sábado, 8 de junho de 2013

Operação G-7: uma leitura política

Israel Souza[1] Publicado originalmente no Blog Insurgente Coletivo

No dia 10 de maio do corrente ano, foi deflagrada a Operação G-7. Trata-se de uma operação da PF que, abrangendo apenas o período de 2011 a 2013 e analisando somente 6 contratos, apontou um esquema envolvendo funcionários públicos, secretários do governo e empresários que, juntos, fraudavam licitações de obras públicas para favorecer sete grandes empresas. Ao todo, 29 pessoas foram indiciadas por formação de cartel, falsidade ideológica, corrupção ativa e passiva, formação de quadrilha, fraude à licitação e desvio de verbas públicas.  

            Desde que deflagrada, a Operação tem levantado polêmica e abalado profundamente o cenário político acreano e os grupos que o conformam. Mas quais as implicações políticas de tal Operação? Como ela ajuda a entender a recente história política do Acre? De que estratégias as forças governistas estão se valendo para abafar o escândalo ou, pelos menos, minorar seus efeitos? Quais seus possíveis desdobramentos?

            O presente texto dá continuidade à análise de conjuntura que já faz algum tempo ensaiamos. Cremos importante esclarecer, desde já, que se trata de uma análise político-sociológica (como denota o título) e não jurídica, embora esta dimensão do caso não seja descuidada.

Como havíamos adiantado em texto anterior (Amor nos tempos da cólera: notas sobre democracia no Acre), à medida que declinava em legitimidade e se afastava das bases populares, a FPA ia estreitando “laços com as empreiteiras responsáveis por obras no estado, com as oligarquias e o empresariado locais”. Hoje, o grosso de sua força política está assentado nessas relações.

Com todos esses ela passou a compartir interesses e a atendê-los com relativa segurança - coisa em que as antigas forças políticas ficaram devendo. E ela pôde fazê-lo, sobretudo, dizíamos, porque é forte a influência que o Executivo exerce sobre outros poderes e instituições, como Assembleia Legislativa do Acre, Ministério Público Estadual, TRE-AC, Tribunal de Contas do Estado entre outros. Entre esses outros, agora destacaremos o Judiciário.

Relações entre poder estatal e poder econômico

A estreiteza das relações entre o poder político estatal e o econômico, bem como a influência do Executivo sobre outros poderes e instituições, foi ainda mais explicitada pela Operação aqui em foco.

Quanto ao primeiro ponto, sintomático é o fato de um agente governamental avisar a empresários sobre a liberação de um Edital de chamamento, orientando-os a entrarem em “acordo” entre si. O agente em questão fazia isto em tom de cobrança, e arrematava afirmando que “tem que meter o governador” e que ele estaria “bufando de raiva” ("Vambora trabalhar, rapaz", diz funcionário do governo do Acre acusado de formação de cartel em conversa gravada pela PF).

Do que foi divulgado naquela diminuta parcela da mídia que o governo não submete a seu talante (com destaque para o Blog do Altino e o ac24horas, esses benditos heréticos), dois outros fatos chamam a atenção. Um deles foi Tião Viana ter tentado intermediar, pessoalmente, um financiamento do Banco do Estado de Sergipe para empresas envolvidas no escândalo.

Mais que ao Basa, ao Banco do Brasil e à Caixa, convinha recorrer ao Banco de Sergipe porque ele não tinha as “garantias de obras e as amarras” dos outros. Neste caso, a ausência de “garantias” e “amarras” significava mais facilidades e/ou liberdade para as empresas envolvidas (Tinel Macedo diz que Tião Viana conversou com o governador de Sergipe).

Outro fato que explicita a relação do governo com empresários foi o próprio governador ter “aconselhado” o empresário Narciso Mendes Filho (ou Narcisinho, como também é conhecido) a abrir uma clínica (Centro Medicina Diagnostica Ltda Centro), assegurando “compromisso com ele” (Sobrinho de Tião Viana e empresário citam o governador em desvio de verba do SUS).

A PF afirma irregularidades no contrato da empresa com o governo. Narcisinho foi indiciado por corrupção ativa, falsidade ideológica, peculato, formação de quadrilha e fraude em licitação. E a proximidade que ele tem com o governador é expressa em seu modo algo carinhoso de chamá-lo “o dono da porra toda” (Narcisinho: "Vou conversar com o dono da porra toda, que é o governador"). 


            Um e outro caso dão fortes indícios do envolvimento direto do governador no caso. Os documentos divulgados e as intercepções telefônicas dão entender que o governador cumpria o papel de “articulador”.

Importa destacar também que tudo isso põem em evidência os motivos materiais da “conversão” do empresário Narciso Mendes (o pai) à FPA. Antes, o empresário era um crítico intransigente. Agora, porém, um dos mais apaixonados defensores.

De igual modo, a Operação G-7 lançou luz sobre o “companheirismo” existente entre a FIEAC (Federação das Indústrias do Estado do Acre) e o governo. Na referida Operação, entre os presos estavam Carlos Sasai (empresário e presidente da instituição) e João Francisco Salomão (empresário e ex-presidente da instituição).

Segundo matéria veiculada na imprensa local (Empreiteiros, secretários estaduais e servidores são presos durante Operação G7 da Polícia Federal no Acre), os dois empresários foram os maiores beneficiários de licitações de obras públicas nas administrações de Jorge Viana (PT) e Binho Marques (PT).

            Não estariam aí as razões pelas quais a FIEAC saiu em defesa do governo quando a revista de circulação nacional, a IstoÉ, publicou denúncias contra o manejo praticado no estado?    

A instituição fez a defesa do governo através de uma espécie de carta cujo título era Em defesa do desenvolvimento sustentável. Eis um trecho significativo do documento:


Entretanto, em face de reportagem veiculada na revista IstoÉ (edição de 14 de outubro de 2011), intitulada “O golpe verde”, (a FIEAC) vem repudiar, de maneira veemente, a forma como vem sendo conduzida esta pauta, uma vez que a mesma causa prejuízos econômicos e sociais a um importante setor da nossa sociedade. Não apenas isso, mas também, principalmente, pelos danos que pode vir a causar ao Estado do Acre, que tem norteado sua política com extremo zelo pela defesa do meio ambiente - podendo incitar, inclusive, a uma desconfiança quiçá internacional sobre o setor florestal, que é uma das bases de sustentação da economia acreana (grifos nossos).


No final das contas, a razão estava com a revista criticada, como depois mostrou a decisão do MP que recomendou a suspensão do plano de manejo na Fazenda Ranchão II.

Não cremos que a FIEAC tenha cometido o erro por simples ignorância ou por zelar intransigentemente pelo desenvolvimento do Acre. Para isso contou, e mais que qualquer outro motivo, seu atrelamento e subserviência ao governo local.

Antes de passar a outro ponto da reflexão, reputamos importante deitar aqui algumas perguntas de caráter mais geral. A Operação G-7 teve seu ponto de partida em 2011 e se deteve na análise de apenas 6 contratos. Entretanto, será que o esquema por ela desvendado não teria começado bem antes disso? Será que a prática denunciada envolveria apenas as empreiteiras ou estas seriam apenas a parte mais graúda do esquema?[2]

Tomando parte no esquema, certamente funcionários públicos e secretários ganhariam “algum”. Mas será que parte desse “algum” não seria colocada a serviço das campanhas eleitorais dos candidatos governistas?

Consideramos que a pergunta última não é descabida. Lembremos que entre as denúncias que sustentam o pedido de cassação dos irmãos Viana nas últimas eleições estava a de “abuso do poder econômico”. Já aí apareciam nomes envolvidos no escândalo aqui analisado. 

Com efeito, é mais que razoável, com base na investigação da PF, perguntar se o esquema desvendado não era uma “via de mão dupla”. Será que as forças políticas governistas e os empresários não dividiam entre si (de modo igual ou não) os ganhos do esquema? Ou, noutra perspectiva, será que os empresários não retribuíam o “companheirismo governamental” financiando (através de doações contabilizadas ou não) as campanhas dos candidatos governistas?

As estratégias do governo para abafar o escândalo ou minorar seus efeitos

Tão logo a Operação G-7 veio à luz, o governo reagiu. Como se tornou costume nestas paragens, passou a se valer dos meios de comunicação. Em geral, as matérias veiculadas nos meios comandados pelo governo apresentaram a Operação de um modo distorcido e superficial. A maioria das matérias sequer tocava no nome dos envolvidos no caso.

Isso contribuiu fortemente para desinformar a população quanto ao caso e a impossibilitar a formação de manifestações, fortes e coesas, contra o governo. 

Por outro lado, temendo que a oposição se apropriasse do escândalo e dele tirasse proveito, resolveu atacá-la. Então, pôs-se a relembrar a falência do Banacre e a atacar aqueles que aparecem como prováveis candidatos da oposição para as eleições governamentais do ano que vem, isto é, Petecão (PSD) e Márcio Bittar (PSDB).

Compreendendo que isso era insuficiente para resolver um problema desta monta, concomitantemente passou a desqualificar a atuação da PF e da desembargadora Denise Bonfim, denunciando “arbitrariedades”, “abusos” e coisas congêneres.

Os senadores petistas se notabilizaram nas últimas semanas por denúncias sistemáticas neste sentido. Jorge Viana chegou a insinuar que a PF estaria sob condução de um parente de Flaviano Melo (PMDB) (Senador Jorge Viana se equivoca ao insinuar relações políticas na Operação G-7).


            Por seu turno, Aníbal Diniz foi mais taxativo e esdrúxulo, como sempre. Para ele, “a Polícia Federal, o Ministério Público e o Tribunal de Justiça estão a serviço de uma oposição que quer, a todo custo, tomar o poder a custa de mentiras” (Operação G-7: "PF, MP e Justiça estão a serviço da oposição", acusa senador do PT).

            Nos dias que correm, é Sibá Machado quem se destaca a desqualificar a atuação e a moral da desembargadora Denise Bonfim. Com a comicidade que lhe é peculiar, o deputado petista alardeia que a desembargadora poderia estar agindo motivada por um sentimento de “vingança”, que ela seria “inimiga declarada” do governador Tião Viana (Guerra declarada - Sibá Machado acusa Denise Bonfim de abuso de poder, ilegalidades, vingança e perseguição a políticos ligados ao Governo do Acre).


            Ah... Como é assustador esse mundo dos “meninos do PT”. Fora de seu círculo, inimigos por toda parte. Afrontado por suas virtudes todas, o universo inteiro parece conspirar contra eles... Mas, em contrapartida, esse é também um mundo simples e moralmente tranquilizador. É que eles já distribuíram, prévia e copiosamente, virtudes e vícios. Virtudes, todas as virtudes, para eles. Vícios, todos os vícios, para os outros. Só eles amam o Acre. Os outros odeiam o Acre. Até parece coisa de menino buchudo!!! Vôte!!!    

A campanha de constrangimento público e desmoralização posta em marcha contra a atuação da PF e a desembargadora Denise Bonfim está associada a uma campanha de “defesa”, de “apoio e solidariedade” aos presos e ao governador Tião Viana.

A manifestação da FECOMERCIO é disso um claro sinal. A leitura de um pequeno trecho seu é suficiente para entender-lhe o espírito:


A diretoria da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Acre, vem de público, se solidarizar com as famílias dos empresários presos na operação G7. Por entender que os empresários supostamente envolvidos, são pessoas idôneas e que contribuíram ao longo dos anos para o desenvolvimento econômico e social deste Estado, seja através de suas empresas ou ainda das instituições sociais que representam.

Exilá-los do convívio da família, da sociedade e de seus negócios é medida extrema, que assusta não só a sociedade em geral, mas que deixa perplexa a classe empresarial e todas as pessoas que colaboram direta ou indiretamente com as instituições que representam.

O Governo tem demonstrado ao longo dos anos, compromisso com a sociedade, buscando sobremaneira o desenvolvimento social e econômico, com transparência, através de arrojados programas como a ZPE, Projeto do Complexo de Piscicultura, Ruas do Povo e Cidade do Povo. Os fatos noticiados certamente poderão causar prejuízos a sociedade como um todo, o que não é diferente aos empreendimentos dos acusados (Operação G-7: não é para rir nem chorar).


Sejamos breves e didáticos na análise desse texto apologético que, a rigor, segue quase o mesmo padrão da carta citada anteriormente em que a FIEAC defendia o governo.

Destacamos: 1) a defesa dos presos; 2) o questionamento implícito da decisão judicial de manter os envolvidos presos e a intenção de causar insegurança na população. Vão neste sentido frases como “Exilá-los do convívio da família, da sociedade e de seus negócios é medida extrema, que assusta” e “Os fatos noticiados certamente poderão causar prejuízos a sociedade como um todo”; 3) a desabrida e superficial apologia ao governo: “O Governo tem demonstrado ao longo dos anos, compromisso com a sociedade, buscando sobremaneira o desenvolvimento social e econômico”.    

Será que a instituição sugere aí que a imprensa deixe de noticiar o escândalo e seus desdobramentos? Muito provavelmente. Isso muito interessa ao governo. De qualquer forma, ela tenha certeza: as pessoas que acompanham atentamente o fato ficariam muito mais assustadas se os envolvidos não estivessem presos.

As manifestações nas redes sociais de apoio à Operação G-7 o comprovam. E que ninguém se engane ou tente nos enganar, afirmando que quem assim se manifesta é da oposição e/ou inimigo do governo. Alguns certamente aí se enquadram. Outros, porém, são apenas cidadãos cansados dos desmandos que faz tempo campeiam por aqui.    

Usemos de franqueza. O que a PF provou através de sua investigação foi aquilo que muitos dos acreanos, relativamente bem relacionados e informados, há muito ouvíamos: a existência de uma relação promíscua entre o governo e certos setores do empresariado local. Só não podíamos provar nem tínhamos os pormenores e a dimensão do caso. Para isso, era necessária a intervenção de uma instituição com a credibilidade e a competência da PF. 

A verdadeira romaria de lideranças e autoridades (juízes maçons, prefeitos, líderes religiosos etc.) em “apoio e solidariedade” ao governador também desempenhava o papel de, por um lado, desmoralizar as ações da PF e da desembargadora, e, por outro, de blindar os envolvidos no caso e de modo especial o governador. Tivessem consciência disso ou não, foi esse papel que fizeram aquelas lideranças e autoridades que, agindo como militantes de baixa patente, hipotecaram sua autoridade moral ao governador.

Talvez não saibam, mas é provável que, pelo feito, tenham maculado suas imagens ligando-se àquele que pode ser o maior escândalo político da história do Acre, diante do qual a falência do Banacre pode parecer coisa pouca.

Em verdade, por tudo o que fez de ilegal e mesmo de legal, os governos da FPA passaram para a história como aqueles que, até aqui[3], mais comprometeram financeira e politicamente o Estado. As pesquisas que temos feito em conjunto apontam para isso.

A disputa no Judiciário

Antes de avançar, uma reflexão de caráter mais teórico. Os governistas têm se esmerado em denunciar o caráter político da atuação da PF e da desembargadora Denise Bonfim na condução do caso.  

            Eles não se cansam de reprovar a relação entre justiça e política. Todavia, olhando de perto a singularidade do caso: fora das perspectivas tacanhas ou hipócritas, há como separar um campo do outro? A Operação G-7 e o processo que ela ensejou têm uma dimensão política, sim. Lidam com autoridades estatais e dinheiro público. Mas desqualificá-los, atribuindo-os exclusivamente a uma manobra das forças oposicionistas, reduzindo-os à política partidária, também tem.

Claro que levar a cabo uma investigação e um processo que podem implicar diretamente o governador e parte de seu secretariado tem uma dimensão política, sim. Mas querer defendê-los, a todo custo, querendo colocá-los acima da lei e da justiça não tem?  

            O governo tinha a pretensão de resolver tudo no Judiciário acreano. Infelizmente para ele, não foi o que aconteceu. Como bem mostrou o texto de Ricardo Brant (CNJ determina correição no TJ do Acre a pedido da desembargadora Denise Bonfim), o Tribunal de Justiça do Acre (TJ/AC) “tentou votar os pedidos de liberdade de 14 dos 22 indiciados pela Polícia Federal no caso, sem competência para isso”.

            Quando na sessão em que os pedidos seriam julgados, a desembargadora Bonfim alertou que, dos nove magistrados presentes, cinco tinham alguma relação de parentesco com os indiciados, inclusive o presidente do TJ, o desembargador Roberto Barros. Tal fato os colocava numa condição de impedimento e/ou suspeição.

Bonfim solicitou que o caso fosse enviado para o Supremo Tribunal Federal (STF). Mesmo assim, houve a tentativa de votar os pedidos. A desembargadora Denise Bonfim comunicou o caso ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao STF.

Em sessão posterior, sob a observação de membros do CNJ, 5 magistrados se declararam impedidos de votar e/ou sob suspeição. Foram eles: Regina Longuini, Eva Evangelista, Francisco Djalma, Waldirene Cordeiro e Roberto Barros. 

            A “baixa” dos 5 magistrados impediu a formação do quórum necessário para decidir a questão aqui. Por tal circunstância, o caso foi encaminhado ao STF, sob forte protesto do desembargador Adair Longuini. Este denunciava o que chamou de “julgamento de exceção”, termo também utilizado pelos “companheiros” insatisfeitos com a condenação de José Genuíno, Zé Dirceu e consortes no julgamento do “mensalão”.   

            Antes de prosseguir na análise dos possíveis desdobramentos do caso, deixemos aqui outra reflexão.

            Cabe destacar que, mesmo consciente das relações mais que suspeitas com os envolvidos no escândalo, parte dos magistrados pretendia julgar os pedidos de liberdade. Se não o fizeram, foi em razão da corajosa e competente atuação da desembargadora Bonfim que, imediatamente, recorreu a órgãos superiores a fim de evitar o comprometimento do processo.

Guardadas as diferenças, é lícito dizer que esse fato despertou em muitos acreanos um sentimento similar àquele que o STF despertou em muitos brasileiros ao julgar os “mensaleiros”. Despertou o sentimento de que a justiça pode servir também para julgar os grandes.

            Quando os magistrados reconheceram as relações com os envolvidos e o impedimento e a suspeição que isso implicava, não o fizeram somente movidos por virtude e autocrítica. Ousamos dizer que o fizeram por força da presença de observadores de fora. O olhar dos superiores deve ter intimidado.

            O que essa atuação de parte do Judiciário acreano revela é algo profundo e sério. Mostra como as oligarquias e os poderes do estado andam juntos, numa relação de mútuo favorecimento.

            Como os poderes político estatal e econômico se reforçam mutuamente mostramos na parte primeira desse texto e em outros artigos que temos publicado. E a atuação de parte do Judiciário acreano no julgamento desse caso mostra como que, a partir da influência do Executivo, há a clara intenção de ocupar cargos nas mais diversas e estratégicas funções, fazendo com que as oligarquias locais consolidem e até ampliem seu domínio nas entranhas da máquina estatal.

            Por um lado, tal permite distribuir entre “companheiros” e familiares (por nepotismo simples ou cruzado) cargos bem remunerados, garantindo a estes agraciados também prestígio social. Aos que vierem de fora das oligarquias, até é permitida a ascensão, contanto que eles contribuam para a manutenção dos interesses dos já incluídos.

            Unidos pelo sangue e/ou pelos interesses materiais mais desabridos, aos assim alocados cumpre o sagrado (ou diabólico?) dever de zelar, a partir da função que exercem, pelos interesses compartidos entre as oligarquias. O tamanho do quinhão é decidido na correlação de forças entre as oligarquias. Desde já, porém, é preciso salientar a proeminência do grupo que controla o Executivo.

            Por tanto, o julgamento do pedido de liberdade dos envolvidos na Operação G-7 desnudou o entrelaçamento entre os poderes econômico, político (do Executivo) e do Judiciário. Mostrou que certos ministros têm plena consciência de que não foram indicados para este poder de graça ou por acaso. E que, por isso, procuravam cumprir fielmente a função para a qual foram designados, isto é, zelar pelos interesses das oligarquias às quais pertencem e/ou com as quais estão aliançados.   

            Em cenário assim, não pode grassar outra coisa senão um misto de despotismo, nepotismo e patrimonialismo. A força e o despotismo do Executivo possibilitam agraciar familiares e “companheiros” com cargos bem remunerados e politicamente estratégicos. É assim que o despotismo sustenta o nepotismo e é por ele sustentado. Unidos, um e outro facilitam a apropriação privada do patrimônio público, orientando, de dentro, as instituições investigativas, fiscalizadoras e jurídicas na direção mais cômoda aos dominantes.  



Possíveis desdobramentos


Por fim, o STF decidiu que o TJ/AC está impedido de julgar agravos regimentais, bem como qualquer processo alusivo à Operação G-7. A decisão liminar partiu do ministro Luiz Fux. 


Isso representou uma considerável derrota para o governo e todos os envolvidos no escândalo. Nas instâncias federais, as oligarquias locais não apitam tanto quanto aqui, em seu terreiro. A condenação dos “mensaleiros” assim o demonstra e aponta uma tendência em que as coisas podem piorar bastante para elas. 

No campo mais estritamente político local, o governo não vai tão mal. Controlando largamente os meios de comunicação, consegue desinformar a população e até convencer muitos de sua alegada inocência.

De outra banda, a oposição segue muito mais a reboque do que à testa dos acontecimentos. A oposição não conseguiu se apropriar do escândalo e extrair dividendos políticos dele. A fraca manifestação realizada em frente o Palácio Rio Branco mostrou o quanto ela foi precipitada e está despreparada para lidar com as massas.

            O conjunto de tudo isso prova que apenas cérebros aloprados (e como os há por aqui por essas bandas!!!) podem creditar a Operação G-7 à uma “manobra da oposição”. A oposição não consegue dar conta de si mesma, de se organizar. A sorte dela é que o governo vem acumulando uma trapalhada atrás da outra e agora a justiça está nos seus calcanhares.

Com isso, ainda que permaneça a “boa relação” do empresariado com as forças governistas, ela deve ser mais comedida. Afinal, a justiça está de olho, o que, talvez, possa resultar em uma menor estrutura de campanha nas eleições do ano que vem.

            As ameaças de morte dirigidas à desembargadora Denise Bonfim dão conta de que, entre os que foram pegos na operação G-7, há aqueles que não pretendem restringir a luta apenas aos campos político e jurídico.

Mais uma vez em nossa história, o crime volta a afrontar as instituições e a ameaçar a vida daqueles que buscam zelar pela lei. Em razão disso, aguardamos com certo receio as novidades que os dias que se avizinham nos trazem...    

            Por último, cabe dizer que verdadeiramente o rei está nu. Faz tempo alguns de nós temos alertado para isso. A PF apenas denunciou de modo mais contundente a nudez.

Contudo, por simpática que seja, cremos que a metáfora acima não dá conta do que de mais forte e podre há neste processo. Em verdade, a Operação G-7 veio comprovar de modo cabal o processo de decadência política, intelectual e moral por que faz tempo a FPA vem passando.    

[1] Cientista Social com habilitação em Ciência Política, mestre em Desenvolvimento Regional e membro do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental - NUPESDAO. E-mail: israelpolitica@gmail.com
[2] A prisão de Tiago Viana (diretor de Análises Clínicas da Secretaria de Estado de Saúde do Acre e sobrinho dos irmãos Viana) aponta positivamente para o fato de a corrupção estar presente em outros setores do governo e envolverem mais que os empreiteiros, abarcando uma gama maior e mais variada de empresários. Segundo a PF, Tiago Viana favoreceria empresas em processos de licitação pública. 
[3] Pode ser que, depois, ele ou outro consiga superar o que até aqui foi feito.

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