Marcelo Barros
Monge beneditino e escritor
Adital
Ilustração: rafaelp77.wordpress.com
A cada ano, se celebra o dia internacional da mulher para educar toda a humanidade sobre a total igualdade de direitos e condições entre homem e mulher, no respeito às diferenças de gêneros e na construção comum de um mundo novo possível. A comemoração dessa data anual tem ajudado a criar uma nova consciência social, mas não basta. É importante fermentar toda a sociedade com esse princípio e mostrar que o patriarcalismo e o machismo fazem mal a todos, mulheres e homens. É preciso criar uma cultura nova de inclusão e justiça na relação de gêneros.
Há quem julgue isso mais difícil nas sociedades tradicionais da América Latina. Quando se analisa a cultura de nossos povos, a sua literatura e arte, a música popular, tanto a sertaneja como a de raízes e outras expressões como o Carnaval e as festas juninas, pode-se pensar que a América Latina, embora não seja o berço do machismo, foi onde ele foi melhor cultivado e se encontra muito bem enraizado. De fato, não é justo fazer análises genéricas e que não levam em conta as peculiaridades de cada cultura local. Muitas vezes, determinadas culturas, patriarcais e machistas nas relações afetivas e românticas, são matriarcais em outras instâncias. Também o feminismo tem muitas correntes e variações. Cada uma delas nos chama a atenção para um aspecto da realidade. Insiste que a luta seja de homens e mulheres e não somente de mulheres pela dignidade e direitos femininos e propõe que essa luta se dê a partir de tais princípios ou questões.
Hoje, vários países da América Latina estão vivendo um momento social e político novo. A Bolívia, o Equador e a Venezuela lideram um processo de independência do velho colonialismo imperial, aprofundam um estilo novo de democracia participativa (e não só parlamentar) e principalmente constroem uma verdadeira integração e cooperação entre todos os países do continente, como a pátria grande, a "Nuestra América” que no século XIX, Simon Bolívar e José Martí sonharam e projeto pelo qual deram a vida. Esse processo que hoje chamamos bolivariano não é somente social e político. É também cultural. Baseia-se nos valores das culturas indígenas e afrodescendentes e propõe como objetivo do Estado e da sociedade civil o bem viver, noção indígena que corresponde ao que, para os cristãos, o evangelho chama de "vida em plenitude”. O Brasil entra propriamente no processo bolivariano, mas participa do seu caminho de integração. O governo parece ainda acreditar no neoliberalismo em crise em todo o mundo, mas os movimentos populares aprendem muito com o bolivarianismo e dialogam com os companheiros e companheiras dos países mais inseridos no processo.
Nesse processo bolivariano, é fundamental perceber e valorizar o papel especial das mulheres e sua contribuição específica. Não basta que o Brasil tenha uma mulher como presidenta da República pela primeira vez na história. O importante é perceber e valorizar a participação das mulheres nos movimentos populares e organizações da sociedade civil. Na América Latina, em movimentos indígenas e camponeses, as mulheres têm sido profetizas do cuidado com a terra, na relação de amor com a natureza e em propor novas relações no seio da família e da sociedade. A meta do bem viver tem algo que somente uma justa e profunda relação de gêneros pode alcançar.
Infelizmente, embora o evangelho de Jesus tenha como princípio a igualdade absoluta entre homens e mulheres, até hoje, a Igreja Católica e as Igrejas ortodoxas não se abriram à participação igualitária da mulher e do homem nos ministérios e nos cargos de maior responsabilidade na Igreja. Como Igreja é fundamentalmente Igreja local, essa mudança só poderá ocorrer a partir das bases. E aí sim, as comunidades cristãs poderão dar um verdadeiro e profundo testemunho do reinado divino que vem a esse mundo.
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