"Isso já passou de todos os limites", exclama Otoniel Kaiowá Guarani, ao ser informado do assassinato de mais um parente.
A polícia se apressa em ir ao local para esclarecer (ou não) mais essa morte de indígena no Mato Grosso do Sul. E para evitar animosidade, já vai adiantando que provavelmente a morte não tenha nada a ver com o conflito de terras indígenas na região. Enquanto Celso Figueiredo vai sendo velado, com prantos indignados, em Dourados cinco Kaiowá Guarani são presos, inclusive a professora Efigenia, grávida. As lideranças são da terra indígena Panambi - Lagoa Rica, aldeia Ytaí, município de Douradina.
Nada disso é novidade no Estado mais anti-indígena do país. Enquanto, o Guarani Celso, assassinado por pistoleiros, está sendo velado, na terra indígena Paraguasu, no município de Paranhos, fronteira com o Paraguai, uma delegação Kaiowá Guarani e Terena, se encontram com vários ministros e parlamentares, para repetir mais uma vez o que foi denunciado milhares de vezes nas últimas décadas: demarquem nossas terras, parem de nos matar, punam os assassinos confessos e reconhecidos.
Porém, os Estado brasileiro e do Mato Grosso do Sul, fazem a leitura ao avesso: matam e prendem os índios. Isso tem seu preço. O Brasil e o mundo não aguentam mais esse genocídio. Os povos indígenas não podem continuar sendo sacrificados no altar do progresso.
Enquanto isso, roncam os tratores e as vozes estridentes de Katia Abreu e outros lideres do agronegócio em todo o país. Talvez estejam temerosos de que o Relatório Figueiredo e as CPIs de 1953 e 1963 façam vir à luz as maracutaias que se faziam, apossando-se as elites do então estado do Mato Grosso, das terras indígenas. Não é por nada que não se realiza um levantamento sério e aprofundado das cadeias dominiais e da estrutura fundiária.
Rodas de diálogo
Enquanto nos gabinetes e corredores vai sendo costurado um novo modelo de identificação e regularização das terras indígenas, com mais interlocutores na mesa, vão sendo constituídos rodadas de negociação e esclarecimentos entre vários ministérios e lideranças indígenas Kaiowá Guarani e Terena. Também a Comissão Especial formada pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ, voltou a se reunir, para ajudar a encontrar saídas para a grave situação das terras indígenas no MS, que tem ocasionado um gravíssimo cenário de assassinatos, feridos, prisões e ameaças.
Conforme Lindomar Terena, apesar de não ter nenhuma ilusão de que seja fácil ou rápida a solução do reconhecimento e demarcação das terras indígenas no Mato Grosso do Sul, acredita que é importante manter os espaços de diálogo e a visita das autoridades à região para ver e sentir no local as dramáticas realidades das comunidades e povos indígenas desta região. Para o mês que vem várias visitas de comissões e ministérios estão previstas. Quem sabe em alguma coisa se avance.
Conforme relato dos membros da Aty Guasu, de 1988 a 2012 mais de mil suicídios aconteceram entre os Kaiowá e Guarani, o que evidencia o grau de desespero e descrença na solução dos problemas, principalmente da terra. “Nos últimos dez anos, mais de 300 indígenas do nosso povo foram assassinados. Relatamos que no Mato Grosso do Sul, existem propagação permanente de racismo, discriminação e ódio contra os indígenas tanto pela mídia local quanto pela manifestação pública dos fazendeiros anti-indígenas e autoridades locais. O genocídio dos povos indígenas do MS em curso foi e é alimentado pelos fazendeiros anti-indígenas. Centenas de lideranças foram assassinadas por pistoleiros das fazendas. Os assassinos das lideranças indígenas não são punidos no MS, a impunidade alimenta as violências contras os indígenas do MS. Destacamos na reunião que nós indígenas do Mato Grosso do Sul sofremos violências tanto pelos pistoleiros dos fazendeiros quanto pela decisão da Justiça Federal, que nenhuma decisão da justiça não considera os nossos direitos, todas as decisões foram favoráveis aos fazendeiros, ignorando os nossos direitos" (Comissão das lideranças da assembleia geral Aty Guasu Guarani-Kaiowá e Terena. Brasília-DF, 12 de junho de 2013).
Mais uma semana de muita conversa, reuniões e manifestações dos povos indígenas em Brasília. Foram acionadas as válvulas de escape da panela de pressão. Os povos indígenas do Xingu, Tapajós e Teles Pires retornaram a suas aldeias, depois de mais de uma semana aguentando o frio do planalto central. Deram o recado. Voltaram de cabeça erguida, certos de que a luta apenas começou.
Os Kaiowá Guarani e Terena tiveram mais uma rodada das eternas conversações, nesse jogo de faz de conta.
Por Egon Heck
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