Marina Silva: em busca do elo perdido |
Para se estabelecer fortemente no Brasil, o ambientalismo contou com circunstâncias muito favoráveis. Deu-se a partir dos anos 1990, momento em que as contra-reformas neoliberais, que requeriam e resultaram no debilitamento do Estado, por aqui vicejavam. O debilitamento do Estado teve sua contrapartida no fortalecimento da “sociedade civil” que, por descuido ou não, passou a englobar ou a ser tomada como sinônimo de “povo”, “terceiro setor”, “iniciativa privada” e mercado. As ONGs proliferaram e cresceram em influência política.
Ainda naqueles anos, começou a construção de uma agenda, de projetos e programas voltados para a preservação ambiental e para a promoção do “desenvolvimento sustentável”. Não casualmente, a Eco-92 e a criação do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais (PPG7) ocorreram no mesmo ano. Para isso, foi fundamental o apoio dos meios de comunicação de massa e de órgãos como ONU, BM, BID e USAID.
Com a vitória do lado capitalista na Guerra Fria e com a crise da dívida na América Latina, os países centrais - e de modo mais destacado, os EUA - lançaram mão da questão ambiental e do “desenvolvimento sustentável” como uma forma de, através daqueles órgãos e de um exército de ONGs e ANGs, controlar e explorar territórios alheios. Alardear a “crise ambiental” e prometer a solução permitiu estabelecer uma espécie de neocolonialismo no subcontinente.
Tais foram as circunstâncias e os fatores que possibilitaram o robustecimento do ambientalismo no Brasil, cujo “ponto alto” foi a atuação de Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Em que pese sua história e origem, a visão ambiental de Marina é de corte liberal-capitalista. É aquela partilhada e difundida por organismos internacionais e certas ONGs e intelectuais, com pouco ou nenhum parentesco com os “subalternos”.
Foi em seu tempo de ministra que, com apoio da USAID e do Serviço Florestal Americano, foi criada a Lei de (Privatização de) Florestas Públicas - 11.284/2006. Com esta última, o governo brasileiro colocou algo em torno de 50 milhões de hectares de “florestas públicas” na Amazônia à disposição da indústria madeireira.
É assaz conhecido que, concorrendo à presidência em 2010, Marina escolheu para ser vice em sua chapa Guilherme Leal. Trata-se de um dos proprietários da empresa Natura, uma das gigantes dos ramos dos cosméticos e sobre a qual pesam processos e multas por “biopirataria” e uso não autorizado de “conhecimento tradicional associado”. Somente em 2010, a empresa recebeu 60% das multas aplicadas pelo IBAMA.
Mesmo assim, Marina considera a empresa um exemplo de compromisso com o meio ambiente. Não foi por coincidência que ela escolheu um de seus proprietários para compor chapa. Guilherme Leal financia a campanha de Marina desde 2002. Nas últimas eleições, o mesmo personagem doou milhões ao comitê financeiro nacional de campanha e ao diretório nacional do PV. Outros sócios da Natura também contribuíram. E o que, juntos, repassaram à campanha da ex-ministra somou mais da metade de tudo o que foi arrecadado para o pleito, mostrando que a relação de Marina com a empresa envolve, além dos elementos “ideológicos”, elementos substantivos. Em verdade, “nenhuma outra empresa recebeu tantas autorizações de bioprospecção quanto a Natura, desde 2004” (http://www.diariodepernambuco.com.br). Vale lembrar que Marina foi ministra entre 2003 e 2008, período em que a empresa obteve seis das dez autorizações que tinha até 2010.
As condições que possibilitaram o fortalecimento do ambientalismo já não são as mesmas. O desastre das políticas econômicas minou a legitimidade de que o neoliberalismo gozou nos anos 1990, quando o “desenvolvimentismo” e o “milagre econômico” dos militares se mostraram um composto de farsa e tragédia. Em função disso, surgiram governos (Hugo Chávez, Néstor Kirchner, Tabaré Vázquez, Daniel Ortega, Evo Morales, Fernando Lugo, Rafael Correa e Lula) e movimentos sociais (os zapatistas no México, os sem-terra no Brasil, os piqueteiros na Argentina, os indígenas na Bolívia e no Equador) que criaram dificuldades para o domínio estrangeiro na região. O Estado se fortaleceu.
Além da hostilidade ao domínio estrangeiro e do fortalecimento do Estado, outros elementos contribuíram para a mudança de cenário. Hoje, a crise explode no centro. EUA e Europa andam ocupados, buscando resolver seus problemas econômicos, conter protestos internos e “resolver” os conflitos no Oriente Médio e Norte da África. De seu lado, países não-centrais, como China, Índia e Brasil, seguem em relativa estabilidade, buscando crescimento econômico e influência política no cenário internacional.
O Brasil diversificou suas relações comerciais, que hoje incluem países asiáticos e africanos. Através da IIRSA (Iniciativa para a Integração das Infra-estruturas Regionais Sul-Americana), o país passou a estender e consolidar sua influência na América do Sul. Com o PAC, retomou o papel do Estado como principal indutor do “desenvolvimento”. Tal ocorre quando os produtos primários (minerais, carne, grãos etc.), impulsionados pela demanda chinesa, crescem em importância econômica para o saldo positivo da balança comercial brasileira.
Perseguindo o “desenvolvimento”, o governo opta por investir em projetos (como as hidrelétricas) e setores da economia (como o agronegócio) que intensificam a exploração dos bens naturais e resultam em degradação ambiental. E exatamente por isso a preservação e legislação ambientais passam a representar um obstáculo aos “interesses nacionais”. Daí, então, o questionamento e os ataques que, abertamente, o ambientalismo vem sofrendo.
Prova disso foi a recente votação do Novo Código Florestal, aprovado, na Câmara dos Deputados, com apoio da base aliada e da oposição. Reagindo, Marina e um grupo de ex-ministros do meio ambiente se manifestaram contra o código proposto cujo favorecimento ao agronegócio é indisfarçável. Em conjunto, os ex-ministros fizeram pressão para que o projeto não fosse sancionado pela presidência da república. Eles alegaram que se tratava de um “retrocesso” em relação à legislação ambiental vigente e que ele favoreceria o desmatamento e a impunidade.
Na defesa do projeto, o deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP), relator do projeto, acusou Marina de ser representante de ONGs que, a serviço de interesses estrangeiros, procuram obstaculizar o “desenvolvimento nacional”. Lamentavelmente, com a sensibilidade que lhe é peculiar, o deputado ignorou as reivindicações legítimas de grupos cuja sobrevivência depende da preservação ambiental, tomando-as por “entreguistas”.
Segundo porta-vozes autorizados, Dilma não dará anistia a quem desmatou além do que devia nem permitirá que se aumente a área de desmatamento permitido. Dizem que a presidente não quereria a imagem do país arranhada às vésperas da Rio+20. Nada disso, porém, representa uma prova de força do ambientalismo. O caso das hidrelétricas (Santo Antônio, Jirau e Belo Monte) mostra que o governo não recua diante dos “imperativos ambientais”. Se o “pai” não recuou, não há motivos para crer que a “mãe do PAC” o faça.
Tudo indica que as preocupações ambientais e o “desenvolvimento sustentável” servirão como peças discursivas. Aí eles terão lugar. Entretanto, só serão observados na medida em que não criem embaraços aos “interesses nacionais”. Parece que a justificativa “pegou” e agora é reproduzida em influentes setores da sociedade (acadêmicos, partidários, comunicacionais e outros). O “desenvolvimentismo” volta, pois, a ser um fetiche nacional, para desgraça da Amazônia e de seus povos.
A afirmação das frações do capital que hoje o governo encarna explica, em grande medida, a sorte de Marina e do ambientalismo no Brasil. Marina saiu do MMA, do PT e, agora recentemente, do PV. Em todos esses espaços, ela se viu pressionada e isolada. Em todos esses casos, as vicissitudes não pesaram menos que as virtudes.
É possível dizer que o isolamento da ex-ministra representa a perda de força do ambientalismo a ela associado, isto é, o ambientalismo responsável por promover interesses mercantilistas-imperialistas no país e na região amazônica. É certo que nem outro está vencido. Mas não é difícil arriscar qual dos dois tem mais chances de sobreviver aos constrangimentos em curso.
Israel Souza é graduado em Ciências Sociais, mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Acre-UFAC/Brasil e pesquisador do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental (NUPESDAO). E-mail: israelpolitica@gmail.com
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