“....Para a professora de cursos de extensão e MBAs em diversas universidades, Amyra defende a economia socioambiental, que é construída com o tempo e inclui diferentes atores sociais. “A economia verde está atrelada à agenda política, transitória e depende da agenda de governo”.
Autora do e-book gratuito Commodities Ambientais em missão de paz - novo modelo econômico para a América Latina e o Caribe, da editora Nova Consciência, Amyra fala com Setor3 sobre importância de unir finanças com cultura de paz, a atuação da Aliança RECOs, a avaliação do impacto de serviços ambientais e sua avaliação sobre o debate de práticas de economia verde...” (Aliança RECOs)
Amyra fala com Setor3 sobre importância de unir finanças com cultura de paz, a atuação da Aliança RECOs, a avaliação do impacto de serviços ambientais e sua avaliação sobre o debate de práticas de economia verde. Confira.
Portal Setor3- Como é possível alinhar nos projetos da Aliança a área financeira e a cultura de paz?
Amyra El Khalili- É importante esclarecer que a Aliança RECOs reúne diferentes organizações e movimentos. Não somos uma ONG, mas uma rede de estudos e pesquisas ancorada no tripé informação, educação e comunicação. Compartilhamos conteúdos de diversas fontes e regiões para mídia nacional e internacional.
Nesse caso, é necessário alinhar esses dois temas, pois o setor financeiro é responsável pelo financiamento do mercado de armas e todo aparato gerador de guerras e misérias. Atualmente, há três principais mercados mundiais ilícitos: o de armas, o do narcotráfico, e o da biopirataria. Esse dinheiro passa pelo sistema financeiro. Se os bancos e as corretoras estivessem dispostos a combater crimes e corrupções, o primeiro aliado para alcançar a paz seria o próprio sistema financeiro, que poderia perfeitamente identificar, rastrear e confiscar as contas com provas criminais mas, infelizmente, são protegidas pelo sigilo bancário e fiscal. Dessa forma, a Aliança RECOs nasceu em 1996, justamente para combater a corrupção no mercado financeiro, denunciando seus impactos nas questões sociais e ambientais e cobrando a sua responsabilidade socioambiental, quando deveriam financiar projetos alternativos que exigem muito menos recursos. Defendemos projetos socioambientais que contribuem com a segurança pública, combate às drogas, a violência contra a mulher, a redução da criminalidade, que gerem emprego, ocupação e renda, e a preservação e conservação ambiental.
Portal Setor3 - De que forma vocês dialogam economia, sustentabilidade, meio ambiente, cultura de paz em suas ações?
AEK- Atuamos na construção de um novo modelo econômico e do empoderamento dos movimentos sociais e ambientais com a nossa experiência profissional no mercado de capitais. Antes de idealizar um projeto socioambiental, é necessário disponibilizar a sociedade informações técnico-científicas de fácil compreensão. Então, muitas vezes as comunidades não sabem lidar com captação de recursos. Quando estas ONGs e entidades recebem recursos de uma empresa estatal como a Petrobras, pergunto: será que estão preparadas para mexer com dinheiro? será que sabem prestar contas? como se dá essa relação entre agir e gastar dinheiro? Muitas ONGs e instituições conseguem fazer bons trabalhos justamente por não terem dinheiro, o que move seus associados e membros é a causa. Em muitos casos, quando entra o recurso financeiro ao invés de ajudar, atrapalha. A nossa função é questionar esse modelo para que os atores sociais se informem melhor sobre as alternativas e riscos para tomar decisões. Afinal, recusar dinheiro também é um direito que eles têm, como é o caso dos projetos oriundos mercado de carbono.
Portal Setor3- Quais casos você observa que a informação fez diferença sim para melhorar a qualidade de vida daquela comunidade?
AEK- Não há como indicar uma comunidade específica já que atuamos no Brasil e exterior. Há vários casos que poderiam ser citados, de acordo com a emergência e credibilidade das fontes. Por exemplo: demos visibilidade para as denúncias feitas com projetos do mercado de carbono e pagamentos por serviços ambientais no Acre. Aparecia na mídia e nos relatórios institucionais com uma única visão: a do governo, das ONGs e consultores que estão advogando a favor da economia verde nessa região. Demos vozes para ativistas, pesquisadores, lideranças indígenas e sindicais do Acre que tem muitas críticas ao mercado de carbono, com o REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), pagamentos por serviços ambientais, Bolsa Verde, entre outros instrumentos.
Para avaliar a qualidade de vida, como é possível assinar um projeto que compromete o uso da terra e coloca em risco essa comunidade ao endividá-los? Ou seja, não é apenas ter recursos e melhorar a qualidade de vida, sobretudo evitar os conflitos, confrontos e violências com abusos contra os direitos humanos e o ambiente, bem como fiscalizar e monitorar a origem e aplicação dessas verbas, sejam públicas, ou privadas. Agimos em duas frentes: primeiro orientar para produção de um projeto econômico financeiro e jurídico com a mudança de paradigma; e a outra é divulgar e publicar os relatórios de dezenas de cidades elaborados pelos meus alunos, formadores de opinião e lideranças que participaram dos cursos e oficinas que ministrei, bem como os relatórios de outras frentes. Tenho certeza que em todos os lugares que aplicamos essa metodologia educacional formando multiplicadores com troca de experiências e debates sobre a cadeia produtiva de bens e serviços, discutindo problemas e soluções. Alguma coisa naquele local mudou.
No Acre, a convite do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), disse em uma palestra na Universidade Federal do Acre sobre o mercado de carbono e pagamentos de serviços ambientais. Fiz uma crítica sobre a lei Sisa, que repercutiu em mídia nacional e internacional. Sugiro assistir a palestra: http://goo.gl/9us5JT. E ler os artigos, em português: http://goo.gl/v8rGP7. Também há versão em inglês: http://goo.gl/RmYedz
Apoiamos e divulgamos o Dossiê Acre - Documento Especial para a Cúpula dos Povos - O Acre que os mercadores da natureza escondem. Publicado pelo Cimi, da regional Amazônia Ocidental, o documento foi feito em 2012 e não tinha ainda conseguido o merecido espaço na mídia e nos mais diversos fóruns de debate. A posição do Dossiê Acre era vista com negligência, descaso e criminalização. Na mídia, não abordavam o ponto de vista técnico, operacional e jurídico-socioeconômico que aponta esse estudo e de como essas políticas de cima para baixo interferem no modo de vida das comunidades indígenas, tradicionais e campesinas naquela região.
Portal Setor3- Em sua avaliação, como a população em geral pode acompanhar esses dados e entender melhor desses serviços ambientais?
AEK- Podem acompanhar os conteúdos assinando nossos boletins pelo e-mail: becerecos-subscribe@ yahoogrupos.com.br. Para acessar os boletins: https://br.groups.yahoo.com/ neo/groups/becerecos/info
Sou professora de diferentes cursos de extensão, de pós-graduação e MBAs aplicando metodologia da Aliança RECOs. Os participantes das oficinas e cursos produzem relatórios, que indicam o mapa da região, o perfil da população, características do bioma, identificam as potencialidades alternativas da biodiversidade. Dessa forma, podem apresentar os problemas, como água contaminada e enfrentamento de violência, de drogas, degradação ambiental por exemplo e proporem soluções. É daí que idealizam seus projetos socioambientais e buscam encontrar formas de viabilizá-los.
Atualmente, na Aliança, temos mais de cinco mil distribuidores, multiplicadores e parceiros na produção e disseminação de informação. Como parceiros temos os sites do Jornal Pravda.ru (russo, italiano, português e inglês), com quatro milhões de acessos por mês, o AgoraVox (Francofono - Bruxelas), a revista Diálogos do Sul (português e espanhol) , a Rede Brasileira de Informação Ambiental (Portal do Meio Ambiente), o Jornal O Nortão, a EcoAgência de Notícias, o Portal Biodiversidad en América Latina y El Caribe, e tantos outros, além das redes temáticas que reproduzem e publicam nosso material (REMA, blogs SOS Rios do Brasil, Rede Global da Sociedade Civil e outros), que possuem outra quantidade enorme de acessos e membros. Temos ainda parceria com redes de radialistas, como a Rádio Mundo Real (ONG Amigos da Terra), do Programa Planeta Lilás (Rádio MEC-RJ, da EBC), entre outras.
Sou membro do conselho editorial e colaboradora da Revista Fórum de Direito Urbano e Ambiental (FDUA), parceira na publicação dos relatórios e diversos artigos. São essas parcerias e “nós de comunicação”, que formam a “aliança” que fará 20 anos no próximo ano com trabalho voluntário, sem recursos de empresas e de governo. Não somos a mídia. Somos a fonte para a imprensa ter contraponto. Apoiamos a mídia alternativa para que também possa ser financiada, já que nos presta um serviço de utilidade pública da maior relevância.
Portal Setor3 - Como você avalia a situação dos serviços ambientais, como mercado de carbono, REDD e outras práticas, aqui no Brasil? Como ampliar o debate sobre o impacto desses serviços para toda população?
AEK- Participamos do movimento internacional contra a mercantilização e financeirização dos bens comuns, que são contra o modelo econômico financeiro dos pagamentos por serviços ambientais, o mercado de carbono, o REDD, créditos de compensação e títulos ambientais negociados em Bolsas de Valores e de Commodities, já são propostas que foram transformadas em leis em outros países, inclusive aqui no Brasil estão sendo implementadas (Lei Sisa, do Acre). Foi um desastre, conforme denuncia a edição especial do Jornal Porantim e relatórios da Plataforma Dhesca, que podem ser acessados aqui.
Quando uma proposta vira legislação, ela não é mais um debate público, passa a ser uma norma. Para legislar com eficiência, de forma que a lei pegue e seja bom para toda a sociedade, é necessário ter antes um amplo debate público. Em muitos países isso não aconteceu. Sugiro conhecer aqui o REDD Monitor e WRM, respectivamente: http://www.redd-monitor.org/ ewww.wrm.org.uy
Foi por forças de interesses dos governos locais, políticos e forte lobby de corporações transnacionais. Aqui, no Brasil, não está sendo diferente. Apesar de muitas organizações e comunidades serem contra todos esses mecanismos, para que suas vozes sejam ouvidas desde a base da sociedade, ainda falta longa estrada. Também a transversalidade da questão ambiental ainda é muito recente para ser assimilada pelo interesse público e obter a consciência da sociedade como um todo. Como legislar sobre um tema tão complexo e recente como finanças ambientais? Como falar das interfaces multidisciplinar do tema e traduzir essa linguagem para a população?
Portal Setor3- Qual ator está mais avançado nesse debate, de democratizar mais essa informação?
AEK- Nessa discussão de finanças ambientais, não estamos avançando pois há ainda muita confusão conceitual, o que torna-se um perigo nos desenhos dos contratos financeiros e mercantis. A linguagem de finanças é restrita para quem entende e atua no ramo. Há um retrocesso nos instrumentos de financiamento (fomentam) e um avanço nos instrumentos que financeirizam (endividam). Nem o mercado acionário no Brasil é popular, muito menos o mercado de commodities e derivativos, relativamente novo nesse continente, é compreendido. A própria palavra commodities dá confusão. Ela nem é traduzida ao português e espanhol por tratar-se de uma expressão de comércio exterior e de produção em escala industrial, além de ser um jogo financeiro.
Antes de fazer legislação para finanças ambientais, por que a população não briga para reduzir a taxa de juros do cartão de crédito e limite do cheque especial? Como entra o cartão de crédito na vida de cidadãos que não sabem nem usar o crédito, depois pagam o mínimo e entra no sistema rotativo e necessita pagar taxa de juros de 19% ao mês. E se replicamos esse “modus operandi” no mercado financeiro ambiental, que envolve terra, território, água, é muito complicado. Entendo que a nova economia é viável por meio de projetos pequenos e pontuais. Porém, o interesse dos consultores, de empresas e dos governantes é por grandes projetos, pelo alto recurso envolvido. Portanto, é necessário quebrar a acumulação e distribuir melhor a renda, evitando projetos com infraestruturas inalcançáveis. É necessário ampliar a quantidade de pessoas beneficiadas com inclusão socioambiental. Não é à toa que tem tanta corrupção pela concentração de muito dinheiro nas mãos de poucos.
Portal Setor3 - Quais são suas perspectivas no debate de economia verde? Qual segmento está mais avançado e está considerando as necessidades de populações tradicionais?
AEK- O problema é que a economia verde vem de cima para baixo e de fora para dentro. É um projeto decidido pela ONU, com governantes e corporações conforme denunciamos na COP 19. Interessante ler esse artigo, em português: http://goo.gl/tRiaI7. Também há versão em espanhol: http://goo.gl/sVgPkG
Por esses motivos, construímos coletivamente a economia socioambiental, diferentemente da economia verde. A economia socioambiental passa por um processo de consulta aos povos e é lento. É de baixo para cima e de dentro para fora. Não acompanha a agenda da próxima eleição, de quatro em quatro anos. Todo trabalho de consulta e construção coletiva demora anos, dada as dificuldades de chegar onde poucos conseguem em regiões afastadas e sem acesso à comunicação. Locais onde a população mais necessita de assistência e orientação e com mais impactos sociais e ambientais. A economia socioambiental não pode depender da agenda governamental. Muitas vezes contraria fortes interesses políticos e econômicos. Ela tem que seguir seu caminho natural com adesão dos atores sociais, sem imposição goela abaixo por normas e regras, respeitando-se os direitos constitucionais duramente conquistados. Há quase 20 anos trabalhamos nesse projeto de envergadura geopolítica pela cultura de paz, cujo o resultado se dará a longo prazo. Não buscamos resultados imediatos, mas duradouros e verdadeiramente sustentáveis formando “alianças” inquebrantáveis.
Meus parabéns à Amyra e ao setor 3 (Lindomar Padilha - editor do blog)
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