quarta-feira, 15 de junho de 2022

Carta de Cruzeiro do Sul.

 Chegamos à conclusão que estes projetos da economia verde, ao invés de solucionar, agravam as ameaças sobre nossos territórios e a própria crise climática e ambiental. Trata-se na verdade de esquemas de pagar para poluir, de gerar pretextos para viabilizar a continuada queima de combustíveis fósseis e o continuado crescimento econômico capitalista.


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Nos, integrantes dos povos Manchineri, Apurinã, Katukina Noke Kuí, Jamamadí, Jaminawa, Sharanawa, Huni Kuim, Shanenawa, Ashaninka,  Madiha, Kuntanawa, Jaminawa-Arara, Jaminawa do Igarapé Preto, Marubo, Arara, Apolima-Arara, Kanoé Rondonia, Oro Wari Rondonia, Bororo, Nukini, Nawa, agricultores/as, trabalhadores/as rurais extrativistas, representantes das organizações Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (WRM), Amigos da Terra Brasil, Sempre Viva organização Feminista (SoF), Marcha Mundial das Mulheres (MMM), Movimento dos Trabalhadores/as Sem Terra (MST-RO), Movimento dos Pequenos Agricultores/as (MPA – RO), reunidos nos dias 11 e 12 de junho no Centro de Treinamento Diocesano, na cidade de Cruzeiro do Sul no Acre, no evento Golpe Verde na Amazônia, identificamos as diversas ameaças que afetam nossos territórios e nossa sobrevivência cultural, social e física:

  1. A não demarcação de muitos de nossos territórios, incluindo aqueles dos povos em situação de isolamento voluntário, assim como a ameaça dos já demarcados pelo marco temporal e outras proposituras legislativas;
  2. Os projetos de construção de estradas e hidroelétricas, exploração de petróleo e gás, minérios e de madeira e a expansão do agronegócio, sem que haja sequer processos de Consulta Livre Prévia Informada e de Boa Fé, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
  3. O aumento das invasões, inclusive armadas, nos territórios, das perseguições e assassinatos durante o Governo Bolsonaro, por garimpeiros, pescadores e caçadores ilegais, madeireiros e traficantes, a exemplo do ocorrido com o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips;
  4. O desequilíbrio social, a violência interna, os suicídios e o êxodo rural que estes projetos e invasões provocam em nossas comunidades ao, entre outros, introduzir uso de álcool, drogas e abusos sexuais, incluindo desaparecimentos e a violência contra criancas;
  5. O acelerado avanço dos projetos do tipo REDD, REDD+, PSA ou, como chamam ultimamente, Soluções baseadas na Natureza (SbN), que vem sendo apresentados como soluções para o desastre climático e ambiental em curso, assediando nossas lideranças e organizações, cooptando algumas delas e causando graves conflitos internos.

Chegamos à conclusão que estes projetos da economia verde, ao invés de solucionar, agravam as ameaças sobre nossos territórios e a própria crise climática e ambiental. Trata-se na verdade de esquemas de pagar para poluir, de gerar pretextos para viabilizar a continuada queima de combustíveis fósseis e o continuado crescimento econômico capitalista. Os esquemas de compensação climática e ambiental, de fato, andam de mãos dadas com a destruição exercida pelos megaprojetos e invasões diretas em nossos territórios. As falsas soluções, assim como os mercados de carbono, prosperam na medida em que ameaças e violência aumentam.

Diante estas constatações, seguiremos denunciando todos os projetos que atentam contra a autonomia dos povos da floresta, seus territórios e a própria vida.

Nos reconhecemos como parte do grande organismo vivo que é a terra. Os diversos ataques que o capitalismo lança em ritmo acelerado sobre as florestas e seus povos agem como um vírus que ataca este organismo. Na medida em que este vírus se espalha, se transforma, assume novas formas e se camufla. Porém, a nossa luta, nossas rezas, rituais e cantos de cura, também se tornam cada vez mais fortes a medida em que nos unimos para enfrentar esses projetos de morte.

Como povos da floresta, somos a voz que cura e se levanta para defender a Mae Terra.

Cruzeiro do Sul, Acre , 12 de Junho de 2022.

quarta-feira, 1 de junho de 2022

Documento Final do Seminário Binacional Brasil/Peru

 

Documento Final do Seminário Binacional Brasil/Peru
Amazônia: Sociobiodiversidade, resistência ao modelo desenvolvimentista predatório

 

Nós, lideranças dos povos indígenas, Apolima Arara, Jaminawa do Igarapé Preto, Inũkuĩni, Huni Kui, Nokekoĩ, Ashaninka, Shãwãdawa, Nawa, Kutanawa, Shanenawa, Madija, Apurinã e Jamamadi, do Juruá, e Marubo, do Vale do Javari.

Reunidos entre 24 e 26 de maio de 2022, após análise do projeto de construção da estrada Cruzeiro do Sul-Pucallpa e conversa em conjunto entre nós e com especialistas, estamos por meio deste demonstrando nosso descontentamento e repúdio ao projeto acima citado.

Salientando o fato da ausência de Consulta Prévia, Livre e Informada, sobre quaisquer uma das obras presentes no plano, para com os povos indígenas, o que descredibiliza e deslegitima tais ações presentes em território indígenas.

Estamos cientes de que a construção da estrada se encontra dentro de um conjunto de modelo desenvolvimentista predatório incluindo exploração de minério, madeira, petróleo e gás.

Situada na região, com a maior bacia do mundo de água doce de superfície, há terras indígenas ainda não demarcadas e a presença de povos em isolamento voluntário que seguem sendo ignorados e negados.

Lembrando ainda que não foram realizados Estudos de Impacto Ambiental, necessários a todos os projetos que afetam o meio ambiente e as populações locais.

Além de todos os malefícios decorrentes da construção da estrada, vulgos “ramais” adjuntos que acabam por se tornarem portas de entrada para desmatamentos, ocupações ilegais e atividades ilícitas.

Antes de quaisquer iniciativas que impactem nossos territórios, exigimos:
-Demarcação e reconhecimento de todas as terras indígenas, garantias aos territórios de povos indígenas sem contato (isolados) e regularização fundiárias de comunidades tradicionais;
-Medidas para manutenção de flora, fauna e biodiversidade;
-Garantias de preservação de segurança alimentar das populações locais;
-Realização de Estudo de Impacto Ambiental, com dados reais, incluindo as diversas formas de poluição (sonora, visual, de água, solo), o desmatamento de grandes áreas, etc.;
-Medidas de segurança pública como prevenção ao aumento de violência contra as comunidades e lideranças.

Por tudo isso, nós, lideranças dos povos indígenas, rejeitamos o projeto de estrada Cruzeiro do Sul-Pucallpa e também o Projeto de Lei 6024/2019, que visa a redução da Reserva Extrativista Chico Mendes e reclassifica o Parque Nacional da Serra do Divisor para Área de Proteção Ambiental.

 

Cruzeiro do Sul – AC, 26 de maio de 2022