quinta-feira, 14 de abril de 2022

ACAMPAMENTO TERRA LIVRE ACRE 2022: Apesar dos pesares a luta segue com força e fé

Exigimos que sejam reconhecidos os direitos e a existência das comunidades tradicionais e indígenas que vivem em unidades de conservação, como o caso dos Sharanawa no Parque Chandless e dos Nawa e Nukini no Parque Nacional da Serra do Divisor.


Criança Huni Kui. Foto Lindomar Padilha

    A foto representa bem o sentido do Acampamento Terra Livre no Acre: Toda a ternura e esperança de um outro futuro possível que nascerá do enfrentamento aos projetos de morte para os povos originários. O Projeto de Lei 490 representa toda sorte de ataque aos direitos dos povos; a bandeira do Acre representa e diz claramente do compromisso do atual governo do estado com esses projetos de morte, afinal, o atual governo é um ruralista apoiador incondicional de Bolsonaro;  O cocar nos lembra que os governos passados e o atual, nunca se preocuparam efetivamente com os povos e que  avanço, se houve, foi por causa e consequencia da luta; A criança representa a certeza de um amanhã mais sorridente e um futuro onde a liberdade reinará.
    A verdadeira causa indígena não tem o glamour que parte da mídia gosta de apresentar nesses tempos de "homenagens" aos povos indígenas. A mídia e os políticos aproveitam esses momentos para  se mostrarem defensores desses povos e, para isso, se fazem cercar de representantes mais preocupados com sua imagem própria e mesmo com as vantagens pessoais. Mas, a verdadeira luta se dá no chão do acampamento e no solo sagrado das aldeias, no mais, não passam de belas imagens e discursos para agradar.
    Em outro momento escreverei mais sobre o acampamento. Por enquanto é preciso silenciar para ouvirmos o que essas guerreiras e guerreiros nos tem a dizer. Silenciemos nossas mentes.

Eis o documento final:


ACAMPAMENTO TERRA LIVRE ACRE 2022

DOCUMENTO FINAL


Nós, lideranças e representantes de 14 “povos indígenas” do estado do Acre, sul do Amazonas e noroeste de Rondônia, reunidos no Acampamento Terra Livre Acre 2022, preocupados com os retrocessos e ataques aos nossos direitos, nos sentindo ameaçados com os ataques sistemáticos do Congresso Nacional e do Governo Federal por meio de projetos de lei, decretos e outras medidas administrativas, nos reunimos em plenária para somar e apoiar a mobilização indígena nacional. Acampamos entre os dias 11 e 14 de abril de 2022 na frente do Palácio do Governo e da Assembleia Legislativa em Rio Branco, onde discutimos:

• Direitos dos Povos Originários: Constituição Federal e Tratados Internacionais, a Convenção 169 da OIT (Decreto 5051 de 19 de abril de 2004), a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas; 

• Educação Escolar Indígena: conquistas e retrocessos;

• Saúde indígena: conquistas e retrocessos no atendimento à saúde e no controle social indígena;

• Fortalecimento da soberania alimentar, e do cuidado e preservação dos territórios;

• Recursos e financiamentos para fortalecer inciativas de valorização da cultura;

• As tentativas de retrocessos que ameaçam os direitos indígenas e ambientais garantidos na Constituição Federal de 1988

- PL 191/2020, para liberar a mineração, o cultivo de transgênicos e empreendimentos nas Terras Indígenas sem respeito ao usufruto exclusivo e ao direito de consulta livre, prévia e informada.

- PL 490/2007, que pretende alterar as regras para a demarcação das terras indígenas e liberar a exploração predatória dos nossos territórios.

- PL 6024/2019, proposto pela deputada federal do Acre Mara Rocha, quer reduzir a Reserva Extrativista Chico Mendes e acabar com o Parque Nacional da Serra do Divisor para a expansão do agronegócio, da agropecuária e da exploração mineral, o que irá impactar diretamente as nossas vidas e comprometer a vida das futuras gerações.

- Julgamento do Recurso Extraordinário de Repercussão Geral - Tese do Marco Temporal

- PL 3729/2004 (PL 2159/2021), que pretende alterar as regras do licenciamento ambiental e favorecer a exploração predatória das riquezas dos nossos territórios.

- PDL 177/2021, proposto para autorizar o Brasil a denunciar a Convenção 169 da OIT, acabando com a proteção e obrigação de consulta, e abrindo as portas dos nossos territórios para empreendimentos e multinacionais.

O Estado brasileiro não está dialogando com os Povos Indígenas, não há efetivação das políticas públicas para as comunidades indígenas nas áreas de educação, saúde, segurança pública e proteção territorial. Isso acontece também no estado do Acre, com a falta de instâncias de diálogo e participação direta e efetiva dos Povos Indígenas.

Exigimos que as instituições cumpram suas obrigações e garantam a participação indígena na construção, execução e efetivação das ações e políticas dirigidas aos Povos Indígenas.

Exigimos a continuidade da demarcação das Terras Indígenas ainda não demarcadas e a proteção das lideranças ameaçadas por invasores dos nossos territórios.

Exigimos que o Estado cumpra sua obrigação de proteger, fiscalizar e garantir a integridade das Terras Indígenas demarcadas e das terras que estão em processo de demarcação e reconhecimento. E exigimos a proteção das lideranças, defensoras e defensores ameaçados.

Exigimos que sejam reconhecidos os direitos e a existência das comunidades tradicionais e indígenas que vivem em unidades de conservação, como o caso dos Sharanawa no Parque Chandless e dos Nawa e Nukini no Parque Nacional da Serra do Divisor.

Exigimos a proteção dos territórios e dos direitos dos Povos Indígenas em Isolamento Voluntário, que não querem contato.

Reivindicamos ações do governo brasileiro para a defesa das fronteiras e proteção da ameaça das estradas que estão sendo construídas no país vizinho e que afetará gravemente as terras indígenas, a floresta e o meio ambiente no Alto Juruá. Exigimos ações contra a estrada que está sendo construída para ligar o Rio Ucayali e o Rio Juruá (Nueva Itália – Puerto Breu) na fronteira, e a suspensão da proposta de construção da estrada entre Cruzeiro do Sul e Pucallpa, que está sendo promovida sem consulta, com risco de dano ao meio ambiente, grilagem, poluição dos rios, invasão dos nossos territórios e dos isolados.

Encaminhamos esse documento aos órgãos competentes para as providências cabíveis no cumprimento de sua missão institucional. Aguardaremos a manifestação e a resposta às nossas demandas.

Solicitamos que os órgãos de defesa dos direitos indígenas como o Ministério Público Federal acompanhem, fiscalizem e garantam a transparência das políticas públicas e o respeito aos nossos direitos.

O presente documento está em acordo com o preconizado na Constituição Federal (art. 232), com os princípios da autonomia e autodeterminação, do direito de representarmos a nós mesmos e de ingressarmos em juízo em defesa dos nossos direitos e interesses.

Unir para Lutar! E Unificar para Vencer!


terça-feira, 12 de abril de 2022

LIDERANÇAS DE 16 POVOS DO ACRE INICIAM A MOBILIZAÇÃO ACAMPAMENTO TERRA LIVRE 2022

 

Foto: Lindomar Padilha - Cimi

Cerca de 170 representantes de 16 povos do Acre iniciaram neste dia 11 de abril o ATL/AC (Acampamento Terra Livre no Acre). A mobilização começou com uma marcha em direção à diversos órgãos e instituições. A primeira parada foi na Coordenação regional da Funai (Coordenação Alto Purus), coordenada por José Ciro Monteiro Junior, que é fuzileiro naval. Esta primeira parada foi também a mais sintomática e reveladora de quão grave está a situação dos povos indígenas. O coordenador não recebeu as lideranças e se recusou até mesmo a dar uma explicação para tal recusa. Mas, o fato ainda mais grave foi que, após a fala do Sr. Francisco Saldanha, cacique do povo Jaminawa da Terra Indígena São Paolino, e como o cacique se dirigia a um banheiro externo à Funai,  o coordenador percebeu sua passagem e dirigiu-se a ele nos seguintes termos: “É Francisco você fala mal da Funai né? Portanto, não vou receber mais nenhum documento vindo de vocês. Se quiser procure o Ministério Público”. Segundo depoimento do cacique, a intenção era clara: no mínimo intimidar.

Diante da postura intransigente e desrespeitosa, para dizer o mínimo, todas as lideranças que tomaram a palavra repudiaram o comportamento do coordenador afirmando que o mesmo não pode trabalhar com os povos indígenas e se tornou unânime o pedido de demissão. Segundo as lideranças, o coordenador terá uma representação formal contra ele e um pedido urgente de exoneração. Aliás, aproveitaram a parada no MPF e OAB/AC para denunciá-lo e pedir que providências sejam tomadas.

Na Polícia Federal foram recebidos em comissão e ouviu da PF um compromisso de acolher todas as demandas que lhe forem apresentadas. No MPF o próprio procurador saiu de seu gabinete e foi ao encontro das lideranças em um ato muito bonito. Também foi recebido com muito afeto e sob gritos e falas de agradecimento pela atuação na defesa dos direitos dos povos e no cumprimento de suas atribuições constitucionais.

Após todo o dia de caminhada e visita aos órgãos, todos montaram acampamento em frente ao Palácio do governo do estado e em frente a Assembleia Legislativa. Até o dia 14 permanecerão acampados e cumprindo uma extensa pauta marcada principalmente pelo sucateamento da Funai, ICMBio e Ibama, propostas e projetos que atingem diretamente os povos seus direitos e territórios, que segundo dados do Cimi são 33 propostas, reunindo mais de 100 projetos, ameaçam direitos indígenas. Outro ponto a ser debatido trata das novas formas de violações de direitos alimentadas pela chamada economia verde ou mercantilização e financeirização da natureza por meio de projetos do tipo REDD+ e REM (Programa para Pioneiros em REDD). Modelo que o Acre tem exportado como se estivesse dando certo, mas, na verdade é parte da grande farsa das falsas soluções. Neste contexto, foi feito também hoje, dia 12, pela manhã o lançamento da revista GOLPE VERDE: Falsas Soluções para o Desastre Climático (https://cimi.org.br/wp-content/uploads/2022/02/golpe-verde-cimi-ao.pdf).

O acampamento segue com muita animação e com a promessa de grandes debates. Ao final, serão apresentados encaminhamentos e um documento final que expressará todas as demandas apontando para um outro futuro possível.


Criança Huni Kui em frente à Funai
Foto Lindomar Padilha - Cimi