segunda-feira, 12 de novembro de 2018

A industrialização da bioeconomia acarreta riscos para o clima, o ambiente e as pessoas


Mais de 119 organizações da sociedade civil de 40 países rejeitam o impacto de um crescimento exponencial da bioeconomia

Nos últimos anos, os governos atribuíram incentivos à substituição dos combustíveis fósseis por biomassa na produção de energia, com o objetivo de combater as alterações climáticas. De forma crescente, os governos estão também a considerar o incentivo a outros produtos elaborados a partir de biomateriais, designados de uma forma genérica de "bioeconomia".


A Plataforma para o Biofuturo, uma iniciativa proposta pelo governo brasileiro e lançada com o apoio de 20 países em 2016, é um exemplo. Contudo, um olhar mais atento sobre esta Plataforma mostra que a bioeconomia é uma forma simples de esconder um aumento significativo no uso de bioenergia, bem como outros "bioprodutos" de curta duração cujos impactos climáticos são tão prejudiciais para o clima quanto a bioenergia. [1]
A União Europeia e outros países (que até agora não assinaram a Plataforma para o Biofuturo) estão também a desenvolver estratégias de promoção da bioeconomia com o mesmo propósito. [2]

As organizações abaixo subscritoras estão preocupadas com o aumento no uso de bioenergia e outros bioprodutos de ciclo de vida curto (a chamada bioeconomia), que terá impactos negativos sobre o clima, os direitos humanos, a proteção da natureza e a transição para uma economia de baixo carbono.

As organizações subscritoras rejeitam a Plataforma para o Biofuturo e outras formass similares de promoção de bioenergia pelas razões abaixo descritas:

Prejudicial para o clima


Para cumprir o objetivo do Acordo de Paris de manter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5ºC, a comunidade internacional deve estar focada na eliminação progressiva das emissões de gases com efeito de estufa e, simultaneamente, no aumento da quantidade de carbono que pode ser removida pelas florestas, prados e solos. Em oposição direta a isso, a Plataforma para o Biofuturo defende a transição dos setores da produção de energia, transporte e indústria para o uso de bioenergia e biomateriais. Isto ignora o estado atual da ciência – a queima de biomassa para a produção de energia emite mais emissões para a atmosfera do que a queima de carvão [3], ao passo que a produção e o consumo de biocombustíveis, bioplásticos ou outros biomateriais reduzem a quantidade de terrenos disponíveis para as culturas alimentares, conduzindo à desflorestação e outras conversões de usos da terra, o que contribui para as emissões de outros gases com efeito de estufa, como o óxido nitroso.

Para mitigar os efeitos mais prejudiciais das alterações climáticas, é necessário que os governos, as organizações da sociedade civil, as universidades e o setor privado trabalhem em conjunto para reduzir o consumo excessivo de energia e descarbonizar os setores de produção de energia, transporte e indústria - não permitindo apenas que aqueles que possuem mais recursos disponíveis prossigam em níveis de consumo excessivo, enquanto assumem o compromisso de fazer a transição para outros recursos que implicam emissões significativas de carbono.


Prejudicial para os direitos humanos

Uma bioeconomia de escala industrial aumentaria a procura por terrenos disponíveis para a produção de biomassa. Isso levaria à desflorestação e outras alterações no uso do solo em grande escala, o que teria impactos devastadores sobre as comunidades locais. Um estudo conservador sobre o potencial global de biomassa [4] evidencia que seria necessária a conversão de terrenos numa área superior à do território da Índia (386 milhões de hectares) para garantir o fornecimento de bioenergia em cinco por cento do uso global de energia. O uso de recursos associados com a bioeconomia previsto pela Plataforma para o Biofuturo exigiria terrenos adicionais para serem convertidos em bioprodutos. A hipótese subjacente é que a maior parte dos terrenos necessários para converter a economia baseada em combustível fóssil para a bioeconomia seria fornecida pelo Sul global. Mas a crescente procura por biocombustíveis e biomassa para aquecimento e produção de eletricidade já conduziu à apropriação de terrenos em grande escala e à expulsão de comunidades inteiras, além de reduzir o acesso a terrenos agrícolas, florestas e recursos hídricos [5]. O aumento da procura agravará estes impactos, sobretudo quando as florestas forem substituídas por plantações, aumentando o envenenamento por pesticidas e a violação dos direitos dos trabalhadores, e reduzindo a disponibilidade de água potável e a soberania alimentar. Além disso, o processamento e a queima de biomassa para a produção de energia são responsáveis pela emissão de poluentes tóxicos, com riscos acrescidos para a saúde humana.

Prejudicial para a natureza e a biodiversidade


Estamos no meio de uma crise de biodiversidade que será agravada pelas propostas da Plataforma para o Biofuturo que pretendem aumentar a procura por terrenos, água e florestas. A procura por óleo de palma e soja já está a acelerar a destruição de florestas em muitos países e a intensificação da agricultura (mais produtos químicos, menos terras em pousio) na Europa e na América do Norte, acelerando o declínio das populações de insetos e aves. [6] A procura por bioenergia já levou à destruição de florestas de elevada biodiversidade no sul dos Estados Unidos da América [7], nos Estados Bálticos [8] e em outros locais. À medida que as monoculturas avançam, a agrobiodiversidade é reduzida. As plantações para produzir bioplásticos e outros biomateriais só agravam estes problemas. É necessário reduzir a procura por madeira e culturas alimentares. Existe ainda um pressuposto de que a produção de bioprodutos dependerá fortemente do uso de culturas, árvores e micróbios geneticamente modificados, os quais representam sérios riscos para o ambiente e a saúde humana.

Prejudicial para uma transição justa a partir de uma economia baseada em combustíveis fósseis


A visão da Plataforma para o Biofuturo desvia a atenção e os recursos de soluções reais e comprovadas para mitigar as alterações climáticas e consolida as injustiças energéticas, sociais e económicas em todo o mundo. Esta plataforma encoraja subsídios adicionais para o uso de bioenergia em detrimento de outras energias renováveis de comprovadas emissões de baixo carbono, como a energia eólica e solar, as quais devem aumentar de escala com efeito imediato. A “bioenergia moderna” (biocombustíveis e biomassa destinada para aquecimento e produção de eletricidade) promovida pela Plataforma para o Biofuturo é utilizada principalmente pelo Norte global e por indústrias consumidoras de energia que deveriam estar focadas na melhoria da sua eficiência. O recurso a fontes de bioenergia é um mecanismo de escape para estas empresas, que não querem assumir a realidade dos seus consumos energéticos excessivos.








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