Padilha
Filosofia, Antropologia, Política, Sociologia, Indigenismo
quarta-feira, 9 de julho de 2025
quarta-feira, 23 de abril de 2025
A CANOA, UM POVO
Lindomar Dias Padilha[1]
I.
Introdução
A proposta
deste trabalho é inicialmente apresentar ao leitor parte do tema sobre o qual
me propus a discorrer em minha tese de doutorado que versará sobre a relação
entre as conquistas territoriais do povo Apolima-Arara e a importância de suas
manifestações míticas e espirituais neste processo. Para isso entendo, e este é
o centro do atual trabalho, ser necessário narrar um pouco de como se deu o
primeiro contato meu com este povo. Procurarei descrever o principal fato, o
encontro, a partir da canoa e, em seguida, a vida vivida naqueles primeiros
anos onde a escassez era a regra e os conflitos eram intensos, mas a história
se fazia. A partir da visualização da canoa, posteriormente, pudemos visualizar
o povo. Essa passagem da canoa ao povo é muito importante para que possamos
compreender como isso resultou no, digamos, reencontro de um povo com seu
território na busca por direitos. O trabalho está dividido em três momentos que
se entrelaçam na construção do evento como todo. A canoa, que nos permitiu
acessar o povo, quem são os Apolima-Arara e finalmente, a reconquista do
território, sendo esta terceira parte um fechar como considerações. Pelo certo,
dado que farei uma recuperação histórica, devo considerar que segundo BOAS
(1896, p. 37) investigação histórica deve ser o teste crítico demandado pela
ciência antes que ela admita os fatos como evidências, tomarei por base
histórica as próprias pesquisas e conclusões apresentadas no relatório de
identificação e delimitação do território.
Além de
dados históricos, por certo farei uso de minhas próprias observações sempre
considerando o que diz MALINOWSK (1978, p. 22) que um trabalho etnográfico só
terá valor científico irrefutável se nos permitir distinguir claramente de um
lado, os resultados da observação direta e das declarações e interpretações
nativas e, de outro, as inferências do autor. Pelo fato de eu me fazer presente
no processo desde o primeiro contato com o Povo Apolima-Arara, se torna
impossível não recorrer às minhas memórias e outros registros pessoais.
Considero
a escrita deste trabalho um revisitar os anos compreendidos entre 1998 e 2023,
ano em que a terra dos Apolima-Arara foi finalmente homologada, mesmo que por
lá ainda estejam algumas famílias de nawá, não indígena na língua Apolima-Arara.
Porém, farei um recorte temporal menor, de 1999 a 2009 por ser o tempo em que
ocorreram os principais acontecimentos. Tomarei por base os princípios da
observação participativa nos termos de Malinowsk
Os princípios metodológicos podem ser agrupados em três unidades: em
primeiro lugar. é lógico, o pesquisador deve possuir objetivos genuinamente
científicos e conhecer os valores e critérios da etnografia moderna. Em segundo
lugar, deve o pesquisador assegurar boas condições de trabalho, o que
significa, basicamente, viver mesmo catre os nativos, sem depender de outros
brancos. Finalmente, deve ele aplicar certos métodos especiais de coleta,
manipulação e registro da evidência. (MALINOWSK, 1978, p.24).
Na
atualidade, apresentarei apenas entrevistas realizadas com o cacique, via rede
social, quando este se encontrava na cidade. Saliento que, como tratarei de
fatos pretéritos, há uma dificuldade adicional que é aplicar e relacionar
teoria sobre fados dados. Mas, aqui trago uma outra perspectiva: “o lugar da
militância”. O lugar de minha formação militante foi que me possibilitou
realizar tais observações e construir essas narrativas, sobretudo porque a base
teórica só a estou podendo vislumbrar agora. Ao final retornarei a esta ideia.
II A canoa
O ano era 1999. No dia 09 de setembro daquele
ano, iniciamos a histórica viagem e expedição rumo ao Alto Rio Juruá e seus
afluentes, a partir da cidade de Cruzeiro do sul, estado do Acre até a
fronteira com o Peru. Digo que foi histórica porque foi nesta viagem que
encontramos o povo Apolima-Arara. Nossa modesta expedição contava comigo, Rose,
Rosildo que era indígena pertencente ao povo Jaminawa Arara e Sr. Raimundo,
barqueiro e comandante do batelão[2] de
nome ajurí[3] de
posse da equipe do Cimi. Também levávamos uma pequena canoa para ser utilizada
nos igarapés onde o batelão não conseguisse entrar.
A viagem, em seus primeiros dias
principalmente, apresentou inúmeras dificuldade decorrentes sobretudo de nosso
desconhecimento da região e, como arigós[4] que
éramos, não imaginávamos encontrar tais obstáculos. O pior deles, porém, foi a
severa seca do Rio Juruá naquele mês de setembro.
Era 23 de setembro, uma quinta
feira. Após quatorze dias de viagem, nos encontrávamos já próximo à sede do
município de Marechal Thaumaturgo, cerca de oito praias, quando Rose avistou
uma canoa que lhe pareceu diferenciar das que os ribeirinhos normalmente
utilizam e me convidou para também observar a tal canoa. Fiz sinal para que o
comandante parasse o batelão e retornasse para o local onde tínhamos avistado a
canoa, o que ele fez de pronto. Ancoramos o batelão no barranco próximo à canoa
e constatamos que de fato era muito diferente das demais que conhecíamos na
região.
A canoa era construída de um único
tronco tendo suas proa e polpa arredondadas. Medindo cerca de cinco metros de
cumprimento e a parte mais larga cerca de 80 centímetros, com madeira
claramente cavada como que escupida. No interior da canoa três pequenos paus
roliços serviam de banco. Um design inconfundível e uma verdadeira obra de
engenharia aeronáutica. Na proa da canoa um cipó cujo nome não me fora dito,
voltava-se para o alto do barrando até uma pequena árvore onde se encontrava cuidadosamente
amarrado, uma âncora em direção oposta à água. Em relação a madeira utilizada e
o processo de confecção daquele modelo de canoa o cacique Francisco me informou
por meio de entrevista, via mensagens de áudio em rede social, que:
Outra coisa, seu Lindomar, referente a madeira que o senhor perguntou que
a gente faz de um pau só é utilizado, às vezes, o Cumarú. Principalmente o
Cumarú que é um pau melhor de abrir no fogo e a Guariúba. Esses dois são os pau
melhor que tem para trabalhar aquele tipo de canoa. A gente abre no fogo.
Primeiramente a gente cava, né? E aí quando tá cavada a gente abre ela no fogo.
Tem dois tipos de fazer ela. Já diretamente cavada, sem ser preciso abrir no
fogo e também ela já feita para abrir no fogo. Ela fica mais moldeada, né? Boleada.
Mas a madeira mais utilizada mesmo é o Cumarú e a Guariúba. (SIQUEIRA, entrevista
concedida em 26/07/24).
Embora eu já soubesse o nome da
madeira usada na fabricação daquele modelo de canoa, e o leitor saberá como eu
soube do nome mais ao final, optei por consultar o cacique para maior
legitimidade e atualização deste tipo de informação. Nesta entrevista, o
cacique Francisco, também conhecido como Chiquinho Arara, explica o tipo de
madeira utilizada para a construção daquele modelo de canoa e ainda explica,
mesmo que de forma rápida, o processo de confecção da canoa. A entrevista
indica ainda que eles continuam fazendo este tipo de canoa, digamos,
tradicional e de forma artesanal. Ao final apresentarei uma foto que fiz de uma
dessas canoas em 2023.
Decidimos
subir o barranco, eu e Rose porque os demais permaneceram no batelão, para ver
se encontrávamos o dono da canoa. O barranco estava muito alto porque o nível
das águas do rio estava muito baixo em razão da seca já mencionada. Assim que
subimos o barranco, nos deparamos com uma pequenina casa de madeira e coberta
com palhas, elevada cerca de 1,30 metros do chão, típicas da região. Avistamos
um senhor com traços marcadamente indígenas aparentando ter seus 70 anos, mais
ou menos, de bermuda e sem camisa que ao nos ver apenas se acocorou em uma
espécie de trapiche que avia logo na frente da casa, como se fosse uma pequena
varanda sem cobertura. Atrás dele havia uma menina moça aparentando uns 15 anos
de idade, que ao nos ver tratou de fugir pelos fundos da casa e esconder-se na
mata.
Depois de
longos segundos de silêncio total, resolvemos iniciar uma conversa. Iniciamos
por nos apresentar. Dissemos quem éramos, para quem trabalhávamos e qual era o
nosso interesse naquela região pouco visitada. Diante da dificuldade de
estabelecermos um diálogo, perguntei se aquela canoa no rio era dele e aí sim,
ele respondeu que sim. Então, indagamos a razão de ser uma canoa tão diferente
das demais? Neste momento aparece uma terceira pessoa, também um senhor
aparentando ter 70 anos mais ou menos. Este, porém, estava de bermudas, com
camisa e ainda um boné de cor acinzentada. Somente com a chegada deste segundo
senhor é que a conversa pode fluir melhor, tanto que depois de alguns minutos a
menina foi chamada a retornar à casa.
O primeiro
senhor finalmente se apresentou e em seguida tratou de apresentar os demais.
Ele era Thaumaturgo de Azevedo, a moça chamava-se Celiene e era neta de seu
Thaumaturgo. O outro senhor era chamado por Zé do Basílio. Seu Thaumaturgo
falava misturando o português com espanhol e outra língua que não era possível
identificar, mas foi possível a compreensão. Inicialmente seu Thaumaturgo, com
muita desconfiança de nós, procurou desqualificar nosso trabalho associando-nos
à Fundação Nacional do Índio – Funai, que hoje se chama Fundação Nacional dos
Povos Indígenas. Ao ler Gluckman pude entender melhor o sentimento do senhor
Thaumaturgo.
Contudo, como Fortes já salientou, "os agentes de contato" são
"em larga escala, personalidades socialmente estereotipadas, tanto do
ponto de vista dos nativos quanto do ponto de vista dos órgãos da civilização
europeia, para quem funcionam como instrumentos". (GLUCKMAN, 2010, p.
332).
Os “agentes
de contato”, lá como neste caso com os primeiros Apolima-Arara, fomos tratados
como representantes do governo e isso criava uma barreira enorme entre nós.
Todavia, com o tempo e com algumas intervenções do Sr. Zé do Basílio, seu
Thaumaturgo foi se acalmando e pude finalmente perguntar a ele se eu podia
tomar nota de algumas coisas sobre sua história e o porquê de estarem ali, ao
que hesitante, disse sim, mas não via em nós possibilidade de ajudá-los. Então
começamos a fazer anotações em nossos diários de campo lembrando aqui do que
dizia Malinowsk:
devemos não só anotar os acontecimentos e detalhes ditados pela tradição
como pertencentes à própria essência do ato, mas também registrar as atitudes
de atores e espectadores, umas após as outras. (MALINOWSK, 1978, p. 35).
Quase
lacrimejando, seu Thaumaturgo passou a contar a sua história, a história de dor
e desterritorialização de seu povo. Quando terminei de anotar o seu relato
perguntei se poderia levar aquelas informações às autoridades e ele disse sim,
recobrando o semblante com uma leve expressão de esperança. Tanto que pedi para
tirar uma foto deles e ele permitiu, não sem antes trocar umas poucas palavras
com o Zé do Basílio e passar as mãos pelo rosto por umas duas vezes. Aquela
atitude me fez pensar que ele ainda estava sob sentimentos ambíguos ou dúvidas.
Então fiz a foto! Estávamos diante não apenas de três pessoas, mas de um povo
que se revelava a nós, ao estado do Acre e ao Brasil. Sublime alegria a minha!
E tudo por causa de uma canoa!
II.
Os Apolima-Arara
Em minha
dissertação de mestrado PADILHA (2021, p. 69) destaco que as primeiras
referências conhecidas aos Arara (Xawanáwa) do alto Juruá foram feitas no
início do século XX, e que segundo PEREIRA NETO (2004, p. 26), é possível que
naquele tempo mais de um grupo fosse chamado do mesmo modo ou de forma
semelhante, localizando-se alguns deles, inclusive, na região do rio Tarauacá.
Importa explicar aqui que o Rio Tarauacá, embora não seja afluente do Rio
Juruá, àquela época era considerado um rio pertencente à administração do Alto
Juruá.
um relatório da Prefeitura do Alto Juruá mencionava a existência de
numerosas malocas indígenas naquele departamento citando na bacia dos rios
Tarauacá e Envira as tribos dos aninauás, ararapinas, ararauás, canamaris,
capanáuas, caiuquinas, caxinauás, contanauás, curinas, curinas espinhos e bocas
pretas, aninauás, marinauás e tuxinauás. (MENDONÇA, 1998, p. 194).
Talvez
seja justamente por isso que no povo Apolima-Arara há uma predominância dos
ditos “Arara” pois, na verdade há uma miscigenação muito grande entre outros
povos, especificamente, segundo COUTINHO (2003, p. 1) os Amawáka, Koníbo, Santa
Rosa, Kampa e Kaxinawá. Esta miscigenação se deveu por algumas razões, mas
especialmente pelo recrutamento forçado de indígenas para trabalharem no corte
da seringa nos seringais por meio de ataques conhecidos como correrias[5] em
toda a região.
Tentativas
de retornarem ao território de origem foram feitas, mas a Funai, quando fez a
demarcação do território para os Ashaninka do Rio Amônia, território contiguo
ao hoje território dos Apolima-Arara, não procurou demarcar também a terra dos
Apolima-Arara o que resultou em uma nova dispersão do povo que, mais uma vez
foi expulso de seu território. Essa foi a segunda explicação mais dolorida que
ouvi de própria boca de seu Thaumaturgo
Aparentemente,
a FUNAI não se deu conta do que tinha ocorrido no rio Amônia até o ano de 1999.
Nessa época, a equipe do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) de Cruzeiro do
Sul, nas pessoas de Lindomar Dias Padilha e Rosenilda Nunes Padilha, dirigiu ao
chefe do Posto Indígena da FUNAI naquela cidade, Hudson
de Melo Barros, um expediente datado de 18.11.1999 afirmando, entre outros
assuntos, que durante uma viagem pelo alto Juruá nos dias 13 e 14 daquele mês
haviam constatado a presença de um agrupamento indígena que denominaram
'Apolima'. (PEREIRA NETO, 2003, p. 56).
Aquele
primeiro encontro com seu Thaumaturgo, Celiene e Zé do Basílio e a visita aos
demais membros do povo que ficaram espalhados ao longo do Rio Amônia, afluente
da margem esquerda do Rio Juruá, resultou em um relatório com fotos e textos
apresentados à Funai que se comprometeu conosco a criar um grupo de trabalho
para proceder à identificação do povo. Aqui cabe lembrar GEERTZ (2008, p. 14)
quando diz que o etnógrafo "inscreve" o discurso social: ele o anota.
Ao fazê-lo, ele o transforma de acontecimento passado, que existe apenas em seu
próprio momento de ocorrência, em um relato, que existe em sua inscrição e que
pode ser consultado novamente. A data apresentada pelo funcionário da Funai, à
época chamado de “chefe de posto” em função do cargo, Sr. Hudson de Melo Barros,
é bastante incerta.
A partir
daquele primeiro encontro e após visitar os demais indígenas do povo espalhados
pela região, nos programamos para realizar viagens mais frequentes e com maior
permanência entre eles. Em menos de um ano decidiram retornar ao território de
origem e passaram a viver em conjunto em uma só aldeia a qual denominaram Novo
Destino. Inclusive seu Thaumaturgo que inicialmente estava descrente, voltou e
foi morar na nova aldeia. Com o retorno ao território e a formação da aldeia,
passamos a permanecer por dias e até meses morando com o povo para aprender
melhor a história e a forma de viverem sua cultura. Além do aprendizado de
minha parte, a convivência com eles também os ajudava a acreditar e lutar pela
reconquista do território que se encontrava totalmente invadido.
III. Considerações:
A partir
da reconstituição da aldeia, além da esperança, aumentaram os conflitos e,
portanto, aumentou muito a necessidade de me fazer presente por mais vezes e
permanecer por mais tempo em cada uma dessas idas à aldeia. Aumento também a
confiança deles em mim. Os cinco primeiros anos, enquanto me dedicava a
escrever a história deles, fui também me apropriando de seu jeito de ser, de
pensar de sonhar e pude, nesse processo, participar de diversos rituais. Não
consegui refletir muito sobre os rituais porque a demanda para produzir
documentos para encaminhar às autoridades e ainda o cuidado com a própria vida
me consumia bastante.
Para
produzir documentos confiáveis tínhamos, eu e os meus narradores, que centrar
muito na condução histórica do processo e na formalidade. Não é fácil fazer
registros sob forte pressão. Interessante que ao ler Malinowsk pude perceber
com maior clareza aquilo que eu vivia e sentia quase que como uma intuição.
Mas, ali também estava presente as informações adquiridas a partir da
militância, o meu lugar. Me refiro mais especificamente à angústia de ter que
fazer história, escrever no campo das leis, do direito e ainda fazer registros
etnográficos.
Nas ciências históricas, como já foi dito, ninguém pode ser visto com
seriedade se fizer mistério de suas fontes e falar do passado como se o
conhecesse por adivinhação. Na etnografia, o autor é, ao mesmo tempo, o seu próprio
cronista e historiador; suas fontes de informação são, indubitavelmente,
bastante acessíveis, mas também extremamente enganosas e complexas, não estão
incorporadas a documentos materiais fixos, mas sim ao comportamento e memória
de seres humanos. (MALINOWSK, 1978, p. 23)
Fazer essa referência a Malinowsk
não significa necessariamente confirmar e simplesmente reafirmar o método, mas
é unicamente colocar-me diante da experiência. Certa feita, quando eu estava na
mata acompanhando um grupo de homens que ao mesmo tempo que caçavam
fiscalizavam o território. Pela hora do almoço nos reunimos todos no
acampamento. Enquanto comíamos uma carne de veado que que Assis havia matado, o
próprio Assis começou a falar sobre uma árvore que ele havia visto ali pelas
redondezas. Ele descreveu a árvore com tanta precisão e interesse que eu tive
que perguntar o porquê aquela árvore era tão importante para ele? Ele respondeu
com uma espécie de devoção à árvore: “aquela árvore é Cumarú. O Cumarú anda na
terra e na água, por isso ele é muito importante para nós”. Eu não entendi e
resolvi acrescentar mais uma pergunta: como ele anda na água? Como isso é
possível? “seu Lindomar, é com o Cumarú que fazemos nossas canoas”.
A única coisa que historiadores e etnógrafos conseguem fazer, e a única
coisa que se pode pedir que façam, é expandir uma experiência particular para
as dimensões de uma experiência geral ou mais geral, de modo que ela se torne,
por essa razão, acessível enquanto experiência a homens de outras terras ou
outro tempo. (GEERTZ,2008, P. 32).
Com essa
fala de Geertz quero retornar ao ponto onde iniciei para reforçar minha
convicção pessoal de que o grande encontro que tive com os Apolima-Arara foi na
verdade conduzido inteiramente pelo “espírito do Cumarú”, a canoa!
Referências
Boas, Franz, 1858-1942. Antropologia
cultural / Franz Boas; textos selecionados, apresentação e tradução, Celso
Castro. - 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005
COUTINHO, Walter JR. Relatório de Identificação
e Delimitação da Terra Indígena Arara do Rio Amônia, Fundação Nacional do
Índio – FUNAI, Brasília 2003.
GEERTZ,
Clifford, A interpretação das culturas (1926) 1ª Ed. LTC, Rio de Janeiro, 2008.
GLUCKMAN, Max. Análise de uma situação
social na Zululândia moderna. In: FELDMAN-BIANCO, Bela (org.). Antropologia das
sociedades contemporâneas. 2. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2010. p. 237-265.
MALINOWSKI, B. Argonautas do Pacífico
Ocidental: um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos
da Nova Guiné melanésia. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Coleção Os
Pensadores).
MENDONÇA, Belarmino. Reconhecimento do Rio Juruá
(1905). Ed. Italiana e Fundação Cultural do Estado do Acre, coleção Reconquista
do Brasil, vol. 152, Acre, 1989.
PADILHA, Lindomar Dias. Dissertação de mestrado. Direitos
humanos e povos originários na Amazônia Ocidental: Demarcação dos territórios
como fundamento para um modelo baseado no Bem Viver – O caso
Apolima-Arara. UCP,2020
PEREIRA NETO, Antônio “Relatório de conclusão da
delimitação da terra indígena Arara do rio Amônia, município e Marechal
Thaumaturgo-AC, em cumprimento à I.E. no 165/DAF de 04/12/03”. Brasília:
FUNAI, 19 de janeiro, 2004.
SIQUEIRA, Francisco. Cacique do
povo Apolima-Arara: entrevista concedida a Lindomar Padilha em 26 de julho de
2024.
[1]
Doutorando em Antropologia pela Universidade Federal de Pelotas (PPGANT/UFPEL),
mestre em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP), Pós-graduado
em Desenvolvimento Social no Campo: Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades
Tradicionais pela Universidade de Brasília (UnB), Filósofo indigenista.
[2]
Nome dado na região embarcações de médio e grande porte, mas que têm o fundo
chato e pequeno calado para facilitar a navegação em águas mais rasas, como era
o caso no Alto Juruá.
[3]
Significa “eu vim ajudar ou simplesmente mutirão. Palavra muito utilizada na
Região Amazônica para designar a forma de produção das comunidades.
[4]
No acre “arigó” inicialmente se referia aos nordestinos que vinham trabalhar no
corte da borracha e, por não conhecerem a região, tinham dificuldade para
locomoção entre as estradas de seringa.
[5]
As correrias eram perseguições armadas aos povos indígenas que acompanharam a
abertura e a instalação dos seringais no Acre, no final do século XIX e início do
século XX. Disponível em: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kuntanawa#:~:text=%5BAs%20correrias%20eram%20persegui%C3%A7%C3%B5es%20armadas,e%20in%C3%ADcio%20do%20s%C3%A9culo%20XX%5D.
Acessado em: 27/07/24.
sexta-feira, 21 de março de 2025
TEMPO DE DESCARTE
Meu tempo é
liberdade!
(Sobre a Rose)
Há tempo para o tempo
O viver como passatempo
O não cronos, a arte
Não pode haver tempo de descarte
Há o tempo da Vida
Não pode haver o da cida
O tempo é o todo, não uma parte
O tempo da vida, não do descarte
Tempo ontem no ritual
No tempo presente, atual
Tempo linear... desastre
Tempo da mentira... descarte
Não me dói o tempo da dor
Poderia, porém, ser do amor
Dói o crime do bacamarte
Dói o crime do descarte
Mas, viverei no
meu tempo!
Sempre!
quinta-feira, 13 de março de 2025
PEGUE A PORANGA QUE MADIJÁ ABRIU OS OLHOS!
Primeira assembleia do povo Madjá do
Rio Envira, Feijó, Acre.
Lindomar Dias
Padilha[1]
Com o tema TERRITÓRIO
PROTEGIDO: Soberania Alimentar e Espaço de Políticas Públicas foi realizada a I
Assembleia do povo Madijá do Rio Envira, no município de Feijó, no estado do
Acre nos dias 30 de abril a 02 maio. Todas as aldeias das três terras indígenas
localizadas no Médio e Alto Rio Envira: T.I Jaminawa/Envira, que acolheu os
representantes delegados, T.I Igarapé do Pau e T.I Kulina[2] do Rio Envira além de
outras três lideranças da Aldeia Macapá, município do Envira, AM. Ao todo 150
lideranças se juntaram à comunidade da aldeia “Jaminawa” para discutir seus
problemas, compartilhar experiências, encontrar caminhos, exigir direitos e
respeito. Abrir os olhos!
A assembleia Madjá do Rio
Envira, faz parte de um conjunto de assembleias regionais e locais que o povo
Madijá vem realizando com apoio do Cimi Regional Amazônia Ocidental no intuito
de refletir sobre a dramática situação de violências, assassinatos, suicídios e
quase que total abandono do poder público, vivida por este povo que é um grande
povo com sua história escrita com suas próprias “tintas” na história dos povos
indígenas da Amazônia Ocidental e mesmo na história do Brasil. Já foram
realizadas quatro assembleias locais (por terras e aldeias mais próximas)
restando ainda mais duas a serem realizadas. Uma na Aldeia Macapá, município de
Envira, AM e outra no Alto Rio Purus, município de Santa Rosa do Purus, AC. Ao
final de todas essas assembleias, será realizada uma assembleia mais ampla e
que reunirá todos os encaminhamentos, propostas e decisões tiradas nas
assembleias locais.
Entretanto todos os
documentos, encaminhamentos, propostas e decisões tomadas já durante a assembleia
Madijá do Rio Envira, foram encaminhadas às autoridades e as reivindicações e
demandas serão acompanhadas e seu cumprimento exigido. Os Madijá decidiram
retomar a sua história em suas mãos e exigem respeito!
Caminhos
e encontros:
Caudalosos e sinuosos são
os rios que acolhem e transportam as histórias e a vida do povo Madijá e os Madijá,
acolhidos, acolhem os rios e a partir deles seguem escrevendo e vivendo suas
histórias. Histórias de rios, presente e graça de Tamaco e Quira, criadores do
povo que é gente em si, nos rios e em tudo que a natureza, com seu sopro
refrescante os presenteia e eles mesmos, como se fosse gesto de gratidão, nos
presenteiam com sua singular existência. A dádiva que os criou nos é entregue
por eles para que sejamos melhores e gratos.
Foi entendendo ser este
navegar preciso que o povo Madijá se pós a caminho e no mesmo entendimento de
navegar em solidariedade foi que o Cimi Regional Amazônia Ocidental se juntou
neste navegar pelas calhas dos Rios Juruá, Envira Purus e dezenas de paranás e
igarapés, revisitando “parentes” e contribuindo na construção de barcos, canoas
e remos capazes de trazer de volta a dignidade e o respeito devido a este
grande povo, o que também chamamos de liberdade!
Madijá e Cimi iniciaram a
navegação rumo ao município de Eirunepé, no Amazonas, descendo até o médio
Juruá onde ancoraram na Terra Indígena Madijá do Médio Juruá, aldeia Eirú, no
Rio Eirú. Diferente das caravelas dos invasores, os barcos Madijá traziam
esperança e muita força e disposição para lutar e celebrar com os parentes. Foi
a primeira assembleia local de retomada da história nas mãos. A esta se
seguiram mais duas: Na Aldeia Piau, Município de Ipixuna, AM e Aruanã, no
município de Envira, AM. Todas no mesmo espírito, considerando
alquimias e rituais até que...
Numa manhã chuvosa de
final de inverno amazônico, uma terça feira, 25 do mês dedicado aos povos
indígenas, vimos as cordas que prendiam o nosso batelão (barco feito em
madeira) serem desamarradas libertando-nos para um navegar rio acima, rumo ao
território do povo Madijá da Terra Indígena Jaminawa/Envira, Aldeia Jaminawa. O
batelão seguiu nos conduzindo por quatro dias. Quatro dias pode parecer um
tempo longo, mas nada se comparado à ansiedade por rever amigos e encontrar a
verdadeira história, prestes a ser desvendada diante de nossos olhos que também
precisavam ser abertos e desnuviados para enxergarmos os caminhos. Tal qual o
seringueiro que “na estrada de seringa parte sempre do ponto de chegada”, assim
nós, partíamos rumo ao nosso próprio encontro.
Como disse Euclides da
Cunha em suas andanças por estas bandas: “Quando
nos vamos pelos sertões em fora, num reconhecimento penoso, verificamos,
encantados, que só podemos caminhar na terra como os sonhadores e os
iluminados”. Tanto mais agora que rumamos ao paraíso Madijá feito inferno
pelo colonizador.
O batelão deslizava sobre
as águas caudalosas e barrentas do velho Rio Envira de “Santa Maria da
Liberdade” e tantas santas e mártires, Almas do Bom Futuro! Para trás, ficava o
rastro dos motores em forma de maresia que seguiam em ondas até se chocarem com
as barrancas do Rio. Barrancas que outrora e ainda hoje emprestam seu nome para
titular e condecorar os malfeitores e asquerosos “coronéis de barranco”,
algozes ontem e hoje dos Madijá e tantos outros povos. A cidade de Feijó cada
vez mais distante, assim como o Estado Brasileiro que nunca chega nesses altos
rios! Logo, estávamos indo em direção aos Madijá, mas para chegarmos
efetivamente ao Estado brasileiro. È preciso chegar ao ponto de onde partimos!
Que encontro! Histórico
encontro com a história! Ao chegarmos à Aldeia Jaminawa começamos a abrir
nossos olhos, mas foi Almir Kulina quem disse: “De hoje em diante o povo Madijá
está abrindo os olhos” (Almir Kulina, cacique Madjá da Aldeia Igarapé
do Anjo, T.I Kulina do Rio Envira). Os Madijá estavam abrindo os nossos olhos,
ouvidos, corações e almas e achavam que nós, caboclos de tantas e incertas
origens, é que estávamos os ajudando a abrirem os olhos.
Opa! Auto lá! Pegue a
poranga e vamos para a estrada (de seringa) que Madijá abriu os olhos! E todos começamos a enxergar o abandono do
Estado brasileiro no território, na saúde, na educação, na soberania alimentar
e nas políticas públicas. Os Madijá (e nós ainda arigós)[3] enxergaram, construíram
documentos, exigiram respeito e rumaram conosco, após três dias de assembleia,
em direção a Feijó, ponto de partida, Estado brasileiro.
Durante nosso encontro começamos a
abrir os olhos e entendemos que estamos sendo o tempo todo vítimas de racismo,
preconceito e sofrendo com o descaso das autoridades públicas. Nós, Madijá,
estamos abandonados e sofrendo muito com a violência contra nosso povo e por
isso decidimos que não vamos mais aceitar que isso continue acontecendo e por
isso vamos buscar nossos direitos e exigir que as autoridades e todos os nawás
(que não são indígenas) nos respeitem. Vamos exigir que em cada setor nossos
direitos sejam respeitados e cumpridos e que o Ministério Público acompanhe e
exija junto conosco o cumprimento de todas as ações e exigências nossas porque
é nosso direito. (documento final da assembleia Madijá do Rio Envira, 03,05,
2023).
Era como se os Madijá nos
dissessem: Agora que vocês vieram e viram, nos ajude para que todos vejam e
nossos direitos venham. Se nossos direitos não veem, vamos busca-los como quem
sai na madrugada para colher o látex da seringa ou quem toma o remo e a canoa
para ir se encontrar com o rio que acolhe, fornece alimento e nos conduz como
quem conduz a própria história.
Como sabiamente o dito
popular diz que quem conta um conto aumenta um ponto, terminou a Primeira Assembleia
do povo Madjá do Rio Envira, Feijó, Acre, mas acrescentou-se mais um ponto na
história de travessia do povo Madijá rumo ao alvorecer com cantorias de
pássaros entoando hinos e festejando finalmente a liberdade! Quem quiser, pode
chamar a este alvorecer de Bem Viver.
[1]
Doutorando em antropologia pela Universidade Federal de Pelotas – UFPEL, mestre
em direito pela Universidade Católica de Petrópolis – UCP, especialização em
Desenvolvimento Social no Campo, Povos
Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais pela Universidade de Brasília
– UNB, filósofo e indigenista.
[2]
Nome adotado corriqueiramente para se referir ao povo que se autodenomina Madijá.
[3] Nordestinos que vinham trabalhar na extração do látex da seringa, mas que não estavam acostumados a navegar pelos rios da região. Diz-se também dos desconhecedores da realidade local.
terça-feira, 25 de fevereiro de 2025
sábado, 4 de janeiro de 2025
CONJUNTURA 2025
Lindomar Dias Padilha
Esta pequena análise
da conjuntura para 2025, foi produzida exclusivamente para a reunião das
equipes do Cimi Regional Amazônia Ocidental e, portanto, prioriza aspectos ligados
à causa indígena e às lutas populares notadamente na Amazônia, em especial no
eixo de expansão “agrocriminosa” da Amacro.
Sem menosprezar os
fortes embates atrelados diretamente à conjuntura macroeconômica, devemos
considerar o que aponta, por exemplo, o TROPOSLAB (2024) que desde 2020, o Brasil
perdeu seis posições no Ranking Global de Competitividade, luta para manter sua
posição no Ranking Global de Inovação, enfrenta um aumento da desigualdade
social e sofre com polarizações políticas e intolerância, entre outros
problemas estruturais. E mais, empresas e consumidores demonstram preocupação
com um cenário de juros mais altos e inflação próxima ou acima do teto da meta.
Como disse, toda
essa questão macroeconômica pode, e certamente irá intervir na dinâmica da
conjuntura mais político-social. Entretanto, manterei o foco aqui basicamente
em três aspectos principais:
1)
Os intensos ataques da direita disruptiva e de
setores conservadores e antidemocráticos, que tentarão avançar em retrocessos
contra direitos sociais históricos, incluindo sobretudo direito à terra e ao meio
ambiente.
2)
Os ataques ao usufruto exclusivo e à autonomia
dos territórios através de projetos de falsas soluções ligados ao mercado de
carbono e suposta mudança da matriz energética, temas que serão centrais na COP
30.
3)
Consolidação da Amacro como modelo de
desenvolvimento para a Amazônia Ocidental no eixo do desmatamento.
Ataques da direita
Este ponto merece
muito a nossa atenção porque este ano de 2025 não será um ano de eleições
gerais, mas será um ano de muita movimentação política especialmente no poder
legislativo federal. As presidências da Câmara e do Senado serão assumidas por
parlamentares de direita, o que significa que este setor (direita) pautará os
projetos de leis anti-indígenas e antidemocráticos. Além disso, a negociata em
torno das terras indígenas, liderada por Gilmar mendes, seguirá firme e poderá até
ser turbinada pela adesão do Ministério dos Povos Indígenas-MPI e da Fundação
Nacional dos Povos Indígenas-Funai.
Observamos que a
tese do Indigenato, mesmo sendo vitoriosa no Supremo Tribunal Federal, na
prática, a vitória foi da tese do marco temporal. Neste ponto específico, ainda
bem, parte significativa do movimento indígena alojada na Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil-APIB, já percebeu que tanto a Funai quanto o MPI, são
representantes do governo e não dos povos indígenas. A adesão ao governo levou
parte do que era o movimento indígena, expresso em algumas lideranças, a aderir
justamente às negociações de direitos e isso enfraqueceu o movimento e
facilitou o avanço de teses anti-indígenas e abriu caminho para a
intensificação dos ataques da direita criminosa (mineração, agro).
Ataques ao usufruto e autonomia dos territórios
Os ataques ao
usufruto exclusivo e à autonomia dos territórios (Indígenas, Quilombolas, RESEX,
Ribeirinhos e áreas de preservação) também vão se intensificar. Se os ataques
da direita nos preocupam, os ataques ao usufruto e autonomia nos preocupam
ainda mais porque são patrocinados não só pela direita, mas por uma dita “esquerda”
a serviço do capital financeiro que prega a financeirização da natureza. É
vergonhosa a negociação em torno dos territórios para que estes venham a se
converter em moeda de troca e mesmo para que sejam dados em hipoteca aos
mercadores da natureza. A vergonha se torna ainda maior se considerarmos, por
exemplo, que a negociata está no coração do poder e para facilitar e dar um ar
de “legalidade” se instituiu o Conselho Nacional para Políticas de REDD-
Conaredd, entre outros mecanismos de cooptação e compra de consciências.
Esses ataques
terão seu ápice na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima
(Conferência das Partes) - COP, cuja edição de número 30 ocorrerá este ano no
Brasil, na cidade de Belém, PA. Paralelo à Conferência das Partes ocorrerá a Cúpula
dos Povos, evento que surge a partir da Rio + 20, em 2012 e que se propunha a
ser um movimento autônomo da sociedade civil. A ideia inicial era de que a
Cúpula dos Povos pudesse, de alguma forma, influenciar as negociações feitas
por líderes na COP, mas com o tempo os líderes e os grandes do capital passaram
a influenciar a Cúpula, invertendo os papeis.
No caso da Cúpula
deste ano a situação está muito mais grave, pois, os f promotores da
financeirização da natureza vão contar com um apoio gigante: o apoio da máquina
do governo federal, incluindo o MPI. O governo brasileiro vai financiar ONGs e
movimentos sociais, incluindo povos indígenas, para que estes possam ir à
Cúpula dos Povos defender a financeirização da natureza, em especial através do
mercado de carbono. Desta forma, teremos na Cúpula dos povos três grupos
disputando espaço. Infelizmente, apenas um desses grupos, aliás, o mais fraco,
é contrário a Financeirização da natureza, os outros dois atuarão na defesa do
mercado. Estarão na defesa do mercado o grupo patrocinado pelo governo
brasileiro e o grupo financiado pelas empresas, especialmente as ligadas às
petroleiras. Gigantes do petróleo como Saudi Arabian Oil Co. (Saudi Aramco), Exxon Mobil Corp. (EXXO34), Chevron Corp. (CHVX34), PetroChina
Co. Ltd. (PTCH34)
e Reliance Industries, juntamente com gigantes da mineração segundo TORO (2024)
como BHP Billiton (Austrália), Rio Tinto (Austrália), Glencore (Suíça), Vale
(Brasil), Freeport-McMoRan (EUA), Anglo American (Reino Unido), Southern Copper
(México), Ma'aden (Arábia Saudita), Fortescue Metals (Austrália) e Zijin Mining
(China), Já financiam as COP e agora passaram a financiar ONGs para influenciar
na Cúpula dos Povos.
Outro setor que
promete influenciar de forma decisiva é o agro. O Agro brasileiro conseguiu,
por exemplo, ficar fora da regularização do mercado de carbono demonstrando
grande poder de influência dentro do governo. Em artigo publicado em 04/01, O GLOBO
(2025), intitulado “como o agronegócio joga contra a
COP 30” fica evidente o poder de barganha do Agro crime. Já na COP 21, que
ocorreu em Lima, no Peru, o agro brasileiro tentou se juntar a China para
emplacar a ideia de que os produtores rurais (de grãos) deveriam ser
compensados pelo sequestro de carbono. Agora os sojicultores retornam com a
mesma lógica sob a alegação de que, por ser vegetal, a soja também faz o
sequestro de carbono e, logo, contribui para a redução ou descarbonização
ambiental. Mais ainda, dizem que se for a soja transgênica melhor porque produz
mais e mais rápido tendo inclusive duas safras. A primeira vista a ideia pode
parecer ridícula e sem sentido (e de fato o é), mas é bem capaz de emplacar
devido ao desconhecimento de boa parte da sociedade sobre o tema e tudo aliado às
fraudes que são a marca do mercado de carbono e do Agro.
Consolidação da Amacro
A Amazônia brasileira
está passando por transformações territoriais profundas com a expansão de
diversas frentes pioneiras, segundo SARKIS (2023) que apresentam atividades econômicas
apoiadas na retirada de madeiras, estabelecimento da pecuária, produção de grãos
(especialmente soja) e mineração. A Amacro (Amazonas, Acre e Rondônia) é uma
dessas chamadas frentes pioneiras, baseada no modelo da MATOPIBA (Maranhão,
Tocantins, Piauí e Bahia) e ironicamente chamada de Zona de Desenvolvimento
Sustentável.
A Amacro é uma
região formada por 7 municípios do estado do Amazonas: Apuí, Boca do Acre,
Canutama, Humaitá, Lábrea, Manicoré e Novo Aripuanã. 13municípios do Acre:
Acrelândia, Assis Brasil, Brasiléia, Bujari, Capixaba, Epitaciolândia, Manoel Urbano,
Plácido de Castro, Porto Acre, Rio Branco, Senador Guiomard, Sena Madureira e
Xapuri. E 12 municípios de Rondônia: Alto Paraíso, Ariquemes, Buritis, Campo
Novo de Rondônia, Candeias do Jamari, Cujubim, Itapuã do Oeste, Machadinho
D’Oeste, Monte Negro, Nova Mamoré, Porto Velho e Rio Crespo. É, portanto, uma
imensa área diretamente afetada, sem contarmos as regiões indiretamente
afetadas, mas com igual ou similar gravidade. É o caso da região do Vale do
Juruá, no Acre, que receberá o impacto da construção da ferrovia e da rodovia
ligando o Brasil ao Peru (Pucallpa) como canal para escoar a produção. Destaque
ainda maior para a construção do Chamado Chancay (porto de águas profundas) no Peru,
para escoar a produção para a Ásia, via oceano Pacífico.
Desde 2015 o
tema da área de expansão do agrocrime já tem nos preocupados. A tal ponto que
em 2016 propusemos uma articulação entre instituições para fazermos o
enfrentamento daquilo que chamávamos à época de AMARONAC. Naquela época eu
mesmo PADILHA (2017) em conversa com o amigo e jornalista Alceu Castilho, que
mantem o observatório DE OLHO NOS RURALISTAS , por ocasião do II seminário
Nacional do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos
(CBDDDH), percebemos a necessidade de darmos maior visibilidade a esta região e
iniciarmos uma articulação maior com entidades e movimentos que atuam mais
diretamente nesta região com o intuito de prevenir e evitar tantas mortes e
violências quanto possível.
Naquele mesmo texto,
escrevi que para facilitar o processo de articulação e principalmente para
divulgação entendemos que seria interessante criarmos uma nomenclatura que
expressasse a região da qual estamos falando, por isso estou grafando a região
com a sigla AMARONAC. Sei que a demanda
é imensa, mas se não fizermos algo agora, o depois poderá ser tarde demais. (PADILHA
2017).
Infelizmente a
ideia de formarmos uma ampla articulação não teve adesão. Nenhuma entidade ou
organização aderiu à ideia e a proposta naufragou. De qualquer forma, a Amacro
segue sendo motivo de muita preocupação, especialmente pela violência que já
tem trazido ao campo e tende a piorar muito neste ano de 2025.
Por fim
A conjuntura, que
nunca foi favorável, tende a piorar muito neste ano de 2025, notadamente para
nós da região Amazônica principalmente por causa da COP 30 e da consolidação da
Amacro. Mas, é para desesperarmos? Creio que não. Vamos seguir fazendo
enfrentamento ao modelo de financeirização da natureza, o que já fazemos desde
2008. Seguiremos denunciando o mercado de carbono e sua farsa e fraude, seja na
versão de crédito ou débito de carbono. Seguiremos denunciando as falsas
soluções propostas pelo mercado.
Com relação a
Amacro, mais do que nunca temos que nos articular com entidades, ONGs, Igrejas,
pastorais, universidades, lideranças indígenas e instituições ligadas à terra
em um grupo supra institucional e suprapartidário para fazermos o
enfrentamento. Temos que apressar e pressionar muito o poder público para que
proceda imediatamente a demarcação das terras indígenas e a dê garantia as que
já estão demarcadas, bem como as Reservas Extrativistas e assentamentos.
Outro ponto que
este grupo (que proponho aqui) precisa investir é na denúncia da violência e
ameaças ao meio ambiente que a construção de estradas, notadamente a que ligará
Cruzeiro do Sul a Pucallpa, e ainda o porto de Boca do Acre.
Resistir é “preciso”!
Referências
O
GLOBO, como o agronegócio joga contra a COP 30? Disponível em: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/01/como-o-agronegocio-joga-contra-a-cop30.ghtml
PADILHA,
Lindomar Dias. AMARONAC: Sul do Amazonas, Rondônia e Acre, na rota do
agronegócio e mineração. 2017. Disponível em: https://lindomarpadilha.blogspot.com/2017/10/amaronac-sul-do-amazonas-rondonia-e.html
SARKIS, Vidal, Bruno; Oliveira Neto, Thiago. Desmatamento e as frentes
pioneiras na região da Amacro. Revista Presença Geográfica. vol. 10, núm. 1,
2023.
TORO,
Quais são as maiores mineradoras do mundo hoje? Vale a pena investir?
Disponível em: https://blog.toroinvestimentos.com.br/bolsa/maiores-mineradoras-do-mundo/#:~:text=As%20maiores%20mineradoras%20do%20mundo%2C%20considerando%20o%20valor%20de%20mercado,e%20Zijin%20Mining%20(China).
TROPOSLAB,
Inovação: conjuntura, desafios e perspectivas para 2025. Disponível em: https://troposlab.com/inovacao-conjuntura-desafios-e-perspectivas-para-2025/
sexta-feira, 26 de julho de 2024
CARTA DE REPUDIO A REDD EN TERRITORIOS DE PUEBLOS INDIGENAS
CARTA DE REPUDIO A REDD EN TERRITORIOS DE PUEBLOS INDIGENAS, COMUNIDADES CAMPESINAS, TRADICIONALES Y AFRODESCENDIENTES DE LATINOAMERICA
Alto Turiaçu – Julio 2024
En el territorio indí´gena Alto Turiaçu – Aldeia Ararorenda
del pueblo Ka’apor, en el estado de Maranha˜o,
Brasil durante los dí´as 9 a 11 de julio,
hemos llevado a cabo nuestro
1er encuentro como pueblos indí´genas, campesinos,
tradicionales, afrodescendientes, organizaciones de defensa de derechos
indí´genas de diferentes paí´ses de la PanAmazoní´a, y de territorios
centroamericanos, donde han llegado los proyectos conocidos como REDD+ (Reduccio´n
de Emisiones por Deforestacio´n y Degradacio´n de Bosques). En adelante haremos
referencia a REDD, incluyendo tambie´n otros nombres que fueron creados
siguiendo la misma lo´gica de REDD (por ejemplo, cuando hablan de proyectos de
carbono en los bosques, proyectos de soluciones basadas en la naturaleza, o
programas de REDD jurisdiccional implementados por gobiernos de estados o
provincias y gobiernos nacionales, entre otros).
Luego de tres dí´as de compartir sobre las experiencias
vividas y de analizar lo que en realidad significa REDD+ para nuestros pueblos
y territorios, concluimos que estamos ante dos proyectos, donde, 1) es el
proyecto de muerte que las empresas petroleras, mineras, hidroele´ctricas y de
grandes infraestructuras, el agronegocio y ahora los proyectos de compensacio´n
como es REDD, junto con los Estados promueven, y 2) un proyecto de vida que es
el que llevamos adelante los pueblos y comunidades a trave´s del respeto y
cuidado de nuestros territorios.
Ante ello, emitimos la siguiente declaracio´n, para que
nuestros hermanos y hermanas de los diferentes pueblos y comunidades no caigan
en la trampa:
EL PROYECTO
DE MUERTE DE REDD
1.
Rompe la unidad, la armoní´a de nuestros pueblos
y genera conflictos, incluso dentro de nuestras propias familias y culturas.
2.
Amenaza la
vida de las mujeres, los nin˜os y mayores al privarnos de los medios vida que tenemos en nuestros
bosques para alimentarnos y acceder al agua.
3.
Criminaliza los modos de vida de nuestros pueblos
y comunidades.
4.
Manipula a nuestros lí´deres
para firmar contratos
sin el consentimiento de nuestros
pueblos.
5.
Busca un mayor beneficio econo´mico para su negocio e incentiva la deforestacio´n, porque
a mayor deforestacio´n mayor negocio para las empresas que venden los
bonos de carbono.
6.
Se apropia
de nuestros territorios y nos arrebata
nuestra autonomí´a.
7.
Al igual que
otras falsas soluciones a la cata´strofe clima´tica, que las llaman de
“exploraciones de petro´leo no convencionales”, “biocombustibles”, “minerí´a
responsable u oro verde”, “transicio´n
energe´tica”, son un maquillaje verde que permite a las empresas seguir con sus
negocios y contaminando.
Adema´s:
8.
Los mecanismos de compensacio´n, como REDD, permiten
a las empresas continuar
contaminando y no reducen la emisio´n de contaminacio´n.
9.
REDD impulsa
la creacio´n de nuevas a´reas
protegidas, incluso con nuevas modalidades que abarcan hasta a´reas
privadas, despoja´ndonos y desterra´ndonos de nuestros territorios.
10.
Rechazamos los objetivos 30x30 que buscan
alcanzar metas de conservacio´n afectando nuestros territorios, mientras
que protegen intereses de grandes empresas.
11.
Los gobiernos violan la Constitucio´n y cambian leyes
que protegen nuestros
territorios para facilitar y
privilegiar a las empresas de extractivismo y a proyectos tipo REDD.
Los proyectos REDD son proyectos de muerte, porque en vez de proteger
esta´n destruyendo la naturaleza y nuestros pueblos.
EN NUESTRO
PROYECTO DE VIDA
1.
Defendemos
nuestros territorios, nuestros rí´os, bosques, sitios sagrados, espí´ritus con
los cuales nos relacionamos para que ellos puedan vivir y nosotros y nosotras
tambie´n, nuestros conocimientos ancestrales y cultura, nuestras
plantas medicinales, materiales para nuestras viviendas, para las artesaní´as que utilizamos
para nuestro sustento, nuestros alimentos.
2.
Exigimos y luchamos por el reconocimiento de nuestros territorios mediante la titulacio´n.
3.
Reconocemos y respetamos el derecho de la naturaleza en armoní´a con los pueblos.
4.
Reivindicamos el autogobierno, la autodeterminacio´n y la autonomí´a de los pueblos.
5.
Defendemos y
respetamos nuestras formas de vida, que son las que garantizan la defensa y el
cuidado de nuestros territorios.
6.
Exigimos
efectivizar el derecho fundamental a la consulta libre, previa e informada y al
consentimiento, respetando el derecho al veto, considerando el Convenio 169 de
la OIT y diversos acuerdos y declaraciones de derecho internacional.
7.
Reconocemos y respetamos los saberes tradicionales como condicio´n
fundamental de vida.
8.
Respetamos y luchamos por tener salud y educacio´n diferenciada en nuestras
lenguas y culturas.
9.
Luchamos por territorios de paz, libres de empresas
y polí´ticas de los gobiernos
que contaminan y destruyen.
10.
Trabajamos para generar oportunidades para nuestros jo´venes
basados en nuestros
conocimientos y saberes.
11. Nuestros territorios no tienen valor econo´mico. Son financieramente invaluables.
12.
Destacamos el papel central
de las mujeres en la defensa de los territorios
13.
Instamos a los organismos de Derechos Humanos
que se pronuncien e incidan
para el respeto de los
derechos territoriales de nuestros pueblos.
Desde la colonizacio´n nos han venido
matando. Actualmente, son las empresas
petroleras, mineras, del
agronegocio, hidroele´ctricas y otros proyectos de infraestructura, y los
proyectos de compensacio´n de carbono como REDD, que´ junto a polí´ticas de los
Estados, continu´an con el etnocidio de nuestros pueblos, matando nuestras
culturas, lenguas, identidades, saberes y conocimientos.
Decimos BASTA! NO a REDD!
Firman:
-
Coordinadora Nacional
de Defensa de Territorios Indí´genas Originarios Campesinos y A' reas
Protegidas CONTIOCAP - Bolivia
- JUMU'EHA RENDA
KERUHU -
Centro de
Formaça˜o Saberes
Ka'apor, Brasil
- TUXA TA
PAME -
Conselho de
Gesta˜o Ka'apor,
Brasil
-
Associaça˜o
das Mulheres
Munduruku Wakoborun,
Brasil
- Movimento Munduruku Ipereg Ayu, Brasil
- Movimento dos Pequenos Agricultores -MPA, Brasil
- Rede intercomunitaria
Almeirim em
Aça˜o –
RICA, Brasil
-
Associaça˜o
Comunita´ria dos
Trabalhadores Rurais,
Extrativistas, Hortifrutigranjeiros
da Comunidade Morada Nova do Jarí´ – APROMOVA, Brasil
-
Associaça˜o dos Mines e Pequenos Produtores Rurais e Extrativistas da Comunidade de Repartimento dos Piloes-ASMIPPS,
Brasil
- Proceso de comunidades negras
de Colombia PCN, Colombia
- CORPORACIO' N
CLARETIANA NORMAN
PEREZ BELLO,
Colombia
- TEJIDO UNUMA DE LA ORINOQUIA, Colombia
- Frente Nacional
de Pueblos Indí´genas
-FRENAPI, Costa Rica
-
Talamanca por la vida y por la tierra,
Costa Rica
-
FECONAFROPU,
Loreto, Peru´