quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Analise conjuntural não é analise eleitoral

Por Lindomar Padilha

            Este texto, embora tenha sido escrito para contribuir com o processo de assembleia do Cimi Regional Amazônia Ocidental (Cimi AO), faz parte de uma série de reflexões que venho fazendo sobre o tema da análise de conjuntura bem como os rumos que estão sendo tomados pelos movimentos sociais, pastorais, sindicatos e movimentos da sociedade civil organizada em geral. Para efeito didático, tratarei a todos genericamente como “movimentos sociais”. O resultado dessas reflexões encontra-se em um artigo que deverá ser publicado em breve.

            Quando se trata de análise da conjuntura, seja ela política, social, econômica, eclesial ou outra qualquer, o objetivo sempre será o de melhor apontar caminhos a serem seguidos. Analisamos os dados que apontam para o sucesso e os que apontam para o insucesso. A partir desses dados analisados, decidimos o caminho a ser seguido. Outro ponto importante para a conjuntura é a definição “do que somos” e “para que” estamos analisando a conjuntura, pois, disso dependerá a seleção dos aspectos a serem analisados. Neste ponto, a meu ver, os movimentos sociais pecam gravemente em suas analises. Explico o porquê.

            Os movimentos sociais têm não rasas vezes, feito analises da conjuntura meramente em seu aspecto político focado em eleições ou em ações de governos. Ora, este tipo de análise cabe aos partidos políticos. Os movimentos sociais têm feito suas analises segundo o escopo ideológico ao qual julgam pertencer. Assim, analisa na perspectiva de permanecerem no poder, caso se julgam no governo, ou na perspectiva de chegarem ao poder, caso se julguem opositores ao governo. Este tipo de analise cabe aos partidos políticos e não aos movimentos sociais que, sim, podem fazer este tipo de análise, mas não é uma analise necessária e em alguns casos pode até comprometer o objetivo mesmo. Movimentos sociais não são partidos e, portanto, não devem fazer suas analises como se fossem. Não se pode analisar (os movimentos sociais) a conjuntura na perspectiva eleitoral, a cada dois anos. Uma coisa é o movimento social se reconhecer como sujeito político, outra coisa é militar partidariamente.

            Muitos movimentos sociais, quando vão fazer sua analise conjuntural chamam representantes ou lideres partidários. Não que isso seja de tudo ruim, mas pode colocar o movimento social a serviço deste ou daquele partido e confundindo a razão mesma do movimento social podendo levar inclusive a perda total de sentido da própria existência deste. Os movimentos sociais devem fazer analise para melhor propor caminhos segundo o grupo ao qual está mais diretamente ligado e não propor ao grupo que representa seguir este ou aquele partido ou político em especial. Temos que ter clareza de que as pessoas são livres para se associarem a este ou aquele partido político ainda que militem em algum movimento social, mas os movimentos sociais não porque esta já é a função dos partidos políticos. Realizamos analise de conjuntura para identificar um “possível” e não meramente para ver a realidade. Portanto, temos ver, o possível para a realidade na qual estamos inseridos, para julgar os pontos segundo o nosso movimento e decidir a ação política que não será necessariamente partidária ou eleitoral. Pode ser ação política pastoral, indigenista etc... Os partidos fazem ação política partidária, os movimentos sociais fazem ação política social, segundo seus objetivos e segmentos que representam.

            Tomemos então o caso mais específico do Cimi AO. O Cimi AO atua diretamente no apoio aos povos indígenas e à causa indígena. Portanto, a analise da conjuntura realizada pelo Cimi AO precisa ver a realidade em que os povos indígenas e o Cimi estão inseridos na atualidade. Daí, deverá ponderar sobre as possibilidades de ações que possam resultar em melhorias para estes povos sempre em sintonia com os objetivos estabelecidos aprioristicamente pelo Cimi e só a partir disso deve-se executar tais ações. Agir diretamente sobre a causa a que se está ligado é, pois, a intenção final da analise conjuntural. Ou seja, a análise de conjuntura é feita a partir de um ponto de partida e de uma leitura ligada à determinada visão de projeto, no caso do Cimi AO, os projetos dos povos indígenas.

            Considerando a visão de projetos dos povos indígenas, fica claro que o Estado Nacional não figura entre os objetivos da ação, uma vez que o Estado Nacional (Brasil) nasce justamente da invasão e espoliação dos territórios desses povos. Dessa forma, a ação política será sempre na defesa dos interesses desses povos e nunca na defesa do Estado Nacional esteja ele sendo governado por quem quer que seja. Qualquer grupo político que tiver na defesa exclusiva do estado brasileiro, seguramente deixará escapar os povos indígenas (originários), ou os relegará à condição de “segmentos” e não de povos. Faz-se central em nossa analise o conhecimento dos projetos dos povos bem como as diversas pedagogias por eles adotadas. Por essa razão, deveríamos ouvir sempre os povos indígenas e não os partidos políticos. A pergunta é como os povos indígenas estão enxergando esta realidade e como poderemos contribuir com suas ações na busca da afirmação de seus modelos e pedagogias?

            Analisando o momento atual identificamos equívocos como, por exemplo, movimentos sociais soltando nota em defesa deste ou daquele partido político, deste ou daquele político em especial, quando deveria ser o contrário: partidos políticos e líderes políticos é que deveriam sair em defesa dos movimentos sociais porque são estes, os movimentos, ao final, a base de qualquer movimento democrático incluindo o processo eleitoral. Costumamos ouvir que a conjuntura está desfavorável aos povos indígenas como alguma vez esta tenha sido favorável. A mera constatação disso não nos diz nada de novo, de especial e muito menos aponta qualquer “possibilidade” para nossa ação na realidade. Temos que inverter a ordem da proposição para enxergamos as possibilidades. Temos que pensar em ações que visem “indianizar” o Estado brasileiro no sentido de força-lo a se reconhecer como um estado plurinacional.

            Por fim, não devemos tanto focar nossas ações em caráteres meramente politicos eleitorais, mas em caráteres políticos plurinacionais e pluriculturais onde igualdade de direitos e liberdade sejam a um só momento ponto de partida e ponto de chegada.

Concluo por hora e dessa forma, minha pequena contribuição com a reflexão desejoso de que os povos indígenas sejam sempre nossa causa primeira. A causa indígena é uma causa civilizatória.

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