“A corrupção dos melhores é o pior!”
"Corruptio optimi quae est péssima"
Aristóteles
Segundo aniversário do falecimento de Samuel Ruiz
do blog do Paulo Suess
“Em nosso continente jamais existiu o que o Concílio chama de `Igreja autóctone´, quer dizer, a encarnação do Evangelho na cultura de um povo a partir do reconhecimento daquilo que há de revelação de Deus nela” (cf. Revista Popoli, junho/julho 2000). Essa declaração do bispo de San Cristóbal de Las Casas, Chiapas, Dom Samuel Ruiz García, feita no fim de seu mandato ao jornalista Mauro Castagnaro, aponta para um dever não cumprido e um sonho não realizado pelos herdeiros do Vaticano II.
Celebramos hoje o segundo aniversário da vida definitiva de Samuel Ruiz que morreu em 24 de janeiro aos 86 anos de idade. Muitos choram a ausência de quem lhes dava voz e vez e que, para escutá-los em sua própria língua, aprendeu quatro idiomas indígenas. Foi sepultado na catedral da diocese que administrava por quarenta anos (1960-2000). “Eu vim para evangelizar os índios, mas terminei sendo evangelizado por eles”, disse certa vez. As comunidades maya de Chiapas sabiam que era seu bispo, o bispo dos pobres, dos marginalizados e dos povos indígenas. Ele viu com seus próprios olhos as costas dos homens indígenas marcados pelos chicotes dos senhores de engenho. Ele conhecia mulheres indígenas submetidas à “lei da primeira noite”, em que os patrões tiravam a virgindade das jovens mulheres. Depois de passar pelo sangue do cordeiro e a Páscoa do Senhor, a sua estrela brilha no continente latino-americano e se juntou às estrelas mais brilhantes do Cruzeiro do Sul, à de Helder Câmara, Leónidas Proaño, e Oscar Romero.
“A corrupçáo dos melhores”
Samuel Ruiz sofreu incompreensão por parte de setores poderosos do Estado e da Igreja de seu país. Basta mencionar apenas dois nomes com grande prestígio que entupiram os canais de comunicação com Roma: o então Núncio Apostólico Girolamo Prigione (1978-1997) e sua atuação política e moral pouco evangélica (cf. National Catholic Reporter, junho 1994), e Marcial Maciel, o padre fundador da Congregação dos Legionários de Cristo (1920-2008). Faz muito tempo que os fatos eram conhecidos, porém só há pouco tempo a sua investigação se tornou conveniente.
A Cúria Romana qualificou o projeto pastoral de Samuel Ruiz de “ideológico” e o interrompeu. Em Carta do 20 de julho de 2000, a Congregação para o Culto Divino transmitiu ao sucessor do sucessor (Raúl Vera) de Samuel Ruiz, D. Felipe Arizmendi, o resultado de uma Reunião Interdicasterial, da qual participou também o então Cardeal Joseph Ratzinger. Dizia a Carta: “Não é possível construir um modelo de Igreja particular prevalentemente diaconal, que não estaria conforme a constituição hierárquica da Igreja”. Quanto às ordenações ainda celebradas por Samuel Ruiz e seu coadjutor Raúl Vera López, em 18 de janeiro de 2000, o então Prefeito da Congregação para o Culto Divino, Cardeal Medina Estévez, se baseou num vídeo e assinalou:
“a) que os bispos ordenantes não fizeram uso da casula, como prescrito pela liturgia;
b) que os candidatos foram apresentados por pessoas que não eram sacerdotes;
c) que no rito da ordenação dos diáconos é o bispo celebrante principal, e somente ele, a impor as mãos;
d) que a imposição das mãos sobre a cabeça das esposas dos diáconos foi um abuso, que criou confusão e ambiguidade, como se fossem também elas `ordenadas´;
e) no rito da ordenação diaconal o bispo impõe ambas as mãos sobre a cabeça de cada um ordenado, e não uma somente;
f) que à imposição das mãos não se deve sobrepor nenhum outro rito, nem um diálogo;
g) que convêm analisar outros `sinais´ utilizados, no propósito de verificar se contêm ou não elementos sincretistas.”
Em seguida, a missiva da Congregação sugeriu “de suspender tais ordenações por um período não breve” (SEDOC 34/290, 2002, p 426ss) e em 2005 proibiu as ordenações de diáconos em Chiapas. Em 2012, a mesma Congregação suspendeu também o “Diretório para o Diaconato”, já uma década em uso, com os seguintes termos:
“Como evaluación general, de todas estas observaciones se puede justamente concluir que el Directorio para el Diaconado Indígena Permanente de la Diócesis de San Cristóbal de las Casas, en México, no cumple bien su función y es necesario corregirlo a fondo. Más aún, si se confronta con las propuestas de la teología de la liberación de tipo indigenista, se nota una clara influencia de ésta, perniciosa para la formación y el ministerio de los Diáconos Permanentes.”
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