Patrícia Ribeiro
De São Paulo - Folha
No comando de uma área recheada de conflitos em diferentes cantos do país, a presidente interina da Funai (Fundação Nacional do Índio), Maria Augusta Assirati, 36, afirma que a violência contra os indígenas está "banalizada".
Em entrevista à Folha, ela admite que, sozinho, o órgão não consegue lidar com o barril de pólvora das disputas por terra entre índios e produtores rurais. Há sete meses no cargo e com apenas uma "pequena reunião" com a presidente Dilma no período, Assirati afirma que tem sido instada a dar respostas rápidas sobre obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Na semana passada, após a realização da entrevista, cinco índios foram presos no Amazonas sob suspeita de matar três homens. A Polícia Federal informou, na última sexta-feira (31), que eles ainda esconderam os corpos das vítimas.
Em nota, a Funai disse desconhecer os motivos das prisões por não ter tido acesso ao inquérito, e que monitora a situação.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Folha - Os conflitos indígenas se agravaram nos últimos meses, virando um assunto sensível para o governo. Por que se chegou a esse ponto?
Maria Augusta Assirati - De uns anos para cá, as demarcações de terras indígenas estão mais concentradas na porção sul e centro-sul do país. São regiões mais difíceis de se trabalhar, porque são mais antropizadas, têm um processo de colonização mais antigo, onde um grande conjunto de agricultores tem títulos das terras. Isso gera maior complexidade.
O governo Dilma foi o que menos homologou terras indígenas desde FHC, e as demarcações estão paralisadas. Por quê?
Sobretudo por essa intensificação dos conflitos. Isso gerou no governo a necessidade de uma discussão para evitar que esses conflitos tivessem desfechos negativos. O governo optou por estabelecer mesas de diálogo.
Há na Funai sete estudos prontos sobre terras indígenas que esperam a sua assinatura para ter continuidade na demarcação. Por que não assina?
Um pouco em função dessa nova orientação, de que todas as áreas onde o governo compreendeu que pudesse gerar um conflito e que esse conflito pudesse trazer resultados negativos, se pensou em fazer um diálogo prévio.
A Funai concorda? A paralisação não agrava os conflitos?
O governo federal é composto por diversos órgãos e cada um tem sua missão. A nossa posição nesses diálogos de governo é no sentido da defesa desses direitos dos povos indígenas. Porém o governo federal é mais amplo e tem uma avaliação de que deve equilibrar o conjunto de direitos estabelecidos e que ultrapassam o conjunto de direitos dos povos indígenas.
Segundo o Cimi [Conselho Indigenista Missionário], a média anual de índios assassinados passou de 20,9 nos mandatos de FHC para 56 nas gestões Lula e Dilma. Muitos desses casos estão relacionados a conflitos com policiais federais, mas raramente alguém é responsabilizado. Há descaso do governo?
Não temos dados ainda oficiais sobre casos de violência. O papel da Funai é justamente buscar superar essa dificuldade. Achamos, de fato, que esses casos têm que ser apurados.
Os indígenas ainda estão no centro de ação de grande preconceito, de racismo, e são vítimas, ainda, de uma violência grande no país. Trabalhamos para consolidar esses dados para que isso possa subsidiar e orientar uma política de enfrentamento à violência aos indígenas.
Mas tem surtido efeito? A sensação hoje é de impunidade, inclusive nos casos envolvendo agentes do Estado.
Precisamos fortalecer as ações, não só da Funai, mas em cooperação com outros órgãos, para avançar nessa política de enfrentamento à violência contra os indígenas, protegê-los mais, fazer com que a gente reverta esses números e garanta efetivamente a vida dos indígenas.
De quem é essa responsabilidade?
É uma responsabilidade compartilhada, que deve ser o tempo inteiro estimulada pela Funai. Mas a Funai sozinha não tem capacidade de fazer esse trabalho.
O que o governo tem feito para resolver esses conflitos?
Essa iniciativa da mesa [de negociação] foi interessante porque é justamente voltada para a redução dos conflitos, mas é um caminho longo.
Acredito que se chegou a um ponto, ou não sei se se chegou a um ponto, mas se tem, de certa maneira, uma banalização desse tipo de violência. É para isso que nós todos, representantes do governo, temos que estar atentos, chamar atenção e estar o tempo inteiro vigilantes para que isso deixe de ser uma realidade, para que essa violência deixe de ser banalizada.
A estrutura da Funai é insuficiente?
A Funai tem atuação capilarizada em todo o Brasil e atende segmentos da população brasileira que estão em lugares remotos, com uma logística difícil para se chegar.
Se pudesse optar por um eixo de fortalecimento, seria de pessoal. Uma das coisas que precisamos melhorar é ter presença mais frequente nas terras indígenas do ponto de vista da proteção territorial, ou seja, garantir que as áreas já regularizadas não sejam ocupadas, não sofram invasões para exploração ilícita de recursos naturais.
O que acha da proposta do Congresso de levar para o Legislativo a atribuição de demarcar as terras indígenas?
Na perspectiva da Funai, é bastante negativa, porque atrasaria em muito os processos de demarcação e traria uma série de componentes políticos, de disputas entre diversos segmentos que integram o Congresso Nacional, que seriam prejudiciais para a conclusão das demarcações das terras indígenas.
E da proposta do Ministério da Justiça de incluir outros órgãos nas demarcações?
Hoje o decreto que rege a forma de regularização fundiária das terras indígenas já tem um dispositivo que prevê a possibilidade de consulta a outros órgãos. A portaria propõe a regulamentação da forma de participação desses órgãos. Se esses órgãos tiverem efetivamente a capacidade de contribuir para o processo de demarcação, a ação é extremamente bem-vinda.
O setor agropecuário acusa a Funai de fazer demarcações com base em estudos subjetivos. Eles têm razão?
Absolutamente não. Todas as etapas dos processos de demarcação são estabelecidas por decretos, portarias. Os processos são feitos a partir de critérios técnicos e jamais baseados em quaisquer elementos subjetivos.
Os conflitos na construção de Belo Monte vão se repetir na região do rio Tapajós (PA), onde o governo quer licitar novas hidrelétricas?
Esperamos que não. Todas as partes estão tentando cumprir suas atribuições para que isso não ocorra. Por termos apreendido bastante com a experiência de Belo Monte, esperamos fazer melhor das próximas vezes.
Existe pressão do Planalto para ser permissiva nas áreas onde há interesse em realizar essas obras de infraestrutura?
O que existe é uma, que palavra eu vou usar para expressar isso? É uma relevância, digamos, bastante expressiva em relação ao avanço dessas obras de infraestrutura pelo governo federal. Isso é explícito pela própria existência do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento].
É evidente que existe uma necessidade de se priorizar essas ações. Então todos os órgãos intervenientes, o próprio Ibama, são sempre instados a ter manifestações rápidas, céleres, priorizando essas ações, que são prioritárias para o governo federal.
Quantas vezes a senhora já despachou com a presidente?
Somente uma vez. Eu tive uma reunião com ela que precedeu um encontro que ela teve com os indígenas. Foi em junho de 2013, eu tinha recém-assumido a presidência [da Funai]. Ela concordou em receber um grupo de lideranças indígenas e houve uma pequena reunião prévia.
A senhora é interina há sete meses. A demora para ser efetivada reflete falta de prioridade do governo para a área?
Eu tenho bastante dificuldade de te responder essa questão, porque eu desconheço os motivos pelos quais não fui efetivada ainda.
RAIO-X: MARIA AUGUSTA ASSIRATI, 36
CARGO Presidente interina da Funai (desde junho de 2013)
FORMAÇÃO Bacharel em direito (Unip) e mestre em desenvolvimento e políticas públicas (Ipea e Fiocruz)
ATUAÇÃO Foi diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Funai (junho de 2012 a junho de 2013) e diretora do Departamento de Diálogos Sociais da Secretaria-Geral da Presidência (março a junho de 2012), entre outros, com atuação nas áreas de direito público e gestão pública
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