Lindomar Dias Padilha
Esta pequena análise
da conjuntura para 2025, foi produzida exclusivamente para a reunião das
equipes do Cimi Regional Amazônia Ocidental e, portanto, prioriza aspectos ligados
à causa indígena e às lutas populares notadamente na Amazônia, em especial no
eixo de expansão “agrocriminosa” da Amacro.
Sem menosprezar os
fortes embates atrelados diretamente à conjuntura macroeconômica, devemos
considerar o que aponta, por exemplo, o TROPOSLAB (2024) que desde 2020, o Brasil
perdeu seis posições no Ranking Global de Competitividade, luta para manter sua
posição no Ranking Global de Inovação, enfrenta um aumento da desigualdade
social e sofre com polarizações políticas e intolerância, entre outros
problemas estruturais. E mais, empresas e consumidores demonstram preocupação
com um cenário de juros mais altos e inflação próxima ou acima do teto da meta.
Como disse, toda
essa questão macroeconômica pode, e certamente irá intervir na dinâmica da
conjuntura mais político-social. Entretanto, manterei o foco aqui basicamente
em três aspectos principais:
1)
Os intensos ataques da direita disruptiva e de
setores conservadores e antidemocráticos, que tentarão avançar em retrocessos
contra direitos sociais históricos, incluindo sobretudo direito à terra e ao meio
ambiente.
2)
Os ataques ao usufruto exclusivo e à autonomia
dos territórios através de projetos de falsas soluções ligados ao mercado de
carbono e suposta mudança da matriz energética, temas que serão centrais na COP
30.
3)
Consolidação da Amacro como modelo de
desenvolvimento para a Amazônia Ocidental no eixo do desmatamento.
Ataques da direita
Este ponto merece
muito a nossa atenção porque este ano de 2025 não será um ano de eleições
gerais, mas será um ano de muita movimentação política especialmente no poder
legislativo federal. As presidências da Câmara e do Senado serão assumidas por
parlamentares de direita, o que significa que este setor (direita) pautará os
projetos de leis anti-indígenas e antidemocráticos. Além disso, a negociata em
torno das terras indígenas, liderada por Gilmar mendes, seguirá firme e poderá até
ser turbinada pela adesão do Ministério dos Povos Indígenas-MPI e da Fundação
Nacional dos Povos Indígenas-Funai.
Observamos que a
tese do Indigenato, mesmo sendo vitoriosa no Supremo Tribunal Federal, na
prática, a vitória foi da tese do marco temporal. Neste ponto específico, ainda
bem, parte significativa do movimento indígena alojada na Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil-APIB, já percebeu que tanto a Funai quanto o MPI, são
representantes do governo e não dos povos indígenas. A adesão ao governo levou
parte do que era o movimento indígena, expresso em algumas lideranças, a aderir
justamente às negociações de direitos e isso enfraqueceu o movimento e
facilitou o avanço de teses anti-indígenas e abriu caminho para a
intensificação dos ataques da direita criminosa (mineração, agro).
Ataques ao usufruto e autonomia dos territórios
Os ataques ao
usufruto exclusivo e à autonomia dos territórios (Indígenas, Quilombolas, RESEX,
Ribeirinhos e áreas de preservação) também vão se intensificar. Se os ataques
da direita nos preocupam, os ataques ao usufruto e autonomia nos preocupam
ainda mais porque são patrocinados não só pela direita, mas por uma dita “esquerda”
a serviço do capital financeiro que prega a financeirização da natureza. É
vergonhosa a negociação em torno dos territórios para que estes venham a se
converter em moeda de troca e mesmo para que sejam dados em hipoteca aos
mercadores da natureza. A vergonha se torna ainda maior se considerarmos, por
exemplo, que a negociata está no coração do poder e para facilitar e dar um ar
de “legalidade” se instituiu o Conselho Nacional para Políticas de REDD-
Conaredd, entre outros mecanismos de cooptação e compra de consciências.
Esses ataques
terão seu ápice na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
(Conferência das Partes) - COP, cuja edição de número 30 ocorrerá este ano no
Brasil, na cidade de Belém, PA. Paralelo à Conferência das Partes ocorrerá a Cúpula
dos Povos, evento que surge a partir da Rio + 20, em 2012 e que se propunha a
ser um movimento autônomo da sociedade civil. A ideia inicial era de que a
Cúpula dos Povos pudesse, de alguma forma, influenciar as negociações feitas
por líderes na COP, mas com o tempo os líderes e os grandes do capital passaram
a influenciar a Cúpula, invertendo os papeis.
No caso da Cúpula
deste ano a situação está muito mais grave, pois, os f promotores da
financeirização da natureza vão contar com um apoio gigante: o apoio da máquina
do governo federal, incluindo o MPI. O governo brasileiro vai financiar ONGs e
movimentos sociais, incluindo povos indígenas, para que estes possam ir à
Cúpula dos Povos defender a financeirização da natureza, em especial através do
mercado de carbono. Desta forma, teremos na Cúpula dos povos três grupos
disputando espaço. Infelizmente, apenas um desses grupos, aliás, o mais fraco,
é contrário a Financeirização da natureza, os outros dois atuarão na defesa do
mercado. Estarão na defesa do mercado o grupo patrocinado pelo governo
brasileiro e o grupo financiado pelas empresas, especialmente as ligadas às
petroleiras. Gigantes do petróleo como Saudi Arabian Oil Co. (Saudi Aramco), Exxon Mobil Corp. (EXXO34), Chevron Corp. (CHVX34), PetroChina
Co. Ltd. (PTCH34)
e Reliance Industries, juntamente com gigantes da mineração segundo TORO (2024)
como BHP Billiton (Austrália), Rio Tinto (Austrália), Glencore (Suíça), Vale
(Brasil), Freeport-McMoRan (EUA), Anglo American (Reino Unido), Southern Copper
(México), Ma'aden (Arábia Saudita), Fortescue Metals (Austrália) e Zijin Mining
(China), Já financiam as COP e agora passaram a financiar ONGs para influenciar
na Cúpula dos Povos.
Outro setor que
promete influenciar de forma decisiva é o agro. O Agro brasileiro conseguiu,
por exemplo, ficar fora da regularização do mercado de carbono demonstrando
grande poder de influência dentro do governo. Em artigo publicado em 04/01, O GLOBO
(2025), intitulado “como o agronegócio joga contra a
COP 30” fica evidente o poder de barganha do Agro crime. Já na COP 21, que
ocorreu em Lima, no Peru, o agro brasileiro tentou se juntar a China para
emplacar a ideia de que os produtores rurais (de grãos) deveriam ser
compensados pelo sequestro de carbono. Agora os sojicultores retornam com a
mesma lógica sob a alegação de que, por ser vegetal, a soja também faz o
sequestro de carbono e, logo, contribui para a redução ou descarbonização
ambiental. Mais ainda, dizem que se for a soja transgênica melhor porque produz
mais e mais rápido tendo inclusive duas safras. A primeira vista a ideia pode
parecer ridícula e sem sentido (e de fato o é), mas é bem capaz de emplacar
devido ao desconhecimento de boa parte da sociedade sobre o tema e tudo aliado às
fraudes que são a marca do mercado de carbono e do Agro.
Consolidação da Amacro
A Amazônia brasileira
está passando por transformações territoriais profundas com a expansão de
diversas frentes pioneiras, segundo SARKIS (2023) que apresentam atividades econômicas
apoiadas na retirada de madeiras, estabelecimento da pecuária, produção de grãos
(especialmente soja) e mineração. A Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia) é uma
dessas chamadas frentes pioneiras, baseada no modelo da MATOPIBA (Maranhão,
Tocantins, Piauí e Bahia) e ironicamente chamada de Zona de Desenvolvimento
Sustentável.
A Amacro é uma
região formada por 7 municípios do estado do Amazonas: Apuí, Boca do Acre,
Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré e Novo Aripuanã. 13municípios do Acre:
Acrelândia, Assis Brasil, Brasiléia, Bujari, Capixaba, Epitaciolândia, Manoel Urbano,
Plácido de Castro, Porto Acre, Rio Branco, Senador Guiomard, Sena Madureira e
Xapuri. E 12 municípios de Rondônia: Alto Paraíso, Ariquemes, Buritis, Campo
Novo de Rondônia, Candeias do Jamari, Cujubim, Itapuã do Oeste, Machadinho
D’Oeste, Monte Negro, Nova Mamoré, Porto Velho e Rio Crespo. É, portanto, uma
imensa área diretamente afetada, sem contarmos as regiões indiretamente
afetadas, mas com igual ou similar gravidade. É o caso da região do Vale do
Juruá, no Acre, que receberá o impacto da construção da ferrovia e da rodovia
ligando o Brasil ao Peru (Pucallpa) como canal para escoar a produção. Destaque
ainda maior para a construção do Chamado Chancay (porto de águas profundas) no Peru,
para escoar a produção para a Ásia, via oceano Pacífico.
Desde 2015 o
tema da área de expansão do agrocrime já tem nos preocupados. A tal ponto que
em 2016 propusemos uma articulação entre instituições para fazermos o
enfrentamento daquilo que chamávamos à época de AMARONAC. Naquela época eu
mesmo PADILHA (2017) em conversa com o amigo e jornalista Alceu Castilho, que
mantem o observatório DE OLHO NOS RURALISTAS , por ocasião do II seminário
Nacional do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos
(CBDDDH), percebemos a necessidade de darmos maior visibilidade a esta região e
iniciarmos uma articulação maior com entidades e movimentos que atuam mais
diretamente nesta região com o intuito de prevenir e evitar tantas mortes e
violências quanto possível.
Naquele mesmo texto,
escrevi que para facilitar o processo de articulação e principalmente para
divulgação entendemos que seria interessante criarmos uma nomenclatura que
expressasse a região da qual estamos falando, por isso estou grafando a região
com a sigla AMARONAC. Sei que a demanda
é imensa, mas se não fizermos algo agora, o depois poderá ser tarde demais. (PADILHA
2017).
Infelizmente a
ideia de formarmos uma ampla articulação não teve adesão. Nenhuma entidade ou
organização aderiu à ideia e a proposta naufragou. De qualquer forma, a Amacro
segue sendo motivo de muita preocupação, especialmente pela violência que já
tem trazido ao campo e tende a piorar muito neste ano de 2025.
Por fim
A conjuntura, que
nunca foi favorável, tende a piorar muito neste ano de 2025, notadamente para
nós da região Amazônica principalmente por causa da COP 30 e da consolidação da
Amacro. Mas, é para desesperarmos? Creio que não. Vamos seguir fazendo
enfrentamento ao modelo de financeirização da natureza, o que já fazemos desde
2008. Seguiremos denunciando o mercado de carbono e sua farsa e fraude, seja na
versão de crédito ou débito de carbono. Seguiremos denunciando as falsas
soluções propostas pelo mercado.
Com relação a
Amacro, mais do que nunca temos que nos articular com entidades, ONGs, Igrejas,
pastorais, universidades, lideranças indígenas e instituições ligadas à terra
em um grupo supra institucional e suprapartidário para fazermos o
enfrentamento. Temos que apressar e pressionar muito o poder público para que
proceda imediatamente a demarcação das terras indígenas e a dê garantia as que
já estão demarcadas, bem como as Reservas Extrativistas e assentamentos.
Outro ponto que
este grupo (que proponho aqui) precisa investir é na denúncia da violência e
ameaças ao meio ambiente que a construção de estradas, notadamente a que ligará
Cruzeiro do Sul a Pucallpa, e ainda o porto de Boca do Acre.
Resistir é “preciso”!
Referências
O
GLOBO, como o agronegócio joga contra a COP 30? Disponível em: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/01/como-o-agronegocio-joga-contra-a-cop30.ghtml
PADILHA,
Lindomar Dias. AMARONAC: Sul do Amazonas, Rondônia e Acre, na rota do
agronegócio e mineração. 2017. Disponível em: https://lindomarpadilha.blogspot.com/2017/10/amaronac-sul-do-amazonas-rondonia-e.html
SARKIS, Vidal, Bruno; Oliveira Neto, Thiago. Desmatamento e as frentes
pioneiras na região da Amacro. Revista Presença Geográfica. vol. 10, núm. 1,
2023.
TORO,
Quais são as maiores mineradoras do mundo hoje? Vale a pena investir?
Disponível em: https://blog.toroinvestimentos.com.br/bolsa/maiores-mineradoras-do-mundo/#:~:text=As%20maiores%20mineradoras%20do%20mundo%2C%20considerando%20o%20valor%20de%20mercado,e%20Zijin%20Mining%20(China).
TROPOSLAB,
Inovação: conjuntura, desafios e perspectivas para 2025. Disponível em: https://troposlab.com/inovacao-conjuntura-desafios-e-perspectivas-para-2025/
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