quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

O STF golpeará a Constituição Federal e os Povos Indígenas em benefício do ruralismo no Brasil?

Recentes decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) restringem, de forma violenta e radical, o alcance do conceito de terra tradicionalmente ocupada pelos povos indígenas consignado no Artigo 231 da Constituição brasileira. Ao decidir o caso da Petição 3388, o Pleno do STF designou a data da promulgação da Constituição como referência para caracterizar a referida tradicionalidade, destacando, porém, que o fato dos indígenas não estarem na posse da respectiva terra devido à ocorrência de “renitente esbulho” por parte de não indígenas seria a garantia de que o direito desses povos sobre suas terras estavam mantidos.
Ao dar provimento ao Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 803.462, relativo à Terra Indígena Limão Verde, do povo Terena, MS, em dezembro de 2014, o ministro Teori Zavaski, seguindo o ministro Gilmar Mendes - intelectual orgânico do ruralismo dentro do Supremo e redator dos acórdãos de outros dois agravos, também da 2ª Turma, que anularam portarias declaratórias de terras dos povos Guarani-Kaiowá, MS, e Canela-Apãniekra, MA -, caracterizou, a nosso ver de maneira reducionista e antiindígena, o conceito de “renitente esbulho”.
Para ele, “Renitente esbulho não pode ser confundido com ocupação passada ou com desocupação forçada, ocorrida no passado. Há de haver, para configuração de esbulho, situação de efetivo conflito possessório que, mesmo iniciado no passado, ainda persista até o marco demarcatório temporal atual (vale dizer, a data da promulgação da Constituição de 1988), conflito que se materializa por circunstâncias de fato ou, pelo menos, por uma controvérsia possessória judicializada”. Zavaski fez uso dessa caracterização para negar o direito dos Terena à sua terra tradicional. Leia aqui 
Na prática, tal interpretação do Artigo 231 da Constituição reduz o direito dos povos às suas terras tradicionais a duas situações hipotéticas absurdamente limitadas. Ou seja, para terem o direito às suas terras, os indígenas teriam que estar fisicamente sobre elas em 5 de outubro de 1988 ou, na hipótese de não estarem fisicamente sobre as terras, deveriam estar disputando judicialmente ou em “efetivo conflito possessório”  com os fazendeiros na mesma data.
Diante dessa decisão, cumpre-nos perguntar: era a intenção do Constituinte, ao grafar o Artigo 231 na Constituição brasileira, reconhecer, aos povos indígenas, o direito restrito apenas àquelas terras que eles já detinham a posse física na data da promulgação da Constituição ou que estivessem disputando essa posse judicialmente ou por meio do conflito deflagrado, ou seja, em estado de guerra, com os fazendeiros invasores? É óbvio que não.
Estamos diante de uma situação profundamente sensível. Uma eventual confirmação dessa decisão pelo Pleno do STF seria uma sinalização evidente, para os povos indígenas, de que a guerra é um mecanismo, mais do que legítimo, necessário para que mantenham o direito sobre suas terras tradicionais. É esse mesmo o sinal que o STF está disposto a dar para os povos indígenas do Brasil? A mesma decisão seria, concomitantemente, uma sinalização evidente, para os históricos e novos invasores de terras indígenas, que o mecanismo da “desocupação forçada” dos povos é, mais do que legítimo, conveniente e vantajoso para os seus intentos. É esse mesmo o sinal que o STF está disposto a dar aos inimigos dos povos indígenas do Brasil?
Rogamos que os ministros do Supremo usem o bom senso e o senso de justiça como alicerces de suas decisões e revoguem a decisão em questão propalada pela 2ª. Turma. A Suprema Corte do Poder Judiciário brasileiro não pode ser transformada num lavatório das mãos daqueles que as sujaram e sujam com o sangue dos povos e lideranças indígenas de nosso país.

Brasília, DF, 26 de fevereiro de 2015

Cleber César Buzatto
Secretário Executivo do Cimi

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Lideranças Suruí afirmam ao presidente da Funai que não querem mais o projeto de carbono em suas terras

Patrícia Bonilha
Assessoria de Comunicação Cimi

Doze lideranças do povo Paiter Suruí, da Terra Indígena (TI) Sete de Setembro, localizada no estado de Rondônia, afirmaram ao presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Flávio Chiarelli, em uma reunião realizada na manhã de ontem (24), que desejam que o projeto de Carbono Florestal Suruí seja suspenso. Os principais argumentos apresentados pelas lideranças foram: as graves divisões ocorridas no povo; o não cumprimento das promessas de melhoria de vida da comunidade (enquanto, por outro lado, afirma que algumas poucas famílias têm se beneficiado bastante); o afastamento de lideranças e a centralização da representatividade do povo; e as ameaças feitas a vários integrantes do povo que, atualmente, se posicionam contrários ao projeto.

Assinado com a maior empresa brasileira de cosméticos, a Natura, em setembro de 2013, este projeto previa o sequestro de 120.000 toneladas*[1] de créditos de carbono na TI Sete de Setembro, no período de 2009 a 2012, por um valor divulgado na imprensa de R$ 1,2 milhão[2]. Por ser o primeiro projeto do mecanismo de Redução de Emissões por Degradação e Desmatamento (Redd) a ser realizado em terras indígenas com certificação internacional ganhou repercussão em todo o mundo, além de ser “vendido” pelas empresas que defendem a economia “verde” como um projeto modelo.
No entanto, desde que o atual cacique geral do povo, Henrique Iabaday Suruí, deu uma entrevista à edição de setembro do jornal Porantim sobre os severos impactos deste projeto, uma outra realidade foi desvelada. “As promessas foram muito boas: vida de maior qualidade, saúde, educação. Todo mundo contribuiu. Mas logo chegou conflito e faltou respeito. Somos todos culpados de aceitar isso, de assinar. Mas fomos enganados e estamos passando as consequências disso. Nosso povo cada vez mais sofre. Nos arrependemos. Este projeto não está dando certo para nós”, desabafou Jonaton Suruí, segundo cacique da aldeia Linha 14. Em seguida, ele afirmou que “se este projeto continuar, vão acontecer mortes, briga, cadeia. Não só entre os Suruí, mas com outros povos que também estão se envolvendo com estes projetos, como os Arara”.
Falando na língua Suruí, o ancião Joaquim, vice cacique geral, reforçou as preocupações de seus parentes Jonaton e Henrique. “Caímos na armadilha de uma proposta enganosa. Nós estamos aqui pedindo a suspensão deste projeto que a Funai também aprovou. Estamos aqui de frente com o presidente da Funai para que também assuma a responsabilidade com a gente. Não queremos mais este projeto no nosso povo”, declarou de modo enfático.
Em um documento entregue à Funai, indígenas de 10 povos de Rondônia afirmam:
 “Exigimos urgentemente a suspensão e posterior cancelamento do Projeto de captura de Gás Carbono no território indígena Suruí e Cinta Larga e o impedimento de implementação de qualquer projeto que visa esse tipo de exploração em todos os territórios indígenas no estado de Rondônia e no Brasil;
 Enfatizamos a responsabilidade da Funai pela implementação do Projeto Carbono no território Suruí, mesmo não havendo legislação que prevê tal iniciativa”.
Após explicar que a Funai deu parecer favorável ao projeto porque avaliou que o projeto beneficiaria a comunidade e devido à insistência de uma liderança do povo, Flávio Chiarelli, afirmou que os fatos relatados pelas lideranças Suruí presentes na reunião eram graves e que é preciso, primeiro, entender melhor o que está acontecendo. “Esta é a primeira vez que a comunidade diz que este projeto é um problema. Depois de ouvir mais vocês, podemos encaminhar para a Procuradoria para avaliar e, se for o caso, entrar com uma ação contra ele”, declarou.
A contínua luta pela terra
Após um debate sobre a necessidade de fortalecimento das coordenações regionais da Funai e do órgão como um todo, outro tema abordado durante a reunião da manhã foi a situação dos processos de demarcação de terras indígenas no estado de Rondônia e do Mato Grosso.
O diretor de Proteção Territorial da FunaiAluísio Azanha, após fazer uma breve análise do difícil contexto político em que a Funai vem atuando, devido ao déficit de funcionários e ao contingenciamento e diminuição de recursos financeiros, para além das ofensivas contra os direitos indígenas, adiantou informações sobre alguns destes processos. Ele informou, por exemplo, que as terras indígenas Karitiana e Kaxarari enfrentam problemas judiciais e que em relação às terras Cujubim, Migueleno e Wajoro, não será possível instalar Grupos de Trabalho neste ano. Em relação à terra do povo Puruburá, em estudo, Azanha afirmou que será realizado o trabalho de campo na área reivindicada pelos indígenas ainda em 2015.
Como resposta, representantes do povo Puruburá, Antônio e Hosana, pediram agilidade da Funai em relação à demarcação desta terra e respeito ao povo. “A Funai tirou a gente da nossa terra original. Nunca tínhamos saído de lá. O sonho de nossos anciãos é ter a nossa terra demarcada, mas estão morrendo sem ver este sonho se realizar. Preciso viver escondida por conta das ameaças que sofremos”, declarou Hosana Puruburá.
As discussões sobre os processos de demarcação de terras indígenas dos povos de Rondônia foram aprofundadas na reunião à tarde. No entanto, ainda na parte da manhã, várias lideranças manifestaram suas preocupações em relação à grave, e infelizmente bastante comum, invasão dos territórios indígenas do estado por madeireiros. Uma queixa consensual dos 10 povos presentes foi em relação ao sentimento que têm de estarem abandonados pela Funai e da necessidade deste órgão se fortalecer para proporcionar o apoio que os povos indígenas precisam como, por exemplo, em relação à fiscalização e punição de quem rouba madeira.
Leia na íntegra o documento entregue pelos povos de Rondônia à Funai

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Os Suruí e o projeto carbono: para que o mundo saiba

 Egon Heck /Cimi. Texto e Foto

“Queremos a suspensão imediata desse projeto de carbono, que está matando o povo Suruí”. Essa foi a reivindicação de todos os caciques e lideranças do povo Suruí, na audiência por mais de três horas, no auditório do Ministério Público Federal. Deborah Duprat, coordenadora da 6ª Câmara, ouviu atentamente e debateu com a delegação dos Povos Indígenas de Rondônia, num clima de muita confiança e franqueza. Após breve apresentação, Dra. Deborah manifestou estranheza sobre a presença de alguns seguranças no auditório. Após indagar quem os teria enviado a esse espaço, comentou: “Nós nunca precisamos de tais presenças em nossos encontros com os povos indígenas. Por isso peço a vocês que se retirem”. Apesar de terem confidenciado que estavam ali por ordem superior, retiraram-se do recinto.
“Essa para mim talvez seja uma das atividades mais importantes da nossa vinda a Brasília”, comentou Antenor Karitiana. De fato, o Ministério Público Federal tem se transformado num dos importantes espaços de luta e garantia dos direitos dos povos indígenas. Apesar da estrutura de funcionamento impor limitações, é inegável que os povos indígenas tem no Ministério Público Federal um importante aliado em suas lutas pelos direitos constitucionais.
Projeto polêmico, abominado pelos Suruí
A maior parte do tempo do encontro no MPF girou em torno do polêmico projeto Carbono Florestal Suruí, iniciado em 2007. É considerado o primeiro do gênero implantado em terra indígena em nosso país. E na opinião dos Suruí e da delegação dos povos indígenas de Rondônia, deveria ser o último. É pelo menos nessa perspectiva que estão lutando, para que semelhante enganação não se repita em nenhuma terra indígena. O cacique geral do Povo Suruí, Henrique Iabaday, presente na delegação, em entrevista ao Porantim de setembro do ano passado, assim se expressou a respeito do projeto: “Projeto de carbono para nossa terra é para tirar a vida do povo Suruí, vai tirar a sua vida de felicidade, de direito de viver em cima de sua terra... É uma bomba pra vida de qualquer ser humano... O que aconteceu com o povo Suruí é uma história pro resto da vida e para o mundo... Para que nenhum indígena faça este tipo de projeto em sua terra... Não tem pra quem falar o que aconteceu com o povo Suruí. O povo tá sem vida. Queremos a supressão do projeto”.
Após alguns depoimentos de caciques Suruí, Dra. Deborah Duprat ponderou: “Quero ser muito honesta com vocês. Temos um problema muito sério com o projeto de sequestro de carbono Suruí. A 6ª Câmara aconselhou que não aceitassem o projeto. O contrato foi assinado e, portanto, continua válido. Pelo funcionamento da Justiça será preciso provar que não está sendo cumprido o que foi pactuado. Posso garantir a vocês que o MPF irá se empenhar para que haja uma rigorosa e profunda avaliação do projeto e suas consequências em termos de violência gerada, conflitos graves que podem levar a mortes e apropriações indébitas dos recursos, e a quem beneficiam. Vou solicitar a Funai que ela  proceda a um levantamento detalhado para embasar futuras decisões. Será preciso analisar e discutir com todas as comunidades os termos do contrato. Vamos investigar, e vocês façam a parte de vocês”. E ainda deixou bem claro: “O Ministério Público não fará nenhuma ingerência na questão interna do povo, pois quem melhor pode impedir esse projeto são vocês”.
Ficou evidenciado, após mais de duas horas de debates e esclarecimentos que as consequências perversas desse tipo de projeto devem servir como aprendizado e alerta para que não aconteçam com outros povos indígenas. O importante é enxergar esse tipo de projeto como parte de uma política do capitalismo verde e neocolonialismo. O Cimi, em nota de fevereiro de 2012, denunciou veementemente a insistência de implantação de projetos de REDD nos territórios indígenas, a partir dos direitos e da visão desses povos “esses projetos transformam a natureza em mercadoria, a gratuidade em obrigação, a mística em cláusula contratual o bem estar em supostos ‘benefícios do capital’. É a mercantilização do sagrado e a coisificação das relações humanas em interface com o meio ambiente” por isso “quer juntar-se aos demais setores organizados que dizem NÃO à financeirização da natureza, NÃO à economia verde e NÃO ao mercado de carbono” (Porantim, setembro de 2014).
A guerra da terra e da saúde
A grave situação das terras, seja através das invasões dos grandes projetos e variados interesses econômicos, bem como a paralisação dos processos de reconhecimento das terras indígenas, aliado a iniciativas contra os direitos indígenas na Constituição, como a PEC 2015, isso tudo é um decreto de guerra contra os povos indígenas, por parte do Estado brasileiro.
Com relação às paralisações, Dra. Deborah salientou que o Ministério público pressionou a Funai a dar passos com relação aos procedimentos demarcatórios em curso e que estavam pensando em termos de ajustamento de conduta para cobrar a continuidade dos processos. Quanto à PEC 2015 informou já terem sido tomadas medidas quanto à inconstitucionalidade da mesma.
No documento entregue à coordenadora da 6ª Câmara ressaltam: “Outro grande problema enfrentado por nós, povos indígenas de Rondônia e Mato Grosso, é o uso de agrotóxico no entorno de nossos territórios, que vem afetando gravemente a saúde do nosso povo, além de comprometer a nossa biodiversidade, reduzindo os peixes dos nossos rios, as caças de nossas florestas, e de contaminar a água que consumimos”.
Quanto à saúde denunciam a total desassistência e expressam sua posição contrária à criação da INSI (Instituto Nacional de Saúde Indígena.). Dra. Deborah acrescentou: “Se a saúde indígena está ruim, vai ficar pior”.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

O grito da Selva ao Planalto: povos indígenas de Rondônia estão em Brasília

Reverberando o movimento indígena, os Kayapó, em audiência com o presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disseram que caso os parlamentares insistissem na aprovação da PEC 2015, semanalmente povos de todo o Brasil se fariam presentes em Brasília para protestar e dizer não ao projeto.

Nesta semana, os povos Suruí, Cinta Larga, Arara, Puruburá, Wajonô, Karitiana, Guarassungue, Oro Waram Xijein, Oro Mon e Oro Waram farão ouvir o seu grito contra a PEC 215 e todas as iniciativas anti-indígenas tramitando no Congresso, no Executivo e no Judiciário. São os povos indígenas de Rondônia mobilizados. Os problemas e desafios contra os quais estão lutando são múltiplos. Porém, a “questão que envolve tudo é a terra, a demarcação e proteção”, afirma Agenor Karitiana.
Durante essa semana terão audiências e contatos com diversos órgãos e instituições dos Três Poderes. Conforme Agenor Karitiana “já lutamos muito. Enfrentamos inimigos perigosos.  Fomos aos poucos construindo nosso movimento e organização. Vimos que o inimigo nosso está muitas vezes dentro do governo. Os que deviam proteger nossos direitos são os que tentam impedir a demarcação de nossas terras”.
Para o indígena, a postura do governo federal faz o jogo do fazendeiro. “Hoje temos novas lutas contra as PECs, contra os projetos de REDD, captura de carbono, que vem ameaçando o território Suruí, provocando conflitos internos. Mas nós vamos falar duro na defesa dos nossos direitos e denunciar o que ameaça nossos povos”, afirma.
Agenor luta pelos direitos de seu povo e dos povos indígenas desde o período da Constituinte, na década de 1980, e ressalta a importância desse momento e a grande participação dos jovens e das mulheres. “Olha aí, esse é meu filho e aquele é filho de Eva Kanoé e Piau, lá de Sagarana”. E avisa: “No início de abril vamos fazer uma grande Assembleia dos povos indígenas de Rondônia. Vamos fazer ouvir o nosso grito e cobrar do governo nossos direitos”.
Terra, o problema número um
Dentre os principais problemas, ressaltam os indígenas a paralisação do processo de demarcação das terras dos povos Cujubim, Miguelem, Wajoro, Puruburá, Cassupá, Kaririana, Kaxarari, além da extrusão da Terra Indígena Rio Negro Ocaia.
É grave a situação de invasão dos territórios indígenas em Rondônia, por madeireiros, empreendimentos do governo federal, incluindo pequenas centrais hidrelétricas.
Outro grande problema que enfrentam os “povos resistentes” (aqueles que saem do silêncio imposto pela colonização) de Rondônia é a morosidade no reconhecimento étnico, caso dos povos Guarasugwe e Chiquitano, além da documentação dos povos Cujubim, Miguelem, Warojo, Puruburá e Cassupá. Eles vêm cobrar do governo, por intermédio do Ministério da Justiça e Funai, agilidade nesses processos e a garantia dos direitos coletivos, especialmente à terra, mas também saúde e educação, entre outros.
Vítimas da borracha, dos garimpos, dos madeireiros e da colonização
A partir da década de 1960 e principalmente de 1970, houve a invasão massiva e sistemática dos territórios indígenas em Rondônia por projetos de colonização, pela expansão da frente agropecuária e garimpeira. O grande estímulo a essas invasões se deu a partir da construção da BR 364, que cortou as terras de vários povos e forçou a rápida e irresponsável “pacificação” de vários povos. Basta lembrar a terrível chacina dos Cinta Larga, do Paralelo 11, a mortandade dos Pacaás Novos – Oro Wari, da região de Guajará a Mirim.
Um relato da época menciona que no início da década de 60 o contato precipitado com os Pakaa Nova – Oro Wari fez com que o povo fosse reduzido de 3 mil para menos de 500 indivíduos (Folha do Acre 17/07/1963). “Confirmando reportagens por nós divulgadas, a fome, a doença e aventureiros inescrupulosos estão dizimando os índios Pacaás Novos, que habitam as selvas de Rondônia. De um grupo de 400 selvícolas restam apenas 91, em estado precário. Essas foram informações prestadas à imprensa pele Dr. Noel Nutels" (Alto Madeira, Porto Velho, 16-03-1962).
Poderíamos elencar inúmeros casos de violência e extermínio dos povos indígenas de Rondônia. Mas eles sobreviveram a todas as formas de violência, e hoje estão em Brasília, trazendo seu grito da selva e do massacre aos responsáveis pelo Estado brasileiro.
Publicado em: http://www.cimi.org.br/

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

A Sustentabilidade Está Destruindo a Terra

Reproduzo aqui no blog porque considero tema de fundamental importância neste momento de nossas vidas. (Lindomar Padilha)

Por Kim Hill

Não fale comigo sobre sustentabilidade. Você quer questionar a minha vida, o meu impacto, a minha pegada ecológica? Há um monstro de pé sobre nós, com uma pegada tão grande que pode pisar o planeta inteiro sob os pés, sem perceber ou se importar. Este monstro é a Civilização Industrial. Recuso-me a sustentar o monstro. Para a Terra viver, o monstro deve morrer. Esta é uma declaração de guerra.

O que estamos tentando sustentar? Um planeta vivo ou a civilização industrial? Não podemos ter os dois.

Em algum lugar ao longo de seu caminho, o movimento ambientalista – com base em um desejo de proteger a Terra - foi em grande parte engolido pelo movimento da sustentabilidade - baseado em um desejo de manter nosso estilo de vida confortável. Quando e por que isso aconteceu? E como é possível que ninguém tenha percebido? Esta foi uma mudança fundamental nos valores, indo de compaixão por todos os seres vivos e pela terra, para um desejo egoísta de se sentir bem em relação ao nosso modo de vida inerentemente destrutivo.

O movimento por sustentabilidade diz que nossa capacidade de suportar é de responsabilidade dos indivíduos, que devem fazer escolhas de estilo de vida no âmbito das estruturas da civilização. Alcançar uma cultura verdadeiramente sustentável por este meio é impossível. A infraestrutura industrial é incompatível com um planeta vivo. Para a vida na Terra sobreviver, as estruturas políticas e econômicas globais precisam ser destruídas.

Defensores da sustentabilidade nos dizem que reduzir nosso impacto, causar menos danos à Terra, é uma coisa boa a se fazer e que nos sentiremos bem com nossas ações. Eu discordo. Menos dano não é bom. Menos dano ainda é muito dano. A não ser que nenhum dano mais seja causado, por qualquer pessoa, não pode haver sustentabilidade. Sentir-se bem com pequenos atos não ajuda ninguém.

Apenas um quarto de todo o consumo é realizado por indivíduos. O resto é realizado pela indústria, agronegócio, exército, governos e corporações. Ainda que todos nós fizéssemos todo o esforço para reduzir nossa pegada ecológica, isso ainda faria apenas uma pequena diferença no consumo total.

Se as ações de estilo de vida defendidas realmente tivessem o efeito de manter nossa cultura de pé por mais tempo do que de outra forma, então elas iriam causar ainda mais dano ao mundo natural do que se tais medidas não fossem tomadas. Quanto mais tempo uma cultura destrutiva for sustentada, mais estrago ela causa. O título desse artigo não é apenas para chamar atenção e gerar polêmica, ele é, literalmente, o que está acontecendo.

Quando enquadramos o debate da sustentabilidade em torno da premissa de que as escolhas de estilo de vida dos indivíduos são a solução, então o inimigo se torna outros indivíduos que fizeram escolhas de vida diferentes e aqueles que não têm o privilégio de escolher. Enquanto isso o verdadeiro inimigo – a estrutura opressiva da civilização – está livre para continuar suas práticas destrutivas e assassinas sem nenhuma oposição. Essa não é uma maneira eficaz de criar um movimento social significativo. Dividir para ser conquistado.

A sustentabilidade é popular entre as corporações, mídia e governo porque ela se encaixa perfeitamente em seus objetivos. Mantêm o poder e o crescimento. Faz de você um bom rapaz. Faz com que as pessoas acreditem que elas têm poder quando na verdade não têm. Diz a todos para se manterem calmos e seguirem comprando. Controla a linguagem que é usada para debater as questões. Ao criar e reforçar a crença de que votar em pequenas mudanças e comprar mais coisas irá resolver todos os problemas, aqueles que estão no poder têm uma estratégia altamente efetiva para manter o crescimento econômico e a democracia controlada pelas corporações.

Aqueles que estão no poder mantêm as pessoas acreditando que a única maneira que temos de mudar qualquer coisa é dentro das estruturas que eles mesmo criaram. Eles constroem essas estruturas de forma que as pessoas nunca possam mudar qualquer coisa dentro delas. Voto, petições e manifestações todas essas práticas reforçam as estruturas de poder e nunca poderão fazer mudanças significativas sozinhas. Essas táticas dão uma escolha para as corporações e governos. Estamos dando àqueles que estão no poder a escolha de aceitar ou recusar nosso pedido por reformas mínimas. Animais em fazendas industriais não têm escolha. Milhões de pessoas que trabalham suando em fábricas na maior parte do mundo não têm escolha. As200 espécies que foram extintas hoje também não tiveram escolha. E ainda assim damos uma escolha aos responsáveis por todos esses assassinatos e sofrimento. Estamos colocando os desejos de uma minoria rica acima das necessidades da vida na Terra.

A maioria das ações mais populares que os defensores propõem para alcançar a sustentabilidade não têm efeito real, e algumas ainda causam mais danos do que benefícios. As estratégias incluem reduzir o consumo de energia elétrica, reduzir o uso de água, criar uma economia verde, reciclagem, construções sustentáveis e fontes de energia eficientes e renováveis.


ENERGIA ELÉTRICA


Nos dizem para reduzirmos nosso consumo de energia elétrica ou obtê-la a partir de fontes alternativas. Isso não fará nenhuma diferença para a sustentabilidade de nossa cultura como um todo, porque a rede elétrica é inerentemente insustentável. Nenhuma quantidade de redução ou as auto-intituladas fontes renováveis de energia vão mudar isso. Mineração para produzir fios elétricos, componentes, dispositivos elétricos, painéis solares, turbinas eólicas, usinas geotérmicas, fornos de biomassa, hidrelétrica e qualquer outra coisa que seja ligada à rede elétrica, são todas insustentáveis. A fabricação de todas essas coisas, com toda a exploração humana, poluição, desperdício, impactos na saúde e na sociedade geram lucros corporativos. Combustíveis fósseis são necessários para manter todos esses processos em andamento. Insustentável. Nenhuma quantidade de escolhas individuais de estilo de vida com relação ao uso e produção de energia elétrica vai mudar isso. Energia elétrica fora da rede elétrica também não é diferente – ela precisa de baterias e inversores.


CONSERVAÇÃO DA ÁGUA

Banhos mais curtos. Chuveiros de baixo fluxo. Restrições ao uso de água. Tudo isso é exaltado como se pudessem fazer A diferença. Enquanto toda a infraestrutura que fornece essa água – grandes barragens, dutos de longa distância, bombas, esgotos, fossas – é totalmente insustentável. Barragens destroem a vida de uma bacia hidrográfica inteira. É como bloquear uma artéria, impedindo que o sangue flua para seus membros. Ninguém pode sobreviver a isso. Rios morrem quando os peixes são impedidos de viajar de lá para cá neles. Toda a comunidade natural à que esses peixes pertencem morre, tanto a montante quanto à jusante da barragem. Barragens causam um rebaixamento do nível de água, tornando impossível para que as raízes das árvores cheguem à água. Zonas alagadas dependem de alagamentos sazonais e colapsam quando barragens acima do rio impedem isso. Resultam em erosão do fundo e das margens. A decomposição anaeróbica de matéria orgânica em barragens libera metano para a atmosfera. Não importa o quão eficientemente você usa sua água, essa infraestrutura nunca será sustentável. Isso precisa ser destruído para permitir que essas comunidades se regenerem.


ECONOMIA VERDE

Empregos verdes. Produtos verdes. Uma economia sustentável. Não. Esse tipo de coisa não existe. A totalidade da economia global é insustentável. A economia funciona com a destruição do mundo natural. A Terra é tratada como nada mais do que combustível para o crescimento econômico. Chamam isso de recursos naturais. E a escolha de algumas pessoas por se retirar dessa economia não faz diferença. Enquanto essa economia existir, não haverá sustentabilidade.

Enquanto qualquer uma dessas estruturas existir: energia elétrica, redes de fornecimento de água, economia globalizada, agricultura industrial – não haverá sustentabilidade. Para alcançar uma verdadeira sustentabilidade, essas estruturas precisam ser desmontadas.

O que é mais importante para você – sustentar um estilo de vida confortável por mais algum tempo ou a continuação da vida na Terra, para as comunidades naturais que ainda restam e para as futuras gerações?


RECICLAGEM

Somos levados a acreditar que comprar um determinado produto é bom porque a embalagem pode ser reciclada. Você pode optar por jogar ela em uma lixeira colorida. Não importa que ecossistemas frágeis estejam sendo destruídos, comunidades indígenas sendo deslocadas, pessoas em lugares distantes precisem trabalhar em condições de escravidão, que rios sejam poluídos, tudo só para que essa embalagem exista. Não importa que ela seja reciclada para se tornar outro produto inútil que irá, em seguida, para o lixão. Não importa que para reciclar isso seja necessário transportá-la para longe, usando maquinário que funciona com energia elétrica e combustíveis fósseis, causando poluição e desperdício. Não importa que se você colocar algo na lixeira com a cor errada, toda a carga vai para um lixão devido à contaminação.


CONSTRUÇÕES SUSTENTÁVEIS

Princípios da construção sustentável: construir mais casas, mesma que já existam casas perfeitamente boas suficiente para todos morar. Limpar a terra para construir casas, destruindo cada coisa viva que antes vivia nessa comunidade natural. Construir com madeira proveniente de florestas plantadas, que exige que as florestas nativas sejam exterminadas para que possam ser substituídas por uma monocultura de pinos onde nada mais pode viver. Usar materiais de construção que são um pouco menos prejudiciais do que outros materiais. Convencer as pessoas de que tudo isso é benéfico para a Terra.


PAINÉIS SOLARES

Painéis solares. A mais recente onda na moda da sustentabilidade. E no verdadeiro estilo sustentável, incrivelmente destrutivos para a vida na Terra. De onde vêm essas coisas? Você deveria acreditar que eles são feitos do nada, uma fonte de energia livre e não poluente.

Se você ousar perguntar de onde vêm os painéis solares, e como eles são feitos, não será difícil descobrir a verdade. Painéis solares são feitos de metais, plásticos, terras raras, componentes eletrônicos. Eles exigem mineração, fabricação, guerra, desperdício, poluição. Milhões de toneladas de chumbo são despejadas em rios e terras agrícolas em torno das fábricas de painéis solares na China e na Índia, causando problemas de saúde para os humanos e para as comunidades naturais que ali vivem. O polisilicone é outro produto residual venenoso e poluente que é despejado na China. A produção de painéis solares faz com que trifluoreto de nitrogênio (NF3) seja emitido para a atmosfera. Esse gás tem 17.000 vezes o potencial de aquecimento global do dióxido de carbono.

As terras raras vêm da África, e guerras estouram pelo direito de escavar suas minas. Pessoas estão sendo mortas para que você tenha a sua confortável Sustentabilidade. Os painéis são fabricados na China. As fábricas emitem tanta poluição que as pessoas que vivem nas proximidades ficam doentes. Lagos e rios morrem com a poluição. Essas pessoas não podem beber a água, respirar o ar ou cultivar a terra, como resultado direto da fabricação de painéis solares. Sua sustentabilidade é tão popular na China que os aldeões mobilizam-se em massa em protesto contra a fabricação desses painéis. Eles estão se unindo para invadir as fábricas e destruir os equipamentos, forçando as fábricas a fechar. Eles valorizam suas vidas mais do que a sustentabilidade dos ricos.

Painéis duram cerca de 30 anos, então vão direto para o lixão. Mais poluição, mais lixo. Algumas partes dos painéis solares podem ser recicladas, mas outras não, e ainda têm o bônus de serem altamente tóxicas. Para serem reciclados, os painéis solares precisam ser enviados para países onde trabalhadores de baixa renda são expostos a substâncias tóxicas no processo de desmontagem. O próprio processo de reciclagem requer energia e transporte, além de gerar produtos residuais.

A indústria de painéis solares é encabeçada pela Siemens, Samsung, Bosch, Sharp, Mitsubishi, BP, Sanyo, entre outros. É para eles que as isenções fiscais para painéis solares e as contas para energia verde estão indo.


ENERGIA EÓLICA 

O processamento de metais lantanídeos (terras raras) necessário para a produção de imãs para as turbinas eólicas acontece na China, onde as pessoas das aldeias vizinhas lutam para respirar o ar altamente poluído. Um lago de cinco milhas de largura de lodo tóxico e radioativo agora toma o lugar de suas terras.

Cadeias de montanhas inteiras são destruídas para a extração dos metais. Florestas são derrubadas para erguer turbinas eólicas. Milhões de aves e morcegos são mortos pelas lâminas. A saúde de pessoas que vivem perto das turbinas é afetada pelos ruídos.

Como o vento é uma fonte de energia inconsistente e imprevisível, é necessário um gás de back-up para disparar a fonte de alimentação. Como o sistema de back-up só funciona de forma intermitente, é menos eficiente, por isso produz mais CO2 do que se ele estivesse sendo executado constantemente, se não houvesse turbinas. A energia eólica soa muito bem na teoria, mas não funciona na prática. Outro produto inútil que não beneficia ninguém, a não ser os acionistas.


EFICIÊNCIA ENERGÉTICA 

E se nós melhorarmos a eficiência energética? Isso não pode reduzir a poluição e o consumo de energia? Bem, não. Muito pelo contrário. Você já ouviu falar do paradoxo de Jevon? Ou do postulado de Khazzoom-Brookes? Estes afirmam que os avanços tecnológicos para aumentar a eficiência levam a um aumento no consumo de energia, não a uma diminuição. Eficiência faz com que mais energia esteja disponível para outros fins. Quanto mais eficiente nos tornarmos no consumo, mais nós consumiremos. Quanto mais eficientemente trabalharmos, mais trabalho será realizado. E estamos trabalhando com eficiência em enterrar nós mesmos em um buraco.


ECONOMIA DE OFERTA E PROCURA

Muitas ações tomadas em nome da sustentabilidade podem ter o efeito oposto. Aqui está algo para refletir: a decisão de uma pessoa de não fazer viagens aéreas, por causa da preocupação com a mudança climática ou a sustentabilidade, não terá qualquer impacto. Se algumas pessoas pararem de fazer viagens aéreas, as companhias aéreas vão reduzir os seus preços, e amplificar sua comercialização, e mais pessoas vão poder fazer viagens aéreas. E porque eles estão fazendo isso a preços mais baixos, a companhia aérea tem de fazer mais vôos para alcançar o lucro que tinha antes. Mais vôos, mais emissões de carbono. E se a indústria enfrentar problemas financeiros, como resultado da demanda reduzida, ela será socorrida pelos governos. Esta estratégia de "escolher recusar" não pode vencer.

A decisão de não fazer viagens aéreas não está fazendo nada para reduzir a quantidade de carbono que está sendo emitida, só faz com que você não esteja participando neste caso. E qualquer pequena redução na quantidade de carbono emitido não faz nada para deter as mudanças climáticas.

Para realmente ter um impacto no clima global, vamos precisar impedir cada avião e cada máquina que queima combustíveis fósseis de operar novamente. E parar cada máquina que queima combustíveis fósseis está longe de ser o objetivo impossível que pode parecer. Não vai ser fácil, mas é definitivamente possível. E não é apenas desejável, mas essencial para que a vida neste planeta sobreviva.

O mesmo vale para qualquer outro produto destrutivo que podemos optar por não comprar. Carne de criadouros industriais, óleo de palma, madeira da floresta, alimentos processados. Enquanto houver produtos a serem vendidos, haverá compradores. A tentativa de reduzir a procura terá pouco, se algum, efeito. Haverá sempre mais produtos que chegando aos mercados. Campanhas para reduzir a demanda de produtos individuais nunca serão capazes de manterem-se. E a cada novo produto, a crença de que este é uma necessidade, não um luxo, se torna cada vez mais forte. Posso convencê-lo a não comprar um smartphone, um laptop, um café? Duvido.

Para interromper a devastação, precisamos cortar permanentemente o fornecimento de tudo o que a produção exige. E visar empresas ou práticas individuais não terá qualquer impacto sobre as estruturas de poder globais que se alimentam da destruição da Terra. Toda a economia global precisa ser levada à um impasse.


O QUE VOCÊ REALMENTE QUER?

O que é mais importante – energia sustentável para você assistir TV, ou a vida dos rios, florestas, oceanos e animais do mundo? Será que você pode viver sem isso, sem a Terra? Mesmo se isso fosse uma opção, se você não estivesse fortemente ligado na interconectada teia da vida, você realmente preferiria ter eletricidade para suas luzes, computadores e equipamentos, em vez de compartilhar o êxtase de estar com toda a vida na Terra? Um mundo sem vida, governado por máquinas, é realmente o que você quer?

Se conseguir o que você quer requer a destruição de tudo que você precisa - ar e água limpos, comida e comunidades naturais - então você não vai durar muito tempo, e nem ninguém.

Eu sei o que eu quero. Eu quero viver em um mundo que está se tornando cada vez mais vivo. Um mundo em regeneração da destruição, onde todos os anos há mais peixes, aves, árvores e diversidade do que no ano anterior. Um mundo onde eu possa respirar o ar, beber dos rios e comer da terra. Um mundo onde os humanos vivem em comunidade com toda a vida.

A tecnologia industrial não é sustentável. A economia mundial não é sustentável. Valorizar a Terra apenas como um recurso para os seres humanos explorar não é sustentável. A civilização não é sustentável. Se a civilização entrasse em colapso hoje, ainda seria 400 anos antes da existência humana no planeta tornar-se verdadeiramente sustentável. Então, se é sustentabilidade genuína que você quer, destrua a civilização hoje, e continue trabalhando para regenerar a Terra por 400 anos. Este é mais ou menos o tempo que levamos para criar as estruturas destrutivas em que vivemos hoje, então é claro que vai demorar pelo menos esse tempo para substituir estas estruturas por alternativas que beneficiem toda a vida na Terra, e não apenas a minoria rica. Isso não vai acontecer imediatamente, mas isso não é motivo para não começar.

Você pode dizer, vamos apenas abandonar a civilização, construir alternativas, e deixar todo o sistema apenas desmoronar quando ninguém mais prestar qualquer atenção nele. Eu costumava gostar dessa idéia também. Mas isso não funciona. Quem está no poder usa as armas do medo e da dívida para manter seu controle. A maioria das pessoas do mundo não têm a opção de abandonar isso. Seu medo e dívida os mantém trancados na prisão da civilização. Seu abandono não pode ajudá-los. A destruição da estrutura dessa prisão pode.

Nós não temos tempo para esperar o colapso da civilização. Noventa por cento dos grandes peixes nos oceanos desapareceram. 99% das florestas antigas foram destruídas. Todos os dias mais de 200 espécies são extintas, para sempre. Se esperarmos mais, não haverá peixes, nem florestas, nem vida em qualquer lugar na Terra.


O QUE VOCÊ PODE FAZER?

Espalhe a mensagem. Confronte as crenças dominantes. Compartilhe esse artigo com todos que você conhece.

Escute a Terra. Vá conhecer seus vizinhos não-humanos. Cuidem um do outro. Aja coletivamente, não individualmente. Construa alternativas, como economias de dádiva, sistemas policultores de cultivo de alimentos, educação alternativa e governança comunitária. Crie uma cultura de resistência.

Ao invés de tentar reduzir a demanda dos produtos de um sistema destrutivo, corte o fornecimento. A economia é o que está destruindo o planeta, então pare a economia. A economia global é dependente de um fornecimento constante de energia elétrica, por isso pará-la é (quase) tão fácil quanto desligar um interruptor.

Os governos e a indústria nunca vão fazer isso por nós, não importa o quão gentilmente pedirmos, ou quão firmemente pressionarmos. Cabe a nós defender a terra da qual nossas vidas dependem.

Nós não podemos fazer isso como consumidores, ou trabalhadores, ou cidadãos. Precisamos agir como seres humanos, que valorizam a vida mais do que consumir, trabalhar e reclamar do governo.

Nas palavras de Lierre Keith, co-autora do livro Deep Green Resistance, "A tarefa de um ativista não é navegar por sistemas de poder opressivo com o máximo de integridade pessoal possível, é destruir esses sistemas."

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

PGR denuncia deputado Luís Heinze por crimes contra a honra

O parlamentar teria ofendido um procurador da República em programa de rádio
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ofereceu denúncia contra o deputado federal Luís Carlos Heinze (PP-RS). O deputado teria praticado os crimes de difamação e injúria contra o procurador da República no município de Erechim Ricardo Gralha Massia, durante entrevista concedida à Rádio Sideral (98,1/FM), no município de Getúlio Vargas, no Rio Grande do Sul.

O objetivo do programa era informar a comunidade sobre a situação dos processos judiciais que envolvem a questão da terra indígena de Mato Petro. Na transmissão, o parlamentar teria dirigido ofensas à reputação, à honra objetiva e seriedade do membro do Ministério Público, o que configura difamação.

Segundo a denúncia do PGR, o deputado também praticou crime de injúria e ofendeu a honra subjetiva do procurador ao afirmar, durante o programa, que “... esse procurador é teimoso, é mal intenciado... a interpretação que ele dá é maldosa, e gostaria que ele entendesse bem essas questões e ajudasse a resolvero problema, não criasse mais tumulto (...)”.

Caso o STF aceite a denúncia, será aberta ação penal contra o deputado.

Secretaria de Comunicação Social
Procuradoria-Geral da República
(61) 3105-6404/6408
Twitter: MPF_PGR
facebook.com/MPFederal

Meu comentário: O Dr.  Ricardo Gralha Massia atuou de forma brilhante na Procuradoria Federal aqui no Acre. A ele minha total solidariedade, ainda mais sabendo do que representa esse tal deputado.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

As praças e as ruas não me verão... nem a favor do impeacheament, nem a favor do governo

Israel Souza[1]
            É mais que patente o clima de indignação política no Brasil. Em parte, isso deve aos escândalos de corrupção na Petrobras e às medidas antipopulares que, contrariando as promessas de campanha, o Governo Dilma vem tomando; e, em parte, se deve a um desencanto geral com a política.

Encabeçada pelo PSDB, uma ala impenitente da direita brasileira procura alimentar e se apropriar dessa indignação. Mantendo-se fiel à sua tradição golpista, escolheu o impeacheament como seu grito de guerra no momento.

Incautos e impulsivos, uns tantos têm dado ouvidos a esse canto de sereia. Nem desconfiam que assim podem desencadear uma série de acontecimentos que muito dificilmente poderão controlar, sendo mesmo provável que o resultado de tal ação seja o oposto do que pretendem em sua boa vontade.

É importante que se façam perguntas sobre esse inquietante cenário. Ocorrendo oimpeacheament, quem ficará à frente do governo que virá? As coisas hão de melhorar? Cremos que não, pois bem sabemos quem está por trás de tal proposta, conhecemos seus ideários políticos e sua maneira de governar.

É consabido que o impeacheament pode criar um vácuo de poder. E, nesse caso, se os militares assumirem o governo, o que pode ocorrer? Pode-se estar abrindo, assim, uma “Caixa de Pandora”. Ninguém sabe que males poderão dela sair, e a esperança quederá ali, prisioneira.

De todo modo, é lícito ponderar que a fórmula “+ autoritarismo - liberdade” não poderá ter como resultado “Estado - menos corrupção + justiça social”. Pela implantação da República e pelo golpe de 1964, os militares brasileiros já deram prova de sua inclinação antipopular. Um governo militar não é pedra que se possa ferir para dela se extrair leite. Um governo militar não é pedra para ser ferida. É pedra para ferir.

As forças governistas (e o PT, em particular) de seu lado, começam a encampar a proposta de uma reforma política. É possível perceber dois objetivos convergentes nesse movimento. Por um lado, ao enfocar elementos estruturais, pretendem diminuir (ou anular) a culpa de Dilma pelo que está acontecendo. Por outro, pretendem criar uma agenda paralela, que possa rivalizar com as denúncias de corrupção que pesam sobre o governo, a fim de ofuscá-las.

É assombroso pensar numa reforma política levada a cabo por PT, PMDB e PSDB, partidos que, juntos com outros, estão implicados nos escândalos de corrupção que hoje envergonham e indignam o país.

Num gesto que patenteia sua decadência política e moral, o PT insiste que a corrupção na Petrobras pode ser rastreada até os governos de Fernando Henrique Cardoso, talvez até antes. Nisso, ele tem razão, porquanto a corrupção na estatal brasileira é partidariamente multicolor, abarca o azul, o vermelho e outras tantas cores.

Tem razão também ao dizer que a “mídia golpista” tem feito denúncias de modo seletivo, batendo fortemente nos governos petistas e silenciando sobre os governos do PSDB. Mas a corrupção do governo de ontem não pode servir de desculpa para a corrupção do governo de hoje. Que paguem devidamente todos aqueles que devem. Todos.

Coisas dessa natureza não mostram senão que PT e PSDB são mais iguais que diferentes. Outrossim, mostram que vivemos um período em que impera a política da miséria e a miséria da política.

Nas últimas eleições, claro ficou que a principal proposta (verbalizada) dos candidatos que disputavam a presidência era manter as políticas assistencialistas que, se por um lado, têm a virtude de aliviar o sofrimento dos mais necessitados, por outro, os mantêm reféns do governo da hora. É nisso que consiste a política da miséria. Uma política criada não para acabar com a miséria, como dizem, e sim para controlá-la.

Em razão de serem mais iguais que diferentes, as forças políticas que hoje disputam o comando do país mostram que não representam, em nada, uma alternativa democrático-popular. São apenas mais do mesmo. E nisso consiste a miséria da política.

Por tudo isso e muito mais é que as praças e as ruas não me verão... nem a favor doimpeacheament nem a favor do governo... Guardarei minha força militante para investi-la na causa das classes subalternas e não na causa das alas vermelha e azul da direita brasileira.

[1] Cientista Social e membro do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental - NUPESDAO. E-mail: israelpolitica@gmail.com

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Em defesa da vida na Amazônia, da Humanidade e do Planeta


NÓS, lideranças dos povos indígenas da Amazônia, participantes do Fórum Social Mundial da  Biodiversidade 2015, realizado em Manaus entre os dias 25 e 30 de janeiro de 2015, em razão de inúmeras ações desenvolvidas pelo Estado Brasileiro em flagrante violação à Constituição Nacional e a outros instrumentos legais internacionais (ex. OIT 169), que ameaçam o meio ambiente, a cultura e a vida dos povos indígenas - inclusive daqueles que não tem contato com a sociedade envolvente, publicamente repudiamos:

- As ações do Governo Federal que, para construir grandes hidrelétricas na Amazônia não consultou as comunidades afetadas e nem as esclareceu quanto aos impactos ambientais e sociais de tais empreendimentos; promoveu manobras e manipulações para forçar as comunidades a aceitarem a realização das obras; omitiu a verdade aos povos indígenas e à opinião pública quanto aos verdadeiros interesses e quem seriam os beneficiados com a energia gerada pelas usinas, além de usar a violência policial para reprimir e intimidar as comunidades;

- As manobras no Congresso Nacional da bancada ruralista e outras ligadas ao agronegócio para aprovação da PEC 215  que retira do Poder Executivo e transfere para o Legislativo a prerrogativa de demarcar as terras indígenas. Nos últimos anos, esses setores têm agido, dentro e fora do Parlamento, de forma bastante incisiva para derrubar as conquistas dos povos indígenas, ora disseminando a violência e o preconceito, ora plantando informações falsas nos meios de comunicação para jogar a população contra os povos indígenas;

- A nomeação de representantes do agronegócio e a bancada ruralista, personificada na senadora Kátia Abreu para o Ministério da Agricultura. Com essa nomeação, a presidenta Dilma Roussef afronta os povos indígenas, os trabalhadores rurais, comunidades quilombolas e outras que resistem à violência e aos desmandos dos latifundiários e do agronegócio quebrando os acordos com os povos tradicionais.

- As articulações dos grupos interessados na exploração mineral em terras indígenas que buscam aprovar o Projeto de Lei que abre as terras indígenas para essa atividade sem nenhuma preocupação com o que possa acontecer com as comunidades e o meio ambiente. Ao longo de mais de 500 anos, a exploração mineral serviu para enriquecer um pequeno grupo de aventureiros à custa de destruição, genocídio e empobrecimento das populações.

- O descaso do Governo Federal para com os povos indígenas sem contato com a sociedade. Por décadas, esses povos têm sofrido a violência do modelo depredador de desenvolvimento. Também têm resistido rejeitando o contato e isso tem lhes permitido viver de acordo com seus costumes e tradições. Na atualidade eles estão ameaçados pelos mega empreendimentos na Amazônia. Recentemente, temos testemunhado a exploração de fatos sensacionalistas, por um lado, e, por outro, informações da ocorrência de epidemias, ações de narcotraficantes contra esses indígenas e impactos causados pela exploração de recursos naturais, pelas madeireiras ou como a prospecção petrolífera na região do Vale do Javari em área onde há informações da presença de grupos isolados.

- A militarização da Amazônia e os impactos dos quartéis instalados dentro das terras indígenas. Invadem nossas áreas e violentam nossa vida, não respeitam nossos costumes e abusam de nossas mulheres.

Nós, povos indígenas, juntamente com os segmentos que apoiam nossa luta, queremos a imediata demarcação e regularização de todas as nossas terras e nos juntamos aos demais setores da sociedade que rejeitam o atual modelo de desenvolvimento depredador e "ecocida" implementado pelo Estado Brasileiro, pois esse modelo está na raiz da instabilidade econômica e ambiental, do desequilíbrio sistêmico socioambiental que abala todo o planeta e resulta no esgotamento dos recursos naturais em vários países e, no Brasil, está levando todos a um futuro de incertezas em vista das crises no abastecimento de água, de energia e na crise econômica que se torna cada dia mais evidente. Queremos também que os países mais poluem o planeta, se empenhem para a redução dos poluentes nos próximos anos.

Lembramos que com nossa experiência milenar de reciprocidade e interação com o meio ambiente geramos uma grande e rica diversidade de formas de conviver em sociedade (sociodiversidade), e exercemos não só um papel de proteção da biodiversidade, mas contribuímos ativamente para o seu enriquecimento. As imagens de satélite mostram que as regiões onde as terras indígenas estão demarcadas são as mais preservadas da Amazônia, mais ainda que outras áreas de proteção ambiental (parques nacionais, reservas, etc.) que continuam sendo saqueadas e desmatadas.

Por isso, quando lutamos para manter a nossa autonomia e as nossas formas próprias de vida, pela demarcação e garantia de nossas terras, contra a exploração e depredação da Amazônia,agimos não só em prol de nossa causa, mas em defesa de toda vida no planeta. Bem e bom viver e conviver com a Mãe-Terra, como nos ensinaram os antepassados, como aquela que nos sustenta e dá segurança, nos ajudará a encontrar os caminhos para salvar e construir o futuro da Amazônia. Essa é nossa luta e compromisso, nossa contribuição com a vida da humanidade e do planeta, para que nossos filhos e os filhos de nossos filhos possam continuar a dança da vida sobre a Mãe-Terra.

Manaus (AM), 29 de janeiro de 2015

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB); 
União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB); 
Instituto de Articulação de Juventude da Amazônia (IAJA); 
Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (AMARN); 
Comunidade Inemanatã; Assentamento Povo do Sol Nascente; 
COPIME; 
CIMI Norte 1; 
PIAMA; 
ARCA; 
AKIM; 
ACW; 
WAIKIRU; 
AAIMAV; 
OPIK; 
AIUE; 
ACIWK; 
OMISM WATYAMÃ; 
APN; 
AENGKA; 
ABNIS; 
Yampinima; 
ASPITAM.

Publicado também em Plavda