Entrevista concedida por mim a reporter Maria Fernanda Seixas do Correio
Brasiliense, em 21 de maio
-Em primeiro lugar, gostaria de saber como se envolveu nas causas
indígenas?
No final da década de 80 eu
iniciei uma pesquisa, em filosofia voltada para a epistemologia, e para isso
fui em busca de uma língua e uma cultura que se mantivesse basicamente intacta.
Meu intuito era demonstrar que o processo de conhecimento e mesmo as
construções filosóficas eram elementos fundantes de qualquer cultura. Assim,
conheci os trabalhos de diversos indigenistas e conheci os próprios indígenas.
-Acredita que, no Brasil, o infanticídio é um tema que deveria receber mais atenção do estado?
O Estado brasileiro, assim como
deve ser laico, deve se reconhecer como pluriétnico e pluricultural. Na verdade
não há casos de infanticídios conforme o propagandeado por algumas correntes
religiosas que preferem satanizar a cultura do outro. Casos individuais de crimes são tratados, e
devem sempre ser tratados pelo Estado, individualmente não como sendo
coletivamente praticados. Não pode e nem é justo, por exemplo, que pais e
irmãos sejam punidos por um crime que
um apenas um membro da família tenha
cometido.
-Acha que as políticas públicas relacionadas aos índios são eficazes?
Se as políticas públicas
relacionadas aos índios fossem eficazes, nem precisaríamos estar aqui
conversando. Gastaríamos o nosso tempo com outros problemas. As políticas
públicas voltadas para os povos indígenas são vergonhosas. Temos uma Funai
inoperante, quando não a serviço do modelo desenvolvimentista. O estatuto dos
povos indígenas há duas décadas parado no Congresso. A CNPI sem força alguma e,
atualmente, sem funcionamento. As leis que ferem os direitos dos povos
indígenas são aprovadas sem nenhum problema. Verdadeiramente, nunca a
conjuntura foi favorável aos povos indígenas mas, atualmente parece ser um
tempo ainda pior.
-No seu blog você relata que muitas crianças morrem a espera de atendimento da Sesai. Pode descrever melhor alguns desses casos?
De 15 de dezembro de 2011 a 18 de
janeiro de 2012, 24 crianças morreram por diarréia apenas em uma região do
Estado do Acre. Região do Alto Rio Purus. As mortes , estas a que me refiro, ocorreram
entre os povos Madjá e Huni Kuin. Só contabilizamos as mortes de crianças por
diarréia. A diarréia já não mata mais em lugar nenhum do mundo. É doença da
miséria. Assim podemos afirmar que parte significativa dos povos indígenas
neste país e especialmente no Estado do Acre, vive na mais absoluta miséria.
Esta foto tirada por Rodrigo José, do Cimi Amazônia Ocidental, mostra uma das
crianças que foram salvas pela intervenção da equipe do Cimi. O mais importante
é observar o estado de desnutrição desta criança. Cena típica de guerra. E a
pergunta é: são mesmo os índios infanticidas?
-Acredita que a lei Muwaji pode ser vantajosa para os índios brasileiros?
Uma lei que criminaliza os índios
não pode ser vantajosa para eles.
Quantas mães, não indígenas, abandonam seus filhos logo após o
nascimento? Quantas, infelizmente não os mata? Seria justo, por causa disso,
criar uma lei que condene todas as mulheres brasileiras por crime de abandono
de incapaz e de infanticídio? Pois bem, a questão é a mesma. O Deputado que
apresentou a lei é do PV do Acre. Aqui no Acre, por exemplo, nunca houve um só
caso comprovado de infanticídio indígena na história. Não lhe parece estranho
que este senhor formule uma lei sobre uma realidade da qual ele não tem o menor
conhecimento? Você entraria em um avião pilotado por uma criança? É a mesma
coisa. Este senhor desconhece a realidade indígena e, portanto, não pode
legislar sobre ela. A lei Muwaji tem por objetivo, como já o disse, satanizar
as culturas não cristãs. No caso, os povos indígenas. Isso sim, é um crime!
Precisamos primeiro cuidar dos infanticidas que estão entre nós e muitos no
poder público e, só depois, teremos moral para acusar os povos indígenas.
-Qual sua opinião sobre o trabalho dos missionários evangélicos nas aldeias brasileiras?
Primeiro é preciso que se corrija
o termo “evangélicos”. Evangélica é toda religião cristã, já que não pode e não
há referência à Cristo fora dos evangelhos. Logo, todo cristão é
necessariamente “evangélico”. Dentre estes evangélicos precisamos distinguir as
diversas religiões a que pertencem. Existem inúmeras religiões evangélicas
pentecostais, outras tantas tradicionais e outras apostólicas, onde se inclui a
Católica. Muitas, a imensa maioria, só possuem uma única sede e não realizam
qualquer trabalho junto aos indígenas. Outras ainda, como é o caso dos
Luteranos, realizam um excelente trabalho junto a estes povos. Outras,
notadamente pentecostais em sua maioria, atuam junto aos povos indígenas mas
exclusivamente realizando proselitismo (do
grego prosélytos,) palavra que hoje é utilizada
para descrever a agressividade de uma religião ou seita para converter novos
seguidores. É a estes últimos que a lei muwaji pretende proteger e dar crédito.
Ou seja, uma lei a serviço de um segmento religioso com fins proselitistas.
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