso que se reconheça o Bairro Samaúma como sendo um território indígena e uma aldeia do povo Jaminawa. Mesmo estando em contexto urbano, este povo tem que ter seus direitos garantidos. Direitos básicos como o direito à saúde e à educação.

    O dilema vivido pelos Jaminawa, em resumo é o seguinte: Por não terem seus territórios demarcados, são obrigados a migrar para as cidades. Chegando às cidades são obrigados a viver nas periferias onde não conseguem viver com dignidade, não conseguem trabalho e se veem obrigados a pedir ajuda pelas ruas. Pelo fato de estarem pelas ruas das cidades em situação semelhante à mendicância, são tidos como estorvo e motivo de preconceito da parte até mesmo do poder público que argumenta que os indígenas “sujam” a cidade.

 

Desde a década de 80, há registros de índios pedintes na capital. Em janeiro de 2013, a assessoria Indígena da Secretaria de Desenvolvimento Social (Seds) em parceria com a prefeitura de Rio Branco deram início a um trabalho de monitoramento e mapeamento de famílias indígenas que praticam 'mendicância'. Diariamente o Centro de Atendimento à População de Rua (Centro Pop) realiza a abordagem dos índios que ocupam as ruas no centro de Rio Branco para detectar os motivos que os levam a procurar a capital. "Se forem demandas de competência do poder público, elas são encaminhadas para nós e tentamos solucionar para que eles retornem às aldeias" (...). (G1 Acre, 02/04/2013). (Grifo nosso).

     Na verdade, o que o poder público sempre intentou com este “monitoramento” foi o de encontrar motivos para que esses indígenas fossem levados de volta para as cabeceiras dos rios sob pretexto de que estavam sendo reencaminhados às aldeias de origem. Entretanto, em nenhum momento se fala em regularizar e demarcar os territórios ou ainda prestar-lhes a devida assistência nas cidades. Trata-se, antes, portanto, de desassistência, falta de reconhecimento de direitos e ausência de políticas públicas. nos manifestamos sobre isso anteriormente.

A face mais cruel dessa triste realidade de indígenas sem-terra em plena Amazônia, é manifesta no total abandono do povo Jaminawa que, sem ter terra e nem para onde ir, fica em grande número vagando pelas ruas das cidades, especialmente em Rio Branco e Sena Madureira. Os Jaminawa, na verdade não são apenas um povo, mas pelo menos quatro povos e são tratados pelo poder público como resto, escória da sociedade. Vivem acampados às margens dos rios e periferias das cidades em situação desumana. (PADILHA, 2012, p. 06).


Ora, o suposto reencaminhamento às aldeias violenta ainda mais o povo porque faz com que a sociedade passe a vê-los como intrusos nos espaços urbanos e os aponta como preguiçosos, uma vez que preferem pedir pelas ruas do que tralhar em “suas terras”. Este tipo de atitude aumenta o preconceito e demonstra uma falta de compromisso do poder público na leal busca por fazer aplicar a lei e garantir a implementação de direitos. Por anos se difundiu a falsa ideia de que, no Acre, os povos indígenas viviam e ainda vivem no chamado “tempo do direito” 3. Uma mentira contada várias vezes pode até confundir alguns, mas jamais se tornará uma verdade.



Uma importantíssima contribuição deste trabalho que ora apresentamos é poder contribuir com o poder público na formulação de políticas públicas que possam ser efetivas e que não sirvam apenas como propaganda de governos e instituições ou ainda para promover pessoas e teses pessoais. O que esperamos que sejam promovidos são os povos e uma parte fundamental para isso é a demarcação dos territórios e a garantia de direitos, ainda que vivam em espaços urbanos.

 1 Doutoranda em Antropologia pela Universidade Federal de Pelotas. Mestra em Ciência da Linguagem pela Universidade Federal de Rondônia, licenciada em Antropologia pela Universidade politécnica Salesiana, Quito/Equador, membro do cimi desde 1998.

 2 Mestre em direito pela Universidade Católica de Petrópolis, especialista em desenvolvimento social no campo, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais pela Universidade de Brasília, UNB, Filósofo e indigenista atuando a mais de 30 anos na Amazônia.

3 O indigenismo oficial no Acre adota uma divisão do tempo grosso modo distribuído assim: Tempo das malocas; Tempo das correrias; Tempo do cativeiro e Tempo dos direitos que premasse até os dias de hoje. (PADILHA. 2012, p. 03). http://www padrenello.com/wp-content/uploads/2012/10/Livro-Ind%C3%ADgenas-no-Acre- internet.pdf?iframe=true&width=90%&height=90%