segunda-feira, 28 de julho de 2014

Sayed Hassan Nasrallah, do Hezbollah, Fala do Dia Mundial de Jerusalém

Dia Mundial de Jerusalém[1] 

A guerra terrorista de Israel contra Gaza, hoje, ocorre em contexto similar ao da guerra de Israel contra o Líbano em 2006, e contra Gaza em 2008. Em cada uma dessas vezes, qual o objetivo da guerra? Esmagar, humilhar, quebrar, impor a rendição, roubar armas, capturar cada ponto forte que temos, levar ao desespero, convencer-nos de que não há escolha exceto render-se a Israel. Mas em 2006 como em 2008, os resultados foram diferentes disso.  

Hoje mais uma vez, nós no Líbano e na atmosfera e na lembrança da guerra de julho de (2006), podemos compreender, assumir, sentir na pele e dar-nos conta completamente do que está acontecendo em Gaza e ao nosso povo em Gaza, mais uma vez em julho de 2014, porque é a mesma coisa que nos aconteceu em julho de 2006.  

Desde o pretexto para a guerra – e faço aqui uma rápida recapitulação: dessa vez, três colonos teriam sido sequestrados (e que nós os teríamos sequestrado); em 2006, o pretexto foram dois soldados israelenses capturados. A partir daí já se veem as semelhanças, desde o pretexto para a guerra. E seria essa a verdadeira razão para a guerra? É Israel que sempre se aproveita de qualquer ocasião! Israel pensou e decidiu que a Faixa de Gaza, sob bloqueio há anos, sob as atuais condições regionais e atuais, a moral da pessoas, etc., e Israel decidiu que essa seria a oportunidade de ouro, histórica, para destruir Gaza, submetê-la, quebra-la, pôr fim a tudo. Para Israel a ocasião seria agora.  

Como no projeto para a guerra de 2006 que trazia com ele um projeto para um Novo Oriente Médio. Vocês de recordam da frase da Sra. Condoleeza Rice. Mas hoje vou manter-me sério e não vamos zombar de ninguém.

Israel manipulou o desaparecimento dos três colonos – e até hoje ninguém sabe quem os sequestrou e matou; e até hoje nada se sabe, nada se sabe com certeza. Em 2006, sabia-se, pelo menos, quem havia capturado os dois soldados israelenses. A opressão e a injustiça em Gaza são ainda maiores.  

Uma operação de sequestro foi falsamente atribuída aos palestinos, aos movimentos da Resistência, e esse foi o pretexto assumido para os israelenses fazerem essa guerra, nessas circunstâncias. 

Com o pretexto da captura dos soldados, vieram à guerra, com bombardeios aéreos, milhares de incursões e ataques aéreos, bombardeio continuado contra Gaza pela artilharia. Vocês se lembram de tudo isso. Estivemos juntos durante a guerra de julho de 2006. Até ataques por navios de guerra, aos massacres, assassinato de mulheres e de crianças, de civis, destruição de casas de famílias, escolas, mesquitas e, mais ainda que no Líbano, dessa vez Israel está atacando também igrejas. Até o deslocamento de pessoas, expulsas de suas casas, até a operação terrestre que começou há alguns dias. Até o silêncio de uma parte da comunidade internacional e a colaboração de uma parte da comunidade internacional. 

Hoje, os EUA cobrem essa guerra desde os primeiros momentos e a mantêm  financeiramente, militarmente, pelos jornais e televisões e por sua tomada de posição política, o Ocidente não faz diferente. E o Conselho de Segurança da ONU não faz diferente. Vê-se até a colaboração de alguns regimes árabes; e há também o silêncio e a omissão de alguns deles. Ao ponto de responsabilizar a Resistência pelo sangue derramado, pelos mártires e por todos os sofrimentos pelos quais passa a Faixa de Gaza, ao mesmo tempo em que inocentam o nosso inimigo e verdadeiro autor desses crimes e desses massacres.  

Mas contra isso, há essa extraordinária Resistência do povo, essa ligação profunda que há entre o povo de Gaza e a Resistência, e o fato de que o povo de Gaza conta com a Resistência, e por isso a Resistência apoia admiravelmente os palestinos em suas dores, em seus sofrimentos, nos ferimentos, nos martírios, nos deslocamentos. Assim se vê esse desempenho único e excepcional por grupos resistentes, essa performance única e excepcional pelos grupos da Resistência, essa perseverança e essa consistência políticas ante todas as pressões internacionais e regionais.

Mas, no final, digo ao nosso povo de Gaza, ao nosso povo palestino, a vocês, a todos que escutam, no final, quem decidirá, o que decidirá a guerra, ou, dito de outro modo: o quem resultará vitorioso? Três fatores, três linhas de ouro, três elementos absolutamente decisivos: a realidade em campo, a resistência do povo, a consistência política. A realidade em campo, a resistência do povo, a consistência política: esses são os fatores que garantirão a vitória.  

Durante a guerra de julho de 2006 – para recolher proveito da experiência, das lições –,  Israel, desde o primeiro dia, fixou objetivos muito elevados, depois teve de reduzi-los pela base, reduzir, reduzir, reduzir... Na última semana da guerra, quem mais pedia o fim da guerra era Israel. Por quê? E aqui me refiro às Memórias de George Bush e às Memórias de Condoleeza Rice, no ponto em que contam como, durante as duas últimas semanas, Ehud Olmert insistia sem parar, dizendo aos dois que, se a guerra continuasse, Israel desapareceria.  

Nós mesmos, digo com toda a humildade, a Resistência libanesa, fomos surpreendidos por aquelas conclusões. Como Israel desapareceria, se a guerra continuasse? E no momento em que alguns regimes árabes diziam a Israel: “Acabem com eles, erradiquem essa gente, ou pelo menos imponham-lhes condições humilhantes, não parem...”? Mas o fato é que a própria Israel, ela mesma, chegara a um ponto do qual não podia manter a guerra. Apelaram até aos norte-americanos para que a socorressem – porque, se os norte-americanos mandam, toda a região se curva. E foi o que aconteceu, e a guerra acabou naquele momento. Não foi isso, por acaso, o que aconteceu em julho de 2006?

Eis os fatores que mudaram a equação inicial: (1) a realidade em campo, o campo dos heroicos resistentes; (2) a perseverança do povo, das mulheres, dos homens, dos civis em todas as partes do país, e sobretudo dos tomados como alvos das bombas, da matança; e (3) a consistência política, a capacidade política para perseverar. 

Hoje, para a guerra de hoje, eu lhes digo: nós somos a única esperança dos palestinos. Prestem atenção: se deixarmos os palestinos entregues aos norte-americanos, ao ocidente e a vários árabes, todos esses dirão a Israel “aproveite a oportunidade, acabe com eles. Acabe com eles.” 

Há alguns que dizem “Acabem com o Hamás”. Mas eles não vão acabar só com o Hamás: tentarão acabar com o Hamás, a Jihad Islâmica e com todos os grupos palestinos. O alvo deles é Gaza, é a Resistência, as armas da Resistência, a vontade da Resistência, a cultura da Resistência, a esperança na Resistência.  

Hoje, amanhã, dia tal e tal, a Resistência tem esse nome, outro nome, e pode ter outro e outro nome, como aconteceu conosco no Líbano, como se passa na Palestina, os nomes são diferentes e mudam. Por isso o alvo não é só o Hamás. O alvo é toda a Resistência na Palestina. Todos os túneis de Gaza. Todos os foguetes de Gaza. Todas as Kalachnikovs de Gaza. Toda arma branca de Gaza. Ainda mais: todo o sangue resistente que corre nas veias dos habitantes de Gaza. Isso é, hoje, o alvo da entidade sionista.  

O horizonte para a Resistência é que se chegue a uma situação em que a própria Israel veja que não pode manter a guerra. Foi o que aconteceu em julho de 2006. “Para que os EUA nos socorram [socorram Israel], inventem-nos uma causa.” Foi isso que aconteceu em 2006. Naturalmente, o veredito do Conselho de Segurança condenou a Resistência. O importante é o que houve depois da condenação. Isso é que conta.  

Digo-lhes que hoje, hoje mesmo, no momento em que está enterrando seus mártires, no momento em que combate, digo-lhes que Gaza já é vitoriosa, pela lógica da Resistência. Se Gaza chega ao 18º dia e nem todos os sionistas do mundo conseguiram alcançar um único dos objetivos da guerra contra Gaza, isso significa que a Resistência venceu em Gaza. E digo-lhes também, da posição de alguém que conhece o terreno e participa da luta: a Resistência em Gaza pode chegar à vitória completa, e chegará, se Deus quiser.  

Hoje, paremos um momento para avaliar a situação e concluir sobre nossa posição. 

Hoje, e tomando em consideração o fato de que a batalha acontece entre dois lados: de um lado Israel, que tem um dos exércitos mais poderosos do mundo. Mas, o que é mais importante é que esse exército, depois da guerra de 2006 no Líbano e de 2008 em Gaza, instituiu comissões – vocês se recordam de Winograd, não é? – Israel criou comissões, pesquisas, estudos, debates e, de 2006 até hoje estão em estado perene de treinamento, de manobras, de armamento, de preparação, de coleta de informações. – Quero dizer: ao longo desses oito anos, o que fizeram foi fundar um novo exército forte. Isso é o que temos de um lado. 

Mas do outro lado, temos uma faixa de território, uma superfície estreita, um faixa de terreno litorâneo plano e, mais grave que isso, sufocado por um bloqueio já há anos. Sob sítio, e sítio dos mais severos.

Para comparar esses dois lados, o que temos sob os olhos? O que vemos? Vemos o fracasso de Israel. O fracasso. O fracasso de Israel. E o sucesso da Resistência. 

Do lado de Israel, vimos, primeiro, o recuo na definição dos objetivos da operação, da guerra. E qual era o objetivo anunciado? Eles têm objetivos implícitos, e já falei deles. Mas qual é o objetivo anunciado? É o mesmo que o objetivo implícito, oculto? Não. Eles não começam por objetivos elevados. Por quê? Prestem bem atenção.

Não começam com altos objetivos porque, desde o começo, Israel tem medo do fracasso. É sinal de que alguma coisa aprenderam da derrota que sofreram no Líbano. No Líbano, em 2006, começaram por anunciar que iriam “Erradicar a Resistência, obrigá-la a entregar as armas, expulsar do sul a Resistência, ou, pelo menos, do sul do rio Litani. Obrigar a Resistência a entregar os dois prisioneiros sem demora e sem condições”...  

Já perceberam que Israel não diz uma palavra sobre o soldado que está prisioneiro em Gaza? Não falam dele. Estão mudos sobre esse assunto.  

O que estou dizendo é que Israel não se fixou altos objetivos. E por que não? Porque extraíram afinal algumas lições das experiências passadas. Voltarei a essa questão ao final da minha fala.

Israel, pois, não se atreveu a anunciar objetivos elevados – mesmo para toda a guerra, agora, o único objetivo declarado era destruir túneis na fronteira. Israel fixa objetivos modestos para aumentar suas chances de conseguir dizer “alcancei meus objetivos de guerra”.  

Esse, então, é o primeiro ponto a destacar: Israel recuou muito na definição de seus objetivos militares anunciados.

O segundo ponto: Israel fracassou redondamente no levantamento que fez das capacidades da Resistência, armas, foguetes, arsenais, estoques, onde os foguetes estão armazenados, onde são fabricados, de onde são lançados, a localização dos tuneis... Israel acreditava que todas as informações sobre Gaza estavam já coletadas e eram certas, que os israelenses sabiam de tudo, com tantos espiões, em terra, mar e ar, tantos espiões. E percebe-se fracasso monumental no plano da informação recolhida.  

Terceiro ponto, o fracasso da força aérea israelense foi decisivo para a vitória da Resistência. E isso é muito importante para Gaza e para o Líbano. Por que falo do Líbano? Se vocês acompanharem a imprensa israelense, mesmo durante a guerra de Gaza, eles falam da segunda guerra do Líbano (2006) e da terceira guerra do Líbano (a próxima). Mesmo enquanto combatem em Gaza. A guerra é em Gaza, mas Israel tem os olhos postos em vocês, para saber como vocês interpretam a guerra em Gaza, e que lições vocês extraem da guerra em Gaza. Gato escaldado...

O fracasso da força aérea de Israel foi decisivo para determinar a vitória da Resistência. E, isso, sabendo-se que há alguns meses o chefe do estado-maior das forças aéreas de Israel declarou – e estava inaugurando um novo exército, há gente que nunca aprende... Aquele militar israelense declarou que a força aérea de Israel estaria então em tal estado de prontidão e de preparação, depois de todas as transformações pelas quais passou, que poderia – ouçam bem (e repito aqui porque acho que os libaneses temos mais o que fazer, do que acompanhar declarações do estado-maior de Israel, então digo aqui). 

Aquele militar israelense disse que “as forças aéreas de Israel são hoje capazes de vencer no Líbano – caso surja nova guerra – em 24 horasE que, em Gaza, aquela força aérea vencerá em 12 horas”. Disse isso.

E hoje, há quantos dias tentam vencer em Gaza? Digo aqui: são 18 dias. Hoje é o 18º dia. Essa é a nova força aérea israelense. E quem a derrotou? Gaza. A Gaza sitiada.  

O fracasso de Israel, sua incapacidade para atingir os quadros dirigentes e comandar a situação no interior da Faixa de Gaza. E com nosso respeito por todos os mártires, Israel consegue até inventar comandantes mártires: fala da morte de dirigentes que continuam vivos. Israel já chegou a esse ponto.  

Israel fracassou também ao não conseguir pôr fim aos foguetes nem impedir que sejam lançados, apesar de todos os aviões que incendeiam o céu, de todos os radares, drones e agências de espionagem da região, todas trabalhando para Israel. E sabemos bem, nós, qual a importância de manter o fogo de foguetes, nesse clima de guerra.  

E há também o fracasso da operação terrestre: basta que lhes repita o que estão dizendo alguns comentaristas israelenses. Essa frase é de um deles: “Nosso exército fracassou.” Não é frase minha, eu, que amo a Resistência palestina, que sou aliado dela, aqui falando aos libaneses. Essa frase é de um inimigo da Resistência. Um dos comentaristas importantes  da entidade inimiga disse “Nosso exército fracassou e o Hamás e a Jihad islâmica persistem, perseveram e combateram o corpo essencial de nossas tropas de infantaria”. Fala de quem?

Ele fala da Brigada Golani, do Commando Egoz (unidades de elite do exército de Israel)... É. A operação terrestre foi também grande fracasso.

As perdas fora  muito extensas, perda de quadros, de oficiais, de soldados, de tanques, de veículos israelenses.  

Viu-se claramente um medo manifesto de engajar-se em vasta operação terrestre. Vimos esse medo no rosto de Netanyahu, no rosto do chefe do estado-maior, no rosto de Ya'alon (ministro da Defesa), em todos os rostos. Os palestinos sitiados são a grande potência. Os israelenses são os medrosos, assustados, apavorados face à perspectiva de enfrentar a Resistência corpo a corpo.

E essa é a razão pela qual os israelenses precipitaram-se, desde o início. Porque não confiam em seu exército, não confiam neles mesmos. Assassinos de civis, de crianças, tomaram por alvo justamente a base popular da Resistência. Tentaram quebrar a vontade do povo. Foi o que tentaram também no Líbano em 2006. 

Ali, qual era o sonho de Israel? Queriam ver manifestações no sul, no rio Bekaa, em Beirute, nos subúrbios do sul de Beirute, na casa do Hezbollah, em qualquer lugar do Líbano onde estão os refugiados... Israel sonhava com que esses resistentes exigiriam que a Resistência cessasse o fogo, ou que se rendesse. E foi graças a vocês, que aqui estão hoje, vocês, o mais nobre dos povos, o mais digno, o mais valente, o mais puro, que nada aconteceu daquele sonho dos israelenses em julho de 2006, aqui no Líbano.  

Então, agora, Israel tenta novamente a mesma experiência na Faixa de Gaza, para impor aos comandantes da Resistência, à direção política e à direção em campo, para lhes impor um cessar-fogo a qualquer preço ou a rendição.  

Significa que quando o exército israelense chegou a Gaza, não chegou como exército de combatentes, mas como gangue de assassinos de crianças. E foi assim também que nós conhecemos o exército de Israel no Líbano. Essa tem sido a natureza do exército de Israel ao longo de todos esses anos.  

E para concluir sobre a avaliação que Israel fazia da situação. Vocês talvez se lembrem de Ehud Barak, ministro da Defesa, ou da Guerra, no primeiro governo, parece-me, depois da saída de Olmert e do outro, esqueci o nome... Como se chama, ministro da Defesa, Beretz, Meretz, coisa assim... 

Ehud Barak, depois de muitos anos de exercício afinal aprendeu alguma coisa. O que disse ele? E foi confirmado pelos chefes do estado-maior de Israel. Uma frase curta. Hoje essa frase já foi pisoteada nas ruas de Gaza. Ele disse, e naquele momento ameaçava também o Líbano, que qualquer futura guerra que Israel fizesse seria rápida e decisiva, e a vitória seria grandiosa. Anotem bem: rápida, decisiva, vitória grandiosa.

Hoje, quem responde a eles é Gaza: vocês são hoje o que sempre foram, só sabem combater de trás dos muros fortificados de vocês. São covardes assustado que se escondem por trás de aviões, de tanques. Que só sabem matar crianças em escolas. Cada vez que veem pela frente os homens e mulheres da Resistência, cara a cara, vocês desmontam e o exército de vocês é vencido. Essa é a verdade. Vitória rápida, decisiva e grandiosa é coisa que passa longe do exército de Israel. *****



[1] Vídeo com legendas em francês (trad. e legendagem de Sayed Hasan, emhttp://sayed7asan.blogspot.com.br/2014/07/hassan-nasrallah-israel-vaincu-gaza-en.html 

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