Após participarem de um ato, no dia 1º de maio, dia do trabalhador, indígenas do povo nawa, foram abordados quando voltavam para casa, por policiais da polícia Militar do Estado do Acre. Isso não seria nada demais, não fosse a forma e a razão da abordagem: algum indígena jogou uma lata, talvez de refrigerante, para fora do carro e os policiais que passavam pela rodovia em sentido contrario, viram.
Neste caso a legislação brasileira prevê, pela lei 5231, “Atirar do veículo ou abandonar na via pública objetos ou substâncias”. A multa para quem dá o mau exemplo é de R$ 85,13 e o infrator soma quatro pontos na sua carteira de habilitação. Mas não foi o que os policiais fizeram. Ao invés de procurarem o condutor para a abordagem, preferiram sacar suas armas e ameaçar a todos, inclusive crianças.
As fotos, tiradas por uma das lideranças e gentilmente cedidas com exclusividade a este blog, revelam a nítida intenção dos policiais em humilhar e ameaçar os indígenas. Manifestação clara de racismo e preconceito. Este tipo de intimidação contra os povos indígenas é muito comum na região e, não raras vezes, resulta em criminalização dos indígenas.
Conheça um pouco da história do povo Nawa clicando aqui
No dia seguinte ao ocorrido, lideranças do povo Nawa apresentaram um documento ao Ministèrio Público denunciando a ação destemperada da polícia e pedindo providências. Segue o documento na íntegra.
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No dia seguinte ao ocorrido, lideranças do povo Nawa apresentaram um documento ao Ministèrio Público denunciando a ação destemperada da polícia e pedindo providências. Segue o documento na íntegra.
Cruzeiro do Sul, 02 de maio de 2014
Ao Ministério Público Estadual e Federal
Senhores Procuradores
Nós lideranças do povo Nawa vimos relatar o que se segue e solicitar do Ministério Público providências. Moramos no Igarapé Novo Recreio afluente do Rio Moa no município de Mâncio Lima. No dia 1º de maio do corrente vimos a Cruzeiro do Sul em um caminhão pau-de-arara, participar de um Ato Público pelo Dia do Trabalhador, éramos 23 pessoas, participamos do Ato juntamente com outros povos, lideranças sindicais e movimentos da sociedade reivindicando nossos direitos principalmente a demarcação de nossa terra, pois apesar de sermos originários dessa região até o momento não temos nossa terra demarcada; também denunciamos os descasos da SESAI e da FUNAI e com os demais povos reivindicamos a consulta e audiência pública sobre a retirada de petróleo na região.
No retorno para Mâncio Lima por volta das 13:00h um pouco depois do aeroporto um parente jogou na estrada uma latinha, na ocasião ia passando uma moto e uma viatura ambas da polícia militar no sentido Mâncio Lima Cruzeiro, eles fizeram o retorno e nos abordaram paramos em frente ao DERAC. Eram 5 policiais e dentre eles 2 sacaram a arma apontando para nós com as seguintes palavras: “desce bando de caraio, e com a mão na cabeça!” Desce agora! Alguns do nosso grupo desceram e a maioria não desceu por não entender o que acontecia. Algumas crianças que estavam conosco pularam do caminhão e correram para o mato. A liderança Lucila pediu calma para os policiais e perguntou o que estava acontecendo, um deles perguntou quem era ela, a mesma respondeu que era liderança do povo, o policial respondeu que para ele ela não era nada, eles eram um merda. Lucila replicou afirmando que merda era eles.
Os policiais insistiram dizendo que o povo iria descer do caminhão por bem ou por mal. Lucila disse para o povo que não iria descer ninguém, que ali não tinha nenhum bandido, nem traficante, que estavam vindo de um ato público onde estava reivindicando os direitos, as melhorias para o povo na saúde, educação e demarcação da terra. Os polícias disseram que nós não tinha direito de nada, qual era o direito que nós tinha, um deles usou a expressão “vocês não tem direito de nada seus porra!” Alguns parentes entre homens e mulheres reagiram aos palavrões dos policiais também xingando-os. Foi quando um deles disse que iria atirar. Lucila perguntou vocês vão atirar? Eles estavam apontando a arma para um parente e o mesmo disse pode atirar. Um policial chegou a afirmar que estava com vontade de mandar um para o inferno. Os parentes que estavam com lança apontaram para os policiais, eles atiraram spley de pimenta, só pararam porque dissemos que tinha criança conosco, inclusive crianças de colo. De nossa parte pedimos para os parentes se acalmarem. Foi mais de uma hora de discussão. Eles ameaçaram prender a liderança Lucila por desacato, a mesma respondeu que só iria morta, e que se fosse era para eles levarem todo mundo. Disseram que iria prender o caminhão e todos.
O filho da liderança Lucila, Danilo, pediu calma para os policiais porque estavam ofendendo sua mãe. Um policial afirmou que o conhecia, que sabia que ele mora na Colônia, o jovem disse que mora no Guarani. O policial afirmou que ele se aguentasse porque iria pegá-lo. Com muita conversa eles acabaram por liberar o caminhão
Em programa da Radio Juruá FM os policiais falaram que foram abordados por um bando de homens armado com ripa de paxiúba o que é um absurdo a declaração deles, sem falar no tom de descriminação para com nós. Também afirmaram que foram ameaçados por uma pessoa do Guarani. O que foi uma mentira, pois o rapaz é que foi ameaçado por eles.
Queremos esclarecer que o parente que jogou a latinha, a jogou de costas nem sequer viu se vinha carro, que a latinha não chegou a tocar nas viaturas; muitos de nós joga sim coisas nas ruas assim como muitos brancos, e não foi jogado porque era policial. Eles entenderam que tinha sido de propósito o que não foi. E se for para abordar carro que joga lixo nas estradas acreditamos que os policiais não teriam mais nada a fazer, pois nossas rodovias é cheia de lixo e não é só índio que joga. E depois entendemos que se os policiais nos abordaram por isso eles deveriam abordar com educação e até fazer uma atividade educativa, mas não, eles já nos abordaram tratando a gente como se fossemos bandidos ou traficantes apontando armas e dizendo palavrões. Nós nos sentimos pisados, humilhados, rasgado a nossa dignidade de pessoas humanas e ao nos sentir assim nós também reagimos com as mesmas expressões.
A liderança Lucila teme pela ameaça que fizeram ao seu filho, pois o mesmo estuda e mora na cidade de Mâncio Lima.
Pedimos que o Ministério Público tome providências, pois o ato dos polícias foi de extremo racismo e solicitamos reparação por danos morais. Se erramos estamos dispostos a reparar nossos erros, mas exigimos que a justiça apure os fatos e que atos como esse não aconteça mais contra os povos indígenas, vivemos cansados de tanta humilhação e preconceito.
Certos de sermos atendidos.
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