terça-feira, 30 de junho de 2015

Despolitização da política

Tenho observado ultimamente alguns fenômenos ou acontecimentos seguidas vezes repetidos que aponta para outros fenômenos já implantados mas em aprofundamento. Dentre estes fenômenos, chama muito a atenção o processo de "descartabilização" de tudo, inclusive das pessoas. As culturas são descartáveis, os povos são descartáveis, os deuses são descartáveis... tudo é descartável!!! no rastro de destruição e do aumento dos descartados, segue se aprofundando a financeirização da natureza e das poucas consciências ainda resistentes.

Se somos descartáveis, temos que nos consumir e consumir coisas, ideias, produtos, sistemas, sempre de forma efêmera e que não nos deixa criar raízes e nem condições de reflexões mais amplas. Por exemplo: até um dia desses todos fomos levados a criar uma conta no Orkut, passou. Depois todos fomos levados para o Facebook, tá passando. Muitos já não encontram aí a sua "realização" e já partiram para o Whatsapp. Mesmo que ainda mantenha os dois aplicativos ou mais, está claro o enfraquecimento do Facebook. Enfim, para descartáveis, experiências efêmeras e vazias.

Outro fenômeno que desperta igual preocupação, pelo menos naquilo que penso que devemos compreender antes de nos posicionarmos seja como for nosso posicionamento, é o fenômeno do fundamentalismo. E aqui falo do fundamentalismo nas mais diversas formas e manifestações, não só o fundamentalismo religioso mas também o fundamentalismo anti-religioso, o fundamentalismo político, o fundamentalismo sexual, o fundamentalismo ético, sempre seguidos de intolerância e com forte apelo prosélito. Também este proselitismo se assenta no fundamentalismo e intolerância.  

O proselitismo passou a ser uma espécie de intolerância para fundamentar e justificar a intolerância (muitas vezes) do próprio prosélito. Dai temos um crescimento do proselitismo religioso de basicamente todas as religiões universais e as de matriz cristã em suas subdivisões. Mas temos ainda o proselitismo ateu, quando cresce a ideia de quem não é ateu não respeita o diferente etc... Neste mesmo sentido crescem os prosélitos hétero e homossexuais, sempre um acusando o outro de desrespeito, intolerância e essas coisas próprias de fundamentalistas, prosélitos e intolerantes.

Entretanto, o que julgo de imensa preocupação é a despolitização da política. Tal despolitização está presente nos partidos, que optaram pela personificação e uma falsa polarização. A arma da corrupção que leva ao descrédito lhes serve  para que possam argumentar que todos são iguais e que não há o que se fazer para mudar essa realidade. Com esse argumento, o jovem e as pessoas boas não só desistem do caminho da política partidária mas também, e isso é muito mais dramático, do caminho da política mesma. Falo aqui da política maior.

Há uma despolitização programada nos grêmios, nas universidades, nas ONGs, nas organizações, nas igrejas, nos sindicatos, em fim, em todas as expressões que deveriam ser genuinamente crivadas pela análise e debate político. Sem o crivo político as pessoas, nós mesmos, somos ainda mais vulneráveis.

Para superarmos alguns desses fenômenos um caminho muito importante é repolitizar a política porque essas manifestações fundamentalistas e intolerantes são próprias de setores despolitizados, mas que julgam que suas ações são fundamentadas ideologicamente, historicamente, moralmente... politicamente. A arte de enganar é sofística, mas a arte de "se" enganar e ainda tentar arrastar outros para o mesmo engano é outra coisa.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Coordenadora do Cimi no Acre fala sobre o Direito à Memória e à Verdade

Rosenilda Padilha
Em palestra proferida durante a conferência local de política indigenista, uma das fases preparatórias para a Conferência Nacional, realizada em Rio Branco nos dias 23 a 25 de junho, a coordenadora do Conselho Indigenista Missionário- CIMI, Regional Amazônia Ocidental, lembrou os difíceis tempos em que a ditadura militar impedia os indígenas de participarem das assembleias ocorridas em todo país com apoio do CIMI e outras organizações de apoio à causa indígena. Na fala, Rose, como é conhecida, fez ainda uma comparação entre aqueles tempos e os atuais o que proporcionou ao presentes um entendimento claro sobre as novas formas de espoliação, controle e desrespeito aos direitos.

Um dos pontos altos do debate foi a constatação de que há muita semelhança entre aqueles que previam e intencionavam o fim dos povos indígenas com os que ainda hoje intencionam e trabalham no mesmo sentido, seja afirmando que já não há mais terra para ser demarcada ou problemas de natureza de direitos, como é o caso do discurso predominante no Acre, seja por medidas legislativas ou mesmo judiciárias que negam os direitos já conquistados. De toda sorte, restou claro que a ideia de que os povos indígenas vivem no "tempo dos direitos" não passa de uma armadilha para que continuem as agressões, violências, esbulhos e espoliações.

O Estado brasileiro (e o Acre em particular) está longe de respeitar a memória e a verdade. Ao contrário, o processo tem sido justamente o de negar e retirar direitos já conquistados. 

Para entender esta questão e de como a ação do estado e de ONGs a ele atreladas, na Amazônia Ocidental, estão deliberadamente prejudicando os povos indígenas e lentamente desrespeitando a memória e a verdade e ainda investindo contra seus direitos e territórios, é preciso a leitura do texto Estado e Movimento Indígena na Amazônia Ocidental: do conflito à conciliação? Crônica de uma vitória às avessas de Israel de Souza.

O que se espera é que os indígenas que forem delegados à Conferência Regional e à Nacional possam se manifestar e trazer à tona a verdade sobre a realidade vivida pelos povos indígenas da amazônia Ocidental que é de quase total abandono, ao contrário do que querem nos fazer crer aqueles que vivem às custas de um indigenismo subserviente ao capital.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Estado e Movimento Indígena na Amazônia Ocidental: do conflito à conciliação? Crônica de uma vitória às avessas

Israel Souza[2]
Entre o crepuscular do século XX e o alvorecer do século XXI, as lutas dos movimentos indígenas se tornaram um importante instrumento político de transformação do Estado excludente herdado do período colonial na América Latina. Elas têm na defesa do território um elemento de reivindicação e resistência à opressão e à exploração.
Na Amazônia Ocidental - região que compreende o Acre, o sul do Amazonas e o noroeste de Rondônia -, o início da colonização esteve diretamente ligado à exploração extrativista da borracha. Naquele momento, a ação direta do Estado impulsionou a migração nordestina para a Amazônia, estabelecendo com isso um novo contexto social, econômico, cultural e territorial na região.
O confronto entre os que vinham de outras partes do Brasil e os que habitavam a região foi inevitável e desigual. Para responder aos modelos hegemônicos de ocupação capitalista baseados na violência e espoliação, os povos indígenas estabeleceram diferentes movimentos de resistências, que podem ser compreendidos tanto a partir das comunidades quanto a partir de suas organizações representativas.
A economia extrativista de exploração da borracha foi, para os indígenas, um tempo de perseguição e violência. Às vezes, o Estado era o próprio sujeito da perseguição e da violência. Às vezes, eram os vindos de fora, sendo o Estado omisso espectador. Através das chamadas “correrias”, eles foram submetidos à dispersão, expulsos das margens para as cabeceiras dos rios; à dizimação e à pacificação, transformação dos indígenas em “mão de obra” para os seringais.
Através dessas correrias, alcançou-se a “limpeza” das terras, tradicionalmente ocupadas pelos nativos, para a exploração capitalista colonial. Já desde aquele momento, vê-se o Estado dispensar tratamento hostil aos povos indígenas. A estes não restava outra coisa senão fugir mais para dentro da mata ou reagir na defesa de suas terras. No mais das vezes, porém, a reação se dava de forma desarticulada e ineficaz.
É, pois, no contexto de ação violenta do Estado que os povos indígenas articulam a resistência contra a invasão e saque das terras e dos bens naturais. Com isso, surgem novas formas de resistência, inspiradas na organização formal e coletiva dos povos indígenas, diferentes das organizações tradicionais de cada povo, ainda que, de certa forma, ligadas a elas.

Novo tempo, nova forma de organização e resistência

A década de 1970, no Acre, marca a substituição do extrativismo pela pecuária extensiva de corte, que, ao lado da grande propriedade fundiária, consistirá no eixo central da modernização. Por outro lado, ela é também um marco no que diz respeito às formas de organização e resistência por parte do movimento indígena. Às novas formas de opressão e exploração corresponderam novas formas de resistir.
Até aquele momento, a resistência dos povos originários na Amazônia Ocidental era determinada a partir de suas comunidades. Naqueles idos anos, porém, os índios passaram a contar com o apoio de um importante aliado: a Igreja Católica. Somava-se a isso a atuação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), uma espécie de pastoral indigenista.
Este foi criado em 1972 pela Igreja Católica, ainda com uma estrutura clerical e vertical, mas com novas inspirações pastorais fundamentadas na Teologia da Libertação. Ao mesmo tempo em que questionava o modelo de missão tradicional (baseado na evangelização com vistas ao proselitismo e, portanto, no aculturamento), o “CIMI buscava novas formas de compromisso com as comunidades indígenas” (SUESS, 1989: 19).
No que tange ainda à atuação da Igreja Católica, vale ressaltar a importância das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e das Pastorais Sociais. Sua atuação foi demasiado importante para o fortalecimento da luta dos movimentos dos trabalhadores rurais e dos indígenas na região.
Sempre naquela década, surge também outra importante aliada dos povos indígenas: a Comissão Pró-Índio (CPI) do Acre. Trata-se de uma organização não-governamental, criada com o objetivo específico de atuar com os povos indígenas. Hoje ela é parceira do Estado na execução de projetos nas terras indígenas com caráter “ecodesenvolvimentista”.
Com o surgimento de conflitos pela posse da terra, desde a região do vale do Juruá até a região do vale do Purus, os indígenas, com o apoio das entidades indigenistas, procuram tecer uma articulação, envolvendo cada vez mais lideranças de diversos povos, como os Kaxinawá, os Apurinã, os Shanenawa. O objetivo era unificar a luta através da realização de Assembleias indígenas. A esse respeito Forneck lembra:

Assim na semana do índio de 1981, na casa do CIMI, situado então à (sic) Rua Cel. João Donato, reúnem-se lideranças Kaxinawa do rio Jordão, Humaitá, Envira e Purus, Apurinã do Seruini, Km 45 e Camicuã; Shanenawa do rio Envira; Jarauara e Paumari do baixo Purus. Essa Assembleia foi organizada pelo CIMI e CPI-AC que, apesar da proibição por parte da FUNAI e da Polícia Federal, tiveram a coragem de assumir o evento. O encontro não poderia ser em local público, sob pena de prisão dos organizadores (FORNECK, 1997: 41).

Marcada pelo surgimento de novos parceiros e estabelecimento de alianças, esta nova realidade favoreceu uma “guerra de posição” no seio da “sociedade civil”. Aí, os trabalhadores rurais, indígenas e aliados buscavam fazer frente aos “de cima”, estes fortemente apoiados pelo Estado.
Assim, no início da década de 1980, pela afirmação da identidade e pela defesa da terra, surge o movimento indígena organizado da Amazônia Ocidental, constituindo o Núcleo de Cultura Indígena(NCI). Este era vinculado ao Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI). Com isso, alcançava-se, pela primeira vez, a unificação das lutas dos povos indígenas da região.
Ainda no curso dos anos 1980, o NCI mudou o nome para União das Nações Indígenas do Acre, sul do Amazonas e noroeste de Rondônia (UNI/AC). Era indisfarçável seu caráter eminentemente político. Ela contava com a participação das comunidades, o que proporcionava legitimidade ao movimento. Porém, a preocupação com o processo institucional era ainda bastante incipiente.
O movimento buscava o apoio da sociedade brasileira e da comunidade internacional para suas reivindicações, tendo como eixo central a recuperação e garantia de suas terras. Favorecia-se, dessa forma, a unidade do movimento e sua vontade expressa de assumir o papel de sujeito histórico. Era inelutável o confronto com o Estado.
Naquele contexto de resistência dos movimentos sociais, surge também a oportunidade de lutar no campo da política partidária. Partiram, então, para a disputa do poder político estatal. A estratégia era bastante compreensível e até atraente, tendo em vista a abertura do regime pós-ditatorial no Brasil.
No movimento indígena, a luta política partidária foi intensificada visando a uma participação indígena atuante na Constituinte de 1988. Na verdade, “as lideranças indígenas acreditavam no fortalecimento da representação política como sendo indispensável para o êxito das lutas” (DEPARIS, 2007: 107).
O movimento social acreano, agora (década de 1990) somava-se à base política partidária cuja referência era o Partido dos Trabalhadores (PT), que já ameaçava o monopólio das oligarquias políticas naquela época. A relação do movimento com a base partidária se estreita ainda mais em 1999, quando o governo do Estado passou a ser conduzido pela FPA. Esse grupo político era composto por doze partidos (PT, PSDB, PC do B, PMN, PL, PDT, PPS, PV, PTB, PT do B, PSB e PSL), tendo o engenheiro florestal Jorge Viana (PT) e Edson Cadaxo (PSDB) como Governador e Vice-Governador, respectivamente. Era uma coalizão atraente para o movimento indígena, afinal era liderada pelo PT, aliado histórico dos “povos da floresta”.

Crônica de uma vitória às avessas

Tendo chegado ao poder estatal, a FPA buscou apoio de agências governamentais e não governamentais, nacionais e internacionais, e de bancos multilaterais de desenvolvimento para implementar o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Acre (PDSA). Segundo as autoridades governamentais do Acre, o referido programa de desenvolvimento é inspirado no modo de vida dos “povos da floresta”: seringueiros, camponeses, ribeirinhos e índios.
Nesse novo contexto, alguns membros dos movimentos sociais são convidados a tomar parte na condução da máquina estatal. Como outras lideranças dos povos da floresta, as lideranças indígenas celebraram a parceria e os acordos firmados com o governo. Para eles, isso representava a oportunidade de modificar uma realidade histórica de descaso e violência por parte do Estado.
Agora, o Estado se apresentava como “amigo”. Pouco se deu atenção ao fato de o projeto da FPA ter à sua frente as oligarquias locais e agências de cooperação técnica e financeira de países como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos.
Em parceria com o movimento indígena, o governo da FPA inicia um processo de inserção da temática indígena como política pública, incorporando demandas com o objetivo de conciliar o projeto de desenvolvimento do Estado com a melhoria de condições de vida nas comunidades indígenas. Nesse sentido, foi criado o “Programa Emergencial de Desenvolvimento de Comunidades Indígenas”, desenvolvido pela UNI/AC através de um convênio firmado com o governo do Acre.
Seguindo a mesma lógica, vários fóruns institucionais foram criados para discutir as questões que afetavam ou interessavam diretamente às populações indígenas: educação escolar, saúde, produção, autossustentação etc.
Também entrou em discussão a pavimentação das BRs 317 e 364, com a realização de audiências públicas para discutir o componente indígena do EIA-RIMA destas obras. Porém, parte desse estudo nunca veio a lume. Várias ações que foram planejadas a partir dele não foram executadas em sua totalidade ou mesmo não saíram do papel.

Organizando o domínio estatal, desorganizando a resistência

No intuito de organizar e articular seus projetos e também devido às reivindicações do movimento indígena, o governo do Estado do Acre criou através da Lei Complementar Nº 115, de 31 de dezembro de 2002, a Secretaria Extraordinária dos Povos Indígena (SEPI). Esta é vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Humano e Inclusão Social. Tratava-se não de uma secretaria executiva, mas de articulação, planejamento e acompanhamento, algo distinto do que os indígenas reivindicavam.
Além da SEPI, o governo criou em 19 de fevereiro de 2003, através da Lei Ordinária Nº 1492, o Conselho Estadual Indígena (CEI), com caráter consultivo e deliberativo, formado por representantes de órgãos estaduais, órgãos federais e por organizações indígenas e indigenistas. Juntamente com o CEI, foi criado também o Fundo de Preservação e Desenvolvimento dos Povos Indígenas do Acre (FPDIAC). Os recursos deste fundo seriam destinados a programas e projetos definidos como prioritários para o referido Conselho.
A lei que criou tanto o CEI e o FPDIAC deveria ser regulamentada até o dia 19 de abril de 2003 – o que nunca aconteceu e a iniciativa nunca “saiu do papel”. Incompetência? Impossibilidade? Cremos que não. Se tal sucedeu, foi algo “friamente calculado”, para usar as palavras do grande herói mexicano.
A criação da Secretaria e do Conselho dava a impressão de que estava surgindo um cenário muito positivo para os povos indígenas. E, mais que a Secretaria, o Conselho era fundamental para assessorar, elaborar, analisar, articular e avaliar os diferentes programas voltados para os povos indígenas. Ele seria formado com maioria indígena e teria representação de organizações indígenas das diferentes regiões do Acre:

O CEI é formado por representantes de quatro órgãos estaduais (Gabinete Civil, SEE, SEPRO e SECTMA), três órgãos federais (FUNAI, FUNASA e UFAC), três organizações indigenistas (CPI-Acre, CIMI e COMIN), dez organizações indígenas (UNI, OPIRE, OPITAR, OPIRJ, APIWTXA, ASKARJ, AAPBI, OAEYRG, GMI e OPIAC) e outros dois representantes de povos indígenas (um do rio Purus e outro do rio Iaco): 22 membros e seus respectivos suplentes (AQUINO, 2006: 36).

Esperava-se que o Conselho tivesse uma dinâmica que pudesse atender às expectativas dos povos indígenas da região. Mas havia o perigo de essa instância fugir ao controle e barrar ou prejudicar a execução dos projetos governamentais que, como as estradas referidas acima, tivessem impactos sobre as terras e sobre o modo de vida dos povos originários.
Neste contexto, a SEPI teve um papel estratégico para as pretensões do Executivo Estadual: articulando as ações compensatórias e mitigadoras nas diferentes Tis do Acre, evitando resistência articulada por parte das comunidades e movimento indígenas.
Não resta dúvida de que, nas parcerias com o governo, o movimento indígena busca protagonismo, como ao assumir as ações de saúde na região da Amazônia Ocidental através do convênio UNI/FUNASA, nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas de Saúde do Alto Purus e Juruá. Isso foi fruto de um convênio entre o governo de Fernando Henrique Cardoso e o governo petista acreano. Porém, daí resultaram consequências negativas, que culminaram na extinção da UNI/AC e no fortalecimento da SEPI.
Ainda através da SEPI, o governo investiu na estruturação das organizações de base comoOrganização dos Povos Indígenas do Rio Envira (OPIRE), Organização dos Povos Indígenas de Tarauacá (OPITAR) e Organização dos Povos Indígenas da Região do Juruá (OPIRJ)[3]. Com esse artifício, ele conseguiu assimilar lideranças à máquina estatal, contratar assessores indígenas e deixá-los à disposição do Estado.
Dessa forma, o que parecia contribuir para o fortalecimento do movimento contribuiu, na verdade, para seu debilitamento. Organizações importantes na história de resistência do movimento, como a UNI/AC, foram extintas. Experiências com referências coletivas de organização foram pulverizadas. E assim a SEPI se fortaleceu à medida que enfraqueceu o movimento indígena e suas organizações representativas.
Por essa razão, pode-se dizer que, com a criação da SEPI, foi estabelecido um novo modelo de representação do movimento indígena: o governamental. O objetivo: afetar as diferentes forças políticas do movimento, líderes e organizações, cooptando-os ou isolando-os, tornando-os débeis, dependentes ou entusiastas do governo.
Havia, ao lado disso, a incorporação seletiva, a partir dos interesses do governo, das demandas das comunidades indígenas no PDSA. Mas concessões, como a inserção de parcelas dos indígenas na condução do aparato estatal, serviram muito mais para dar aparência de legitimidade ao projeto. E afinal, que hegemonia pode ser duradoura sem uma base material, ainda que parca? E mesmo o céu da mitologia grega não precisava do titã Atlas para lhe suportar aos ombros?

“Gestão territorial” e – indícios do – anacronismo da luta pela terra

Para o mesmo sentido, contribuíram a disseminação de ideias como etnolevantamento,etnomapeamentoetnozoneamentoetnodesenvolvimento e outros neologismos congêneres. Essas ideias foram disseminadas no processo de construção do Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE), através de iniciativas que envolviam, além do governo, organizações nãogovernamentais ligadas à questão indígena, como a CPI-AC. O ZEE foi fundamental para a institucionalização do PDSA.
As ações governamentais nas Tis, nas gestões de Jorge Viana (1999-2006) e de Arnóbio Marques (ou simplesmente “Binho”, como também é conhecido) (2007-2010), foram pautadas nesse tipo de estudos que visam à “gestão territorial”. Embora aleguem que possam trazer coisas positivas para as comunidades indígenas, são instrumento de dominação por parte do governo. Isto porque os dados coletados nas comunidades indígenas são sistematizados com a cooperação técnica dos organismos internacionais, como forma de justificar determinados projetos capitalistas que visam à exploração da natureza. Trata-se, portanto, de uma forma de apropriação simbólica e material dos territórios pertencentes aos povos originários.
O diagnóstico etnoambiental configura-se como nova forma de dominação sobre os povos indígenas e seus territórios. Nas palavras de Correia, esses estudos/levantamentos

Mantêm, portanto, um dos aspectos históricos da cartografia ocidental, mostrado por Harley (1988), de serem utilizados para a dominação, mas, agora com novas terminologias (mapeamento participativo, etnozoneamento, etnomapeamento, diagnóstico etnoambiental, levantamento etnoecológico, levantamento etnoambiental etc.) e associados à ideologia de desenvolvimento sustentável. Delineiam, assim, novas formas de dominação sobre os povos indígenas (CORREIA, 2007: 187).

Através desses expedientes, o governo elabora planos de “gestão” das potencialidades econômicas das Tis. Sem acrescentar ou subtrair, esse é o caso do PROACRE. Lançado no final de 2008, através de um novo contrato do governo do Acre com o Banco Mundial (BM), esse programa objetiva à definição das ZAPs (Zonas de Atendimento Prioritário) e das ZEDs (Zonas Especiais de Desenvolvimento).
Mas, não casualmente, o referido programa pretende também promover o “ordenamento ou adequação para o desenvolvimento sustentável, especialmente dentro de Unidades de Conservação, Tis e projetos de assentamento”. Além de aprofundar a subordinação do Estado às instituições financeiras internacionais, tal programa permitirá o manejo madeireiro em áreas indígenas.
A desarticulação do movimento na Amazônia Ocidental, dentre outras coisas, resultou também na paralisação do processo demarcatório de TIs. São 17 a serem demarcadas em todo o estado. Não foi por acaso que, historicamente, a demarcação de terras se transformou na principal bandeira de luta e reivindicação indígenas. Para os povos originários, a “posse” da terra representa uma vitória palpável e um palpável instrumento de proteção contra “os invasores”. Todavia, mantido o PROACRE, voltar à luta pela demarcação de terras não será grande vantagem – ou mesmo vantagem nenhuma – para os índios.
Sejamos claros. O “ordenamento ou adequação para o desenvolvimento sustentável” significa: território indígena aberto ao capital e ao “invasor”. Desse modo, a demarcação de terras não será, sequer formalmente, obstáculo ao capital. Nem garantirá que os povos nativos perpetuem sua cultura, sua história e seu modo de vida.
Assim, poderiam os latifundiários, seus porta-vozes e ideólogos – que vivem a protestar que “há muita terra pra pouco índio” – opor-se a que se demarquem as terras indígenas? Por isso, a manter-se o atual quadro, a luta pela terra tornar-se-á anacrônica, obsoleta.

“Transformismo”; “propaganda de afirmação” e “prática de negação”

No intuito de lograr êxito em seus propósitos, o governo vem envolvendo os indígenas através do que o BM chama de “empoderamento”, o que, em tese, implica inclusão participativa. Ao lado disso, o governo promoveu uma valorização desses povos nunca vista na sociedade acreana, trabalhando positivamente para a afirmação de sua identidade.
Com efeito, aquilo que Paula diz a respeito dos seringueiros vale para os “povos da floresta”, em geral, e para os índios, em particular: os seringueiros, que em décadas anteriores foram considerados “atrasados”, agora[4] passam a ser “modernos”, porque sua forma de se relacionar “com o meio natural é a mais adequada para se garantir a proteção da floresta amazônica” (PAULA, 2005: 288).
Mas o que significam, de fato, a participação/inclusão e a valorização dos indígenas no Governo da FPA? A quem servem?
É possível apreender o significado dessa participação/inclusão a partir do conceito de “transformismo”[5]Forjado por Antônio Gramsci, este conceito diz respeito ao processo através do qual o Estado, via cooptação, assimila personalidades políticas singulares e/ou grupos adversários inteiros. Estes são, então, incorporados às forças conservadoras.
Através de tal expediente, o Estado inclui-domestica àqueles que lhe faziam resistência e lhe criavam embaraços. Exatamente como ocorre no Acre, onde o governo assimilou parte significativa das lideranças e de setores indígenas, fazendo-os dóceis a seus interesses e colaboradores seus. Dessa forma, os projetos estatais são apresentados como sendo frutos de uma parceria entre iguais, harmônica, benéfica, eficaz. Quando não, são apresentados como fruto de iniciativa dos próprios índios.
Os cooptados passam, então, a combater seus grupos de origem. Procuram, também, fazer com que os relutantes e os avulsos acatem os desígnios estatais[6]. Em razão disso, outro resultado inelutável de tal processo é que o Estado se fortalece alimentando a fraqueza do movimento indígena, tal como a SEPI submetendo ou extirpando as outras formas de organização do movimento.
Não são poucos os que percebem os perigos contidos nas políticas estatais, e protestam contra isso – conquanto de forma ainda débil e inorgânica. Os que assim agem são tratados com a exclusão, a desqualificação e a perseguição. A retaliação estatal chega a atingir povos inteiros.
Em verdade, quanto mais colaborador do governo mais chance tem um grupo de receber melhorias em sua aldeia, e vice-versa. Em umas aldeias há até computadores. Em outras (na maioria), porém, nem sequer as condições mínimas de saneamento, saúde e educação são asseguradas. 
Por sua vez, a afirmação identitária dos povos indígenas pode ser compreendida sob a mesma lógica da valorização dos “povos da floresta” em geral, onde também encontra lugar a ressignificação dos heróis e da história acreana.
Recorrendo ostensivamente a expedientes ideológicos[7], o governo conta uma história acreana repleta de heróis e feitos. Segundo essa narrativa, ela começa com a “Revolução Acreana” e é coroada com a vitória eleitoral da FPA (1999) e com a implantação do “desenvolvimento sustentável” e da “florestania”. Qualquer coisa que fuja a esse roteiro é apresentada como um perigo, um retrocesso.
Nessa empresa, as personalidades maiores[8] da FPA se colocam como herdeiros únicos dos heróis daquela história/estória. Daí abusarem, até à distorção, de figuras como Chico Mendes. Remodelam os traços dessas “figuras gloriosas” até que, desfigurando-as, fiquem parecidas com elas. Agigantam-nas, apenas para se gloriarem à sua sombra.
Por isso, toda glorificação de Chico Mendes e de outras figuras graúdas da historia acreana (como Galvez e Plácido de Castro) é, assim, uma glorificação daquelas personalidades e das políticas estatais. Trata-se não de um culto aos mortos, como em princípio poderíamos supor. Trata-se, isto sim, de um culto aos vivos. Narcisismo elevado à máxima potência. Os sacerdotes incensam apenas a si mesmos.
E quanto à valorização dos povos indígenas? Não mais que apropriação propagandística. Estes, como os povos da floresta em geral, são valorizados apenas para difundir (interna e externamente) a ideia de que o governo, como eles e com eles, vive em harmonia com a natureza. Num momento em que os povos da floresta são considerados portadores de um modo de vida sinônimo de preservação ambiental, convém ao governo e a suas figuras de proa serem identificados com eles, usurpando daí o prestígio que for possível.
Dessa maneira, apresentar as políticas estatais como sendo inspiradas no modo de vida dos povos originários contribui favoravelmente para o governo em pelo menos dois sentidos: 1) funciona como uma espécie de legitimação das políticas estatais, como a dar a elas o selo de ambientalmente benéficas; e 2) oculta que a verdadeira matriz de tais políticas são os cânones do BM e do BID, instituições, sabidamente, responsáveis por assegurar os interesses do capital e dos países centrais (com destaque para os EUA) nos mais diversos rincões do planeta.
A contradição de tudo isso se torna manifesta no fato de haver agentes do governo ensinando os índios a fazerem artesanato, a cuidarem da floresta através do manejo, o que é crédito de carbono e outras coisas que são a mais completa e perversa subversão de suas ancestrais tradições. Poderia haver contradição mais gritante entre a propaganda de afirmação e a prática de negação da questão indígena por parte do governo?
O que ocorre no Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD) – a começar pela sua criação em área reconhecidamente habitada pelos Nukini – é exemplar a esse respeito. Camely traz o relato de um índio Nukini que muito ilumina a situação dos nativos com a criação do Parque:

(...) ocorre que quando foi criado o Parque os Nukini já estavam aqui. Alguns Nukini construíram aqui no Parque uma sede, tinha até uma escola. Era uma organização boa. O Paulo era o cacique na época e aí acusaram ele de traficante, tudo para justificar o que eles iam fazer: veio aqui a Polícia Federal e o IBAMA, chegaram de helicóptero e tocaram fogo na sede, só deu tempo do pessoal sair correndo. Tocaram fogo na moradia dos índios e da sede que funcionava como uma escola. Também queimaram o posto de saúde. A Polícia Federal jogou gasolina e tocou fogo. São 25 famílias Nukini que aqui nasceram e se criaram. Há uma reivindicação nossa de que aqui seja regularizada a nossa terra, porque não existe lugar igual a este. O que ocorre é que agora não se pode mais plantar, não se pode fazer o que fazia antes. Nós nem sabia que isto aqui era Parque, há pouco tempo foi que colocaram esta placa aí de Parque Nacional (CAMELY, 2009).

As palavras do indígena acima mostram que a política ambiental do governo, longe de ser inspirada e contribuir para a preservação do modo de vida dos povos originários, é, em um sentido bem material, sua mais completa negação. Diante de tamanha violência, compreende-se o quanto interessa ao governo lideranças cooptadas e um movimento indígena desmobilizado.

Perspectivas para os próximos anos

Para lidar com os índios, Jorge Viana criou uma Secretaria (SEPI). Ao assumir o governo, Binho fez da secretaria uma espécie de assessoria ou algo igualmente precário e vago: Articulação Especial dos Povos Indígenas. O primeiro valorizou mais a questão indígena que o segundo? Não. Apenas, uma vez controladas as coisas e os sujeitos, o status de secretaria tornou-se dispensável.  
Tião Viana segue linha semelhante à de Binho. Em suas mãos, a articulação virou Assessoria dos Assuntos Indígenas. Sua eleição representa grande ameaça para os povos originários por, pelo menos, dois motivos umbilicalmente ligados entre si: 1) sua obsessão pela exploração de petróleo; 2) o declínio da legitimidade da FPA.
Tião Viana é o principal defensor da exploração de petróleo e gás natural no estado. Como senador, via emendas parlamentares, ele destinou nada menos que 75 milhões para que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) levasse a cabo estudos sobre a existência de gás natural e petróleo em solo acreano.
A área em que se pretende realizar a exploração é fronteiriça. Ali, sabidamente, serão impactadas áreas indígenas, inclusive de índios isolados. Devido aos impactos que a exploração traz consigo, desde o início ela recebeu resistência por parte de alguns grupos indígenas, seringueiros, pequenos produtores, trabalhadores rurais etc. Não casualmente, tanto os estudos quanto seus resultados são ocultados da sociedade.
 No campo da resistência, merece destaque a corajosa e intransigente atuação do CIMI. Por sua força de articulação e autonomia diante do poder estatal, trata-se, hoje, da mais importante organização indigenista atuante na Amazônia Ocidental. Sua aguerrida oposição ao projeto da exploração obrigou Tião Viana, então senador, a apelar para a hierarquia católica. O objetivo do parlamentar era evitar que esses “criadores de caso” “atrapalhassem seu governo”.
A apelação não surtiu o efeito esperado. As autoridades a quem recorreu apoiaram a luta do CIMI em favor dos povos originários ou permitiram que ele a levasse a cabo. Lamentavelmente, nem todas as autoridades católicas pensam em uníssono. E a atuação do CIMI passou a ser minada por dentro da própria Igreja local. Pesa neste sentido a falta de apoio ou mesmo a oposição do Bispo Dom Joaquín Pertíñez.
Inegavelmente zeloso das questões mais litúrgicas e intraeclesiais, Dom Joaquín é politicamente conservador, dispensa pouca atenção às questões sociais e ignora – talvez por completo – a questão indígena. Sem o fundamental apoio dessa autoridade, o CIMI fica praticamente isolado.   
Decerto, não se pode dizer que o Bispo apoia ativamente o governo. Mas seu conservadorismo e ignorância criam embaraços para o CIMI. Como se pouco isso fosse, alguns de seus assessores mais próximos são, confessadamente, governistas. Entre outros, esse é o caso do Pe. Mássimo Lombardi.
Dentre outras coisas, o referido clérigo atua como Coordenador das Pastorais Sociais, cargo que exerce sempre condicionado pelo seu incondicionado apoio ao PT e à FPA. Enquanto o CIMI evita participar de eventos e encontros promovidos pelo Governo – para não legitimar projetos que são do interesse do governo e não dos indígenas -, Pe. Mássimo não se faz de rogado. E ainda posa para foto. Com esse simples ato, além de seu apoio pessoal, o sacerdote hipoteca o apoio da Igreja e das pastorais sociais a que representa, entre as quais o CIMI[9]
Durante as campanhas eleitorais, Tião Viana afirmava que se abria uma nova fase de desenvolvimento para o Acre: o da indústria. Eis aí o que pode lhe servir de justificação ideológica para promover exploração de petróleo, ainda que ao preço de deixar mais expostas as insuficiências e contradições do “desenvolvimento sustentável” que defende.
Tão perceptíveis quanto as insuficiências são as contradições. Alega-se preservação ambiental, mas mercadifica-se a floresta, entregando parte significativa dela às serrarias! Propõem-se a plantação de cana-de-açúcar para a produção de bicombustível, e busca-se, obcecadamente, exploração de petróleo. É possível conceber esquizofrenia mais extremada?
Dizem que o sustentável surge, historicamente, para qualificar aquele tipo de desenvolvimento que se põe na contramão do desenvolvimento que se consolida com a Revolução Industrial, este calcado na exploração irracional dos recursos naturais e na utilização de combustíveis fósseis. Mas no Acre não há diferença entre um e outro. Vê-se que o projeto de desenvolvimento em curso se assemelha à caixa de Pandora. Muitos são os males que dela têm saído. Mas não a esperança.
O declínio da legitimidade da FPA e a “nova etapa do desenvolvimento” do estado apontam-nos para o recrudescimento da situação. Tudo leva a crer que os anos vindouros serão difíceis. E, para o melhor como para o pior, propícios para recompor a resistência. Ou, nas palavras de Mao Tsé-Tung: “Existe um grande caos abaixo do céu – a situação é excelente”.

Considerações Finais
Historicamente, a relação Estado-Movimento Indígena na Amazônia Ocidental foi marcada pelo conflito. O Estado sempre dispensou ao Movimento Indígena exclusão, indiferença, violência etc. A luta dos povos originários por autodeterminação e defesa da identidade e do território sempre encontrou nele impiedoso adversário.
Entretanto, em 1999, com a eleição do governo da FPA, cria-se grande expectativa de mudanças positivas nesse histórico. O Estado seria conduzido por um partido que mantinha relações amistosas com o movimento indígena. É criada a SEPI e também espaços e instâncias em que os nativos poderiam se fazer ouvir.
Pela primeira vez, os indígenas foram encarados como sujeitos e convidados a tomar parte na condução do aparato estatal. Além disso, o referido governo colocou em marcha um modelo de desenvolvimento que dizia ser inspirado no modo de vida dos “povos da floresta”.
Paralelamente, porém, o governo promoveu um intenso processo de cooptação de lideranças indígenas e de desmobilização do movimento. Em função disso, hoje não há mais reivindicação ardorosa e combativa por demarcação de terras. Pouco se protesta contra a conclusão das BRs 364 e 317 e contra a criação de áreas de preservação ambiental que, sabidamente, afetam irreversível e perversamente alguns povos.
Por outro lado, o governo tem promovido estudos e mais estudos sobre a potencialidade econômica das TIs, certamente intentando explorações. E, mais recentemente, ele tem criado as condições para implantar o manejo madeireiro também em TIs.
Por força de tais razões, pode-se dizer que convidar o movimento indígena a tomar parte na estrutura estatal foi uma forma que o governo encontrou de vigiá-lo, desmobilizá-lo, enquadrá-lo.
O pior desses tempos sombrios, entretanto, é que, ainda entre muitos, essa contrarrevolução é celebrada como revolução.    

Referências Bibliográficas

ABDALA, Fabio de Andrade. Governança Global sobre Florestas: O caso do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – PPG7 (1992-2006), Universidade de Brasília, 2007 (Tese de Doutorado).
CAMELY, Nazira Correia. A geopolítica do ambientalismo ongueiro na Amazônia brasileira: um estudo sobre o caso do Acre. Tese de doutorado. Universidade Federal Fluminense, 2009.
CORREIA, Clode de Souza. Etnozoneamento, Etnomapeamento e Diagnostico Etnoambiental: Representações Cartográficas e Gestão Territorial em Terras Indígenas no Estado do Acre. Universidade de Brasília, 2007 (Tese de Doutorado).
DEPARIS, Sidiclei Roque. União das Nações Indígenas (UNI): Contribuição ao Movimento Indígena no Brasil (1980-1988). Universidade Federal da Grande Dourados, 2007 (Tese Mestrado).
FALCÃO, Francisco Charles Fernandes. Estado e Movimento Indígena: da resistência à subordinação. Monografia. União Educacional do Norte – UNINORTE. Rio Branco, Acre: 2009.
FORNECK, Anselmo Alfredo. O Movimento Indígena no Acre e sul do Amazonas. [trabalho de conclusão de curso] Rio Branco: Universidade Federal do Acre. Curso de Ciências Sociais. Departamento de Filosofia e Ciências Sociais, 1997.
LOEBENS, Guenter Francisco. Movimento e organizações Indígenas no Brasil, CIMI – Brasilia-DF, 2008.
PAULA, Elder Andrade de. (Des)Envolvimento insustentável na Amazônia Ocidental: dos missionários do progresso aos mercadores da natureza. EDUFAC. (Séries Dissertações e Teses – 7). Rio Branco, 2005.
SOBRINHO, Pedro Vicente. Capital e trabalho na Amazônia Ocidental. São Paulo: Cortez Editora; Rio Branco (AC): Universidade Federal do Acre, 1992.
SOUZA, Israel Pereira Dias de. “Reformas do Estado” e Discurso Florestânico no Governo da Frente Popular: entre a epopeia e a tragédia. Rio Branco: UFAC, 2005 (Monografia de Graduação em Ciências Sociais).
SOUZA, Israel Pereira Dias de. Ambientalismo e geopolítica na Amazônia-Acreana: da criação das RESEX aos corredores da espoliação. Texto apresentado no XIV Congresso Brasileiro de Sociologia no Rio de Janeiro, 2009.
SUESS, Paulo. A Causa Indígena na Caminhada e a Proposta do Cimi: 1972-1989. Petrópolis: Vozes, 1989.




[1] Trata-se de uma versão, um tanto modificada, do trabalho Estado e Movimento Indígena na Amazônia Ocidental: do conflito à conciliação?, apresentado no II Encontro da Sociedade Brasileira de Sociologia da Região Norte, realizado entre os dias 13 e 15 de setembro de 2010, Belém (PA). Esse texto faz parte de meu livro Democracia no Acre: notícias de uma ausência, lançado agora em 2014.
[2] Graduado em Ciência Política e Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Acre-UFAC/Brasil, membro do Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental (NUPESDAO). E-mail: israelpolitica@gmail.com
[2] Professor e Pesquisador do Centro de Filosofia e Ciências Humanas  da Universidade Federal do Acre-UFAC/ Brasil.  E-mail: elderpaula@uol.com.br
[3] A esse respeito a OPIRJ é emblemática. Sua sede, manutenção e pagamento de funcionários são bancados pelo Governo. Que autonomia é possível em tal situação? A organização é do movimento indígena ou do Estado?
[4] Paula se refere ao período em que a preocupação com a preservação ambiental ganha relevo e os modelos de “modernização” passam a sofrer resistência por amplos setores da sociedade. É sem prejuízo para suas referências, porém, que lançamos mão de sua observação para analisar o que ocorre no Governo da FPA.   
[5] Pelo que sabemos, Paula (2005: 291) foi o primeiro a usar o conceito de transformismo para analisar a capitulação ocorrida no seio das organizações das classes subalternas depois da ascensão do PT ao governo do estado. O que ele fez enfocando o Movimento dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (MSTR), fazemos enfocando (num trabalho de menor fôlego, claro) o movimento indígena. 
[6] Em mais de uma ocasião, presenciamos os índios ligados ao governo chegarem a encontros promovidos pelo CIMI levando “recados” do governo, insinuando que o encontro era sem sentido, que, sem precisar daquilo, o governo atenderia às reivindicações. Às vezes, eles simplesmente travavam o encontro pela via do tumulto.  
[7] Para melhor entender as estratégias consensuais das quais o governo lança mão, recomendamos Souza (2005). Aí o leitor encontrará uma análise mais ampla e detalhada sobre o tema. Nesse trabalho, encontra-se a formulação do conceito de discurso florestânico (o conjunto de ideias em torno e através das quais o governo da Frente Popular elabora o consenso – e o “desenvolvimento sustentável” está entre elas – e que se materializam e massificam através dos aparelhos de hegemonia da sociedade civil: meios de comunicação, sindicatos, ONGs, igrejas, etc. As obras e todas as práticas que despertam e estimulam o civismo (como cantar o hino acreano nos eventos promovidos pelo governo) acabam também por tomar parte nesse discurso), ainda hoje pertinente para analisar as estratégias ideológicas de dominação da FPA. Além disso, são tratadas também a ressignificação da história e dos heróis, ao lado de uma abordagem crítica e sistemática acerca do termo florestania etc.
[8] Jorge Viana e Tião Viana.
[9] Em face dos problemas no estado e da magnitude dos desafios, hoje o CIMI atua no sentido de conseguir aliados em toda a Amazônia brasileira e, ainda, na Amazônia boliviana e na peruana. É nesse sentido que se pode entender o Seminário Internacional Grandes Projetos na Amazônia e seus Impactos, ocorrido em Rio Branco-AC entre os dias 2 e 4/06/2010. Entendemos que essa, mais que uma atitude acertada, é uma atitude necessária. É inconcebível restringir às esferas local, regional e – ou no máximo – nacional, enquanto há muito o capital atua numa escala continental.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Aumentam os índices de assassinato, suicídio e mortalidade infantil de indígenas, aponta relatório do Cimi


Houve um severo aumento da violência e das violações praticadas contra os povos indígenas no Brasil em 2014, especialmente em relação aos casos de assassinatos, suicídios, mortes por desassistência à saúde, mortalidade na infância, invasões possessórias e exploração ilegal de recursos naturais e de omissão e morosidade na regularização das terras indígenas. Esta é a constatação do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2014, que o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lançou na tarde desta sexta-feira, 19, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília.

“A situação é muito complicada entre os povos indígenas, mas vemos um ataque aos direitos humanos como um todo. Se faz necessário resistir de forma abnegada junto aos condenados desta terra. Que Deus nos dê saúde para seguir adiante”, disse o presidente do Cimi e bispo do Xingu, Dom Erwin Kräutler. O religioso fez referências à encíclica do Papa Francisco sobre ecologia e os alertas feitos pelo Sumo Pontífice aos ataques sofridos pelos povos indígenas no mundo. O relatório do Cimi, portanto, reafirma tais investidas contra os povos originários. No evento, estiveram presentes o secretário da CNBB, Dom Leonardo Steiner, e a liderança indígena Tito Vilhalva Guarani e Kaiowá.
“Tiraram à força todo mundo dos tekoha – lugar onde se é - lá. Pra gente voltar tem sido esse sofrimento. Pistoleiro mata, fome mata, atropelamento mata, suicídio mata. Não vamos desistir não. A gente continua: embaixo de lona, de frio, de calor, de tiro. Vamos tudo ficar ali”, frisou Tito.
O Relatório é realizado a partir da sistematização de dados coletados e compilados com base nas denúncias e nos relatos dos povos, das lideranças e organizações indígenas, de informações das equipes missionárias do Cimi que atuam nas áreas e de notícias veiculadas pelos meios de comunicação de todo país. Também inclui informações de fontes oficiais. O aumento das violências e violações foi constatado em 17 das 19 categorias que compõem o Relatório.
"Violências contra os povos indígenatrazem consigo um histórico não reparado. Das mais graves, a participação do Estado segue e permite todas as outras", afirmou o secretário executivo do Cimi Cleber Buzatto, durante o lançamento do relatório.
De acordo com informações da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde, 135 indígenas cometeram suicídio em 2014. Este número configura-se como o maior em 29 anos, de acordo com os registros do Cimi. O Mato Grosso do Sul continua sendo o estado que apresenta a maior quantidade de ocorrências, com o registro de 48 suicídios, totalizando 707 casos registrados de suicídio no estado entre 2000 e 2014. Também é preocupante o alto número de casos registrados no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Alto Rio Solimões, localizado no Amazonas, onde são atendidos os povos Tikuna, Kokama e Caixana. Somente neste Dsei foram registrados 37 casos de suicídio.
"Decisões da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) descaracterizam o que é terra indígena. A Constituição Federal não fala em marco temporal", diz Buzatto. O missionário explica que frente a tais decisões, as comunidades indígenas sentem-se vulneráveis, desassistidas. O que confere liberdade aos inimigos das comunidades indígenas.   
Ainda segundo as informações da Sesai, 138 indígenas foram assassinados em 2014, sendo que no ano anterior 97 casos foram registrados. Os dados enviados pela Sesai não permitem uma análise mais aprofundada em relação aos povos, estado, sexo e idade das vítimas. Mas, segundo informações do Dsei Mato Grosso do Sul, é possível afirmar que este estado figura mais uma vez como o mais violento do país, em relação ao assassinato de indígenas, com 41 ocorrências ou 29% dos casos.

 Um dos dados mais chocantes do Relatório refere-se à mortalidade na infância. “A mortalidade infantil e os suicídios exterminam a juventude indígena. Estamos diante de uma situação absolutamente grave”, analisa a assessora antropológica do Cimi e coordenadora do relatório, Lúcia Helena Rangel. Dados preliminares da Sesai apontam um total de 785 mortes de crianças entre 0 e 5 anos. Em 2013 o relatório do Cimi registrou a morte de 693 crianças em todo o país. Os Xavante, de Mato Grosso, foi o povo com o maior número de crianças mortas em 2014, totalizando 116. A taxa de mortalidade na infância (do nascimento até cinco anos) nos Xavante chegou a 141,64 por mil, enquanto a média nacional registrada em 2013 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) foi de 17 por mil. Em Altamira, no Pará, município atingido pelas obras da hidrelétrica de Belo Monte, a taxa de mortalidade na infância chegou a 141,84 por mil.




Entre os Yanomami foram registradas 46 mortes de crianças menores de 1 ano. Este povo realizou diversas mobilizações durante todo o ano de 2014, com o propósito de exigir do governo federal um melhor atendimento na área de saúde. Em relação à morte por desassistência à saúde, em 2014, foram registrados 21 casos. No ano anterior, sete mortes haviam sido registradas.
Assim como ocorreu no ano anterior, o governo Dilma Rousseff continuou atendendo aos interesses e pressões do agronegócio em 2014. A presidente da República não assinou nenhuma homologação de terra indígena, apesar de pelo menos 21 processos de demarcação de terras sem nenhum óbice administrativo e/ou judicial ainda estarem em seu gabinete no final do ano, aguardando apenas a sua assinatura para a homologação.
A mesma orientação seguiu o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Nove processos aguardavam apenas sua assinatura para serem publicadas as respectivas portarias declaratórias. Também no caso destas terras não há nenhum impedimento legal e/ou administrativo para que os processos de regularização avancem no Poder Executivo.
Neste contexto, em 2014, o Cimi registrou 118 casos de omissão e morosidade na regulamentação de terras, mais que o dobro do que foi registrado em 2013, 51 ocorrências. No Pará, estado com o maior número de casos, o não reconhecimento das terras indígenas está diretamente ligado às intenções do governo federal em construir grandes hidrelétricas, como no caso da usina São Luiz do Tapajós que, se construída, alagará aldeias, florestas e cemitérios da Terra Indígena Sawré Muybu, do povo Munduruku.
Já no Mato Grosso do Sul, estado com 24 ocorrências de omissão e morosidade na regulamentação de terras, as comunidades indígenas vivem à beira de rodovias, em barracos de lonas, cercadas por pistoleiros disfarçados de segurança e sujeitas a todo tipo de violências, inclusive a despejos violentos.
Em 2014, mais do que duplicaram também os registros relativos a invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio. Enquanto em 2013 foram feitas 36 ocorrências, em 2014 foram registrados 84 casos.
O Relatório Violência Contra os Povos Indígenas – dados de 2014 ainda traz vários artigos que contextualizam e aprofundam a análise sobre os dados reunidos. A baixa execução orçamentária dos recursos públicos disponíveis para a ação de demarcação de terras indígenas, dentre outros, revela que não é por falta de recursos financeiros que as demarcações não foram realizadas. A histórica violência institucional praticada contra os povos indígenas também é abordada no Relatório, a partir de casos bastante graves de violações realizadas pelas forças policiais em 2014. Um novo capítulo, intitulado Memória e Justiça, traz ainda reflexões sobre a recente violência sofrida pelos povos durante o período da ditadura militar e as recomendações da Comissão Nacional da Verdade (CNV) em seu capítulo específico sobre os povos indígenas.

Outras informações:
Assessoria de Comunicação do Cimi -
Carolina Fasolo – 61 9926-281261 9926-2812
Maqueli Quadros – 61 9686-620561 9686-6205
Patrícia Bonilha – 61 9979-705961 9979-7059