Neste momento, representantes de governos e grandes empresas, agências de ‘lobby’, bancos multilaterais, agências financiadoras e ONGs estão reunidos em Madri, Espanha, para a 25ª conferência anual da ONU, fingindo tratar das mudanças climáticas. Enquanto isso, no Chile – o país onde as negociações do clima deveriam ter sido realizadas -, manifestantes e indígenas Mapuches continuam o levante contra o modelo neoliberal imposto durante a ditadura de Pinochet, exigindo que o Chile seja retirado da presidência das negociações da ONU devido aos abusos cometidos dos direitos humanos.
Na conferência em Madri, o principal objetivo dos negociadores governamentais é finalizar o Acordo de Paris da ONU sobre mudanças climáticas. Essas negociações não adotaram decisões que garantam que as emissões de carbono parem de subir e que o carbono oriundo dos combustíveis fósseis não seja mais liberado na atmosfera. Em vez disso, as negociações deram origem às falsas soluções que permitam que o modelo econômico destrutivo que causou as atuais crises climática, ambiental e social continua.
Soluções falsas não impedirão o caos climático.
É hora de deixar o carbono oriundo dos combustíveis fósseis
debaixo do solo!
Petróleo, florestas e mudanças climáticas
O petróleo explica as mudanças climáticas, o intercâmbio desigual globalizado e os novos cenários de colonização. Não obstante, as fronteiras petrolíferas se multiplicaram e as economias permanecem profundamente petrolizadas, mesmo sob seu disfarce “verde”.
A centralidade do petróleo é indispensável no momento de analisar as mudanças climáticas e até mesmo a crise civilizacional (1). O petróleo explica não apenas as mudanças climáticas, mas também os intercâmbios desiguais, a globalização e os novos cenários de colonização. Ele explica o metabolismo da produção e do mercado, típico da globalização.
Apesar das negativas da indústria e dos governos, agora se sabe com certeza que a queima de combustíveis fósseis causa distúrbios climáticos que estão inseridos nas mudanças climáticas globais. Essa certeza vem se desenvolvendo desde 1992, quando o clima e a biodiversidade foram incluídos nas agendas internacionais como os grandes problemas do meio ambiente. Relatórios científicos, evidências levantadas em todo o mundo e uma ampla conscientização da sociedade colocam o petróleo no centro das causas das mudanças climáticas, não apenas pelo acúmulo de CO2 na atmosfera, resultante da queima de combustíveis fósseis, mas também pelos impactos dos modelos da agricultura industrial e do transporte de mercadorias, que dependem inteiramente do petróleo.
Mas também há outra certeza. Todas as fases das atividades petrolíferas provocam impactos locais que afetam as sociedades, seus territórios e a natureza. Exploração, perfuração, extração, transporte e até refino e consumo causam devastação ambiental, violência e empobrecimento local. Em todas as fases, há desmatamento e fragmentação de ecossistemas, contaminação dos corpos d’água, chuvas ácidas resultantes da queima do gás associado de petróleo, ruído e poluição insuportáveis – fatos que se estendem às redes naturais de circulação de água e vento.
A atividade petrolífera tem essa dupla dimensão: ser a causa das mudanças climáticas (global) e causar devastação ambiental (local).
No entanto, apesar dos alertas, que são locais e globais, as fronteiras petrolíferas da exploração se multiplicaram e as economias permanecem profundamente petrolizadas.
Em escala mundial, o chamado pico do petróleo, ou o esgotamento dos óleos “baratos”, em vez de gerar as transições necessárias, desencadeou uma corrida pelo controle do petróleo, não importa onde ele esteja nem qual o seu custo social e ambiental.
As fronteiras do petróleo se estenderam a quase todos os cantos do planeta, zonas frágeis, inclusive áreas supostamente “protegidas”, territórios de povos indígenas, ecossistemas ameaçados de extinção, mares profundos. O petróleo continua sendo um fator essencial para a expansão e a globalização do capitalismo – mesmo sob seu disfarce de capitalismo verde – e agora velhas e novas hegemonias competem pelo acesso.
Um olhar a partir dos territórios
Sem dúvida, existe uma crise socioecológica global cujas respostas e repertórios são globais. Desde 1996, a rede Oilwatch (2) propõe a moratória da exploração do petróleo como uma medida para enfrentar as mudanças climáticas. Essa proposta permitiu, ao mesmo tempo, dar visibilidade ao consumo de petróleo como principal causador das mudanças climáticas e aos impactos locais de seus processos de prospecção e extração.
Embora haja cada vez mais registros e relatos das catástrofes climáticas, agora com base em sofisticados dispositivos tecnológicos, os governos muito pouco fizeram para conter as fronteiras do petróleo. Na verdade, se alguns resultados foram alcançados, foi apenas por causa da pressão e da resistência das comunidades.
A nova ciência atmosférica, que nos permite observar em tempo real os incêndios na Amazônia, o comportamento dos ventos, as correntes oceânicas e as ondas de calor e frio, contribuiu para naturalizar os problemas e cultivar a ideia de “catástrofe inevitável”. Esta, por sua vez, seria resolvida no futuro com medidas militares, invenções da geoengenharia, ou novos negócios como pagamento por serviços ambientais.
Mas se olharmos a partir do local, dos territórios, podemos entender as razões de tanta resistência, em todo o mundo, contra projetos de extração de petróleo.
As florestas tropicais, por exemplo. Quando uma floresta recebe intervenção, já foi documentado que acontecem mudanças no microclima até 100 metros além do limite das operações e, se as borboletas forem levadas em consideração, o efeito fica a 300 metros da borda; isso é chamado de “efeitos de borda”. O efeito da pesada poluição sobre a água, o solo e o ar também foi documentado, pois há uma continuidade entre floresta, água e ar. As florestas tropicais se caracterizam por possuir um complexo sistema de reciclagem de água; na verdade, elas são reservas de água doce. As extrações de petróleo também envolvem a criação de estradas e rodovias por onde passam caminhões pesados, além de oleodutos, campos de trabalhadores, etc. Toda essa infraestrutura também é protegida por militares ou pessoal de segurança, o que aumenta a violência gerada nas comunidades, principalmente para mulheres e meninas.
A vida na floresta é cheia de relacionamentos e sensações. Relações de interdependência e cooperação que permitem que os povos vivam e a natureza se reproduza. Sinais olfativos, vibrações, atração de polinizadores pela forma ou a cor das flores, são adaptações que fazem da floresta um cenário de profundo erotismo. Não é apenas alimento e saúde, é a vida em seu sentido mais amplo e existencial.
Cada rio poluído, cada poço perfurado, cada estrada que atravessa territórios não para se comunicar, mas para extrair mercadorias, cada enclave com infraestrutura de petróleo, tem uma resposta de rejeição ou pelo menos um repúdio em nível local.
A sensibilidade à destruição da natureza aumentou em todo o mundo, e não foi pelas mensagens televisionadas da catástrofe global, pelo menos não só por isso. Os locais estão se rebelando e dando novos sentidos ao global e aos globais.
O Equador extrativista em crise
Desde a descoberta das primeiras jazidas de petróleo no Equador, os governos da época aplicaram políticas e medidas para favorecer a indústria, mesmo em detrimento de sua soberania alimentar e energética.
As companhias de petróleo e os governos, com quem se estabelecem modelos diferentes de pressão e controle, construíram um imaginário de um país petrolífero e armaram modelos institucionais e recursos administrativos para favorecer indústria do petróleo: contratos sempre benéficos para a indústria; dezenas de subsídios de diferentes tipos; estradas e promoção da cultura automobilística; acordos e políticas constantes para manter e aumentar a atividade petrolífera como eixo da economia; desregulamentação das normas ambientais, com um amplo dispositivo para evadir responsabilidades sociais e ambientais.
Após 50 anos de extração, principalmente na Amazônia, descobrimos que as novas jazidas estão em áreas de difícil acesso e alto risco, como o Parque Nacional Yasuní. Mas, além disso, o que resta é óleo cru pesado, que requer muita energia (demandando megainfraestrutura para a produção dessa energia) e investimentos complexos, tais como estradas, oleodutos, estações de aquecimento do óleo, refinarias para esse tipo de petróleo, entre outros. Apesar disso, mantém-se o objetivo de continuar com a extração de óleo.
A herança do petróleo, em termos de seus impactos ambientais, sociais e econômicos devastadores, principalmente com as evidências levantadas no julgamento contra as atividades da Chevron Texaco no Equador, (3) construiu uma massa crítica a essas operações. A isso se somou a campanha pela defesa do Yasuní (4) – reconhecida como a área de maior biodiversidade do planeta, o que permitiu colocar no outro lado da balança a natureza e os povos sacrificados pela indústria do petróleo. Além disso, o balanço dos últimos 10 anos revelou a forma como a atividade petrolífera ocultava uma rede de casos de corrupção que levavam a uma grave crise econômica e institucional no país.
O petróleo perdeu credibilidade como agente gerador de emprego, renda ou de possibilidades de sair da pobreza. Esse é o pano de fundo das recentes mobilizações no Equador.
Em outubro de 2019, o governo do país decidiu eliminar os subsídios aos combustíveis. As vantagens – e os subsídios – da indústria do petróleo não foram tocados. Ao contrário, a eliminação dos subsídios aos combustíveis vinha com um conjunto de medidas adicionais para aumentar a extração de petróleo: regras para desregulamentar os controles ambientais, compromissos com o pagamento de indenizações por conflitos ou disputas que prejudiquem a atividades das petroleiras e medidas econômicas para manter a centralidade do petróleo nas atividades econômicas e de produção. Pretendia-se argumentar que a medida estava em sintonia com as demandas ambientais globais.
As mobilizações vêm sendo lideradas por povos indígenas, que historicamente protagonizaram lutas contra a indústria extrativa no país. Esses povos agora denunciavam que a medida era um ataque às economias empobrecidas do campo e da cidade. As mobilizações forçaram o governo não apenas a suspender a medida, mas também a se sentar à mesa para discutir uma agenda econômica para o país.
O Parlamento dos Povos, convocado pelas organizações indígenas, apresentou sua proposta: uma série de medidas de ajuste e impostos para as empresas e setores mais ricos do país, mas também uma virada nas políticas nacionais que reconhecem a plurinacionalidade, o bem viver e os direitos da natureza. (5)
Eles propõem parar a fronteira extrativa da mineração e do petróleo e não tocar os subsídios aos consumidores enquanto não forem resolvidas as questões relacionadas à soberania alimentar e energética, que foram torpedeadas pelo modelo petroleiro que está na base da economia equatoriana.
Esperanza Martínez,
Acción Ecológica, Equador, membro da rede Oilwatch
(1) Existe um consenso de que a atual crise não é apenas econômica, ambiental, energética, mas também um colapso civilizatório integral, que revela o esgotamento de um modelo de organização econômica, produtiva e social, com suas respectivas expressões em todas as esferas da vida.
(2) A Oilwatch é uma rede do sul, que promove resistência às atividades petrolíferas nos trópicos. Atualmente, tem sua coordenação internacional na Nigéria.
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