Não fosse gravemente maldosa, poderíamos tomar a fala do Secretário de Comunicação do Governo do Estado do Acre, em sua coluna "Poronga", publicada no tabloid Pagina 20, no dia 29 último, como uma simples piada de mal gosto. Entretanto, não é uma simples piada. É fuga de responsabilidade, maldade e um deboche com a realidade dramática vivida pelos povos indígenas neste Estado.
Manifestação indígena em frente ao palácio do governo do Acre |
Diz o Secretário: "Mas, ultimamente, (O Cimi) dirigida por Lindomar Padilha,
além de se omitir naquilo que lhe diz respeito (não é difícil encontrar índios
mendigando nas ruas, sem que a ONG que recebe vultosas quantias do exterior
para ajudar os povos indígenas, e nada faz), se mete com aquilo que desconhece..."
Ora, senhor Secretário, quem abandonou os indígenas no Acre foi justamente o governo, que V. Exa. insiste em defender cegamente, negando-lhe a responsabilidade.
Antes, porém, de relembrar à V. Exa. quem abandonou os povos indígenas do Acre, gostaria de tecer uma rápida consideração sobre a afirmação que V. Exa. faz em relação a origem dos recursos do Cimi que, segundo a qual seriam "vultosas quantias do exterior" e que nada fazemos.
Levantar suspeita e dar a entender que o Cimi recebe recursos escusos do "exterior", além de maldosa, passa a ser ação criminosa no momento em que o objetivo é unica e exclusivamente difamar e denegrir a imagem de uma instituição Pastoral da Igreja Católica com mais de 40 anos de atuação junto aos povos indígenas e sobre a qual jamais pesou qualquer tipo de acusação ou restou provada qualquer suspeita sobre sua idoneidade. Caso V. Exa. se julgue em condição, prove o que afirma, mas não se valha de um meio de comunicação ou do cargo que ocupa para tecer acusações infundadas e caluniosas. Apresente as provas do que afirma e insinua V. Exa. para que não pairem dúvidas sobre quem está ou não agindo de boa fé.
Quanto à minha militância política, não se preocupe porque nunca fui, sou ou pretendo ser candidato a nenhum cargo público. Ao contrário, como já o disse, prefiro a política maior. Deixo a política menor aos que já a praticam. Lamento decepcioná-lo mais uma vez, mas não tenho militância política partidária. Aliás, minha última filiação foi ao PC do B que, no Acre, apoia a FPA, frente de sustentação do governo. Portanto, afirmar que estou a serviço da oposição soa como desespero e não encontra respaldo na realidade.
Estou e estarei sempre em oposição aos projetos que atentam contra a vida e a dignidade humana e aos meios necessários a esta vida que chamamos de natureza. Não há como permanecer calado enquanto o governo, por meio da financeirização e mercantilização da natureza, das culturas e povos, segue promovendo a espoliação dos territórios e patrocinando a concentração e uma nova acumulação "primitiva" de capital. Antes de tudo, exa., sou cidadão e, como tal tenho o direito e a obrigação de me posicionar frente aos desmandos perpetrados pelo Estado brasileiro e do Acre contra a dignidade humana e à natureza, nossos bens comuns e coletivos.
Continuarei me posicionando como cidadão e não vou me calar mesmo diante das intimidações, mentiras e calúnias. O planeta nos foi dado a todos e não a alguns privilegiados que se julgam senhores de tudo e de todos. Não abro mão de minha parte e não permitirei, calado, que continuem saqueando nossos territórios em nome de suposto desenvolvimento que nada mais é que concentração desmedida de alguns. Aquilo que lhe sobre por meio da concentração injusta, Exma, é usurpado de milhões que nada tem.
Relembro, por exemplo esta denúncia do Cimi, ainda em 2010, dentre outras onde justamente denunciávamos o abandono dos indígenas e a negação da responsabilidade por parte do governo Estadual. Um trecho da denúncia para V. Exa. recordar dizia:
Moradia indígena. Foto Rose, Cimi |
"O Cimi (Conselho Indigenista Missionário) tem desenvolvido um trabalho junto aos povos indígenas em espaços urbanos, notadamente em Rio Branco e Sena Madureira, inicialmente estamos localizando e monitorando as famílias. Realizamos em 2009 o primeiro senso indígena nestas duas cidades. É mesmo impressionante a forma em que vivem. Neste caso, somos obrigados a denunciar a falta de investimentos e falta de políticas públicas específicas. Os governos municipais e estadual têm preferido colocar a responsabilidade no Governo Federal sob o argumento de que a responsabilidade é "exclusiva" da Funai. Isso, no entanto, só vale quando é para implementar políticas públicas. Para pavimentar as BRs 364 e 317, por exemplo, o Governo do Estado não precisa esperar as determinações da Funai. Os Katukina do Campinas ainda não receberam a indenização prometida e acertada por ocasião da pavimentação da BR-364".
Leia também a matéria publicada no portal Contilnet que parece que V. Exa. também não lê.
Pelo que percebemos, nada mudou de lá para cá, já que V. Exa. mesma afirma que os povos indígenas continuam abandonados e, novamente tenta se eximir da responsabilidade por tal abandono.
Situação de escola "modelo" |
Veja também a denúncia do total abandono da educação escolar indígena no Estado do Acre que o Cimi fez e gerou uma ação no MPF contra o governo do Estado que é responsável pela educação escolar indígena juntamente com uma ONG por meio, isso sim, de vultosos recursos.
A Educação escolar indígena no Estado vive em completo abandono e a situação das escolas é digna de intervenção judicial e responsabilização.
A situação de abandono, como mesmo o disse V. Exa, é tão grave que se torna impossível escondê-la. Resta, pois, a tentativa desesperada de transferi-la a outro, como tenta fazer V. Exa quando afirma ser este abandono é de responsabilidade do Cimi.
Termino como comecei, salientando que não fossem gravemente maldosas, poderíamos tomar as afirmações de V. Exa, como uma piada de mal gosto. Entretanto, não se trata de uma simples piada. Trata-se de deboche e de tentativa de denegrir minha imagem.
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