segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Os desdobramentos do capitalismo de desastre no Acre - a “adicionalidade do medo”

Reproduzo aqui brilhante artigo de Michael F. Schmidlehner, publicado originalmente na revista Contra Corrente Nº 05. Aproveitem a leitura porque é muito raro um texto assim, tão preciso na análise do que ocorre hoje no estado do Acre.

Michael F. Schmidlehner*
O capitalismo de desastre
O fato do modo de produção capitalista causar desequilíbrios em sociedades e no meio ambiente foi amplamente descrito e analisado no século passado. Entretanto, na atual fase do capitalismo, destaca-se ainda outra tendência, ainda menos estudada, inerente deste sistema: a de explorar economicamente crises, inclusive aquelas por ele provocadas. A jornalista canadense Naomi Klein (2008), no seu livro “A doutrina do  choque: a Ascensão do Capitalismo de Desastre”  descreve, como, nos Estados Unidos, experimentos psiquiátricos associados a teorias do liberalismo econômico de Milton Friedman deram origem a novas estratégias de dominação geopolítica, que, em  seguida foram "testadas" nas ditaduras latino-americanas. Estes mecanismos começam a funcionar quando os indivíduos de uma  sociedade perdem sua narrativa, e o capitalismo selvagem, aproveitando sua paralisia e impotência, pode impor suas regras sobre eles. Nesta lógica perversa,  desastres naturais e até guerras tornaram grandes “oportunidades de mercado”.

O presente artigo busca, a luz do conceito do Capitalismo de Desastre, analisar a adaptação de um modelo "clássico" de desenvolvimento sustentável, vigente no Acre na maior parte da primeira década de 2000 para o modelo atual que enfatiza a implementação dos mecanismos da chamada Economia Verde, apontando como  marco desta transição a Lei Estadual 2.308/2010, que cria o Sistema Estadual de Incentivos a Serviços Ambientais(SISA), no Acre.

Fase um: “Use-o ou perca-o”

O período do "clássico" desenvolvimento sustentável teve seu início no Acre em 1999, quando  a chamada Frente Popular do Acre (FPA), liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) assumiu  o governo do Estado com Jorge Viana.  A equipe do  chamado “Governo da Floresta” soube reproduzir em nível local um discurso que havia se criado no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), a partir de 1980, e consolidado na ECO 92. Conforme o lema: “use it or lose it” (use-o ou perca-o), o  discurso do  “desenvolvimento sustentável” disseminado nesse momento afirmava que a única possibilidade de preservar os recursos biológicos seria usá-los comercialmente, ou seja,  incluí-los em processos produtivos.

A FPA e os primeiros empréstimos para políticas de desenvolvimento sustentável

Promovendo a ideia que a “Frente Popular” seria a autentica continuação da luta dos povos das florestas acreanas e transfigurando estes povos como se fossem vocacionados  “ambientalistas de mercado“ , o Governo  ofertou o Acre  para as grandes agências e bancos de desenvolvimento, como laboratório e vitrine do desenvolvimento sustentável na Amazônia.

Logo em 2002, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)  concedeu um primeiro empréstimo de US$ 64,8 milhões para viabilizar o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Estado do Acre (PDSA). Seguiriam-se, nos dez anos posteriores, uma série de financiamentos dos grandes bancos de desenvolvimento nesta linha. De acordo com documentos  do Governo, as operações de créditos (empréstimos) em 2011 totalizaram R$ 1.62 bilhões. (ACRE 2011, p.13). Os dados da oposição entretanto indicam, que a dívida do Acre esteja na cifra dos R$ 3 bilhões.  (AC24HORAS, 2013) . O problema do endividamento ainda é agravado pela crescente dependência do estado dos recursos federais.  Enquanto em 2004 a União transferiu em torno de 1,2 bilhões de Reais para o Acre, em 2012 as transferências ascenderam a mais que 3 bilhões.  (CGU 2013)

As condicionantes que acompanham os empréstimos estão  exemplificadas na descrição do projeto atual financiado pelo BID: “Espera-se leiloar 300.000 hectares de florestas estaduais em licitações fechadas para o manejo florestal sustentável. [...] O projeto prevê um aumento  da contribuição do setor florestal para o crescimento econômico em 6 por cento” (IADB 2013, tradução nossa)

Mesmo ocorrendo praticamente despercebido pela população do Acre, o endividamento do Estado  surte severas consequências, inserindo-se na lógica do Capitalismo de Desastre.  - Assim como a crise da dívida na década de 80 havia forçado os países africanos e latino-americanos a “privatizar ou morrer” (KLEIN 2008,p.20), os compromissos financeiros com os grandes bancos fizeram “necessário” a penhora e privatização das florestas no Acre. Em 2006, a então Ministra Marina Silva criou as bases para esta privatização, ao permitir, por meio da Lei n.º 11.284, as concessões de florestas públicas para empresas privadas.

Perda de identidade

A pressão financeira exercida pelos bancos se traduz diretamente na repressão dos povos da floresta pelo Governo. Além da tutelagem pelo discurso tecnocrata  e a cooptação de lideranças, o medo contribui para a paralisia destas pessoas: medo de ser multado pelos órgãos ambientais, medo de ser criminalizado, de ser excluído ou reprimido por discordar com as políticas governamentais. O líder seringueiro Osmarino Amâncio descreve a atual situação do movimento assim:  “Hoje você vê o Secretário dirigindo a assembleia do sindicato, secretário do Governo do Estado fazendo a pauta do movimento sindical e o sócio ta la, muitas vezes assistindo” (ALMEIDA, CAVALCANTE 2006, p.70). O que os fazendeiros não conseguiram na década de 1980 – desmobilizar o movimento seringueiro – as politicas paternalistas do desenvolvimento sustentável promoveram com muito mais eficácia nas décadas seguintes. O principio da dominação neste processo se baseia, assim como às técnicas psiquiátricas que foram aplicadas pela Agência Central de Inteligência americana (CIA) nas ditaduras latino-americanas, no isolamento, no esmorecimento da personalidade e na perda de identidade No caso dos povos da floresta, esta identidade é plenamente vinculada ao us e às formas de ocupação do território. .

A Presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Xapuri, Dercy Teles descreve a iminente perda de identidade provocada pelas represálias ambientais assim: “você vai se sentir inútil, não tem como a pessoa viver parada só comendo e olhando pra mata sem poder fazer tudo aquilo que ele cresceu fazendo, pescando, caçando, andando, fazendo sua roça, etc.” (DOSSIÊ ACRE 2012, p.39)

Fase dois: “Precifique, ameace e negocie-o”

Em 2007, a ONU iniciou uma nova produção discursiva, ao introduzir o Programa Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade (TEEB, na sigla em inglês) (2008). Em contraste com o lema do “clássico” desenvolvimento sustentável “use-o ou perca-o”, agora agrega-se valor financeiro à recursos e processos naturais ameaçados ao se comprometer em os  manter intocados, ou seja, em não usá-los. Uma vez tendo um processo natural descrito tecnicamente como “serviço ambiental”, e tendo ele precificado sob a confirmação de que sua existência e reprodução estão ameaçadas, certificados podem ser emitidos e vendidos. Estes papeis certificam que haverá uma provisão “adicional” deste serviço por meio de um determinado projeto: adicional em relação a um cenário projetado sem o projeto.  O primeiro “serviço” a ser precificado e negociado na prática foi o da fixação de carbono nas florestas, que deve parcialmente compensar emissões de indústrias que causam o aquecimento global.  Certificados gerados a partir de projetos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, chamados REDD ou REDD+, já podem ser adquiridos por poluidores que querem se tornar “neutros em carbono”.  

Mais uma vez, o governo da FPA soube rapidamente traduzir o discurso do nível global para o local e assegurar sua posição de “vanguarda” na aplicação da Economia Verde nas florestas tropicais. Ao criar a já citada neste artigo Lei SISA , o Estado autoriza a si mesmo, por meio  da criação de institutos, comissões e uma agência comercial, a criar e alienar créditos resultantes de “serviços ambientais”, tais como sequestro de carbono, conservação da beleza cênica natural, regulação de clima, valorização cultural e do conhecimento tradicional ecossistêmico, entre outros.[1]

Mas, como recursos e processos naturais que são concebidos pela Constituição Federal de 1988, em seu Artigo 225 como bens comuns e, consequentemente, inapropriáveis e inalienáveis, podem de repente “por lei” ser transformados em mercadoria?   Ignorando as fortes preocupações da sociedade civil, como aquelas formuladas na Carta do Acre (2011), os promotores da Economia Verde dão maciço apoio  à implementação do sistema “exemplar” no Acre. Após quatro dias da criação da Lei SISA, o Fundo Amazônia aprovou o financiamento do Projeto Valorização do Ativo Ambiental Florestal com R$ 60 milhões, para incentivo técnico e financeiro aos serviços ambientais. (FUNDO AMAZÔNIA 2013) Em 2013, seguiram mais R$ 50 milhões do banco alemão KFW à titulo de reconhecimento pelas “ações pioneiras” e como incentivo, dentro do programa REDD “Early Movers” (REM) (IPAM 2013).

Quais são então, nesta nova fase, as condições do financiamento? Para garantir a manutenção dos “serviços ambientais” os impactos negativos da “ação antrópica” (atividades de seres humanos) precisam ser minimizados, ou seja , as pessoas que vivem da floresta precisam ter suas atividades controladas ou suspensas. Isto exige restrições e regras de gestão ambiental mais severas.

É neste momento, que a crise - a paralisia do movimento, a criminalização das práticas tradicionais pelas políticas paternalistas do “desenvolvimento sustentável” - se torna “oportunidade”, abrindo o terreno para a imposição dos novos mecanismos mercadológicos. Comprometidos por algum pagamento, enganados por um falso discurso que os descreve como “guardiões da floresta” e, de fato, privados de seu direito de livre interação com os elementos da natureza, os moradores da floresta passam a preencher no cenário da Economia Verde na verdade a função de imóveis “espantalhos culturais”, tendo a única atribuição de vigilância para que os processos de acumulação de capital, a partir do seu território, ocorram imperturbados.

Em 2012, na Rio+20, integrantes do grupo da Carta do Acre interviram em eventos promovidos pelo Governo do Acre e lançaram um dossiê intitulado  “O Acre que os mercadores da natureza escondem”, revelando a aplicação do modelo da Economia Verde no Acre  como ambientalmente destrutivo e socialmente excludente.

Entretanto, as palavras mais diretas acerca da “nova logica” por trás dos serviços ambientais e REDD  vieram de forma inesperada, de uma pessoa que tinha sido considerado um potencial “parceiro” do Governo do Acre. No evento paralelo da Rio+20 Economia Florestal Verde e Cooperação Sul-Sul, realizado pelo WWF Internacional com o Governo do Acre e o Governo de Sabah (Malásia), o diretor do setor Florestal de Sabah,  Datuk Sam Mannan causou constrangimento entre os presentes representantes de governos e ONGs, quando explicou: “Se nossa atividade  habitual é a boa governança das florestas, tratando-se de uma floresta certificada e bem gerida em uma área de padrão mundial de conservação e, assim por diante, o REDD + não pode ser aplicado.  Foi-me explicado que não há adicionalidade - ou seja, a adicionalidade do medo!!. Não havendo adicionalidade, o carbono não tem nenhum valor - não vai vender. Ninguém quer comprá-lo. Nada! Se, pelo contrário, você destruir e depois parar no meio, ameaça de causar mais danos, então há adicionalidade e, portanto, o carbono retido vende.  Senhoras e Senhores, isso é loucura e um sistema que recompensa trapaceiros, recompensa chantagistas e recompensa  pessoas que intimidam. Al Capone deve estar sorrindo no túmulo dizendo: 'Cumpadre, minha cultura está viva!'” (MANNAN 2012, p.11, tradução nossa)

O Acre como laboratório de choque?

Mais recentemente, com a aprovação da Lei Estadual 2.728, em agosto de 2013, o Governo do Acre autorizou a transferência de cem milhões de toneladas de dioxido de carbono para a Companhia Agência de Desenvolvimento de Serviços Ambientais do Estado do Acre S/A, a agência comercial do SISA. Supondo que uma tonelada do gás tenha valor de R$ 10, esta transferência corresponderia a um bilhão de reais. Com isso, o Governo parece querer inaugurar o ato da milagrosa “multiplicação do carbono”, no qual quaisquer ameaças ambientais ou impactos negativos sobre os ecossistemas, inclusive aqueles que podemos esperar no futuro próximo em consequência da exploração de gás e petróleo no Acre, podem, através da palavra mágica “adicionalidade” ser transformados em dinheiro. Mas qual será ao final o destino deste dinheiro? Provavelmente terá que ser usado para pagar os juros para os bancos, viabilizando assim novos e maiores financiamentos e continuar saciando a sede do capital em manter escalas de lucro crescentes.

Os Programas de Pagamento por Serviços Ambientais e REDD visam transformar o Acre em mais um “laboratório de choque”, onde endividamento, destruição ambiental, opressão e espoliação dos povos formam um circulo viçoso. Naomi Klein  define um estado de choque como “momento em que se forma uma lacuna entre os eventos que se sucedem rapidamente e a informação disponível para explicá-los.” (KLEIN 2008, p.543) Neste sentido, temos que concentrar esforços para monitorar, analisar e compreender estes eventos, ou seja, fechar esta lacuna e recuperar a capacidade de reação.


Referência bibliográficas:
ACRE, Governo do Estado , Desenvolver e Servir - Plano Plurianual 2012 – 2015, Rio Branco, 2011.
AC24HORAS, Notícia do 12/12/2012: Dilma não anistia dividas dos estados e medida provisória vai mudar indexador. [http://www.ac24horas.com/2012/12/12/dilma-nao-anistia-dividas-dos-estados-e-medida-provisoria-vai-mudar-indexador/ , Acesso 04 Set. 2013 ]
ALMEIDA, L.; CAVALCANTE, M., Osmarino Amâncio: tempo de resistência, em PAULA, E., SILVA, S., (Orgs.) Trajetórias da Luta Camponesa na Amazônia-Acreana, EDUFAC, Rio Branco 2006, p.63-77.
CARTA DO ACRE - Em defesa da vida, da integridade dos povos e de seus territórios e contra o REDD e a mercantilização da natureza (documento elaborado por 30 organizações sociais de defesa ambiental e dos direitos humanos na Amazônia, em Rio Branco (AC), 2011.  [http://www.plataformabndes.org.br/site/index.php/biblioteca/category/12-notas-e-manifestos?download=38 , Acesso 23 Ago 2013 ]
CGU – Controladoria-Geral da União, Portal da Transparência: Transferência de Recursos. [http://www.portaldatransparencia.gov.br . Acesso em 04 Set. 2013]
DOSSIÊ ACRE: O Acre que os mercadores da natureza escondem (documento especial para a Cúpula dos Povos), 2012. Disponível em: http://www.cimi.org.br/pub/Rio20/Dossie-ACRE.pdf. Acesso em 23 Ago 2013 ]
FUNDO AMAZÔNIA, Projeto: Valorização do Ativo Ambiental Florestal  [ http://www.fundoamazonia.gov.br/FundoAmazonia/fam/site_pt/Esquerdo/Projetos_Apoiados/Lista_Projetos/Estado_do_Acre . Acesso em 04 Set. 2013]
MANNAN, Datuk Sam, The Rainforests of Sabah, Malaysian Borneo: will we still see them in the next century ?  A speech delivered by Satuk Sam Mannan, Director of Forestry, Sabah, Malaysia, at the Rio+ 20 side event,19th june 2012, Rio de Janeiro, Brazil. Disponível em [http://www.forest.sabah.gov.my/images/pdf/press%20release/en/Speech-Rio.pdf. Acesso em Ago.2013.
IADB, Brazil’s Acre gets $72 million IDB loan for Sustainable Development Program - Inter-American Development Bank. Disponível em: http://www.iadb.org/en/news/news-releases/2013-04-22/sustainable-forestry-in-brazils-acre,10425.html. Acesso em  23 Ago2013.
IPAM, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - Karl-Heinz Stecher: Programa remunera Acre por resultados contra desmatamento [ http://www.ipam.org.br/revista/Karl-Heinz-Stecher-Programa-remunera-Acre-por-resultados-contra-desmatamento/493 Acesso em 23 Ago 2013 ]
KLEIN, Naomi, A doutrina do  choque: a Ascensão do Capitalismo de Desastre / Naomi Klein; tradução Vania Cury, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
TEEB, Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade, Um relatório preliminar, Cambridge – Reino Unido, 2008. Disponível em: http://www.teebweb.org/wp-content/uploads/Study%20and%20Reports/Additional%20Reports/Interim%20report/TEEB%20Interim%20Report_Portuguese.pdf.,Acesso em 23 Ago2013.



*    Michael f. Schmidlehner é austríaco nato e brasileiro naturalizado, possui mestrado em filosofia pela Universidade de Viena - Áustria, e atua no Acre desde 1995 como sócio fundador da organização não governamental Amazonlink.org, jornalista e professor de filosofia. Contato: michael@amazonlink.org
[1]    Fazem parte do arranjo Institucional do SISA:  (1) o Instituto de Regulação Controle e Registro, (2) a Comissão Estadual de Validação e Acompanhamento, (3) o Comitê Científico (4), a Ouvidoria do Sistema e (5) a Agência de Desenvolvimento de Serviços Ambientais do Estado do Acre.

sábado, 28 de setembro de 2013

Conflito contra projeto de ‘economia verde’ faz primeira vítima no Acre

Filho de camponês que luta contra projeto de redução de emissões de CO2 é assassinado na região de Manuel Urbano

Osmarino Amancio
Uma situação, que se agrava a cada dia, chegou a um ponto dramático no início desta semana. Um adolescente de 15 anos, nascido e criado numa comunidade do Acre, foi assassinado enquanto seu pai participava de uma audiência em Rio Branco, na sede da Federação dos Trabalhadores em Agricultura, para tornar pública sua objeção ao projeto de redução de emissões de CO2. Com isso, o conflito que ali se estabeleceu já possui sua primeira vítima. 
 
Nos últimos dois anos, projetos privados para venda de créditos de carbono foram criados no Acre com respaldo do governo estadual. Esses contratos internacionais de compra e venda de carbono são realizados para que empresas dos Estados Unidos e Europa possam continuar poluindo sem maiores restrições, “preservando” áreas de floresta na América Latina, África e Ásia, causando a criminalização das populações tradicionais que vivem nessas regiões e dificultando seu acesso à terra.
 
Um desses projetos, denominados de REDD (redução de emissões – de CO2 – por desmatamento e degradação) foi implantado em uma área com mais de 30 mil hectares, às margens do rio Purus, distante algumas horas de barco da cidade mais próxima, Manoel Urbano localizada a 300km de Rio Branco, capital do Acre. A venda dos créditos de carbono no exterior é realizada por uma empresa norte-americana.
 
O projeto em questão é reconhecido internacionalmente, pelas ONGs que promovem o mercado de carbono, por seus alegados méritos sociais e ambientais, recebendo certificação de qualidade “padrão ouro”. Trata-se, contudo, de uma farsa bem arquitetada para esconder os impactos nocivos desse empreendimento para a comunidade de posseiros que vivem na área e não aceita o projeto. Seus direitos não estão sendo respeitados e o acesso à justiça não está sendo garantido pelas instituições responsáveis.
 
Os projetos que estão sendo implantados em outras áreas do Acre e da Amazônia possuem o mesmo potencial de criação ou agravamento de conflitos fundiários. Como afirma Osmarino Amâncio, liderança histórica do movimento dos seringueiros, os projetos de REDD “despertam velhos problemas fundiários vividos na Amazônia, mas ganham uma dimensão nova com essa tal de ‘economia verde' e REDD”. O mais grave, segundo Osmarino, é que estes projetos “impõem uma série de proibições aos moradores”, impedindo que eles possam “fazer seus roçados, tirar madeira para construir suas casas, oferecendo em troca uma miséria, que é o dinheiro que eles dizem que os moradores vão ganhar com o projeto, ou então bolsas de tudo que é tipo, que não garantem a sobrevivência dos trabalhadores”. E tudo isso, segundo Osmarino, conta com o apoio dos órgãos públicos, “responsáveis por criminalizar nossas práticas tradicionais e impor o medo nas comunidades, dizendo pra elas que não têm outra saída”.
 
Por isso, fazemos um alerta a todos os movimentos combativos: os projetos ligados à “economia verde” são uma grande e perigosa ameaça para as populações locais. A “financeirização da natureza” e o pagamento por “serviços ambientais” são apenas mais uma face da expansão destrutiva do capital sobre a região amazônica, varrendo de seu caminho todas as vidas que possam atrapalhar essa necessidade lógica do sistema. É hora de sermos solidários com a família do menino Márcio e com a comunidade de posseiros do interior de Manoel Urbano que luta pra seguir na terra na qual sempre viveu em paz.

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO NO ACRE É UMA FALÁCIA

Após o fracasso do experimento para produção do biodiesel a partir da extração de óleo Safrol obtido através da “Pimenta Longa” e, mais recente, a famigerada Usina Álcool Verde (projetos elaborados pela administração do Partido dos Trabalhadores - PT do Acre), alardeadas como a redenção econômica do estado, mais uma vez o governador Tião Viana (PT) comanda a comercialização de sonhos e factoides políticos.
O polêmico assunto foi alvo de um curto debate na rede social Facebook, por doutores da Universidade Federal do Acre (UFAC), todos enfáticos ao afirmar que a Prospecção de Petróleo no Vale do Juruá em Cruzeiro do Sul seria mais um factoide criado pelo PT.
O primeiro a comentar o assunto foi nada menos que o doutor em Paleontologia, ex-reitor da Ufac e petista, Jonas Filho. “Para inflamar, novamente vem à tona esta falácia de petróleo no Acre. Agora serão cerca de 60 milhões em investimentos. O petróleo economicamente viável não vai ser encontrado e três coisas serão certas: De um lado, alguém vai ganhar muito dinheiro, de outro, vai continuar faltando moradia, saneamento, saúde e educação e, de sobra, eu e você vamos continuar com nossa “cara de tacho”, declarou Jonas.
O comentário de Jonas foi corroborado por pelo também ex-reitor da universidade acreana, Doutor Àulio César Souza, que lembrou quando foram realizados estudos no Acre para descobrir se havia ou não petróleo no estado e, parabenizando o colega pelo comentário, disse que “o assunto é antigo e tem história. No final da década de 30, no alto rio Môa, na fronteira do Brasil com o Peru, nas proximidades da serra de Contamana, no município de Cruzeiro do Sul, houve a primeira tentativa de exploração de petróleo no Acre, sob a responsabilidade de umaempresa Americana. O produto foi encontrado e o projeto suspenso por ter sido julgado antieconômico. Ainda não havia a atual Petrobras. Complementando, o local onde essas primeiras pesquisas foram realizadas, no Acre, denominava-se: Pedernal” escreveu.
“É isso mesmo. Desde os anos 30 que se sabe sobre (não) petróleo no Acre e continuamos dando murro em ponta de faca, gastando o que não temos para saber o que já se sabe....”, afirmou Jonas, em resposta ao comentário do colega.
Com informações do ac360graus.
Eu tenho dito isso há anos, desde que o então senador montou aquele circo em Cruzeiro do Sul, o que chamou cinicamente de "audiência pública", quando levou toda a sua tropa de choque, incluindo a imprensa, para nos desqualificar e criar a ilusão do desenvolvimento e enriquecimento imediato do Juruá. Naquela ocasião apenas nós do Cimi e a Diocese de Cruzeiro do Sul denunciaram a manipulação das informações e a falácia do Senador. 
Eu mesmo, quando dava uma entrevista na Rádio Juruá FM, no programa do jornalista Leandro Althman, tive a entrevista interrompida e (praticamente) fui expulso dos estúdios por ordem do então diretor de alguma coisa na Juruá FM, um certo Nelson Liano Júnior. É gente deste nível que cerca o agora governador Tião Viana e que nem acreano é. Isso sim, é um atraso para o Acre!
Mesmo assim, continuamos denunciando o que alguns chamam apenas de "falácia" e eu chamo de crime e deboche contra o povo acreano.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Desvelando falácias em teses anti-indígenas do latifúndio no Brasil

Cleber  Buzatto
No processo de ataque sistemático contra os povos indígenas e seus direitos, além da violência física, executada por meio de assassinatos seletivos de líderes indígenas e expulsões extra-judiciais de comunidades por grupos paramilitares, o velho latifúndio, no intuito de manter e ampliar a posse e a exploração das terras tradicionais destes povos, tem feito uso de diferentes instrumentos legislativos e administrativos, bem como, de teses diversas por meio das quais buscam justificá-los.

Quanto aos instrumentos de ataque, se tem falado, dentre outros, sobre as Propostas de Emendas Constitucionais números 038/99, 215/00 e 237/13, o Projeto de Lei 1610/96, o Projeto de Lei Complementar 227/12, as Portarias 419/11 e 303/12 e o Decreto 7957/13.

Em relação às teses anti-indígenas, embora estejam sendo usadas de forma exaustiva pelos inimigos dos povos indígenas, a ponto de tornarem-se críveis a alguns cidadãos, são fundamentalmente falaciosas e não resistem a uma análise minimamente criteriosa.

Neste sentido, sem pretensão de exaurir o tema, elencamos sete destas teses, buscando identificar e explicitar suas fragilidades fáticas, apontando questões que julgamos importante para entendermos as reais motivações subjacentes às mesmas.

Tese Anti-indígena número 1: Demarcações de Terras Indígenas beneficiariam interesses internacionais

Com esta tese os ruralistas visam desqualificar a luta dos povos pelos seus territórios e, com isso, legitimar e atrair o apoio da população brasileira ao ataque e violências que realizam contra os povos indígenas no Brasil.

Ao mesmo tempo, criam uma cortina de fumaça por meio da qual tentam encobrir o fato de que é o próprio agronegócio e seus ascetas que efetivamente servem aos interesses internacionais no campo. O que realmente ocorre é que:

O latifúndio, o agronegócio e os ruralistas estão a serviço dos “interesses internacionais”. Todas as fases deste setor, desde a produção (sementes, máquinas agrícolas, adubos químicos, agrotóxicos), passando pela industrialização, comercialização e exportação são controladas por empresas multinacionais, que enviam os altos lucros advindos da exploração do território brasileiro para suas matrizes sediadas fora do Brasil.

A título de exemplificação, citamos algumas das principais transnacionais e respectivos países sedes beneficiadas pelo latifúndio e pelos ruralistas no Brasil: a Monsanto, a Archer Daniels Midland Company – ADM, a Cargil, New Holland Machine Company (Estados Unidos), Bunge (Holanda), Bayer e Basf (Alemanha), Syngenta (Suíça), Louis Dreyfus Commodities (Franco Inglesa), Raízen (Cosan – Brasil e Shell – Estados Unidos), Del Monte Fresh Produce Company” (Ilhas Cayman) -http://www.revista.ufpe.br/revistageografia/index.php/revista/article/viewFile/459/335.
Além disso, é de conhecimento público e notório que milhões de hectares de terras no Brasil vêm sendo adquiridos, sem qualquer tipo de controle, por empresas particulares e governos de diversos outros países.

A produção do latifúndio ruralista é subsidiada com recursos públicos e voltada essencialmente à exportação de commodities. Esta exportação é feita sem o pagamento de qualquer tipo de imposto (Lei Kandir). Por isso, para a imensa maioria da população brasileira, o latifúndio deixa como herança apenas o ar poluído pelos agrotóxicos importados, muitos dos quais proibidos noutros países, e o câncer resultante, que se alastra sem controle atacando diariamente milhares de cidadãos e cidadãs brasileiras.

A demarcação de terras indígenas impõe limite a este circulo vicioso de lucro externo por meio da exploração do território brasileiro. É por isso que as organizações do agronegócio e os políticos eleitos com o financiamento de transnacionais, a Confederação Nacional da Agricultura e a bancada ruralista no Congresso atacam com tanta virulência os direitos territoriais dos povos indígenas no Brasil.

A demarcação de terras indígenas beneficia os interesses do povo brasileiro. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens da União (Constituição Federal Capítulo II, Artigo 20, Parágrafo XI). As mesmas destinam-se à posse permanente e usufruto exclusivo dos povos indígenas (Constituição Federal Capítulo VIII, Artigo 231, Inciso 2º.), cidadãos brasileiros de pleno direito.

Tese anti-indígena número 2: os indígenas são manipulados por ONGs, Cimi e CPT

Trata-se de uma tese fundamentada em pensamento preconceituoso, discriminatório e racista. Por meio desta tese os setores anti-indígenas visam essencialmente deslegitimar a luta e o direito dos povos e criminalizar organizações e pessoas que lhes apóiam.

Os povos indígenas são sujeitos de seus projetos de vida, de suas histórias pessoais e coletivas. Todas as pessoas de boa-fé que conhecem os povos indígenas no Brasil são sabedores de que os mesmos são capazes, pensam por si, tomam e assumem as consequências de suas próprias decisões.

Tese anti-indígena número 3: está em curso uma “onda” de demarcações no Brasil

Trata-se de uma tese de cunho alarmista e totalmente desvinculada do que efetivamente vem ocorrendo no Brasil.

O governo Dilma é o que menos demarca terras indígenas desde a ditadura militar. Enquanto a média anual de terras homologadas no governo FHC foi 18 e no governo Lula 10, com Dilma essa média caiu para apenas 05 homologações.

Os inimigos dos povos indígenas usam esta tese na perspectiva de conseguir uma moratória absoluta nas demarcações, enquanto atuam para promover mudanças na Constituição Federal, por meio da PEC 215/00, por exemplo, no intuito de inviabilizá-las definitivamente.

Tese anti-indígena número 4: a demarcação de terras deve ser aprovada pelo Congresso Nacional por este “representar o povo brasileiro”

Os ruralistas querem inviabilizar toda e qualquer demarcação de terras indígenas no Brasil. Almejam rasgar a Constituição por meio das PECs 215/00 e 38/99, a fim de terem nas próprias mãos o poder para não demarcar terras indígenas; não titular terras quilombolas e não criar novas unidades de conservação ambiental de terras indígenas no Brasil.

É de conhecimento público que o sistema político eleitoral vigente no Brasil, que permite o financiamento privado ilimitado a candidatos e candidatas, produziu um desequilíbrio profundo na representatividade do Congresso Nacional. E é exatamente a representação ruralista a mais desequilibrada. Os altos financiamentos proporcionados inclusive por multinacionais fez com que os grandes latifundiários, mesmo sendo menos de 0,3 % da população brasileira, conseguissem eleger e ser representados por cerca de 40% dos deputados federais.

Por isso, passar o poder de demarcação de terras indígenas para o Congresso Nacional significaria, na prática, o cancelamento definitivo do reconhecimento e demarcação destas terras.

Tese Anti-indígena número 5: haveria “muita terra para pouco índio” no Brasil


Trata-se de uma tese generalista fundada num pressuposto equivocado que considera “o índio” como um ator social uno, quando na realidade o que existe são povos distintos, com organização social, costumes, línguas, crenças e tradições específicas que, juntamente com suas terras tradicionais, são devidamente reconhecidas pela Carta Magna (conforme Constituição Federal Capítulo VIII, Artigo 231). De acordo com o senso 2010 do IBGE, existem no Brasil 305 povos indígenas, falantes de 274 línguas distintas, com uma população de 896,9 mil indivíduos.

Por meio desta tese, os ruralistas tentam encobrir o fato de que existem muitos povos indígenas no Brasil vivendo sem terra, acampados e sendo atacados, há décadas, em beiras de rodovias, em diversas regiões do país.

A fatídica tese desconsidera totalmente o fato de que 98,47% da extensão de todas as terras indígenas demarcadas estão localizados na Amazônia brasileira e que, portanto, apenas 1,53% localizam-se nas regiões Nordeste, Sudeste, Sul e estado do Mato Grosso do Sul. Em estados como o Mato Grosso do Sul e o Rio Grande do Sul, por exemplo, onde milhares de indígenas vivem em acampamentos às margens das estradas, o percentual de terras na posse dos indígenas é de, respectivamente, 1,26% e 0,4%. Espaço irrisório e evidentemente insuficiente para a vivência física e cultural dos povos. Uma situação de total desacordo com os ditames constitucionais vigentes.

Tese anti-indígena número 6: os procedimentos de demarcação seriam conduzidos de forma exclusiva e parcial pela Funai

Esta tese é usada pelos inimigos dos povos indígenas especialmente na perspectiva de justificar mudanças no procedimento de demarcação, também com a finalidade de inviabilizar o reconhecimento do direito dos povos às suas terras.

Ao analisarmos a legislação vigente no país, no que tange a matéria, percebemos com facilidade as deficiências e falácias da afirmação. Senão vejamos:

A demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios é uma determinação Constitucional (Constituição Federal Capítulo VIII, Artigo 231). O procedimento administrativo de demarcação de terras indígenas é legalmente previsto e regulamentado pelo Decreto 1775/96.

Além da Funai, outros órgãos federais participam do procedimento. A Advocacia-Geral da União (AGU), por meio de seus procuradores federais, lotados nas diferentes instâncias de governo, analisa e oferece pareceres em diversas fases do procedimento, desde o próprio órgão indigenista, passando pelo Ministério da Justiça, pela Casa Civil e a própria Presidência da República. Além disso, também é prevista a participação de estados e municípios no procedimento, ato regulamentado pela portaria 2498/11, do Ministério da Justiça.

O relatório circunstanciado de identificação e delimitação de uma terra indígena é um estudo técnico-científico. É produzido por profissionais legalmente habilitados, reunidos em equipe multidisciplinar, coordenado por um antropólogo, que conta também com a participação de historiador, ambientalista, topógrafo e técnicos indicados por governos estaduais (conforme Artigo 2º. §1 a 7 Do decreto 1775).

A redação do referido relatório é regida pela portaria nº 14/96 do Ministério da Justiça.

O procedimento de demarcação garante o direito ao contraditório a todos os interessados. Desde o início dos estudos, até noventa dias após a publicação do relatório circunstanciado, todos os interessados podem manifestar-se, apresentando razões instruídas com todas as provas pertinentes, tais como títulos dominiais, laudos periciais, pareceres, declarações de testemunhas, fotografias e mapas, para o fim de pleitear indenização ou para demonstrar vícios, totais ou parciais, do relatório. (Conforme Artigo 2º § 8º do decreto 1.775/96).

Mesmo assim, a continuidade do procedimento depende de decisão do Ministro da Justiça que, para tanto, possui três alternativas possíveis. A primeira, aprovar os estudos e publicar a portaria Declaratória da tradicionalidade da respectiva terra indígena. A segunda, pedir novas informações sobre o caso. A terceira, sob justificativas plausíveis, não aprovar os estudos. (Conforme Artigo 2º § 10º do decreto 1.775/96).

Tese anti-indígena número 7: os não-índios, ocupantes das terras indígenas, seriam expulsos “sem nada”, sendo jogados à “beira das estradas”, “com uma mão na frente e outra atrás”

Por meio desta tese, que também não corresponde à realidade, os ruralistas tentam sensibilizar e jogar a sociedade envolvente contra os povos indígenas.

O fato é que todos os ocupantes de boa-fé, ou seja, aqueles que ocuparam a terra sem saber que se tratava de uma terra indígena têm o direito à indenização por todas as benfeitorias construídas, tais como, casas, galpões, cercas, pastagens, árvores frutíferas, áreas florestadas, em valores de mercado, atestados por técnicos especializados.  Da mesma forma, tem o direito a reassentamento de forma prioritária, pelo INCRA, em módulos agrários das respectivas regiões (Conforme Artigo 4º. do Decreto 1775).

Isso evidentemente exige que se questione a concentração fundiária brasileira, com a necessária desapropriação de terras do latifúndio. Fato inexistente na atual conjuntura, uma vez que o governo Dilma, no primeiro semestre de 2013, não desapropriou nenhum imóvel rural para fins de reforma agrária ou para reassentamento de ocupantes não-índios de terras indígenas no Brasil.

Além disso, todo o ocupante de “boa-fé”, portador de títulos de propriedades de terra concedidos pela União ou pelos estados federados, podem ser indenizados por estes títulos. Para tanto, basta que o responsável pela emissão dos títulos – a União ou os respectivos estados federados – reconheça o equívoco administrativo cometido em desfavor dos ocupantes e proceda a devida indenização.

Quanto aos ocupantes de “má-fé”, ou seja, que invadiram a terra sabendo que se tratava de terra indígena, logicamente não devem ser indenizados. Por terem cometido esbulho e exploração de patrimônio público e coletivo, que sabidamente não lhes pertencia, deveriam indenizar a União e os povos indígenas.

A história brasileira demonstra que o latifúndio e os latifundiários nunca tiveram e não tem qualquer tipo de limite no país. Está mais do que na hora da sociedade brasileira impor um limite necessário a estes insaciáveis sujeitos. A democracia no Brasil certamente será muito grata por isso.

*Cleber Buzatto, Secretário Executivo do Cimi

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Morre Irmã Genoveva, missionária há 60 anos junto ao povo Tapirapé

Este Blog, entristecido e enlutado pelo falecimento da missionária Irmã Genoveva, Veva, como era conhecida, reproduz aqui um pouco desses 60 anos de dedicação aos povos indígenas com total amor especialmente aos Tapirapé. 

Em seguida leiam texto publicado na página do Cimi, a quem estendo minhas condolências.

Lindomar Padilha


Morreu no início da tarde desta terça-feira, 24, no município de Confresa, Mato Grosso, a Irmã Genoveva. Há 60 anos vivendo junto ao povo Tapirapé, a missionária passou mal na aldeia Urubu Branco, local onde morava, logo após o almoço. Morreu enquanto era levada ao hospital. O enterro ocorrerá na própria aldeia. Em agosto deste ano, Veva, como era conhecida, completou 90 anos.


Três irmãzinhas chegaram ao Brasil no dia 24 de junho de 1952, com o objetivo de morar junto com os Tapirapé, numa casa como a dos indígenas, passando a ter a mesma alimentação e o mesmo estilo de vida. 

“Ir aos esquecidos, aos desprezados, pelos quais ninguém se interessa”, são as palavras da Irmãzinha Madalena, fundadora da Fraternidade. As Irmãs Genoveva, Clara e Denise, quando chegaram à aldeia Tapirapé, encontraram um povo com cerca de 50 pessoas, sobreviventes dos ataques de seus vizinhos Kayapó. Na foto ao lado, as Irmãzinhas de Jesus com Dom Pedro Casaldáliga.

Hoje, cerca de 800 Tapirapé, em sua maioria crianças e jovens, vivem nas aldeias Majtyritãwa, próxima a Santa Terezinha,´Tapiitãwa, Wiriaotãwa, Akara´ytãwa e Xapi´ikeatãwa, na área indígena Urubu Branco, próxima da cidade de Confresa. 
O respeito às crenças, ao estilo de vida e aos costumes dos Tapirapé foi o que fez das Irmãzinhas as principais aliadas deste povo durante todos estes anos. As lutas foram muitas e a determinação destas mulheres ainda maior.

“Queríamos viver no meio deles o amor de Deus que não deseja outra coisa senão que vivam e cresçam como Tapirapé”, afirmava a Irmãzinha Genoveva, que vivia junto ao povo. 

Logo na chegada, deram atenção especial à saúde, pois os indígenas estavam muito expostos ao contágio de doenças levadas pelos não-índios. Era a primeira vez que a “fraternidade” se estabelecia numa comunidade indígena em solo brasileiro. Muita coisa aconteceu durante esses 60 anos. Os Tapirapé, que pareciam estar próximos da extinção, conseguiram se recompor. 

Mas, para chegar a essa nova situação, quanta dedicação, partilha e aprendizagem foi exigida das irmãs que vinham de uma cultura completamente diferente. Apesar de alguns surtos epidêmicos, com a chegada das Irmãzinhas a mortalidade foi reduzida e quase erradicada, devido aos tratamentos curativos e do controle profilático das doenças. Nesse processo todo, as Irmãzinhas sempre respeitaram a maneira de ser dos Tapirapé. 

O Povo Tapirapé

O quase extermínio dos Tapirapé se dá a partir de 1909, quando a população de aproximadamente 2000 índios foi exposta às doenças trazidas pelos não-índios. Epidemias de gripe, varíola e febre amarela acabaram com duas aldeias. Outro agravante da diminuição e dispersão dos Tapirapé foram as disputas existentes com os Kayapó, que viviam na mesma região. Em 1935, já estavam reduzidos a 130 pessoas e, em 1947, estavam com apenas 59. 

Foi nesse ano que ocorreu o grande ataque Kayapó. Aproveitando a ausência dos homens que haviam saído para a caça, a aldeia Tampiitãwa foi praticamente destruída e várias mulheres e meninas raptadas. Com a chegada das Irmãzinhas, em 1952, a situação começa a ser controlada. Com isso, podemos dividir a história Tapirapé em duas etapas - antes e depois das Irmãzinhas. 

Testemunho de doação

Desde 1952, quando chegou à aldeia, Genoveva, ou simplesmente Veva nunca mais saiu de perto dos Tapirapé. Veva nasceu no dia 19 de agosto de 1923, em Valfraicourt, um lugarejo da França. De aparência frágil, cabelos brancos, há muitos anos acordava todos os dias antes do sol para cuidar da pequena roça que cultivava atrás das casas de taipa da aldeia Urubu Branco, a maior do povo. 

O respeito total à cultura e ao processo histórico deste povo fez com que os Tapirapé se salvassem e se multiplicassem, tornando-se um povo alegre e seguro. Das religiosas, Veva era a única Irmãzinha que permanecia na aldeia desde o começo da missão. Atualmente vivia numa casa simples, como as outras dos indígenas, em companhia das colegas Odila e Elizabette.
Com informações do CIMI

terça-feira, 24 de setembro de 2013

“Nota para o/as amigo/as que não trabalham com povos indígenas e nem são antropólogo/as”

Por Henyo Trindade Barretto Filho
“A Constituição Federal completa 25 anos no próximo dia 05 de outubro – quando eu, por força dessas coincidências do devir, inteiro 48 anos. Uma Constituição construída não pela “intenção do legislador” – como dissimula o juridiquês; mas pela resistência e luta dos que pelejaram pela democratização do país, em especial das associações, dos sindicatos, dos movimentos sociais e populares. Uma Constituição que, à época, o PT não assinou, por considerar – como muitos de nós – que ela poderia ter sido ainda mais ousada, mais avançada e mais cidadã, incorporando as propostas oriundas das ruas, das emendas populares – como a figura de desapropriação por interesse social, pedra de toque do que poderia ter sido uma reforma agrária. Vinte e cinco anos são uma geração. Tempo suficiente para todos nós termos amadurecido e reconhecermos, hoje, o significado e as repercussões da nossa lei maior para a consolidação de muitos direitos (humanos, econômicos, sociais, culturais e ambientais) nos marcos regulatórios infraconstitucionais, que estão na base de muitas conquistas atuais.
É assim que na semana de 30 de setembro a 05 de outubro próximo, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) está convocando uma mobilização nacional em defesa da Constituição Federal (ver AQUI) contra o mais organizado e sistemático ataque que ela está sofrendo desde a sua promulgação há 25 anos atrás. Um ataque articulado por poderosíssimos grupos econômicos contra os direitos constitucionais de grupos vulneráveis e subalternos: os povos indígenas, os quilombolas, outros povos e comunidades tradicionais; e, se pudermos dizer assim, contra os direitos da natureza, da própria biodiversidade. Um ataque articulado por representantes do agronegócio, do hidronegócio e das grandes corporações do setor de energia e mineração, que contam ora com o apoio explícito, ora com a omissão, ora com a conivência e/ou cumplicidade envergonhada do atual governo, e que visa desconstituir os territórios da diversidade no país para abri-los ao jogo dos seus interesses e à sua exploração. São um conjunto tão grande de medidas legislativas e executivas, que se eu começasse a enumerá-las aqui, demoraria alguns dias para listar todas e explicar os seus significados subjacentes e repercussões. Conto com a curiosidade e inteligência de vocês para ir atrás das informações, a partir do que já consta no blog acima mencionado.
Assim sendo, não se enganem: a semana de mobilização nacional que está sendo convocada pela APIB não se destina a defender direitos de segmentos específicos da sociedade, como se se tratasse uma luta parcial, paroquial e corporativa. O que está em jogo é um processo de mudança no nosso marco regulatório maior articulado à mudança de outros “códigos” – algumas já dadas como concluídas (como os casos dos Códigos Civil e Florestal) e outras ainda em curso (como o caso do novo Código de Mineração) – que visa transformar de modo substantivo o substrato do país em que vivemos. Por conseguinte, na primeira semana de outubro, nas mobilizações de indígenas, quilombolas e outras pela manutenção de seus direitos constitucionais, uma concepção de país estará em jogo.
O poder hegemônico aposta em um país composto como uma colcha empobrecida de meia dúzia de retalhos mais ou menos homogêneos (pastos ineficientes e/ou degradados, desertos verdes de eucalipto e soja, lagos de hidrelétricas, montanhas reviradas em minas a céu aberto, lagos de decantação de rejeitos minerais e petrolíferos), costurados por uma rede de eixos de integração (dutos inseguros de diferentes tipos, estradas mal pavimentadas, hidrovias em rios assoreados), desenhando um futuro ancorado em uma economia primarizada e no extrativismo industrial de baixo inputtecnológico (exploração intensiva dos recursos naturais e extensiva da terra), e dependente de uma legislação flexível que reduza seus custos de transação. Esse cenário é o deserto do real, no qual temos muito pouco a aprender e compartilhar; apenas a mimetizar e a reproduzir como ventríloquos autômatos. Economia perdulária e da escassez.
Por sua vez, os “grupos participantes do processo civilizatório nacional” (assim a Constituição os definiu em seu Art. 215), em sua grande maioria subalternos, vulneráveis e em situação de risco direto – por viverem nos sítios em que se materializam tais grandes empreendimentos – nos convidam a pensar um país cujo vigor se baseia na riqueza dos seus territórios de diversidade. Diversidade esta que se expressa em ecossistemas vitais, em múltiplas expressões culturais, em distintos regimes de conhecimento, em tecnologias resilientes e austeras, em variadas histórias de formação, de adaptação aos seus nichos e de identificação com seus territórios existenciais. Nesse cenário se descortina um universo de possibilidades, de aprendizados e de trocas, nos quais há vozes a serem ouvidas, desejos a serem partilhados, novas subjetividades a serem construídas – enfim, uma civilização a se reinventar. Economia da suficiência e da abundância.
É isso o que já está em jogo e estará em evidência na primeira semana de outubro, como parte das “comemorações” dos 25 anos da Constituição. Não se pode deixar que este jogo seja jogado segundo as regras do maquiavelismo raso e de realpolitik ordinária, que já tomam conta do nosso cenário político a um ano das eleições majoritárias. Deixar que isso ocorra, resignar-se ao status quo, é aceitar que os direitos desses grupos sejam imolados como moeda de barganha nas negociações rasteiras já em andamento para a manutenção dos diferentes projetos de poder – que não se confundem com projetos de país. Deixar de aderir à mobilização e abdicar de se manifestar em apoio a esses grupos na primeira semana de outubro (e além) é rebaixar-se a cúmplice da negociação de direitos humanos fundamentais entre atores que já têm tudo, mas para os quais nada basta. Como já antecipava Epicuro, “nada é suficiente para quem o suficiente é pouco”; por isso esses setores estão, agora, almejando os territórios da diversidade.
Estou certo de que nenhum/a de vocês quer isso e encontrarão o caminho para manifestar seu apoio e sua solidariedade àquela que promete ser uma das lutas mais relevantes que travaremos nas próximas décadas nesse país – pois ela não começou agora e nem se encerrará em outubro próximo.
Conto com vocês, a quem envio meus abraços fraternos e solidários.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Deputados ruralistas vão ter domínio completo de comissão de terras indígenas

Evandro Éboli (O Globo),
de Brasília


A bancada ruralista parte para dominar mais uma comissão da Câmara. A terceira. Eles já controlam a Comissão da Agricultura e a Comissão da Amazônia. Agora, esse grupo terá quase a totalidade dos integrantes da comissão especial que discutirá proposta que transfere as demarcações de terras indígenas para o Congresso Nacional, tese que tem a dura oposição do governo.


A comissão será instalada nesta quarta e já estão definidos quem será presidente - Luiz Carlos Heinze (PP-RS) - e o relator - Alceu Moreira (PMDB-RS). Os dois são contrários a novas demarcações de terras indígenas no país e já que os indígenas já ocupam territórios em demasia. Eles querem mais terras para o agrobusiness. Dos 16 nomes de deputados indicados pelos partidos até agora para serem titulares da comissão, nada menos que 14 são ligados aos ruralistas. São 21 os titulares e o PT não indicou até agora os representantes para suas três vagas.


Entre os indicados, as duas deputadas não-ruralistas do grupo são Janete Capiberibe (PSB-AP) e Perpétua Almeida (PCdoB-AC). Os 14 da Frente da Agropecuária são, por partido: PMDB: Alceu Moreira (RS), Asdrúbal Bentes (PA) e Osmar Serraglio (PR); PSDB: Nilson Leitão (MT) e Reinaldo Azambuja (MS); PSD: Eduardo Sciarra (PR) e Moreira Mendes (RO); PP: Luis Carlos Heinze (RS) e Vilson Covatti (RS); PR: Vicente Arruda (CE); DEM: Paulo Cesar Quartiero (RO); PDT: Giovanni Queiroz (PA); PTB: Sabino Castelo Branco (AM); PSC: Nelson Padovani (PR).


Se essa PEC for aprovada, o Congresso Nacional vai participar do processo de homologação das demarcações de terras, hoje prerrogativa do Executivo. Os ruralistas já anunciaram que farão audiências públicas em propriedades que teriam sido invadidas, "muitas vezes estimuladas por organizações ditas defensoras das causas indígenas", diz material de divulgação da Frente Parlamentar da Agropecuária. As Ongs serão os alvos da comissão.


"A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) defende que essas demarcações sejam democráticas, transparentes, sem ranços ideológicos ou preconceitos", diz o texto. Alceu Moreira, futuro relator, diz que o problema está nos "poderes exacerbados concedidos à Funai".

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Folha de S. Paulo: Ruralistas ameaçam a Constituição

A PEC que transfere ao Executivo a demarcação de terras indígenas e tantos outros projetos tentam favorecer o uso delas pelo agronegócio

Artigo assinado por Dom Erwin Krautler, presidente do Cimi, e Dom Enemésio Lazzaris, presidente da CPT, em resposta a artigo da senadora e presidente da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Kátia Abreu (PSD-TO)

Aos ruralistas, seja na tribuna do Congresso Nacional ou nos jornais, não há o que os leve mais ao descontrole do que a causa indígena.

Descontrole expresso em uma escalada de recursos contra os direitos desses povos e de comunidades tradicionais garantidos pela Constituição Federal, que está prestes a completar 25 anos.

Um desses recursos é a PEC (proposta de emenda constitucional) 215/00, que transfere a competência da demarcação de terras indígenas do Poder Executivo para o Congresso Nacional.

Essa PEC, segundo nota técnica do Ministério Público Federal (MPF), afronta "cláusulas pétreas da Constituição da República" e viola o núcleo essencial de direitos fundamentais. Fere a divisão dos Poderes e anula o direito originário à terra, sendo a demarcação ato administrativo, segundo os juristas Carlos Frederico Marés e Dalmo de Abreu Dallari.

À PEC 215, somam-se dezenas de outros projetos de lei, que tentam impedir o reconhecimento de terras indígenas e favorecer o uso delas pelo agronegócio.

Nada parece deter os ruralistas, que ostentam uma bancada de 214 deputados e 14 senadores, com campanhas eleitorais financiadas pelo capital estrangeiro da Monsanto, Cargill e Syngenta, além da indústria de armas e frigorífico, conforme dados da Transparência Brasil.

O que esperar dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais a não ser a resistência, tal Davi contra Golias, em defesa de seus direitos?

Assim foi em abril, quando indígenas ocuparam a Câmara dos Deputados, e assim tem sido na retomada de terras tradicionais, com procedimentos demarcatórios paralisados pelo Executivo.

É o caso da terra indígena tupinambá de Olivença (BA). Seu procedimento administrativo está encerrado desde 2009. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, no entanto, nega-se a assinar a portaria declaratória. País afora a situação é dramática.

No Mato Grosso do Sul, a terra Kadiwéu, demarcada há cem anos e homologada há quase 40, continua invadida. Relatório do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) registra que, de 2003 a 2012, ocorreram no Estado 317 assassinatos de indígenas, dos 563 ocorridos no país nesse período.

No caso da morte de Nísio Gomes Guarani Kaiowá, o MPF apontou como mandantes ao menos seis "produtores rurais". O confinamento às margens de rodovias ou em minúsculas reservas levou ao suicídio, entre 2000 e 2012, de 611 indígenas, jovens entre 14 e 25 anos, de acordo com dados do Dsei (Distrito de Saúde Indígena).

A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) convoca, entre 30 de setembro e 5 de outubro, uma mobilização nacional contra a ofensiva à Constituição e aos direitos indígenas. Cimi e CPT (Comissão Pastoral da Terra) apoiam o ato, fundamentados nos valores do Evangelho e por dever de justiça e solidariedade a quem tem sido espoliado de seus territórios e de seus direitos há tanto tempo.

A senadora Kátia Abreu (PSD-TO), em coluna nesta Folha ("Causa Inconfessável", 7/9) tenta desqualificar a ação dessas pastorais taxando-as de "ideológicas".

O assentamento de famílias sobre terras indígenas, inclusive com a emissão de títulos de propriedade do Estado, não nega o esbulho dos territórios.

Isso não ocorre somente no caso de terras tradicionalmente indígenas. A senadora e familiares foram beneficiados pelo governo do Tocantins com terras ocupadas por posseiros. Além de atentar contra o direito à terra dos povos e de posseiros, Kátia Abreu milita contra o direito à identidade coletiva.

A senadora protocolou na Casa Civil pedido para que a Funai (Fundação Nacional do Índio) paralise o processo de identificação étnica do povo Kanela do Tocantins.

Os indígenas não estão solitários em suas mobilizações, pois a sociedade está atenta ao escândalo do latifúndio ruralista brasileiro.

ERWIN KRÄUTLER, 74, é bispo da prelazia do Xingu (PA) e presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
ENEMÉSIO LAZZARIS, 64, é bispo da diocese de Balsas (MA) e presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT)

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Missionário da Novas Tribos é preso e admite abuso sexual contra crianças no Brasil. E a reunião da CDHM de Feliciano foi adiada…

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Warren Scott Kennell

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
 
Exatamente ontem, quarta-feira, dia 11, estava prevista uma sessão especial da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal (aquela presidida por Marcos Feliciano) sobre a ação das instituições religiosas entre as tribos indígenas. Embora representantes do CIMI e da Funai tivessem sido convidados, a intenção óbvia era abrir espaço para a ação cada vez mais agressiva de instituições evangélicas fundamentalistas junto aos ‘gentios silvícolas’.
Antes que a sessão fosse suspensa e, teoricamente, adiada por não haver clima para sua realização, Felipe Milanez escreveu um ótimo texto publicado ontem em seu blog na Carta Capital e por nós reproduzido: Em defesa das almas indígenas. Nele, Milanez menciona as principais instituições envolvidas na questão e, entre elas, a New Tribes (Novas Tribos), presidida por Edward Luz, filho de um antropólogo do mesmo nome, que a Assossiação Brasileira de Antropologia expulsou há poucos meses.
O artigo de Felipe Milanez vale por si só. Hoje, entretanto, uma nova luz (sem querer fazer trocadilho) foi jogada sobre ele e sobre o cancelamento da reunião, quando Elaíze Farias denunciou, a partir de informações colhidas junto à Polícia Federal do Amazonas, a prisão de um integrante da New Tribes: Missionário da organização Novas Tribos do Brasil é preso durante operação da PF do Amazonas sob suspeita de molestar meninas indígenas. Segundo as informações obtidas por Elaíze, a prisão teria ocorrido quando o missionário chegava em Orlando, Estados Unidos, em junho.
A partir daí,  foi possível chegar a notícias publicadas nos EUA, principalmente nos saites WFTV.com e MK Forum, de Orlando, ambas do dia 5 de junho de 2013. As informações que seguem são baseadas nelas, apenas rearrumadas a partir de uma tradução livre, no que poderíamos chamar de uma primeira aproximação da questão.

Insisto, entretanto, que é fundamental ler os dois textos linkados acima. E, a partir de amanhã, ver como o Presidente da New Tribes/Novas Tribos, seu filho antropólogo e seus companheiros fundamentalistas, inclusive os que invadiram a CDHM, agirão, não só em relação aos povos indígenas, como no que concerne aos direitos humanos num sentido mais amplo. Fora isso, óbvio!, temos que ver igualmente como as pessoas que têm compromisso com a luta pelos direitos – dos povos indígenas e de outros também – reagirão a tudo isso.
New Tribes
O missionário Warren Scott Kennell, da New Tribes, de 45 anos, foi preso no aeroporto internacional de Orlando quando chegava do Brasil, no dia 4 de junho. De acordo com informações, Kennell começou a ser investigado a partir de uma dica envolvendo troca de pornografia infantil pela internet.
Inicialmente, Kennel tentou negar a acusação, mas os agentes abriram sua mala e nela encontraram um HD com diversas imagens de pornografia com crianças. Segundo os investigadores, Kennell acabou por admitir ser ele o adulto que aparece nelas cometendo abusos contra meninas, mas confessou ter molestado apenas quatro crianças enquanto estava no Brasil (Kennell estava aqui desde 1994, ou seja, há quase 20 anos!). A notícia do WFTV.com diz ainda que em algumas das fotos, ele posa com as meninas à frente do logo da New Tribes.
Um porta-voz da Novas Tribos disse que um comunicado interno foi distribuído sobre a prisão de Kennell, afirmando que “seus corações sofrem pelo fato de crianças terem sido vitimizadas”, e que, enquanto tentam “confirmar se há uma conexão entre os atos pessoais do acusado e a organização”, ele foi afastado.
Kennell está detido na penitenciária do condado de Seminole, mas este não é o primeiro caso deste tipo envolvendo a New Tribes. Segundo a MK Forum,
  • Em 2006, um instrutor, George Goolde, foi acusado de molestar dois meninos;
  • Em 2008, um jovem pastor enfrentou acusações por posse de pornografia infantil;
  • Dois anos mais tarde, a vítima Kari Mikiton denunciou abusos sofridos por parte de funcionários da New Tribes;
  • Em 2011, uma mulher processou a New Tribes, afirmando ter sido estuprada diversas vezes por um funcionário chamado Leslie Emory. Numa entrevista para a WESH 2, Emory confessou também ter cometido abusos contra meninas nas Filipinas, nas décadas de 1980 and 1990.
Ao pé da matéria havia ainda o endereço da página de Kennell na internet ( http://www.aroskot.com/), mas ela está fora do ar.