“Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis” (Constituição Federal de 1988).
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis” (Constituição Federal de 1988).
Nós, membros do Conselho Indigenista Missionário – CIMI – Regional MT, reunidos em nossa 39ª Assembleia anual, vimos a público lançar nosso grito de indignação, repúdio e denúncia contra a atual ofensiva que visa impedir a demarcação de terras indígenas ou reduzir os direitos constitucionais dos povos indígenas de nosso país às suas terras. Estas ofensivas, no sentido de restringir ou fazer retroceder os direitos originários desses povos, vem sendo promovidas com grande intensidade por iniciativas de diferentes setores da sociedade que vão desde os grupos ligados ao agronegócio, às mineradoras, ao Parlamento e até ao próprio governo brasileiro. Através de manifestações nas ruas de nossas cidades, campanhas na mídia e mesmo de ameaças, esses setores estão tentando destruir a resistência indígena e os aparatos legais e administrativos que garantem e permitem a efetivação dos direitos desses povos.
A oposição ferrenha e desmedida à devolução das terras aos povos indígenas tem gerado várias situações preocupantes. Nesse sentido, denunciamos a manipulação da população por parte dos invasores interessados em manter a ocupação ilegal das terras de Marãiwatsédé, pertencentes ao povo Xavante, manipulação esta que gerou um clima de comoção social, incitação à violência, ódio e racismo. Denunciamos, ainda, as ações violentas de expulsão dos indígenas Terena e Guarani de seus territórios, no Mato Grosso do Sul, as ameaças e atentados contra povos indígenas da região noroeste de nosso Estado e o ataque desproporcional contra os Munduruku, no Pará. Estas ações culminaram com a morte de indígenas e a destruição de aldeias e acampamentos desses povos.
Lideranças indígenas que se empenham na defesa da vida de seus povos tem sido criminalizadas, e, do mesmo modo, aliados destes povos também tem sido penalizados, configurando uma inversão total da responsabilidade criminal, pois quem deveria pagar pelos crimes cometidos contra a vida e contra o patrimônio dos povos indígenas continuam impunes. Tal clima de violência que busca impedir a concretização de direitos constitucionais dos povos indígenas, nos remete a situações históricas ocorridas em nosso país, como a chamada “Chacina do Paralelo 11”, na qual o povo Cinta-Larga foi bombardeado e metralhado por aviões de fazendeiros, além dos inumeráveis casos de violência etnocida contra os povos indígenas registradas pelo “Relatório Figueiredo” em 1967.
Hoje, estas ações violentas se repetem e estão sendo acompanhadas por uma avalanche de ataques, como o da Portarias 303/2012 da AGU e 7.957/2013, o PL 1.610/96, as PECs 38/1999, 215/2000 e 237/2013 cujo objetivo é destruir direitos arduamente conquistados na Constituição de 1988, pela primeira vez instituidos comclareza por esta mesma Constituição, a qual corrigia, dessa forma, uma dívida histórica de nosso país para com os povos indígenas.
A garantia e efetivação destes direitos é um dever do Estado. Os governantes do país, ao tomarem posse, juram respeitar a Constituição. No entanto, o que temos visto é a conivência com aqueles que estão dilapidando os direitos indígenas, e, mais ainda, a tomada de posições claramente antiindígenas assumidas por membros do Executivo. Relembramos que o prazo constitucional para a demarcação das terras indígenas se esgotou há mais de 20 anos e a manifesta opção política do governo de não demarcar essas terras é a maior responsável pela insegurança a que estão submetidas as populações indígenas.
Queremos ainda denunciar a campanha encabeçada por parlamentares de Mato Grosso que vem realizando supostas audiências no Estado contra a demarcação das terras indígenas. Na verdade, o que temos constatado é uma campanha de incitamento da população contra os povos indígenas, o que significa incentivar a desobediência às leis que regem este país.
Nesse sentido, repudiamos as declarações racistas e discriminatórias, inclusive de parlamentares de Mato Grosso, contra o povo indígena Chiquitano, classificando-o como boliviano, em flagrante desrespeito à Constituição e à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
Alertamos para o fato de que a negação de direitos e o esbulho das terras dos povos indígenas, mantendo uma prática genocida iniciada há mais de 500 anos, não nos permitirá construir uma sociedade justa e democrática. Neste “Brasil, país de todos”, os povos originários estão sendo condenados à morte e ao desaparecimento, vitimados pelo descumprimento dos preceitos constitucionais.
Reafirmamos nossa incondicional solidariedade aos povos indígenas e declaramos que nenhuma ameaça ou tentativa de intimidar os aliados destes povos deterá a nossa decisão de apoiá-los.
Finalmente, denunciamos o caráter injusto e antidemocrático do sistema de propriedade de terras no Brasil: porque impossibilita o cumprimento da função social da terra, prevista no Art. 5º da Constituição Federal, devido à falta de limites para sua extensão, o que exclui milhões de brasileiros de terra para trabalhar; por atentar contra a Mãe Natureza, obra do Criador, com a destruição irrecuperável da biodiversidade, e por fim, pelo caráter fraudulento de grande parte dos títulos de propriedade destas terras, obtidos pelo processo conhecido como “grilagem”, muitas vezes, com a expulsão violenta de indígenas e posseiros.
Lembramos ao governo que as recentes manifestações das ruas são uma forte indicação de que já passou da hora de atender às necessidades básicas da população, inclusive dos povos indígenas, ao invés de privilegiar o agronegócio e os grandes grupos econômicos dos quais tem demonstrado ser refém.
Fátima de São Lourenço – Pogúbo Coréu , 12 de julho de 2013.
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