Rodrigo Domingues
Cimi, Regional Amazônia Ocidental
Na faixa que se estende por toda a região de fronteira do estado do Acre com o Peru está uma das maiores áreas de ocorrência de povos indígenas em situação de isolamento voluntário do mundo. Estes povos conseguiram manter seu modo de vida peculiar refugiando-se nas áreas que passaram ao largo dos ciclos econômicos da borracha, do caucho e da castanha. Ou seja, geograficamente, a área de ocorrência de povos isolados no Acre faz parte de um grande corredor regional que se formou entre as frentes de expansão econômica vindas do Brasil, Peru e Bolívia, notadamente por meio fluvial. Aos poucos os territórios destes povos foram se reduzindo às áreas de cabeceiras dos grandes rios e de seus afluentes da região do oeste amazônico, entre eles o Ucaiali, Juruá, Purus, Javari e Madre de Dios.
Apesar da relativa tranqüilidade que estes povos conquistaram ao se isolarem nas cabeceiras de rios e igarapés, o avanço das estradas e projetos de exploração madeireira, petróleo e gás natural em território peruano, nas últimas décadas, trouxeram de volta o fantasma do genocídio a estes povos. Impelidos a se deslocar para fora de suas áreas tradicionais, penetram em território de outros povos indígenas, contatados ou não. Já se
registra, inclusive, a migração destes povos para o lado brasileiro da fronteira.
A pressão por grupos isolados saindo do Peru é resultado da falta de proteção das terras indígenas. Ao longo da fronteira com o estado do Acre, em áreas contíguas com Parques e Terras Indígenas, o governo peruano criou as Áreas de Conservação Regional Isconahua e Murunahua/Tamaya com o intuito de resguardar o território e a vida dos isolados, mas grandes projetos, principalmente petrolíferos, se sobrepõem às áreas protegidas e ameaçam a vida dos indígenas de toda a região, principalmente os isolados.
A ausência de um arcabouço jurídico peruano específico e efetivo sobre a proteção dos povos isolados, a falta de acordos que barrem a exploração madeireira e petrolífera na região de fronteira e o ingresso de pessoas nos territórios dos índios isolados poderão levar a sérios conflitos, epidemias e até mesmo à extinção desses povos.
Já é possível, segundo relatos de moradores do alto rio Envira, ver tambores vazios de combustível e pranchas de mogno descendo o rio, o que indica uma clara evidência do avanço das madeireiras na fronteira e por conseqüência sobre o território dos povos isolados. Outra evidência de que estes povos estão sob situação de pressão e fuga é o furto de mudas de banana e macaxeira na Frente de Proteção Etnoambiental do alto Envira, ou seja estão tendo que sair às pressas de suas casas a ponto de não poderem garantir a subsistência.
Projetos de integração regional como a pavimentação da BR-364 e a conclusão da Rodovia do Pacífico ameaçam direta e indiretamente estes povos já que as estradas facilitarão o acesso e exploração de áreas antes consideradas remotas. A concessão de grandes áreas para manejo florestal e a possível prospecção petrolífera nesta região da Amazônia farão do Acre um espelho do que já ocorre no Peru. Os últimos locais de refúgio desses povos serão invadidos e violados se não forem tomadas medidas que garantam a posse e segurança dessas terras tradicionalmente ocupadas por eles.
Ocorrências no Acre e ameaças enfrentadas:
No Acre há seis ocorrências de povos isolados, todos ao longo da fronteira, podendo em algumas áreas existirem povos isolados distintos partilhando um mesmo território. Apesar desta grande ocorrência de isolados, apenas as Áreas Indígenas Xinane (demarcada) e Alto Tarauacá (registrada) são exclusivas para os isolados. As outras ocorrências se dão em terras indígenas já destinadas a povos contatados ou em áreas de conservação ambiental como o Parque Nacional da Serra do Divisor e o Parque Estadual Chandless.
Isolados do Igarapé Tapada:
Freqüentam a área do igarapé Tapada, dentro do Parque Nacional da Serra do Divisor, próximo à T. I. Nawa.
Ameaças: as atividades madeireira e de garimpagem no lado peruano da fronteira. Está prevista a construção de uma estrada ligando as cidades de Cruzeiro do Sul (AC) a Pucallpa, no Peru, como um dos eixos de integração regional. Outro risco real, mas difícil de dimensionar, é a presença do narcotráfico na área.
Isolados do rio Chandless:
Na fronteira do Brasil com o Peru, no alto rio Chandless. Recentemente, foi criado o Parque Estadual Chandless, com aproximadamente 695.000 hectares, que incide sobre a área de perambulação deste povo indígena.
Ameaças: os projetos de construção de estradas, extração de madeira e de petróleo no lado peruano, assim como os futuros desdobramentos da Rodovia do Pacífico (empreendimento da IIRSA). Até hoje nenhuma providência oficial foi tomada para comprovar a existência desse grupo isolado, impossibilitando a criação de uma terra indígena protegida.
Isolados do alto Iaco:
Dentro da Área Indígena Mamoadate, ocupada pelos povos Manchineri e Jaminawa, mais precisamente num igarapé chamado Abismo, nas cabeceiras do rio Iaco.
Ameaça: Por estar próximo do traçado da Rodovia do Pacífico, a Área Indígena Mamoadate sofrerá um pesado impacto ambiental que poderá afetar a vida dos índios isolados. Parte da área de perambulação está no Peru e lá não há nenhuma providência para a proteção deste povo.
Isolados do alto Tarauacá:
Ocupam a Terra Indígena Alto Tarauacá (registrada) em uma área próxima à cidade de Jordão.
Ameaça: a área sofre intensa pressão da atividade madeireira do Peru.
Isolados do Xinane:
Estão na Terra Indígena Xinane (delimitada) entre os igarapés Xinane e Santa Rosa.
Ameaça: a atividade madeireira peruana no entorno da área.
Isolados do alto Envira:
Ocupam a Terra Indígena Ashaninka/Isolados do Envira. É a maior área indígena destinada aos isolados no Acre e pode abrigar diversos grupos não contatados.
Ameaças: a pressão das madeireiras peruanas "empurra" os isolados do Peru para o Brasil, gerando conflitos entre diferentes grupos isolados.
Este texto foi também publicado no Relatório de violência contra os povos indígenas no Brasil. Uma publicação do Cimi e vale a pena o leitor lê-lo na íntegra para conhecer melhor a realidade vivida pelos povos indígenas no Brasil e, assim, ajudar a dar um basta nessa violência.
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