sexta-feira, 15 de abril de 2011

Estado atesta contra Belo Monte

Em visita ao Pará, Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana constata total ausência do Estado na região da Terra do Meio, bem como irregularidades e coações por parte do consórcio responsável pela construção de Belo Monte

Por Cleymenne Cerqueira

Em reunião realizada ontem (13), o Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), órgão consultivo do governo, atestou uma situação de ausência absoluta do Estado na região do rio Xingu, no Pará, onde o governo federal pretende construir a hidrelétrica de Belo Monte. A constatação dessa e de outras irregularidades na região é de uma Comissão Especial constituída em 24 de março deste ano pela ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da Republica, Maria do Rosário.

De acordo com a Resolução nº 3, publicada no Diário Oficial da União no dia 30 de março de 2011, a Comissão Especial seria constituída para apurar denúncias de violações aos direitos humanos na região conhecida como Terra do Meio, localizada no centro do Estado do Pará, que abrange, entre outras, as cidades de Anapu, Porto de Moz, e Altamira, onde, caso o governo insista em construir Belo Monte, diversas comunidades ribeirinhas e indígenas, entre outras, serão diretamente impactadas.

Entre os dias 7 e 9 de abril, a Comissão visitou a região, onde constatou as denúncias já realizadas pelas comunidades e povos tradicionais que vivem no Alto Xingu, bem como por entidades e movimento sociais: manobras ilegais têm sido realizadas pelo consórcio responsável pela obra. Inclusive, denúncias já encaminhadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e que resultou em uma medida cautelar, expedida em 1º de abril, na qual a Organização dos Estados Americanos (OEA) pede a imediata suspensão do processo de licenciamento da obra de Belo Monte.

"Constatamos ausência absoluta do Estado. É uma terra de ninguém. Há problemas de todas as ordens. Há exploração sexual de crianças, ausência do Estado no atendimento aos segmentos mais básicos. O que constatamos é um flagrante desequilíbrio entre o consórcio e as populações ribeirinhas, as etnias indígenas e outras comunidades tradicionais existentes naquela região", disse o conselheiro Percílio de Sousa Lima Neto, vice presidente do CDDPH, que participou da visita ao local.

Dom Erwin Kräutler, presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e bispo da Prelazia do Xingu, diz que a situação descrita pela comissão não traz nenhuma novidade, já que a desassistência por parte do governo e também os conflitos, principalmente pela posse da terra, fazem parte do dia a dia da região.  “O governo de fato está ausente, o que agrava ainda mais a situação. Os Planos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) não funcionam, porque eles apenas são propostos na região, mas não dão nenhum amparo a essas comunidades. Aonde a Justiça não chega, o conflito está programado”, declarou.

Não bastasse toda a situação descrita, os conselheiros ainda atestam que as condicionantes estabelecidas para a construção da usina não estão sendo cumpridas. Mas, pelo contrário, o poder político na região vem sendo exercido pelo próprio consórcio Norte Energia, responsável pela obra. "Os representantes do consórcio, totalmente despreparados, se arvoram de representantes do Estado brasileiro. O que nós constatamos é que as condicionantes não estão sendo cumpridas", destacou Sadi Pansera, assessor da Ouvidoria Agrária Nacional, órgão do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Sadi ainda confirma a coação de moradores por funcionários da Norte Energia, ao contar a história de um pequeno proprietário que teve sua casa invadida por representantes do consórcio. "Um trabalhador rural, pai de família, que vive na região de Terra do Meio, estava em seu horário de almoço. Ele relatou que chegou uma caminhonete com funcionários do consórcio, que nem sequer quiseram entrar em sua casa e se sentar, e disseram: ou você assina aqui ou não vai receber nada e será expulso. Ele me questionou: 'que democracia é essa? Como pode, uma pessoa que eu nem conheço, chegar à minha casa, na hora do almoço, e diz o que quer? Querer tomar a minha propriedade onde eu criei meus filhos com todo carinho.’”, contou.

A representante no CDDPH do Conselho Nacional dos Procuradores dos estados e do Ministério Público Federal, Ivana Farina Navarrete Pena, que também participou da missão, alertou que o governo não está fazendo a checagem do cumprimento das condicionantes. De acordo com a procuradora, os agentes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que atuam em Anapu (PA), que antes se reportavam à superintendência de Altamira, agora precisam se reportar a Belém. "Isso significa mais demora para uma resposta. O Estado brasileiro não está fazendo a checagem do cumprimento das condicionantes porque não tem como fazer", destacou a procuradora.

Tais declarações fazem cair por terra, mais uma vez, a alegação do governo brasileiro de que está aberto ao diálogo, segundo dom Erwin. “É o que tenho dito, inclusive em nota pública emitida em março, o diálogo está sendo negado. Isso não é democracia, porque democracia pressupõe ouvir todos os lados, o que não tem acontecido com Belo Monte, onde os principais interessados, aqueles que ficarão sem suas terras, sem a água do rio Xingu e sem o peixe e outras formas de renda que sustentam suas famílias, não estão sendo ouvidos”, afirmou.

As declarações da ministra Maria do Rosário, ao dar encaminhamento às denúncias, atesta mais uma vez o que afirma o bispo. Diante dos relatos ela manteve a posição do governo de repúdio ao pedido da OEA e sugeriu a realização de uma reunião extraordinária para tratar do assunto, onde somente os representantes do consórcio e do setor energético brasileiro deverão estar presentes. “Então eu penso em fazermos uma reunião de caráter extraordinário para debater todo esse tema e tentarmos trazer também à CDDPH a presença do setor energético, que me parece pode e deve estar aqui conosco”.

Para Antônia Melo, do Movimento Xingu Vivo para Sempre, a ministra deu uma declaração ofensiva à OEA e, principalmente, aos direitos humanos. “Tais declarações se constituem em uma violação imperdoável aos direitos humanos e ao direito de livre expressão dos povos do Xingu. Elas vêm legitimar os crimes que o governo federal e seus grupos estão cometendo contra as comunidades tradicionais da região”, disse.

Questionada sobre a participação de representantes de comunidades tradicionais e da sociedade civil da região, Maria do Rosário disse que pretende consultá-los sobre o caráter da reunião apenas, mas que preferiria que não fosse apenas uma reunião de levantamento de questões, debate entre os dois lados, pois estas não produzem os efeitos esperados. “Então diante do conselho, talvez pudéssemos dividir a reunião e fazer em dois momentos porque eu acredito, do meu ponto de vista, que seja apenas um debate de posições. Existem procedimentos que nós temos que monitorar: as condicionantes”, concluiu a ministra.

“A posição da ministra demonstra que o governo se nega a dialogar com os indígenas e ribeirinhos, só quer ouvir o consórcio, que é formado por prefeitos de toda a Transamazônica e por grandes empresários, interessados somente no dinheiro. Eles não estão nem aí para o que vai acontecer com o povo”, desabafou dom Erwin. Ainda de acordo com o bispo, tais declarações só vêm confirmar o que foi denunciado pela OEA: que o governo brasileiro se nega a ouvir o povo.

Melo afirma que a solução encontrada pela ministra caracteriza, mais uma vez, o medo que o governo brasileiro tem de ouvir os povos do Xingu. “O povo está lá reafirmando a legítima posição das comunidades tradicionais da região em relação às declarações da OEA. Estamos prontos para afirmar isso, caso a ministra queira nos ouvir. Por isso, queremos participar dessa reunião e ficar frente a frente com a Norte Energia e todos os envolvidos nesse projeto para desmentir essas inverdades que eles tentam legitimar por aí”, afirmou.

Fonte: CIMI

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