quinta-feira, 11 de junho de 2020

Garimpeiros invadem terra de índios isolados no Acre


Em relação à matéria intitulada  "Garimpeiros de Rondônia invadem terras no Parque Estadual do Chandless", publicada em 11 de junho deste ano de 2020, no AC 24 horas, https://www.ac24horas.com/2020/06/11/garimpeiros-de-rondonia-invadem-terras-no-parque-estadual-de-chandless-a-procura-de-ouro/, gostaria de me manifestar  e dizer que, na verdade me sinto na obrigação de me manifestar a respeito.

Eu coordenei a equipe que realizou o laudo de identificação de índios isolados naquela região no ano de 2002. Naquela época a área ainda não havia sido arrecadada da União pelo governo do Acre que já pretendia criar o Parque. Mesmo com nossa denúncia e o pedido que fiz de imediata interdição da área, a Funai não interditou e o governo do Acre conseguiu arrecadar toda a área. É importante lembra que tudo isso só foi possível porque o governador era o Jorge Viana e a Ministra do Meio Ambiente era a Marina Silva. Portanto, criaram o parque sabendo da existência de índios isolados na área, de forma deliberada.

Em 2003, em audiência com o então presidente da Funai, Sr. Mércio Pereira Gomes, entreguei-lhe pessoalmente o relatório e mais uma vez pedi a interdição da área como forma de garantir a vida daquele povo. Também solicitei que fosse mantida a presença de algumas poucas famílias, como a do Sr, Milton Leite, último morador não indígena. A presença dessas famílias se justificava por duas razões: eram indígenas e descendentes dos povos Jaminawa e Manchineri e porque estavam ali como uma espécie de anteparo de proteção aos isolados. De nada adiantou. Em 2004 o Parque foi criado e a sorte dos indígenas, incluindo os isolados fora lançada.

Somente no final da década de 2010 é que a Funai finalmente reconheceu a existência desse povo indígena em situação de isolamento. Apontei no meu laudo que esse povo  se locomovia entre os igarapés do Cuxixá, Chandless-chá e  Riozinho, já na cabeceira do Chandless, especialmente dentro do Riozinho onde passava todo o inverno vindo às margens do Chandless apenas no verão para coletas de ovos de tracajá. A criação do Parque, que é descrito como não tendo sobreposição, se deu na verdade sobre terras indígenas e nós denunciamos isso à época.

Apontamos que a criação do parque criaria uma imensa crise social já que expulsaria famílias inteiras de indígenas (Jaminawa/Manchineri). Foi o que ocorreu. Algumas dessas famílias estão hoje em Sena Madureira e em Manoel Urbano sem nenhuma assistência. De outro lado colocaria em risco a vida dos indígenas em situação de isolamento, além de abrir a área para invasores pelo simples fato de que somente deixando os indígenas na área se teria efetiva proteção.

Então, essas invasões já eram esperadas e previstas. É isso que ocorre quando um modelo de “desenvolvimento” e político se sobrepõe à vida dos povos. A dita Economia Verde do Acre se revelou uma farsa e uma real ameaça aos povos originários e tradicionais.

Lindomar Padilha.

Duas informações relevantes:

* Em setembro de 2009, por ocasião da reunião da  Comissão Nacional de Política Indigenista - CNPI, realizada em Rio Branco, AC,  eu mais uma vez reapresentei o relatório ao então presidente da Funai Sr.  Márcio Meira que prometeu acompanhar pessoalmente o caso se mostrando surpreso com a informação como se nada lhe fora dito antes.

* O relatório é assinado por mim e por Rodrigo José Domingues.

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