O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), assim como outras organizações indigenistas, decidiu não participar da "Oficina com a Sociedade Civil sobre o processo de regulamentação da Consulta Prévia - Convenção 169 da OIT", promovida pela Secretaria Geral da Presidência da República, em Brasília (DF), nessa semana.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma conquista histórica e fruto das lutas travadas pelos povos originários e tradicionais em defesa de suas terras. Desse modo, é de fundamental importância assegurar a aplicação deste instrumento internacional, pois a Convenção 169 pode significar uma nova forma de relação entre o Estado e os povos originários e tradicionais.
Justamente por essa razão a discussão deve ter um caráter que assegure de fato a emergente possibilidade, e não tratada como mera formalidade ou forma de melhorar a imagem do país no mundo. Por enquanto, a opção governamental é pela formalidade, para a decepção de todos e todas envolvidos – seja para quem está acima, como para quem está abaixo da rampa do Palácio do Planalto. A análise do movimento indígena é de que o governo federal precisa sinalizar com o interesse de conduzir de forma efetiva essa nova relação entre Estado e comunidades tradicionais.
Infelizmente a maneira como a regulamentação vem sendo conduzida apura a linguagem ideológica colonialista, aprofundando na democracia os instrumentos de dominação racial; o sistema de eticidade ‘branco’ determina regras que visam salvaguardar direitos de comunidades indígenas, quilombolas. Justo e necessário, portanto, é o posicionamento da Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros (Apib) em não prosseguir com o diálogo pela regulamentação enquanto o governo não revogar a Portaria 303 da AGU.
É de conhecimento público que tal portaria se contrapõe e ofende a Convenção 169 quando permite a entrada de grandes empreendimentos em terras indígenas sem nenhuma consulta às comunidades que nelas habitam. Não é aceitável lançar regulamentação de tal importância na arena de ferinas contradições, estimulando a autofagia jurídica. Infelizmente tratamos de medidas e conteúdos inconciliáveis e o governo deverá, de uma vez por todas, fazer uma opção política cristalina, sem tergiversações.
Na última semana, nos deparamos com a notícia de que os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da AGU, Luiz Inácio Adams, orientaram a bancada ruralista a elaborar o PLP 227. Causa estranhamento que tal projeto contenha em si termos presentes na Portaria 303 como marco regulador para definir, na Constituição, em seu artigo 231, o que é exceção para o usufruto exclusivo das terras tradicionais. Permeado por essas ‘coincidências’, com figuras como Adams figurando em quase todas elas, o governo segue errando em tentativas de conciliações de classe, achando que pode com o pensamento ideológico colonial fazer o Bom Governo para as comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais.
Tal caminho torna-se ainda mais acidentado pela decisão em alterar o procedimento de demarcação de terras indígenas, ressaltado pela presidente Dilma Rousseff em encontro com lideranças no último dia 11 de julho. Não há razoabilidade e tampouco garantia do cumprimento dos verdadeiros efeitos da Convenção 169 no processo de regulamentação tocado pelo governo. Experiências como a construção de usinas hidrelétricas nos rios Xingu, Teles Pires e Tapajós, no Pará, reforçam ainda mais a análise exposta.
Não é por falta de aviso e postura política dos movimentos indígena e indigenista que as partes se vêem em tal contenda. Na carta final do IX Acampamento Terra Livre dos Povos Indígenas, ocorrido entre 15 e 23 de julho de 2012, durante a Cúpula dos Povos, no Rio de Janeiro, os povos expuseram o que pensavam sobre a regulamentação da Convenção 169. Segue:
“Exigimos a garantia do direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado, de cada povo indígena, em respeito à Convenção 169 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, de acordo com a especificidade de cada povo, seguindo rigorosamente os princípios da boa-fé e do caráter vinculante desta convenção. Precisamos que seja respeitado e fortalecido o tecido institucional de cada um de nossos povos, para dispor de mecanismos próprios de deliberação e representação capazes de participar do processo de consultas com a frente estatal”.
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