Sra. Eloísa Zapata. Foto - Antônia Sandra (CIMI) |
Warao, conforme descreve André Paulo dos Santos Pereira[1] é um povo originário da região norte da Venezuela, no rio Orinoco, estado Delta Amacuro e nos dos estados Bolívar e Sucre[2]. Por isso seu nome “Warao” que na língua materna significa “povo da canoa”. A relação que tem com a água é muito forte. São, tradicionalmente, pescadores e coletores, e vivem em comunidades de palafitas localizadas nas zonas ribeirinhas fluviais e marítimas, além de pântanos e bosques inundáveis.
Mas, porque saíram de suas terras? Por diversos fatores entre os quais destaco: tragédia ambiental do represamento do rio Manamo, a
deterioração das condições de subsistência e a invasão progressiva de suas
terras por agricultores e pecuaristas que, desde a década de 1970, vem
empurrando o povo para os centros urbanos da Venezuela. Interessante notar,
porém, que mesmo vivendo no ambiente urbano, os indígenas warao tentam manter
muitos aspectos de sua cultura e a coesão do grupo, retornando quanto
conveniente ao lugar de origem[3].
Portanto, Rio Branco é apenas passagem e espaço de construção contínua desta
história milenar e que seguirá sendo escrita.
Entrega de cestas básica e Roupa. Foto Mateus (Cimi) |
Os Warao já estavam sendo expulsos de suas terras, mas ,
assim como todo o povo venezuelano, também eles, foram atingidos pela tragédia
política que se abateu sobre a Venezuela. Tragédia que no caso dos Warao
dispensa leituras ideológicas de qualquer lado e natureza. Digo que toda
tragédia humana e ambiental é sempre uma tragédia de toda a humanidade.
Portanto, os Warao em Rio Branco escrevem sua história e parte da história de
uma tragédia de toda a humanidade.
Desde que chegaram a Rio Branco, os Warao tem recebido o
apoio do Cimi[4]
que, segundo a coordenadora, Sra. Ivanilda Torres, tem sido a única entidade
que efetivamente tem atuado de forma concreta e permanente fornecendo cestas
básicas, colchões, panelas, fogão e gás. Além de auxílio na documentação,
acompanhamento médico e abrigo. Além de apoio material, o Cimi tem feito trabalho de formação sobre direitos através da presença no próprio local onde estão alojados.
Segundo
relatórios do Cimi, ao todo 14 famílias
já se encontram na cidade de Rio Branco perfazendo um total de 58 pessoas,
sendo: 14 mulheres; 12 homens; 27 crianças e 04 idosos. Chegaram em dois
grupos, sendo o primeiro a chagar em 28/09/2019 num total de 32 pessoas e outro
em 23/11/2019 num total de 23 pessoas e no último dia 10 chegaram mais três
pessoas.
Os
primeiros a chegar a Rio Branco se encontram em uma pensão, localizada no
Bairro da Base onde alugam 04 quatros pagam diariamente R$ 20,00 reais por
quarto, totalizando R$ 80,00 reais por dia, que por semana soma R$ 560,00
reais, e por mês R$ 2.400,00 reais. Um
segundo grupo que em sua ampla maioria chegou no dia 23 de novembro, é formado
por 23 pessoas sendo 07 adultos e 16 crianças. Inicialmente ficaram em
um hotel na Gameleira pagando diária de R$ 130,00 por 02 quartos, portanto, uma
média de 11,5 pessoas por quarto. No domingo dia 01 de dezembro não conseguiram
o dinheiro da diária do hotel e tiveram que se retirar. Finalmente, no último
dia 10 chegaram mais três pessoas, um casal e uma criança. Portanto, estamos falando
de uma superlotação de 14.5 pessoas por quarto. Ainda há que se
notar que as despesas outras, como alimentação e vestuário não estão incluídas.
Entrega de roupas e cestas. Foto Mateus (Cimi) |
Mesmo
possuindo documentos pessoais emitidos em Roraima incluindo o protocolo da
Carteira de Identidade para Estrangeiros (RNE) que já se encontram vencidos e
pendentes de renovação, Carteira de Trabalho (cerca de 12 não possuem carteira
de trabalho), CPF e cartão do SUS, a situação da documentação ainda é muito
precária e as alterações decorrentes da Portaria 666[5],
do Ministério da Justiça, dificultam ainda mais. A isso se soma a ausência e
ineficiência do poder público. Preocupa as violações de direitos dos migrantes,
especialmente no que se referem às crianças, mulheres e idosos, decorrentes de
equívocos e falhas no acolhimento ou ainda frutos de exploração criminosa
desses segmentos mais vulneráveis.
No
dia 04 de dezembro, por convocatória da Defensoria Pública da União, houve uma
reunião interinstitucional com a presença de órgãos afetos ao caso dos Warao,
com destaque para a ausência sem nenhuma justificativa da Fundação Nacional do
Índio – Funai. A reunião foi realizada na sede do Ministério Público Federal.
Embora se tenha tirado alguns encaminhamentos, até agora nada caminhou de fato,
apesar de órgãos como a DPU terem se mostrado interessados e propostos encaminhamentos.
Tudo ficou no nível dos “bons conselhos”.
Perguntada
por mim se algum órgão público havia aparecido, dona Eloísa Zapata foi
categórica: “nada nem ninguém apareceu
por aqui”. O mesmo nos informou o Sr. Alexis Rivera, uma importante
liderança do povo.
Formação e entrega de cestas. Foto Mateus (Cimi) |
A
total ausência dos órgãos públicos na assistência direta assume dimensões ainda
mais dramáticas quando sabemos que se aproxima o período de recesso e o que já
não tem funcionado, para de vez. E olha
que o que se pede é apenas que se cumpra o que determina, entre outras, a Lei
13.445[6],
qual seja, o acolhimento digno e o cumprimento dos direitos garantidos.
Lembremos ainda que o direito natural encontra-se consagrado no art. 13
(2) da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que prescreve: “Todo
ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a este
regressar” (NAÇÕES UNIDAS, 2009, p. 8)[7]. E
segue uma grande lista de direitos garantidos no escopo internacional em
tratados dos quais o Brasil é signatário. Portanto, acolher dignamente os
migrantes é uma questão de respeito e garantia de direitos. Não é uma “boa
vontade” do poder público. É obrigação legal, que se impõe. Pois, que se
cumpra!
ACRESCIMO: Em reunião hoje à tarde (13/12/19), com representantes dos Warao e da coordenação do Cimi, a Defensoria Pública da União providenciou os encaminhamentos para solucionar os problemas referentes à documentação dos Warao.
ACRESCIMO: Em reunião hoje à tarde (13/12/19), com representantes dos Warao e da coordenação do Cimi, a Defensoria Pública da União providenciou os encaminhamentos para solucionar os problemas referentes à documentação dos Warao.
Nossos agradecimentos a DPU!
[1] André Paulo dos
Santos Pereira é promotor de Justiça em Roraima, professor da
Universidade Federal de Roraima (UFRR) e integrante do Ministério Público
Democrático. Revista Consultor Jurídico, jan. 2019. Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-jan-21/mp-debate-povo-indigena-warao-imigracao-brasil
[2] GARCIA
CASTRO, Alvaro A. Mendicidad indígena: Los Warao Urbanos Boletín Antropológico
Nº 48. Enero-Abril, 2000, ISSN: 1325-2610. Centro de Investigaciones
Etnológicas - Museo Arqueológico - Universidad de Los Andes. Mérida.
[3] GARCIA
CASTRO, Alvaro; HEINEN, Dieter. PLANIFICANDO EL DESASTRE ECOLÓGICO: Impacto del
cierre del caño Manamo para las comunidades indígenas y criollas del Delta
Occidental (Delta del Orinoco, Venezuela). ANTROPOLÓGICA. 91, 1999: (31-56).
Caracas, Fundación La Salle de Ciencias Naturales.
[4] Criado
em 1972, o Cimi é um organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil) que atua diretamente junto aos povos indígenas do
Brasil. O Regional Amazônia Ocidental (Regional AO) compreende todo o
Estado do Acre e o Sul do Estado do Amazonas.
[5]
Portaria 666, MJ, de 25 de julho de 2019. Disponível em http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-666-de-25-de-julho-de-2019-207244569
[6]
Lei 13.445 de 24 de maio de 2017. Disponível em http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/Viw_Identificacao/lei%2013.445-2017?OpenDocument
[7] A
Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada em Paris, em 10 de
dezembro de 1948, por meio da Resolução 217 A(III), pela Assembleia Geral da
Organização das Nações Unidas (ONU) (NAÇÕES UNIDAS, 2009).
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