Nos próximos dias escreverei e publicarei aqui uma série de artigos tratando da realidade indígena no Estado do Acre. Artigos estes que fazem parte de minha contribuição ao Movimento Anticapitalista Amazônico. Achei por bem iniciar pela saúde e, principalmente pela "Carta" que os própios indígenas publicaram em razão da realização do I Fórum de Saúde Indígena do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia, isso depois que os índios ficarem mais de nove meses acampados na sede da Funasa, em Rio Branco, sem as conquistas desejadas. A situação da saúde indígena é lastimável, enquanto o governo propagandeia conquistas fabulosas, subscritas por ONGs (cujo N perdeu o sentido). A Carta se quer mereceu uma nota da imprensa local ou comentários oficiais nem mesmo das ONGs. Vamos à Carta:
CARTA DOS POVOS INDIGENAS DO ACRE, SUL DO AMAZONAS
E NOROESTE DE RONDÔNIA
Hoje caminha nossa palavra até o mais profundo dos vossos corações para reclamar esses anos de dor, doenças, desespero, genocídio. Para falar do pesadelo que dói e já não pode ser silenciado.
Somos povos indígenas originários Huni Kui, Shanenawa, Nawa, Manchineri, Nukini, Kuntanawa, Madja, Apurinã, Jamamadi, Kaxarari, Jaminawa, Yawanawa, Apolima-Arara, Nawa, Poyanawa, Jaminawa Arara, reunidos no I Fórum de Saúde indígena, Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia, com a participação de 400 indígenas, caciques, lideranças, representantes de organizações indígenas, pajés, parteiras, mulheres e crianças, juntos com autoridades e demais convidados presentes, legitimamos nosso Fórum, como instância máxima de nossas deliberações.
Somos os primeiros habitantes destas terras. Desde épocas imemoriais habitamos estas terras, estas águas, estas florestas – isto tudo era nosso antes da chegada da ganância, da sede de poder, da soberba e da ambição.
Por direito tudo nos pertence e nunca tivemos problema em compartilhar com os que chegaram depois, com justiça e com razão. Mas temos direito a dignidade. A dignidade rebelde marcha hoje com a multidão cansada, com restos de almas sobreviventes, com chamas que a morte não verá extinta.
Hoje fazemos ouvir nossas vozes para lembrar que, desde o dia 3 de novembro de 2010 estamos acampados em frente ao prédio da FUNASA, movidos pela necessidade, pela insatisfação, pela indignação diante do descaso do Poder Público com a Saúde dos Povos Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia. Hoje levantamos nossas vozes para reclamar direitos garantidos em Lei e agressivamente descumpridos. Hoje mais fortes, porque unidos desde as comunidades, associações, organizações e federações indígenas, ressurgiu um forte espírito de Movimento Indígena Unificado – MIU, onde acreditamos que unidos seremos mais fortes.
Ressurge andar por andar a esperança, e há um tremor de novo em marcha, que se ergue de todas as dores, do grande silêncio, na voz de povos por dever e por amor reunidos. A terna fúria que se move contra o poder, que manda sem obedecer ao clamor dos povos indigenas e sem respeitar a Constituição Federal.
Para reclamar esses anos em que a Lei veio para roubar-nos as árvores, a dignidade, a vida, para arrancar-nos as águas dos rios, as madeiras da floresta, o petróleo da Mãe Terra, o direito de existir, conquistado com sangue, defendido com bravura.
Somos os pequenos, os menores, mas os primeiros. Somos os esquecidos, os invisíveis, contudo, os mais obstinados. Somos os desprezados, porém, os mais dignos. E aqui estamos. Vivos como muitos não nos queriam.
Nosso caminhar armado de esperanças, não é contra o não indígena, é contra a raça do dinheiro. Não é contra a cor da pele, é contra a cor do poder. Não é contra a língua estrangeira, é contra a linguagem da exploração.
Somos mulheres e homens, velhos e novos, pessoas simples, gente comum, isto é, rebeldes, descontes, inquietos, sonhadores que carregam sobre seus ombros o peso de uma luta contra a violência, a exploração, a expropriação e o extermínio das memórias e nossas culturas, somos vítimas anônimas que pagamos o preço de existir.
Hoje, nós dizemos não! Não coagimos e não nascemos para ser coagidos. Não exploramos e não queremos explorar. Nós, cuja sede de liberdade é tão grande quanto à de ser péssimos escravos. Nós, “os sem voz”, silenciosamente declaramos guerra contra tudo que nos faz mal!
Não à naturalidade trágica da fome e da humilhação. Não à falta de justiça e cumprimento das leis da Constituição Federal, declaração das Nações unidas e da convenção 169 da OIT, referente aos direitos dos povos indigenas, Não ao racismo milenar. Não à morte pelas doenças curáveis, pelas doenças que poderiam ser evitadas, pelas doenças do descaso. “quem disse que essa forma de governar o mundo, o nosso mundo é a nossa maneira? Quem disse que tudo está perdido quando a nossa coragem recusa a humilhação?” As palavras perdem o sentido enquanto as florestas perdem suas árvores, enquanto as fontes, igarapés e rios perdem suas águas, enquanto nós e os nossos parentes perdemos a vida. Todavia, nos recusamos a abandonar a esperança, a aceitar que as misérias e iniqüidades sejam inevitáveis.
Solicitamos o atendimento de nossas necessidades emergenciais:
A criação do Conselho dos Povos Indígenas do Acre Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia. Órgão de caráter normativo, consultivo, deliberativo e fiscalizador da Questão Indígena, que institucionaliza e organiza a relação entre a administração pública e os povos indígenas. Tendo autonomia para a organização de sua estrutura administrativa.
Que sejam cumpridas as ações de saneamento básico como ação preventiva às doenças curáveis, que vitimam todos os dias nossos parentes;
Que sejam implementadas as ações de segurança alimentar para melhoria da qualidade de vida nas comunidades;
Que sejam cumpridas as ações de infraestrutura física nos pólos, nas aldeias e nas unidades de saúde;
Que os gestores respeitem as deliberações dos conselhos e efetivem a gestão participativa e não autoritária, que possibilite a criação de politicas de prevenção de doenças e promoção de saúde indígena;
Que sejam respeitadas as necessidades diferenciadas de assistência à saúde indígena. Combatendo as desigualdades, assim como a desnutrição, pancreatite, hepatite e tuberculose que são doenças que vieram de fora.
Aguardaremos o prazo de até 31 de dezembro de 2011, para que a SESAI e as instituições competentes resolvam o problema, e vos asseguramos que, não atendidas as nossas necessidades, mulheres, homens e crianças, tomaremos outras providencias com nossos corpos e almas, armados de nossas utopias.
Por isso aqui estamos, erguidos da dor e da doença, da zona anônima e invisível da indiferença. Aqui estamos e decidimos considerar que viver de joelhos e fugir da luta não fazem parte das nossas culturas!
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